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O atletismo como conteúdo na Educação Física escolar: 

um olhar dos docentes no município de Boa Vista, RR

El atletismo como contenido de la Educación Física escolar: una mirada de los docentes en el municipio de Boa Vista-RR

 

Professor Assistente do Instituto Federal de Educação, Ciência

e Tecnologia de Roraima (IFRR)

Mestre em Ciência da Motricidade Humana (UCB-RJ)

Pós-Graduado em Ciência do Treinamento Desportivo do Alto Rendimento (UGF)

Licenciado em Educação Física (UFRRJ)

Alexander Barreiros Cardoso Bomfim

alexander@ifrr.edu.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo destina-se a investigar as construções teóricas e práticas desenvolvidas pelos professores sobre o tema atletismo no município de Boa Vista-RR. Uma entrevista individual foi realizada em 28 (vinte e oito) professores de Educação Física. A análise de conteúdo foi utilizada para a categorização dos resultados. Os dados demonstram que valores coletivos como “cooperação”, “entendimento das possibilidades e limitações do outro” e a “não exacerbação da competição” são ainda pouco abordados nas aulas de Educação Física no grupo pesquisado, pois ainda adotam um paradigma voltado ao rendimento, a descoberta de talentos e ao recreacionismo.

          Unitermos: Esportes. Educação Física. Treinamento. Valores sociais.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 152, Enero de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A partir da década de 1970, esporte e Educação Física Escolar (EFE) constituem sinônimos, movimento que se inicia dentro das Instituições de Ensino Superior (IES), tendo em vista a importância de legitimar a Educação Física (EF) nas escolas (Bracht, 1999). Esta relação, envolvida por interesses que nem sempre eram os elencados pela instituição escolar como a formação do cidadão, mas sim, interesses na formação de um povo menos comprometido com os rumos da nação e mais interessado no desempenho de nossos atletas nas mais diversas modalidades, principalmente as dos esportes coletivos, especialmente o futebol.

    Na EFE dos dias atuais ainda enfrentamos problemas no que se refere aos conteúdos e aos métodos adotados. Questionamentos quanto à forma e a adoção de um determinado conteúdo e/ou método se fazem presentes, apesar do grande esforço dos pesquisadores em investigar as práticas pedagógicas mais comprometidas com a formação do cidadão na EFE (BETTI, 1991, BRACHT et all, 2007).

    Perante aos esportes coletivos, tão influenciados pela mídia e por seus implementos como: bolas coloridas, chuteiras brilhantes, “meiões” do time preferido, fazem com que conteúdos como o atletismo tenha uma contribuição à EFE de forma muito precária. Apesar do quadro que se apresenta, atualmente, o atletismo escolar segue a idéia da necessidade de transformar as disciplinas do correr, do saltar, do arremessar e do lançar, tradicionalmente copiadas dos modelos rígidos de competição, para uma nova forma, transformadora e emancipadora (Kunz et al, 2006). Neste sentido, o presente estudo tem por objetivo investigar as construções teóricas e práticas desenvolvidas pelos docentes sobre o conteúdo atletismo no ensino fundamental do município de Boa Vista-RR.

    O presente estudo teve a intenção de encontrar respostas às seguintes questões:

  1. Os professores utilizam o conteúdo atletismo em suas aulas?

  2. Apresentam dificuldades em lecionar tal conteúdo?

  3. Quais modalidades do atletismo tem o costume de lecionar?

  4. Quais modalidades são mais apreciadas pelos alunos e por quê?

  5. Com o atletismo como conteúdo, quais valores acreditam conseguir transmitir nas aulas?

    No estado de Roraima, a rede de ensino municipal de Boa Vista adota em seus parâmetros curriculares predominantemente conteúdos relacionados à Psicomotricidade, apesar dos achados de Carvalho, Miliano e Bomfim (2009), confirmarem um paradigma para o recreacionismo como também para a descoberta de talentos. Na rede estadual de ensino, existem as diretrizes curriculares, porém, na prática, o recreacionismo e a preparação de equipes para os jogos escolares são as temáticas encontradas nas aulas de educação física o que torna uma prática descompromissada, quando relacionada ao recreacionismo como também uma prática física e excludente sem nenhum entendimento teórico ou crítico dos problemas da sociedade. Outro agravante na rede estadual tem relação à locação das aulas de educação física na escola pois são dispostas no contra-turno das outras disciplinas, fazendo com que seja uma prática muito esvaziada.

