Adaptações agudas e crônicas dos exercícios resistidos no sistema cardiovascular Adaptaciones agudas y crónicas de los ejercicios de resistencia en el sistema cardiovascular |
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*Professor da Área de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Passo Fundo (ICB/UPF) **Professor do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Envelhecimento Humano da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo (PPGEH/FEFF/UPF) |
Gustavo Graeff Kura* Hugo Tourinho Filho** (Brasil) |
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Resumo A presente revisão tem como objetivo resgatar os principais efeitos provocados pelo treinamento resistido sobre o sistema cardiovascular. Para tal o documento foi organizado partindo da discussão, num primeiro momento, sobre as adaptações fisiológicas e sua relação com a prática regular de exercícios físicos e em seguida sobre as adaptações provocadas, propriamente dita, pelo treinamento resistido sobre a pressão arterial, morfologia do coração e sobre as adaptações hemodinâmicas provocadas por essa forma de exercício. Em vista do exposto, esta revisão bibliográfica discute questões pertinentes às adaptações agudas e crônicas dos exercícios resistidos no sistema cardiovascular, procurando desmistificar algumas concepções equivocadas de que os exercícios resistidos são hemodinamicamente perigosos. Unitermos: Adaptações agudas e crônicas. Exercícios resistidos. Sistema cardiovascular.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 153, Febrero de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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1. Introdução
Durante muito tempo o treinamento resistido, também conhecido como musculação, foi desaconselhado e contra-indicado para indivíduos portadores de diversas cardiopatias, pelo fato de, durante a execução dessa modalidade de exercícios, a freqüência cardíaca e a pressão arterial poderia sofrer uma elevação exacerbada (26) o que representaria um risco potencial para o rompimento de aneurismas cerebrais preexistentes (21).
No entanto, o baixo índice de acidentes cardiovasculares durante os exercícios resistidos (18), e um melhor conhecimento da fisiologia do exercício por parte dos profissionais da área de saúde pode trazer uma maior tranqüilidade quanto à utilização dos exercícios resistidos em diversas populações. Assim, essa atividade passou a ser considerada adequada e aconselhada a vários grupos de indivíduos, como idosos (22, 7, 1), portadores de doença cardiovascular (45, 36) e adultos saudáveis (2, 20).
Considerando os ganhos musculoesqueléticos provocados por esses exercícios (14), o interesse por parte de muitos estudiosos em esclarecer melhor a importância dos exercícios resistidos nas cardiopatias vem crescendo expressivamente. O fato de os exercícios resistidos poderem induzir um grande aumento na pressão arterial e freqüência cardíaca durante a execução de exercícios com carga máxima talvez explique o conceito equivocado que alguns profissionais de saúde ainda têm no sentido de que o treinamento resistido seria uma atividade de alto risco cardiovascular.
Em vista do exposto, esta revisão bibliográfica discute questões pertinentes às adaptações agudas e crônicas dos exercícios resistidos no sistema cardiovascular, procurando desmistificar algumas concepções equivocadas de que os exercícios resistidos são hemodinamicamente perigosos.
2. Adaptações fisiológicas e exercício físico
A adaptação é um fenômeno biológico fundamental que tem grande relevância prática nas atividades físicas e no esporte. Nesse sentido, o treinamento físico regular provoca uma série de estímulos que produzem modificações e adaptações estruturais e funcionais (44).
As adaptações (respostas) fisiológicas do exercício físico são decorrentes do processo de treinamento físico e podem ser de ordem aguda ou crônica. As adaptações agudas, também denominadas “respostas agudas”, são aquelas que ocorrem em associação direta com a sessão de exercício e podem ser subdivididas em imediatas ou tardias (3). As respostas agudas imediatas são as que ocorrem nos períodos pré-imediato e pós-imediato rápido, até alguns minutos após o término do exercício (3), como as elevações na freqüência cardíaca, na pressão arterial e na temperatura corporal.
Já as adaptações agudas tardias são aquelas observadas ao longo das primeiras 24 ou 48 horas, às vezes até 72 horas, após uma sessão de exercícios e podem ser exemplificadas pelas reduções nos níveis tencionais e pelo aumento da sensibilidade insulínica (3).
