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O calendário de competições e a periodização do 

treinamento físico no futebol profissional brasileiro

El calendario de competencias y la periodización del entrenamiento físico en el fútbol profesional brasileño

 

*Licenciado Pleno em Educação Física, Universidade Federal do Espírito Santo.

**Mestre em Educação Física – Universidade Federal do Espírito

Aluno do Programa de Pós Graduação em

Educação Física, Doutorado, Universidade Gama Filho

***Mestre em Treinamento Esportivo, UFMG

Doutor em Educação Física, Universidade Gama Filho

Flávio Rosindo da Silva Junior*

Felipe Rodrigues da Costa**

Próspero Brum Paoli***

fcostavix@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo teve como objetivo investigar e discutir o calendário de competições e a periodização do treinamento físico a partir das percepções dos profissionais responsáveis pelo treinamento físico no Botafogo de Futebol e Regatas em 2007. Os dados apontam que, apesar dos avanços na estruturação do calendário de competições do futebol profissional brasileiro ainda apresenta-se problemático. Alguns ajustes foram apontados como necessários para a melhor estruturação do calendário do futebol profissional brasileiro, possibilitando melhores condições na estruturação e periodização do treinamento.

          Unitermos: Futebol. Periodização. Treinamento físico.

 

Abstract

          The aim of this investigate is discuss the calendar of competitions and periodization of exercise training from the perceptions of professionals responsible for physical training at Botafogo de Futebol e Regatas in 2007. The data indicate that, despite advances in the structuring of the calendar of competitions of Brazilian professional football has yet to be problematic. Some adjustments were identified as necessary for better structuring of the calendar of professional football in Brazil, enabling better conditions in the structure and periodization of training.

          Keywords: Soccer. Periodization. Training exercise.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 152, Enero de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O futebol é o esporte mais popular do planeta, capaz de atrair a atenção de milhares de pessoas. Algo tão simples como chutar uma bola pode modificar vidas, produzir riqueza, paralisar países e tem idade imprecisa. Somente em 1863, a partir de um encontro dos representantes de doze clubes e escolas, no centro de Londres, Inglaterra, definiram-se as regras comuns para aquele esporte que praticavam com uma bola de couro. Nascia ali o futebol (CARMONA; POLI, 2006).

    Existem diversas versões para a chegada do futebol no Brasil. No entanto, tem-se oficialmente que o futebol chegou ao Brasil em 1894 quando Charles Miller, paulista do Brás, nascido em 1874, de pai inglês e mãe brasileira, trouxe da Inglaterra a primeira bola, o que motivou a primeira disputa de uma partida de futebol no Brasil, realizada na Várzea do Carmo na cidade de São Paulo, reunindo ingleses e brasileiros da Companhia de Gás, da São Paulo Railway, do London Bank e do São Paulo Atlhetic Club (CARMONA; POLI, 2006).

    Em mais de cem anos de futebol no Brasil ocorreu uma evolução, passando de uma estrutura amadora para a profissionalização em todos os setores, seja físico, técnico, tático ou administrativo. Gomes e Souza (2008) afirmam que nas últimas décadas houve um avanço considerável do profissionalismo no futebol, através do interesse da iniciativa privada e as conseqüentes oportunidades de independência financeira e ascensão social, o que tem levado os profissionais a uma incansável corrida em busca pelo sucesso. A busca pelo rendimento máximo, pela vitória e pela superação constante implica a formação de uma comissão técnica profissional que tenha domínio da tecnologia e de conhecimentos científicos para proporcionar a melhor preparação possível para os futebolistas.