    Sousa, Mesquita e Bomfim (2010), investigando as práticas dos docentes desenvolvidas sobre o tema atletismo nas escolas, percebeu a aceitação do conteúdo por parte dos alunos, problemas quanto a inexistência de material e infra-estrutura adequados, idêntico aos problemas relacionados a qualquer outro conteúdo para a prática da educação física. As corridas rasas e o salto em distância são as modalidades mais praticadas e apreciadas pelos alunos, o que sugere uma adequação dos interesses dos alunos às modalidades elencadas pelos docentes. Os motivos para aceitação de tais modalidades pelos discentes na perspectiva dos professores estão relacionados à competição e a comparação objetiva dos resultados, além da sua relação direta com os esportes coletivos. Com relação aos valores referenciados pelos docentes, o “respeito às regras e aos colegas” foi o mais citado o que pode indicar uma preocupação, mesmo de forma empírica dos professores, às atitudes e conceitos que vão além dos procedimentos e forma do atletismo.

    Outro problema elencado é a formação dos docentes que lecionam a disciplina educação física nas redes estadual e municipal de Boa Vista. Existem três grupos distintos de professores: professores com formação de nível superior em educação física, professores com formação de nível médio em educação física (magistério em educação física e/ou técnico de recreação e lazer) e professores com formação em outras áreas do conhecimento que lecionam a disciplina, devido a carência de profissionais na rede de ensino. Nas investigações realizadas (Carvalho, Miliano e Bomfim, 2009, Sousa, Mesquita e Bomfim, 2010) não foram encontradas diferenças na forma de execução das aulas de educação física por parte dos docentes, sugerindo que a formação em licenciatura ainda não tem repercutido o desejo de modificação das aulas para além de um paradigma prático.

Decisões metodológicas

    Participaram do estudo 28 (vinte e oito) professores, todos voluntários, com idades variando entre 23 e 50 anos (X=30,54±6,26 anos). Uma entrevista individual com perguntas fechadas e respostas abertas foi realizada. Cada entrevista durou, em média, 20 (vinte) minutos e para dar suporte aos dados encontrados a análise de conteúdo (Bardin, 1977), foi utilizada para a categorização dos resultados.

    Os professores foram selecionados propositadamente, alunos regulares do último módulo do curso para formação de professor da Educação Básica, Licenciatura Plena em Educação Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (IFRR). A respeito da seleção dos sujeitos, Turato (2003, p. 356), “a amostragem proposital está para a pesquisa qualitativa assim como a amostragem randômica está para a pesquisa quantitativa”, acrescenta ainda que neste tipo de estudo:

    o autor do projeto delibera quem são os sujeitos que comporão seu estudo, segundo seus pressupostos de trabalho, ficando livre para escolher aqueles cujas características pessoais (dados de identificação biopsicossocial) possam, em sua visão enquanto pesquisador, trazer informações substanciosas sobre o assunto em pauta (p. 357).

    Minayo, (1998, p. 102) corrobora com esta assertiva, quando afirma que “o critério de inclusão/exclusão dos sujeitos pode muito bem subordinar-se ao privilégio dado àqueles que detêm os atributos que o investigador pretende conhecer”. Seguindo estes pressupostos, os indivíduos foram selecionados pelo seu conhecimento a cerca dos pressupostos teóricos da EFE e sua predisposição em participar da entrevista.