As adaptações crônicas são aquelas que resultam da exposição sistemática a sessões de exercícios, representando as alterações morfofuncionais que diferenciam um indivíduo fisicamente treinado de um não treinado. Por sua vez, as adaptações crônicas são bem representadas pela bradicardia de repouso, hipertrofia muscular e elevação da potência aeróbia (3, 44).
As respostas adaptativas alcançadas com os estímulos oferecidos pelo processo de treinamento físico recebem as características do tipo de exercício sistematicamente utilizado nos treinos. Nesse contexto, podem-se caracterizar os exercícios físicos em dois tipos distintos, ou seja, exercícios dinâmicos ou isotônicos (contração muscular, seguida de movimento articular) e estáticos ou isométricos (contração muscular, sem movimento articular), cada um implicando respostas cardiovasculares distintas (15). Desse modo, cada exercício determina o grau de atividade dos vários órgãos, dos diferentes tipos de músculos e unidades motoras utilizadas na execução do movimento (46).
Apesar de as respostas fisiológicas aos exercícios dinâmicos e estáticos serem caracterizadas de forma distinta quando se realiza uma série de exercícios resistidos de alta intensidade, esses são executados de forma que os exercícios dinâmicos possam apresentar um componente isométrico bastante elevado, de modo que as respostas cardiovasculares durante sua execução se assemelhem àquelas observadas nos exercícios estáticos (10).
Dessa forma, as adaptações cardiovasculares ao treinamento aeróbio são diferentes das adaptações ao treinamento resistido. Em geral, essas diferenças são causadas pela necessidade de bombear uma grande quantidade de sangue a uma pressão relativamente baixa no caso dos exercícios aeróbios, ao passo que durante os exercícios resistidos uma quantidade relativamente pequena de sangue é bombeada a uma pressão alta (14). Assim, para suprir a nova demanda metabólica e manter a homeostasia, várias adaptações fisiológicas nos sistemas corporais e, em particular, no cardiovascular são necessárias.
3. Adaptações agudas do treinamento resistido no sistema cardiovascular
Durante a execução de uma série de exercícios resistidos, a pressão arterial aumenta substancialmente (34), podendo alcançar cifras de 320/250 milímetros de mercúrio (mmHg) para pressão arterial sistólica e diastólica, respectivamente, durante exercícios realizados com ações musculares voluntárias máximas, ou seja, intensidade máxima (26).
Por outro lado, essas cifras exorbitantes não foram encontradas durante a execução de exercícios resistidos com intensidades submáximas (33, 30, 31). Os níveis elevados de pressão arterial encontrados em estudos com fisiculturistas nos quais os exercícios foram realizados até o ponto de falência, ou seja, com ações musculares voluntárias máximas (26), não podem ser equiparados aos resultados encontrados em outras populações que realizaram exercícios submáximos (33, 30, 31).
A esse respeito, em estudo realizado por Meyer et al. (31) em pacientes com insuficiência cardíaca, que realizaram exercícios no leg press, com carga relativa a 60% e 80% de uma repetição máxima, as respostas pressóricas foram de 144 mmHg (sistólica) e 71 mmHg (diastólica), durante 60% de uma repetição máxima, e 145 mmHg (sistólica) e 69 mmHg (diastólica), durante 80% de uma repetição máxima. De forma semelhante, porém com carga relativa a 70% de uma repetição máxima, Mckelvie el al. (30) obtiveram os resultados de 189/98 mmHg para as pressões arteriais sistólica e diastólica, respectivamente.
A elevação da pressão arterial está provavelmente relacionada ao aumento do débito cardíaco, aumento das pressões intra-abdominal e intratorácica e ao aumento acentuado da pressão intramuscular que ocorre durante o esforço contrátil (12). Esse aumento da pressão intramuscular promove uma diminuição acentuada ou, até mesmo, uma obstrução do fluxo sangüíneo, em razão do bloqueio mecânico imposto pela massa muscular contraída (26). No entanto, o aumento repentino da pressão arterial durante a contração muscular pode também estar relacionado à realização da manobra de valsava que normalmente acompanha as contrações musculares intensas (13, 26).
Conseqüentemente, as maiores pressões arteriais são alcançadas com séries longas, levadas até exaustão, o que permite que ocorram todos os fatores que contribuem para um aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca, (26, 13), ao passo que as séries realizadas em intensidades submáximas são insuficientes em duração e intensidade para aumentar exacerbadamente a pressão arterial e a freqüência cardíaca.