    De acordo com Dantas (2003) a estruturação do treinamento em períodos específicos (preparatório, competitivo e transição) contribuiu para efetivar a melhoria do rendimento dos atletas. Para o autor, os princípios do treinamento total e da periodização podem ser considerados os responsáveis pela revolução ocorrida no esporte nos últimos anos, na qual o atleta passou a ser considerado, a partir daí, como um indivíduo sistêmico, bio-psico-social, que necessita para seu treinamento de uma equipe multidisciplinar de especialistas como: preparador físico, técnico, fisiologista, psicólogo, nutricionista, médico, fisioterapeuta e administrador. Para a obtenção dos resultados positivos esses profissionais necessitam de uma perfeita organização do tempo disponível para treinamento e do estabelecimento de objetivos a serem alcançados a curto, médio e longo prazo. Para Gomes e Souza (2008, p. 205):

    A programação do treinamento desportivo de atletas de alto rendimento é um tema atual devido à crescente profissionalização e comercialização no desporto de elite. O aumento do número de competições que atualmente pagam altos prêmios estimula a intensificação da preparação desportiva e conseqüentemente a busca de novos enfoques teórico-metodológicos e soluções tecnológicas, visando ao máximo desenvolvimento e à manifestação do potencial motor e intelectual dos futebolistas. De certa forma isso modifica os fundamentos teóricos tradicionais sobre a dinâmica de organização da carga de treinamento.

    Gomes (2002) define o calendário esportivo como uma relação sistematizada de competições planejadas e oficializadas pelas organizações desportivas (federações, comitês, clubes, entre outras), com indicação de datas, lugares e denominações.

    De acordo com Szmuchrowski (1990), citado por Paoli (1996), na estruturação do calendário de competições deve ser levado em consideração a organização do calendário de competições, que devem estar de acordo com o estado de preparação do atleta, observando as fases de recuperação. Para se obter o máximo desempenho dos jogadores, torna-se essencial repensar, de forma coerente, a organização do calendário competitivo.

    Segundo Aoki (2002, p. 81) “[...] o treinamento físico atualmente é um dos responsáveis pelo nivelamento do futebol mundial. Equipes com qualidade técnica inferior através de uma preparação física adequada, podem se igualar a equipes com melhor nível técnico”.

    No entanto, para Gomes (2002), o atual calendário de competições do futebol profissional brasileiro não proporciona um período suficiente para uma boa preparação dos atletas antes do início dos jogos oficiais. Em 2007, por exemplo, o período estipulado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para a pré-temporada foi de 14 dias. Em contrapartida, para o período competitivo dura mais de oito meses, sendo disputados em torno de “[...] 70 a 80 jogos no ano e, em alguns casos, passando de 80 [...]” (GOMES; SOUZA, 2008, p. 29)

    A partir disso, surgem críticas ao calendário de competições do futebol brasileiro pelos profissionais envolvidos na preparação dos atletas. Em relação ao período preparatório, o então técnico do Esporte Clube Palmeiras, Caio Júnior, afirmou ao jornal Folha de São Paulo, (2007, p. 03) que “[...] A pré-temporada ideal teria que ser feita em no mínimo 30 dias”. Muricy Ramalho, a época técnico do São Paulo Futebol Clube, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo (2006, p. 09), reclama da falta de tempo para a pré-temporada e da dureza de ter disputado simultaneamente o Campeonato Paulista e Libertadores da América, na qual o obriga a poupar jogadores importantes: “Desgaste físico, problemas de contusão, calendário apertado e cansaço pelas viagens. Tudo isso faz com que a gente venha a preservar alguns atletas. Quem mais jogou e quem tem problemas de contusão vai ficar fora”. Ronaldo Torres, preparador físico do Clube de Regatas Flamengo, em matéria divulgada no jornal Globo Esporte (2007, p. 01) revela a dificuldade em dar continuidade ao seu trabalho devido ao calendário apertado: “São muitos jogos. Fiz uma programação até outubro e não pude usar nada ainda”.

    Observa-se que a maioria destas reclamações, referentes ao calendário de competições, surge de clubes que jogam duas competições simultaneamente, chegando a fazer três jogos numa mesma semana. Isto porque estes clubes não só disputam várias competições na temporada (campeonatos regionais, Copa do Brasil, Libertadores, Campeonato Brasileiro e Copa Sul Americana), mas também permanecem até as fases finais destes torneios. É o caso do Botafogo de Futebol e Regatas (BFR), do Grêmio Football Porto Alegrense, do Santos Futebol Clube e do São Paulo Futebol Clube no ano de 2007.

    Um dos problemas oriundos do calendário de competições se refere ao aspecto físico. Os clubes possuem pouco tempo para a realização da pré-temporada e a consolidação de uma boa base física. Ao iniciar o período competitivo se envolvem em uma ou duas competições, numa maratona excessiva de jogos.