    O convite feito pelo pesquisador e a sua conseqüente concordância e assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram os critérios para inclusão, correspondendo para Turato (op. cit, p. 358) como o grupo “Concordância em Participar”, que se define pelo entrevistado estar “de acordo com as cláusulas do termo de consentimento pós-informação para participação em pesquisa”, num total de 28 (vinte e oito) professores. Ressaltando sobre o número dos entrevistados, Turato (op cit., p. 375) enfatiza que “se queremos estudar os sentidos e significações que certos fenômenos têm para as pessoas ou para a sociedade, recorremos a estudos em profundidade dos elementos que objetivamos (com amostras em que a “pré-ocupação” com número não faz sentido)”.

    Por meio da análise de conteúdo, no método da categorização que, de acordo com Bardin (1977, p. 117), “é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero, com critérios previamente definidos”. Obedecendo a estes pressupostos, tratamos os dados sob critérios adotados pela literatura para um estudo caracterizado como naturalístico.

Análise e discussão dos resultados

    Perante aos questionamentos levantados buscamos, com a intervenção de campo, respondê-los de forma sistemática. Nesta seção, cada questão problematizadora levantada será analisada sobre a literatura especializada e os dados coletados.

1.     Os professores utilizam o conteúdo atletismo em suas aulas?

    Dos professores entrevistados, 93% citam utilizar o conteúdo atletismo em suas aulas, mesmo que de forma lúdica. Dois dos professores entrevistados citaram que não utilizam o conteúdo atletismo porque trabalham em regime de “escolinhas de esporte”, neste caso as escolinhas de futebol de salão e a escolinha de voleibol. Citam, também, que o atletismo na escola é um conteúdo ministrado nos primeiros meses de aula, antes dos alunos freqüentarem as escolinhas. Dizem que não existe uma escolinha de atletismo. A esse respeito, Kunz et al (2006, p. 23), ressalta que para o professor de Educação Física “ensinar atletismo nas escolas é um processo dramático. Os alunos, com certeza, preferem ‘mil vezes’ jogar, brincar com bola, do que saltar em altura, distância, arremessar ou ‘se matar’ numa corrida de 400 ou mil metros”.

2.     Apresentam dificuldades em lecionar tal conteúdo?

    Dos entrevistados, 87% reportaram-se a problemas na categoria “Material e Infra-estrutura” inadequada, como: estrutura física para desenvolver as atividades, com 18 citações. Poucas escolas da cidade dispõem de um local adequado em suas instalações para a prática (não só do atletismo como de qualquer outro conteúdo), fazendo com que o professor utilize outros espaços públicos, muitas das vezes inadequados, por vezes sobre a forte incidência do sol e das chuvas. Problemas relacionados a material e infra estrutura podem estar relacionados a formação do professor. Kunz (2006), ressalta que a época da graduação, os professores em formação usavam equipamentos nas universidades contrários à realidade escolar, fazendo com que estes estejam despreparados para ministrar aulas de acordo com a realidade encontrada. Portanto, as universidades formam, na verdade, indivíduos leigos para o exercício da profissão de professor de educação física na maioria das escolas brasileiras. Os professores fazem uma relação restrita com o material e a modalidade, fazendo com que não consigam “entender que uma pista de atletismo também possa ser utilizada para andar de bicicleta, ou que uma bola de voleibol possa ser chutada, ou ainda, que para uma piscina possa levar objetos, brinquedos, etc” (op. cit, p. 83). Apenas dois entrevistados reportaram-se a problemas nas Categorias “Administrativos”, como falta de apoio por parte da direção da escola para desenvolver tal conteúdo, como também apenas três citaram problemas da ordem “Pessoal” como falta de conhecimento prático/teórico para ministrar tal conteúdo.

3.     Quais modalidades do atletismo tem o costume de lecionar?

    As corridas rasas, seguida pelo salto em distância foram as modalidades mais citadas pelos professores. Pelo baixo nível de complexidade, o fato de não necessitar de implementos e por serem as modalidades mais próximas das habilidades básicas do correr e do saltar, fazem com que estas sejam as de maior citação, como demonstra a TABELA 1.