Em relação às respostas pressóricas imediatas, MacDougall et al. (26) constataram que, durante uma série de exercícios resistidos, em contração voluntária máxima até a exaustão, ocorrem picos pressóricos durante a contração concêntrica que provocam uma elevação extrema das pressões arteriais sistólica e diastólica (Figura 1). Porém, imediatamente após a última repetição, a pressão arterial sistólica e a diastólica declinam rapidamente, abaixo dos valores pré-exercício, retornando ao normal após ± 10 segundos do término do exercício. A rápida queda da pressão arterial imediatamente após o exercício é causada, provavelmente, pela súbita perfusão do fluxo sangüíneo, que permanecera previamente ocluído.
Nessa mesma linha de raciocínio, Fleck e Dean (13), procurando ilustrar a influência do grau de treinamento nas respostas cardiovasculares imediatas de um grupo de fisiculturistas, comparando-o com um grupo de iniciantes e um grupo de sedentários, descobriram que a experiência de treinamento pode diminuir as respostas pressóricas e a freqüência cardíaca durante o treinamento. Portanto, as respostas máximas da freqüência cardíaca e pressões arteriais sistólica e diastólica foram menores nos fisiculturistas que nos outros grupos para a mesma carga relativa. Pode-se especular então, que o treinamento prévio tem um caráter preventivo, reduzindo os valores pressóricos extremos observados nos exercícios com cargas máximas (14).
Notavelmente, níveis elevados de pressão arterial são acompanhados por um progressivo aumento na freqüência cardíaca, que pode alcançar os níveis de 166 bpm (batimentos por minuto) (26), 160 bpm (34) em exercícios resistidos realizados com intensidades máximas. Em contrapartida, em exercícios resistidos realizados com intensidades submáximas, as respostas da freqüência cardíaca não alcançam níveis tão altos, ou seja, 86 bpm, como verificado por Mckelvie et al. (30), e 90 bpm, relatado nos estudos de Meyer et al. (31).
Na realização de exercícios com componentes estáticos, a obstrução do fluxo sangüíneo leva a que os metabólicos produzidos durante a contração se acumulem, ativando quimiorreceptores musculares, os quais promovem aumento expressivo da atividade nervosa simpática, ocasionando um aumento da freqüência cardíaca (10). Dessa forma, o débito cardíaco sofre pequenos aumentos, que se devem à elevação da freqüência cardíaca, não do volume sistólico (26). A respeito, é interessante ressaltar que, nos exercícios com componentes estáticos, a magnitude das respostas cardiovasculares é influenciada pela intensidade do exercício, pela duração e massa muscular envolvida (15).
Em contrapartida, nos exercícios com componente dinâmico (isotônico), como as contrações são seguidas de movimentos articulares, não existe obstrução mecânica do fluxo sanguíneo, de modo que, nesse tipo de exercício, também se observa aumento da atividade nervosa simpática, que é desencadeada pela ativação do comando central, mecanorreceptores musculares e, dependendo da intensidade do exercício, metaborreceptores musculares (15)
Nesse sentido, pode-se dizer que os exercícios resistidos realizados com intensidade máxima apresentam uma freqüência cardíaca e uma pressão arterial mais elevada do que os exercícios resistidos com intensidades submáximas, por possuírem um componente estático maior.
Diferentemente do que ocorre com a pressão arterial, durante toda a série de exercícios resistidos realizados em contração voluntária máxima a freqüência cardíaca permanece elevada tanto nas contrações concêntricas como nas contrações excêntricas (Figura 1) (26).
Figura 1. Comportamento da pressão arterial media e da freqüência cardíaca durante a execução
de uma série no leg press a 95% da carga voluntária máxima. (MacDougall et al, 1985)
3.1. Respostas pressóricas pós-exercício
As reduções na pressão arterial para valores abaixo dos níveis de controle (pré-exercício) após o término do exercício físico são denominadas efeito hipotensivo pós-exercício. Por sua vez, as respostas pressóricas pós-exercício resistido apresentam resultados conflitantes, bem como os seus mecanismos de regulação permanecem ainda pouco estudados. Nesse contexto, os estudos que investigam as adaptações agudas pós-exercícios resistidos sobre a pressão arterial têm constatado aumento (16, 8, 32, 38), manutenção (42, 32, 16) e até redução da pressão arterial (37, 40, 41 43, 11, 5) após a realização de uma única sessão de exercícios resistidos.