    O BFR foi um dos clubes que mais sofreu pela saturação do calendário do futebol brasileiro em 2007. O clube disputou quatro competições na temporada: Campeonato Carioca, Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro e Copa Sul Americana. Foi também finalista no campeonato carioca e semifinalista na Copa do Brasil. Na Copa Sul Americana foi desclassificado na segunda fase. O BFR disputou 68 partidas oficiais em 2007, chegando a jogar três vezes em sete dias durante a disputa do Campeonato Carioca e da Copa do Brasil (no primeiro semestre), bem como do Campeonato Brasileiro e da Copa Sul Americana (no segundo semestre).

    Diante disso, esta pesquisa pretende investigar e discutir o calendário de competições do futebol profissional brasileiro a partir da periodização do treinamento físico no BFR em 2007. Pretendemos contribuir discutindo a importância de um calendário de competições adequado, que respeite as particularidades dos clubes de forma a contribuir para o desenvolvimento eficiente das atividades inerentes a todos os componentes do treinamento esportivo.

    Os eixos que nortearam a pesquisa foram o tempo destinado para a pré-temporada e suas implicações; a distribuição de jogos e de competições na temporada; a necessidade de inclusão de uma intertemporada; a periodização do treinamento físico a partir do calendário imposto, para, ao final da pesquisa, identificar possíveis ajustes para a adequação do calendário de competições.

Procedimentos metodológicos

    Foi realizada uma pesquisa exploratória, que segundo Gil (2002) tem como objetivo:

    [...] proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses [...]. Seu planejamento é bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado (p. 41).

    Essas pesquisas envolvem, geralmente: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que “estimulem a compreensão”. E, para Gil (2002, p.41), as pesquisas exploratórias “[...] na maioria dos casos assume a forma de pesquisa bibliográfica ou de estudo de caso [...]”.

    Quanto ao delineamento, a pesquisa está caracterizada como um estudo de caso, que segundo Gil (2002, p. 54) “[...] consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento [...]”.

    Estes estudos incidem sempre sobre um caso particular, examinado em profundidade, embora a generalização não seja por isso excluída.

    [...] com efeito, um pesquisador seleciona um caso, na medida em que este lhe pareça típico, representativo de outros análogos. As conclusões gerais que ele tirará deverão, contudo, ser marcadas pela prudência, devendo o pesquisador fazer prova de rigor e transparência no momento de enunciá-las (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 156).

    A escolha do BFR como o objeto a ser estudado se deu por três motivos:

  • manteve a comissão técnica responsável pelo treinamento físico durante toda a temporada;

  • é um dos casos apontados como particulares diante da problemática do calendário de competições do futebol profissional brasileiro;

  • e por aspectos práticos, como o contato direto com profissionais do clube, proximidade e menor custo para a realização da pesquisa.

    Assim, os instrumentos para a coleta de dados foram a observação e a entrevista. A pesquisa bibliográfica serviu como base para a construção da revisão da literatura que abarca os princípios científicos do treinamento esportivo, dos componentes do treinamento e da periodização. Utilizamos informações veiculadas sobre o clube em jornais e revistas. Isto porque, para Gil (2002), as fontes bibliográficas são em grande número e podem ser classificadas em: livros, artigos científicos, publicações periódicas (jornais e revistas) e impressos diversos.

    A observação se deu a partir da observação da equipe do BFR entre os dias 21 e 24 de novembro de 2007 no Rio de Janeiro. Através de um diário de campo coletou-se informações a respeito da estrutura do clube, dos treinamentos aplicados e de acontecimentos que foram pertinentes à análise e discussão deste trabalho.

    Através de entrevistas semi-estruturadas, de perguntas abertas e fechadas (MOLINA, 2004), os responsáveis pelo treinamento físico do futebol profissional do BFR (preparador físico e fisiologista) responderam questões referentes ao calendário de competições e a periodização do treinamento físico a partir das experiências no ano de 2007.