Tabela 1. Modalidades selecionadas pelos professores

4.     Quais modalidades são mais apreciadas pelos alunos e por quê?

    Das modalidades mais apreciadas pelos alunos, sob o ponto de vista dos professores, as corridas rasas e o salto em distância prevalecem na preferência dos discentes. Sugere-se que as modalidades são selecionadas pela preferência dos alunos, algo interessante quando se deseja a adesão de um maior número possível de partícepes. Parece que atividades que necessitem de uma maior complexidade e/ou um posicionamento muito estático fazem com que os alunos tendam a refutá-las, como foi sugerido pelos professores, além destas terem um menor nível de competição entre eles, como demonstrado na TABELA 2.

Tabela 2. Modalidades mais apreciadas pelos alunos

5.     Com o atletismo como conteúdo, quais valores acreditam conseguir transmitir nas aulas?

    Dos entrevistados, valores individuais como competitividade e determinação ainda são presentes, em detrimento a valores como união, solidariedade e espírito esportivo, sugerindo que as condutas adotadas pelos professores seja baseada na prática física, desconhecendo uma EFE voltada para a emancipação e uma visão crítica da sociedade. A TABELA 3 demonstra os dados discutidos.

Tabela 3. Valores citados pelos professores

Considerações finais

    O presente estudo teve por objetivo na verificação da forma como o conteúdo atletismo é apresentado aos alunos. Percebemos, diante dos dados apresentados, a aceitação do conteúdo por parte dos alunos, problemas quanto a inexistência de material e infra-estrutura adequados para a condução, não somente para o conteúdo atletismo como de qualquer outro, fazendo com que o professor crie os materiais de uma forma precária e os conduzam a espaços públicos nas proximidades das escolas como praças e parques, perdendo um tempo valioso para o deslocamento até o local. Perante aos valores creditados ao conteúdo atletismo, percebemos que o grupo pesquisado ora adota um paradigma recreacionista, quando considera o conteúdo atletismo de forma lúdica e/ou um paradigma voltado para o rendimento e a descoberta de talentos, haja vista, o elevado número de citações de conceitos como competitividade em detrimento a conceitos como o entendimento das possibilidades e limitações do próximo, a não-exacerbação da competição e a adoção a uma postura crítica aos problemas da sociedade.

Referências

  • BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

  • BETTI, M. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.

  • BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos Cedes: Campinas, ano XIX, n. 48, p. 69-88,1999.

  • BRACHT, V., CAPARROZ, F., FONTE, S., FRADE, J., PAIVA, F., PIRES, R. Pesquisa em ação: educação física na escola. 3ª ed. Ijuí: Unijuí, 2007.

  • CARVALHO, S., MILIANO, S. e BOMFIM, A. O atletismo na Educação Física Escolar: uma visão dos professores do município de Boa Vista-RR In: 24º Congresso Internacional de Educação Física - FIEP, 2009, Foz do Iguaçu. The FIEP bulletin, 2009.

  • KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. 7ª ed. Ijuí: Unijuí, 2006.

  • KUNZ, E., CARDOSO, C., FALCÃO, J., FIAMONCINI, L., SARAIVA, M., SOUZA, M. Didática da educação física 1. 4ª ed. Ijuí: Unijuí, 2006.

  • MINAYO, M. O Desafio do Conhecimento Pesquisa Qualitativa em Saúde. 5ª ed. Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco, 1998.

  • SOUSA, G., MESQUITA, C., BOMFIM, A. O atletismo na educação física escolar: possibilidades e condutas adotadas pelos professores do município de Boa Vista-RR. The FIEP Bulletin. , v.80, p.483-486, 2010.

  • TURATO, E. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção técnico-epistemoloógica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis: Vozes, 2003.

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