O aumento da pressão arterial sistólica é observado imediatamente após a realização de uma seção de exercícios resistidos com intensidades elevadas (38, 32, 16). Tentando ilustrar essa situação, O`Connor et al. (32) compararam três sessões, realizadas a 40, 60 e 80% de dez repetições máximas (10RM), demonstrando que a pressão arterial sistólica elevou-se logo após as sessões realizadas a 60 e 80% de 10RM, o que perdurou por até 1 minuto (min) após o término da sessão com carga referente a 60% de 10RM e até 15 min após o término da sessão com carga referente a 80% de 10RM. Considerando as observações de O`Connor et al. (32) pode-se inferir que a elevação da pressão arterial sistólica imediatamente após o término do exercício pode estar relacionada à intensidade do exercício. Em contraposição, Brown et al. (8) observaram que a pressão arterial sistólica permaneceu elevada após uma sessão de exercícios resistidos realizada com carga referente a 40 e 70% de uma repetição máxima (1RM), o que perdurou até 5 min após o término de ambas as sessões.
Percebe-se, então, que a magnitude da elevação da pressão arterial sistólica pode estar relacionada com a intensidade do exercício. Os maiores períodos em que a pressão arterial sistólica permaneceu elevada foram relatados com intensidades correspondentes a 80% de 10RM (15 minutos de elevação da pressão arterial sistólica) (32) e 80% de 1RM (20 minutos de elevação da pressão arterial sistólica) (16).
Com relação ao efeito hipotensivo, evidenciam-se reduções significativas da pressão arterial nos momentos subseqüentes ao término de uma sessão de exercício resistido.
No trabalho de Fisher (11), estudando mulheres normotensas e pré-hipertensas que haviam trabalhado numa intensidade correspondente a 50% de 1RM, verificou-se redução significativa da pressão arterial sistólica após 60 min do término do exercício. Nesse enfoque, Polito et al. (37) também verificaram reduções na pressão arterial sistólica após 10 minutos do término da sessão, redução que perdurou por até 60 minutos após o final do trabalho, realizado numa intensidade alta, com carga correspondente a seis repetições máximas (6RM); o mesmo efeito ocorreu com uma intensidade relativamente baixa, ou seja, doze repetições, com a carga correspondente a 50% daquela associada a 6RM, porém a redução na pressão arterial sistólica perdurou por somente 40 minutos.
Reforçando essa hipótese, Rezk (39) também verificou um efeito hipotensivo pós-exercícios resistidos utilizando diferentes sobrecargas. A queda da pressão arterial sistólica foi de 6mmHg na sessão realizada numa intensidade correspondente a 40% de 1RM e volume de trabalho de vinte repetições, e de 8mmHg na sessão realizada numa intensidade correspondente a 80% de 1RM e volume de trabalho de dez repetições. Essas reduções perduraram durante 90 minutos após o término do exercício.
Nessa linha de pensamento, é válido salientar os relatos de Macdonald (25), que verificou reduções médias de 8mmHg na pressão arterial sistólica pós-exercício aeróbio. Desse modo, tanto os exercícios aeróbios como os resistidos apresentam reduções na pressão arterial sistólica pós-exercício de forma semelhante.
Quanto à pressão arterial diastólica, alguns estudos não puderam demonstrar qualquer efeito hipotensivo após o término de uma sessão de exercícios resistidos (42, 32, 38, 11). Contudo, Polito et al. (37) observaram redução na pressão arterial diastólica durante 10 minutos após uma sessão de exercícios resistidos realizados numa intensidade relativamente baixa, de doze repetições, com carga correspondente a 50% daquela associada a 6RM.
Outros autores, como Focht e Koltyn (16) e Rezk (39), também constataram que a pressão arterial diastólica diminuiu significativamente em relação ao repouso, entretanto com uma carga relativamente baixa, entre 40% e 50% de 1RM. Nesse particular, é importante salientar que o efeito hipotensivo na pressão arterial diastólica pode estar relacionado com a intensidade do exercício.