    As entrevistas foram realizadas antes dos treinamentos dos dias mencionados, com duração média de 60 minutos e sem interferência de outras pessoas. No início da aplicação das entrevistas os sujeitos receberam uma carta de apresentação do trabalho e foram informados de que não seriam identificados no tratamento e apresentação dos dados, permitindo assim, maior liberdade e confidencialidade nas respostas. Além disto, os entrevistados assinaram um documento de autorização de publicação dos dados e termo de compromisso.

    Um estudo-piloto no clube Rio Branco Atlético Clube, do Espírito Santo, serviu como treinamento prévio, bem como para possíveis ajustes nos instrumentos de coleta de dados.

Dificuldades que o atual calendário trouxe para o trabalho da comissão técnica

    Dois fatores foram citados pelos profissionais responsáveis pelo treinamento físico do clube: organização e planejamento do treinamento e recuperação física dos atletas.

    Um dos entrevistados apontou que a grande dificuldade foi “(...) especificamente respeitar essa questão do estímulo-recuperação. Quase sempre fomos obrigados a colocar jogadores em campo que ainda estavam na curva de recuperação do esforço anterior. Isso é o que foi mais difícil de fazer (...)”.

    Carravetta (2001) aponta que a busca intermitente do rendimento competitivo e o excesso de jogos têm modificado as pautas de regulação do treinamento desportivo do jogador de futebol nos últimos anos, provocando um aumento sistemático do volume e da intensidade de cargas de trabalho e uma redução das fases de descanso e recuperação. Pode-se afirmar que este problema é influenciado pelo atual calendário do futebol brasileiro.

    A literatura aponta que, devido ao calendário extenso, estruturar o planejamento de treino e recuperar o atleta pós-jogo têm se tornado os principais desafios do treinamento aplicado ao futebol.

Período ideal de duração da pré-temporada

    Em 2007 a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) estipulou 14 dias para a realização da pré-temporada. De acordo com os entrevistados o tempo destinado para a realização da pré-temporada foi inadequado. Segundo o preparador físico e o fisiologista o ideal seria 30 dias, suficiente para: organização e planejamento da comissão técnica; diagnóstico clínico e físico dos atletas; e consolidação de uma base física ótima, aliada aos aspectos técnicos e táticos.

    Um entrevistado apontou: “(...) essa pré-temporada deveria ser subdividida evidentemente pela primeira fase básica dos jogadores que seria de quinze dias só você trabalhando capacidades físicas de uma forma mais pura (...) olhando a parte fisiológica do jogador e não a parte específica e depois subdividindo com a segunda parte trabalhando mais o lado específico do atleta e mantendo aquilo de início (...). A terceira sim com trabalhos técnicos, táticos e continuando com os trabalhos físico-técnicos, encerrando com jogos treinamentos, jogos amistosos e aí sim entrar numa competição. Mas ocorre que você trabalha duas semanas e tem que fazer tudo isso aí e já entrar numa competição e, entrando numa competição, esquece tudo que se falou em preparação e só se pensa no resultado positivo, porque você tem a pressão da torcida, a pressão da imprensa, a pressão da própria diretoria do clube e tem que ter o resultado. E, além do resultado você tem que estar sempre acompanhado de um resultado contundente (...) e muitas vezes não acaba chegando a lugar nenhum (...)”.

    Paoli (1996) constatou, ao investigar o período ideal de duração da pré-temporada, que 87,5% dos técnicos entrevistados afirmaram que o período ideal é de 30 dias. Acreditam que seria tempo suficiente para a comissão técnica realizar o diagnóstico clínico e físico dos atletas e, principalmente, para o preparador físico desenvolver o trabalho de condicionamento físico de forma satisfatória, além do aspecto técnico e tático, permitindo ao técnico estabelecer sua filosofia de jogo.

    Portanto, verifica-se que o calendário de competições do futebol profissional brasileiro ainda não permite aos clubes o tempo necessário para a realização da pré-temporada. De acordo com o modelo de periodização de cargas seletivas (GOMES, 2002), a pré-temporada seria o momento no qual o atleta deve atingir um nível de preparação no qual dê subsídios para suportar o longo período competitivo. No entanto, percebe-se que em apenas duas semanas isto não é possível.

Distribuição de jogos e de competições

    O BFR disputou quatro competições no ano de 2007: Campeonato Carioca, Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro e Copa Sul-Americana. No total disputou 68 partidas na temporada.

    No que se refere à distribuição das competições, de acordo com um dos entrevistados, para disputar duas competições concomitantemente: “(...) os jogos devem ser bem distribuídos e desde que você tenha o elenco em número de jogadores ideal, em torno de 28 a 30 jogadores, que esse nível técnico e físico dos jogadores seja bem homogêneo (...) que o treinador possa e a comissão técnica possa usar todos esses jogadores na competição, possa retirar um jogador para ele fazer algum trabalho específico de um aprimoramento físico desde que ele apresente alguma deficiência e que entre outro que esteja mais ou menos no mesmo nível. O que não pode é ter um desnível muito grande de um jogador pro outro e a equipe tirar um jogador e ter uma queda muito grande dentro das competições (...)”.

    No entanto, segundo o preparador físico e o fisiologista, o elenco do BFR era reduzido, e que o rodízio de atletas não era o suficiente para manter o condicionamento físico da equipe. Segunda a comissão alguns jogadores eram indispensáveis e não poderiam ficar de fora dos jogos.

    Um dos entrevistados ressaltou a diferença de envolvimento dos clubes nas competições: “(...) Então eu acho que ou envolve todo mundo num calendário que todo mundo tenha que cumprir esse tipo de programação ou livra todo mundo dela, porque na verdade o que acontece é um desequilíbrio entre clubes que viajam pra fazer, às vezes numa semana, duas viagens pra fazer parte de duas competições e times que ficam parados esperando você chegar cansado pra jogar um jogo (...)”.

    Na opinião do preparador físico e do fisiologista o ideal seria jogar apenas aos domingos e, caso o clube objetive duas competições no mesmo período, ter um elenco que possibilite o revezamento de jogadores. Um dos entrevistados apontou: “(...) Se você considerar que a gente jogou domingo, quarta e domingo, a gente jogou três vezes dentro de uma semana. Foram três jogos em sete dias (...)”.

    As constantes viagens foram ressaltadas pelos entrevistados, principalmente pela dimensão do país. De acordo com os entrevistados, a seqüência de viagens não só leva a um desgaste físico e psicológico, mas também a dificultar a rotina de treinamentos. Assim, “(...) fica difícil você administrar tudo isso aí, principalmente porque o ponto principal do jogador é a recuperação pós-jogo, ele precisa estar bem recuperado (...)”. Segundo eles, um fator que agravou foi o fato do Botafogo ter disputado onze rodadas seguidas do Campeonato Brasileiro, devido ao impedimento repentino de uso do estádio Maracanã, o que prejudicou o planejamento do clube e a recuperação pós-jogo, intensificando essa problemática.

    Na opinião do preparador físico e do fisiologista é possível se ter jogos no meio de semana, desde que dentro da distribuição de jogos possa ter “(...) sempre uma semana para que essas capacidades, esses componentes do jogo sejam aprimorados (...)”.

    Em consonância com esta linha de pensamento, Paoli (1996) já apontava para melhor distribuição dos jogos. isto. Constatou que o ideal seria disputar as competições somente aos domingos devido as constantes viagens para a disputa de jogos em âmbito regional, nacional e internacional, principalmente pelas dimensões do país. O interessante seria distribuir os jogos de maneira que se tenham semanas com apenas um jogo e outras com duas e até mesmo três partidas.

Necessidade de inclusão da intertemporada

    Os entrevistados afirmaram que sempre ocorre uma intertemporada com a mudança de técnico, e quando existe uma semana sem jogos. Isto pode ocorrer mais de uma vez no ano. No entanto, não existe oficialmente no calendário da CBF. Assim, os entrevistados concordam com a inclusão da intertemporada após as competições do primeiro semestre. O período ideal seria de quinze dias, com o objetivo de adaptar os jogadores que chegaram com a temporada em andamento e equalizar o grupo. E também trabalhar recuperação física do grupo para o segundo semestre.

Período Preparatório

    A primeira etapa da pré-temporada é destinada ao período pré-preparatório. No BFR esta foi realizada na primeira semana de trabalho. O planejamento do treinamento foi definido por toda a comissão técnica, juntamente com o presidente e o diretor de futebol do clube.