Por outro lado, Brown et al. (8) verificaram um efeito hipotensivo na pressão arterial diastólica para intensidades entre 40% e 70% de 1RM. Esses achados diferem dos estudos de Polito et al. (37) Focht e Koltyn (16) Rezk (39), que somente encontraram hipotensão pós-exercício na pressão arterial diastólica com cargas relativamente baixas.
De forma semelhante, todos os estudos mencionados não demonstraram quaisquer elevações na pressão arterial diastólica após uma única sessão de exercícios resistidos.
4. Adaptações crônicas do treinamento resistido no sistema cardiovascular
4.1. Adaptações morfológicas
A exposição prolongada e repetida ao exercício pode causar alterações estruturais e funcionais no sistema cardiovascular. Nesse sentido, a literatura tem demonstrado que o coração se adapta a uma carga hemodinâmica aumentada, seja está resultante de estímulos providos pelo treinamento físico, seja por alguma patologia (35). Dessa forma, tem se verificado que o treinamento resistido pode provocar adaptações cardiovasculares que se assemelham às adaptações provocadas pela hipertensão, isto é, aumento da espessura da parede ventricular e do tamanho da câmara ventricular (14).
Caracteristicamente, o treinamento resistido induz elevações na pressão arterial (26, 13, 34). No entanto, o aumento da espessura da parede do ventrículo esquerdo é uma adaptação provocada pelas pressões sangüíneas intermitentemente elevadas durante o treinamento resistido (14). Essa sobrecarga de pressão no coração está associada ao espessamento da parede ventricular esquerda e à manutenção da cavidade ventricular, o que é denominado de “hipertrofia ventricular esquerda concêntrica” (35).
Nesse sentido, Fleck (12) assinala que o treinamento resistido pode causar aumento da espessura da parede ventricular esquerda, porém isso não é uma conseqüência necessária de todos os programas de treinamento resistido. Os fatores relacionados à espessura ventricular esquerda aumentada incluem o nível de treinamento, o fato de as séries serem máximas ou submáximas e o tamanho da massa muscular envolvida no treinamento (14).
Com relação ao aumento do volume ventricular esquerdo, que pode ser denominado de “hipertrofia ventricular esquerda excêntrica” (35), normalmente é considerado um indicativo de sobrecarga de volume que ocorre tipicamente em atletas de endurance (maratonistas, ciclistas). Nesse contexto, a maior parte dos estudos que investigaram os exercícios resistidos indica que o treinamento resistido tem pouco ou nenhum impacto nas dimensões das câmaras cardíacas (14, 12).
Nesse particular, ao serem analisados as adaptações cardiovasculares provocadas pela hipertensão arterial e pelo treinamento resistido, verificam-se algumas semelhanças. Entretanto, se essas adaptações são examinadas detalhadamente, é possível observar diferenças entre elas. A fim de distinguir as características entre ambas, têm sido usados os termos “hipertrofia patológica”, para as mudanças que ocorrem com a hipertensão, e “hipertrofia fisiológica”, para as mudanças que ocorrem com o treinamento resistido (14).
4.2. Adaptações hemodinâmicas
Existe ainda a concepção de que as pressões sangüíneas intermitentemente elevadas durante o treinamento resistido possam causar o aumento da espessura da parede do ventrículo esquerdo (14), resultando num aumento crônico da pressão arterial (hipertensão). Essa hipótese é ainda muito utilizada pelos profissionais da área da saúde quando da prescrição ou da indicação de alguma forma de exercício para hipertensos.
Nesse sentido, os estudos longitudinais que analisaram os efeitos dos exercícios resistidos sobre a pressão arterial são escassos e apresentam resultados conflitantes. Esses estudos têm demonstrado que o treinamento resistido pode levar a um aumento (12), a um decréscimo (24, 27) ou a uma manutenção (6) da pressão arterial. De acordo com Fleck e Kramer (14), a concepção errônea comum de que o treinamento resistido resulta em hipertensão, quando ocorre, provavelmente, está relacionada à hipertensão essencial, excesso de treinamento crônico, uso de esteróides, grandes aumentos em massa muscular ou aumento no peso total do corpo.