    Um dos entrevistados ressaltou a importância do trabalho coletivo por parte da comissão técnica e dos dirigentes para o sucesso no desenvolvimento do trabalho: “(...) um profissional interfere no trabalho do outro, é transdisciplinar porque a gente consegue interagir contribuindo com a mudança de pensamento até do departamento médico em relação a um atleta lesionado e vice-versa, ele no nosso trabalho. Existe interferência mesmo no trabalho do outro (...)”.

    Os aspectos que nortearam esse período foram: diagnóstico clínico e físico dos atletas; conhecimento das qualidades técnicas dos jogadores; calendário de competições; definição dos objetivos do clube; e periodização do treinamento.

    O diagnóstico físico e clínico foi realizado na primeira semana de trabalho. Os testes de avaliação física mencionados, de acordo com as qualidades físicas enfatizadas foram: antropometria; ergoespirometria; yo yo test; salto vertical; salto horizontal; 30 metros; Rast test; e shutlle run. No final da pré-temporada foram reaplicados. Vale ressaltar que foram realizadas as avaliações clínicas no meio do ano e os testes de avaliação física bimestralmente.

    Pavanelli (2004) afirma que esses testes não só facilitam para quantificar a condição física dos atletas ou evoluções entre fases de treinamento, mas também como ferramenta prática de uso em seu dia-a-dia para individualizar a intensidade do treinamento. Sendo assim, a interpretação desses dados, associada ao conhecimento das características e das necessidades dos atletas de futebol, se tornam importantes para a prescrição do treinamento de acordo com a fase de periodização em que a equipe se encontra.

    No que se refere aos objetivos do clube, um dos entrevistados afirmou que “(...) foram tentar chegar bem em todas. Nós passamos bem de todas, mas não finalizamos nenhuma delas. Eu imputo a isso o fato da gente ter o elenco pequeno, mas o planejamento foi de tentar chegar bem nas quatro (...)”. Ele se refere ao Campeonato Carioca, à Copa do Brasil, ao Campeonato Brasileiro e à Copa Sul Americana.

    Assim, verifica-se um ponto questionável na definição dos objetivos do clube. Sabendo-se do elenco ao qual se dispõe, a comissão técnica e os dirigentes deveriam priorizar competições.

    Aoki (2002, p. 82) aponta que:

    [...] No caso específico do futebol fica muito difícil estabelecer os objetivos de trabalho, devido ao conturbado calendário de campeonatos. Muitas vezes a mesma equipe pode estar disputando 3 campeonatos ao mesmo tempo. Neste caso recomenda-se, na teoria, priorizar uma em relação às outras.

    Em relação aos períodos de auge do rendimento observou-se, a partir do discurso dos entrevistados, que não houve um planejamento para se obter um momento no qual a equipe estivesse na sua melhor forma desportiva. No entanto, as cargas foram planejadas de forma que a intensidade dos treinamentos fosse aumentando ao longo do ano, mantendo um volume praticamente igual em todos os momentos. De acordo com a periodização preconizada por Gomes (2002), no futebol deve-se manter uma capacidade submáxima durante a temporada devido ao extenso calendário de competições.

    Gomes e Souza (2008, p. 209) complementam:

    [...] verifica-se que periodizar o treinamento no futebol é de fundamental importância, pois devido ao extenso calendário de competição, o futebolista não consegue manter-se permanentemente em um nível elevado de rendimento. Nesse nível de preparação, portanto, um grau elevado de rendimento e sua manutenção tornam-se essenciais para que o futebolista possa superar seus próprios resultados e os adversários, além de suportar vários meses de competição. Devido a esse extenso calendário de competição, torna-se difícil diagnosticar o momento da forma desportiva, pois ao longo do macrociclo ocorrem variações no estado de treinamento do futebolista.

    Na pré-temporada trabalhou-se, no treinamento físico, resistência aeróbia, anaeróbia, força, velocidade e agilidade. A prioridade foi dada as qualidades “(...) força, velocidade, potência muscular na pré-temporada e temporada. Durante a pré-temporada você tem 15 dias para trabalhar isso, força, velocidade, tático e técnico (...)”. A resistência aeróbia não foi priorizada pois, de acordo com os entrevistados, os ganhos no treinamento, em relação as outras qualidades como força e velocidade, não são significativas para o desempenho atlético na competição. Devido ao período curto de pré-temporada optou-se priorizar as capacidades específicas. No entanto, Aoki (2002) aponta que neste período é muito importante trabalhar as capacidades básicas, como resistência aeróbia específica e força-potência.

    Na pré-temporada o treinamento foi predominantemente físico: “(...) Na pré-temporada a gente deu ênfase quase que exclusiva a parte física. A gente começava a fazer alguma coisa de trabalho técnico-tático nos últimos dias da pré-temporada. Numa pré-temporada de 15 dias, nos cinco últimos dias foi dada ênfase (...) claro que todo dia trabalhou uma coisa, mas a ênfase foi basicamente os 15 dias de parte física (...)”.

    Na distribuição das cargas em percentuais os entrevistados afirmaram que 80% do trabalho se deu na parte física, enquanto 20% na parte técnico-tática.

Período Competitivo

    No período competitivo a ênfase se deu as mesmas valências físicas citadas na pré-temporada. No decorrer da temporada a preparação física reduziu significativamente, sendo que esta predominou “(...) com o componente físico do jogo, considera o jogo como um componente físico intenso, três vezes por semana e complementando com aquilo que o atleta não teve oportunidade de trabalhar ou o que ficou relacionado e não jogou ou o que jogou e não foi muito acionado (...)”.

    Dessa forma, observa-se que a carga de treinamento variou de acordo com a dinâmica de cada atleta na partida. Havia um monitoramento para identificar quais atletas foram mais acionados na partida e necessitavam de um tipo de treinamento pós-jogo. Outros que atuaram, porém não foram muito acionados, treinavam com aqueles que não entraram na partida, além dos não relacionados. Segundo um entrevistado isso proporcionou ao “(...) não titular a oportunidade de fazer o jogo. Então, por exemplo, se o time jogou domingo, na segunda-feira o time que jogou ta fazendo força na musculação, o que não jogou (...) já inicia a sessão de treinamento, o trabalho deles sempre com mais carga que os outros que evidentemente atuaram no jogo (...) faz amistoso, faz treinamentos coletivos contra outras categorias do clube, juniores, juvenis, um amistoso contra um time que não ta em competição para que ele não perca aquele ritmo dele (...)”.

    Quanto à distribuição das cargas no período competitivo em percentuais os entrevistados apontaram que a parte técnico-tática vai aumentando, chegando perto dos 70% do treinamento, enquanto a parte física declina até 20% e 10% destinado a preparação psicológica.

    O trabalho individualizado (ou em grupos homogêneos) aparece no período competitivo de acordo com a posição e, principalmente, a função do jogador. Nesta fase, o treinamento se torna cada vez mais específico e combinado: físico-técnico, técnico-físico e técnico-tático.

    De acordo com Aoki (2002) neste período o grande número de jogos dificulta a rotina de treinamento. Portanto, o trabalho físico deve ser mais específico, servindo de manutenção do que foi adquirido na pré-temporada.

Período de Transição

    Como o período competitivo não havia encerrado, os entrevistados responderam esta questão de acordo com o ocorrido no período de transição da temporada anterior (2006), bem como o planejamento para a fase do ano em questão (2007). De acordo com os entrevistados os atletas recebem uma planificação para o atleta, individual, dentro das condições e das necessidades de cada um.

    Segundo um dos entrevistados sugere-se a “(...) participação de algum outro jogo, alguma coisa que ele goste mais de fazer, que tire daquele dia-a-dia de trabalhos físicos. Você dá como sugestão de fazer alguma coisa que ele goste, jogar um tênis, participar de um futevôlei, uma corrida na praia, sem estar trabalhando numa freqüência altíssima, sem estar levando como treinamento intensivo, como um trabalho de manutenção, para que ele não fique totalmente inativo (...)”.

    Segundo Aoki (2002) a manutenção de atividades físicas durante o período de férias minimiza os efeitos do princípio da reversibilidade, permitindo que o curto período preparatório seja otimizado. Assim, a conscientização de um trabalho de manutenção/recuperação no período de transição seria pertinente, facilitando o trabalho realizado no início da temporada.