Entretanto, Halbert et al. (19), em metanálise avaliando apenas ensaios clínicos randomizados, constaram que as evidências encontradas sobre o efeito do treinamento resistido na diminuição dos valores pressóricos não apresentaram resultados estatisticamente significativos. Contudo, esses resultados são baseados em apenas três pequenos estudos, com um total de 49 participantes, o que torna as evidências para o efeito do treinamento resistido sobre a pressão arterial, de certa forma, inconclusivas.
Convém destacar que, em outros estudos envolvendo treinamento resistido, foi observada redução na pressão arterial sistólica e diastólica em adultos (23), e idosos (27). Confirmando esses resultados, Kelley e Kelley (24), utilizando-se de uma metanálise de ensaios clínicos randomizados envolvendo indivíduos normotensos e hipertensos, observaram que o treinamento resistido reduziu, em média, 3% a pressão arterial sistólica e 4% a pressão arterial diastólica em ambos os grupos. Concluíram, assim, que os exercícios resistidos são eficazes para reduzir a pressão arterial sistólica e diastólica.
Entretanto, o simples fato de o exercício resistido não provocar elevações crônicas nos valores pressóricos já é, por si, um dado importante, visto que as qualidades físicas força e resistência muscular localizada, desenvolvidas com essa atividade são essenciais no desenvolvimento das atividades da vida diária, o que justifica a aplicação desse tipo de exercício para efeito de melhora na aptidão física (5).
Embora existam evidências de que o treinamento resistido provoque uma diminuição nos valores pressóricos, essa problemática ainda precisa ser mais bem estudada, haja vista que o efeito hipotensivo não se apresenta de forma consensual na literatura através do exercício resistido.
Em relação à bradicardia de repouso, convém destacar que freqüências cardíacas baixas são normalmente aceitas como um possível efeito do treinamento e são geralmente fundamentadas pelo treinamento aeróbio. Assim, aumentos na massa muscular e na massa corpórea total associada aos exercícios resistidos resultam numa larga demanda no débito cardíaco na ordem de suprir um aumento no metabolismo de repouso. Esses aumentos na massa muscular e na massa corpórea total podem ser paralelos e proporcionais ao volume sistólico de repouso (9). Nesse sentido os aumentos no volume sistólico possibilitam que o coração satisfaça à demanda por sangue sem aumentar a freqüência cardíaca.
Conforme Fleck (12), em geral, a literatura tem apontado para o fato de que os fisiculturistas e os levantadores de peso têm uma freqüência cardíaca entre 60 e 74 batimentos por minuto, que não è significativamente diferente daquela dos sujeitos sedentários. Porém, outros estudos com períodos curtos em torno de 6 a 20 semanas têm reportado diminuições significativas, de 4.7% até 12.7%, na freqüência cardíaca de repouso.
De acordo com Brown e Brechue (9), dois cenários podem ocorrer com essa observação, visto que o treinamento resistido em indivíduos destreinados pode induzir a uma adaptação precoce similar à que ocorre no treinamento aeróbio, ou seja, aumento no volume sistólico; sem um concomitante aumento no metabolismo de repouso e na demanda por sangue, a freqüência cardíaca é diminuída.
Com relação ao volume sistólico, estudos longitudinais têm relatado que atletas altamente treinados com peso têm um volume sistólico maior se comparados a um grupo controle ou a indivíduos que treinam recreacionalmente (9). Assim, parece razoável sugerir que o grau de treinamento pode influenciar no volume sistólico absoluto. Contudo, aumentos absolutos no volume sistólico em atletas treinados em resistência em comparação ao grupo de controle podem ser explicados, em parte, pelo aumento da massa corpórea total (12).
5. Exercícios resistidos e segurança cardiovascular
No passado, os exercícios resistidos eram considerados hemodinamicamente perigosos para pacientes com doença arterial coronariana por estarem associados a grandes aumentos na freqüência cardíaca e na pressão arterial (12, 45). As elevações da freqüência cardíaca e da pressão arterial representam um aumento no duplo produto, que é refletido na demanda de oxigênio pelo miocárdio, podendo, potencialmente, aumentar a probabilidade de ocorrerem arritmias, isquemia do miocárdio ou disfunção do ventrículo esquerdo em pacientes com cardiopatias (45). Inversamente, o aumento da pressão arterial diastólica pode aumentar a pressão de perfusão do miocárdio, o que facilita o aumento da perfusão coronariana (45, 36, 28).