Sugestões para a adequação do calendário de competições do futebol profissional brasileiro

    De acordo com a análise dos dados coletados em entrevistas, e a literatura, foi possível identificar os seguintes ajustes na estruturação do calendário do futebol profissional brasileiro:

  • Partindo do cronograma do calendário da CBF 2007 a pré-temporada iniciaria no dia 03 de janeiro e se estenderia até o dia 03 de fevereiro, totalizando 30 dias para este período.

  • Os campeonatos regionais, a Copa do Brasil e a Taça Libertadores da América iniciariam a partir do dia 04 de fevereiro e terminariam na segunda semana de junho.

  • A segunda metade do mês de junho seria destinada a intertemporada, ou seja, um período de 15 dias para que os clubes se preparassem para as competições do segundo semestre.

  • O Campeonato Brasileiro iniciaria em julho e se encerraria na primeira semana de dezembro, porém, deverá ser ajustado aos jogos da Copa Sul-Americana, que é disputado no mesmo período (agosto a dezembro).

  • a distribuição dos jogos seria feita para permitir semanas com apenas um jogo e outras com duas ou até mesmo três partidas, em casos específicos.

  • O mês de dezembro seria destinado às férias (transição).

    Na opinião dos entrevistados, as comissões técnicas dos clubes envolvidos não são consultadas a respeito dos períodos de duração e realização, tabela e jogos, e regulamentos das competições. Segundo eles, os técnicos, preparadores físicos, fisiologista e até mesmo os atletas deveriam participar na elaboração do calendário. Em consonância com esta linha de pensamento pode-se apontar Paoli (1996, p. 121), que ao entrevistar os vinte e quatro técnicos da primeira divisão do Campeonato Brasileiro de 1995, afirmou ser

    [...] imprescindível uma reformulação na estrutura do calendário, contando com a participação em sua reformulação com uma ampla discussão, envolvendo os técnicos, atletas, preparadores físicos, dirigentes, imprensa, e uma assessoria técnica especializada com conhecimento em Administração Esportiva, para que se possa permitir que o calendário seja elaborado com mais racionalidade, e de acordo com a periodização, os princípios científicos do treinamento esportivo e os princípios gerais do treinamento, além evidentemente, de levar em consideração os aspectos políticos de comercialização das competições, e o calendário estipulado pela Confederação Sul-Americana.

    Apesar dos avanços na estruturação do calendário de competições do futebol brasileiro, como por exemplo, o aumento da disputa do Campeonato Brasileiro e a diminuição da duração dos campeonatos regionais, o número de jogos ainda é elevado, além de ser distribuído de forma inadequada. Observa-se na percepção do preparador físico e do fisiologista do BFR a preocupação com a melhor estruturação do calendário de competições, fator determinante para a elaboração do processo de treinamento, da periodização e de sua planificação, pois o calendário do futebol brasileiro e o treinamento dos atletas têm de ser complementar, para que se possam alcançar os objetivos previstos a curto, médio e longo prazo.

Conclusões

    Com base na análise dos dados e resultados apresentados e discutidos é possível afirmar que, pesem os avanços na estruturação do calendário de competições do futebol profissional brasileiro este ainda apresenta-se problemático. O tempo destinado para a pré-temporada é insuficiente, o que prejudica os atletas a suportarem o longo período competitivo. O número de jogos é elevado, ocasionando uma sobrecarga de trabalho e uma recuperação física deficitária dos jogadores, além de dificultar a organização e distribuição de cargas ao longo da temporada. Percebe-se a necessidade de inclusão de uma intertemporada, a fim de contribuir na melhoria da periodização do treinamento e conseqüentemente no desempenho dos atletas.

    Recomenda-se ampliar as investigações na área para contribuir na implantação de um calendário adequado, vislumbrando também o contexto continental, possibilitando melhores condições na estruturação e periodização do treinamento aplicado ao futebol.

Referências

  • AOKI, M. S. Fisiologia, treinamento e nutrição aplicados ao futebol. Jundiaí, São Paulo: Fontoura, 2002.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 15 · N° 152 | Buenos Aires, Enero de 2011
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