Embora os exercícios resistidos terem sido tradicionalmente desaconselhados em pacientes com doença arterial coronariana, parecem ser menos perigosos do que se imaginava. Primeiramente, o duplo produto nos esforços máximos é menor nos exercícios resistidos do que nos exercícios aeróbios, em decorrência de um menor pico de resposta da freqüência cardíaca. Além disso, outros fatores merecem destaque, ou seja, o aumento da perfusão subendocardíca em decorrência da elevação da pressão arterial diastólica e o decréscimo no retorno venoso e no volume diastólico do ventrículo esquerdo contribuem para uma menor tensão da parede do miocárdio. Isso tudo pode estar relacionado a uma baixa incidência de respostas isquêmicas durante os exercícios resistidos (36).
Reforçando essa hipótese, recentemente, a Clínica Cooper e a Universidade da Flórida relataram ter avaliado mais de 26.000 testes de carga máxima, apresentando apenas uma ocorrência de evento cardiovascular (18). Em contrapartida, não é raro a incidência de intercorrencias e morte súbita estarem relacionadas com exercícios aeróbios (29).
Mckelvie et al. (30) compararam as respostas cardiovasculares agudas de pacientes com insuficiência cardíaca durante a realização de exercícios resistidos a 70% de uma repetição máxima com as respostas produzidas no ciclo ergômetro a 70% do pico de potência. No estudo, as respostas da pressão arterial sistólica foram similares quando se compararam as duas modalidades de exercícios, porém, a freqüência cardíaca e o duplo produto foram menores nos exercícios resistidos em relação aos exercícios realizados no ciclo ergômetro; já a pressão arterial diastólica foi maior nos exercícios resistidos do que no ciclo ergômetro (Tabela 1). Essas descobertas remetem ao fato de que um menor duplo produto reflete num menor consumo de oxigênio pelo miocárdio e uma pressão diastólica alta pode melhorar a perfusão do miocárdio.
De forma pioneira, Oliver et al. (33) avaliaram as respostas cardiovasculares agudas dos exercícios resistidos em pacientes transplantados (coração). Os resultados do estudo indicaram que os exercícios resistidos numa intensidade de 50% de uma repetição máxima podem ser seguros e aceitáveis fisiologicamente em pacientes transplantados. Tais conclusões são baseadas no ajustamento hemodinâmico e da pressão arterial moderada observada em todos os pacientes.
Nesse sentido, é importante ressaltar que, durante a realização de exercícios resistidos em cardiopatas e em reabilitação cardíaca, a incidência de arritmias, isquemias e anormalidades no segmento ST parece ser pouco observada (4, 17, 31,30).
Embora haja evidências de que o treinamento resistido é extremamente seguro para a maioria da população, a literatura tem reportado apenas três casos, não fatais, de acidente vascular encefálico aparentemente desencadeado por essa forma de exercício (21).
Diante do exposto, torna-se possível inferir que o treinamento resistido submáximo é uma forma segura de exercícios para a maioria da população e está associado com um risco mínimo de eventos cardiovasculares até mesmo naqueles indivíduos com incidência de infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca (29)
Tabela 1. Comparação dos valores médios das pressões arteriais sistólica e diastólica, freqüência
cardíaca e duplo produto durante o exercício no Leg press e ciclo ergômetro (adaptado de McKelvie et al. 1995)
6. Considerações finais
Revisadas inúmeras pesquisas a respeito dos exercícios resistidos e suas relações com as adaptações cardiovasculares, percebe-se que há uma tendência entre os estudiosos de afirmar que, se realizados de forma apropriada, os exercícios resistidos podem ser muito seguros para a saúde cardiovascular da população em geral.
Observa-se também que os exercícios resistidos provocam adaptações agudas e crônicas no sistema cardiovascular, de modo que os sujeitos que os realizam de forma controlada, utilizando-se de cargas de trabalho submáximas, podem ser beneficiados em relação às respostas hiporresponsivas da freqüência cardíaca e pressão arterial.
Diante do exposto, espera-se ter reunido informações que venham contribuir para ampliar os atuais níveis de conhecimento quanto aos exercícios resistidos e que os resultados possam servir como referencial para futuras intervenções investigativas em diferentes populações, com metodologias que possam esclarecer melhor todas as questões ainda obscuras sobre o assunto.
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