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Marcas de uma história, marcas do futebol: o Football Club Esperança

Las marcas de una historia, las marcas del fútbol: el Football Club Esperanza

 

*Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP/SP)

Professor do Programa de Mestrado em Processos e Manifestações Culturais

da Universidade Feevale (Novo Hamburgo, RS)

Pesquisador do Grupo de Pesquisa Cultura e Memória da Comunidade da mesma instituição

**Acadêmico do Curso de História da Universidade Feevale (Novo Hamburgo, RS)

Bolsista de iniciação científica do Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq

Cleber Cristiano Prodanov*

prodanov@feevale.br

Vinícius Moser**

moser@feevale.br
(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo pretende analisar o desenvolvimento das atividades futebolísticas na cidade de Novo Hamburgo, estado do Rio Grande do Sul, o mais meridional do Brasil. Para tanto, analisar-se-á a trajetória histórica do Football Club Esperança, uma das principais agremiações futebolísticas dessa localidade. Pretende-se ainda, tecer uma pequena comparação com o seu arquirrival, o Sport Club Novo Hamburgo, um pouco mais antigo e representativo de outro bairro, especificamente a região central da cidade.

          Unitermos: Futebol. Imigração. Sociabilidade. Clubes de futebol. Rivalidade.

 

Abstract

          This paper aims to analyze the development of soccer activities in the city of Novo Hamburgo, in the state of Rio Grande do Sul, in the far south of Brazil. This is done by analyzing the historical path of Foot-Ball Club Esperança, one of the main soccer clubs in the city. The study also establishes a modest comparison between the club and its arch-rival, Sport Club Novo Hamburgo, which is slightly older and represented another neighborhood, namely the city center.

          Keywords: Soccer. Immigration. Sociability. Soccer clubs. Rivalry.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 152, Enero de 2011. http://www.efdeportes.com/

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A origem do futebol na cidade de Novo Hamburgo

    Na passagem do final do século XIX e nas décadas iniciais do século XX, aconteceu a introdução do futebol no Brasil e no Rio Grande do Sul. Foi nesse momento também que a paixão por esse esporte coletivo irrompeu dos pequenos e seletos grupos de praticantes, chegou às empresas e aos operários e contagiou, em pouco tempo, as massas urbanas, levando a uma rápida proliferação e organização dos primeiros clubes específicos para a sua prática.

    Mesmo estando geograficamente no extremo sul do Brasil e não sendo o centro político e econômico do país, o Rio Grande do Sul teve certo grau de pioneirismo nessa acelerada e apaixonante expansão do futebol. Houve uma considerável contribuição de uruguaios e ingleses residentes nesse Estado, assim como daqueles que trabalhavam em nossos portos e fronteiras mais meridionais e traziam consigo a prática do chamado esporte bretão. Também foi decisiva a grande massa de imigrantes alemães, italianos e seus descendentes, que habitavam essa região mais ao sul do Brasil, nas bordas da região platina e povoada por imigrantes europeus de váruias etnias.

    Nesse virada do século, o Brasil e o Rio Grande do Sul passavam por profundas transformações, no sentido de que o país passou de uma ordem escravocrata e monárquica para uma nova ordem republicana, sendo acompanhado por um relativo surto industrial e um acelerado crescimento das principais cidades brasileiras. Porto Alegre não ficou fora desse processo, tendo havido, concomitantemente, uma grande onda imigratória oriunda, principalmente, da Europa, destacando-se os alemães e os italianos (PRODANOV, 2008).

    Cabe também destacar o fato de que essa onda imigratória, em especial no RS, gerou a acumulação de capitais também em áreas coloniais, que foram canalizados para o nascente setor industrial e locus de um crescente operariado. Assim, a formação de clubes que praticavam esportes de massa popularizou-se, em especial em regiões coloniais, que despontavam em seus processos agrícolas e, sobremaneira, fabris.

    A partir da década de 1910, as cidades mais prósperas da região colonial rio-grandense começaram a criar também seus clubes de futebol, acompanhando a tendência iniciada na região sul e portuária do Estado, além da fronteira uruguaia e da capital. Dentre as localidades da região colonial que mais se destacaram, encontramos Novo Hamburgo, com predominância da etnia germânica [...] (PRODANOV; MOSER, 2010, p. 02)

    Nesse sentido, Novo Hamburgo, localizada no Vale do Rio dos Sinos, uma região relativamente próxima à capital e com uma forte vocação de centro regional e de atividade industrial, transformou-se rapidamente em uma cidade com destaque econômico no cenário regional. Um dos fatores principais dessa crescente prosperidade deveu-se ao desenvolvimento das atividades relacionadas ao setor coureiro-calçadista, cujo início remonta aos anos 1890, quando Pedro Adams filho instalou a primeira fábrica de calçados, no moderno sentido da palavra, em Novo Hamburgo (SCHEMES, 2005).

    Como aconteceu em outras regiões de forte presença de imigrantes, o elemento teuto--brasileiro, em associação a esse importante crescimento fabril, fez com que o futebol também se popularizasse e se transformasse em esporte de massa. Desse modo, muitos clubes futebolísticos foram criados no município no início do século XX, dentre os quais se destacaram principalmente o Sport Club Novo Hamburgo, fundado em 1911 por um grupo de ex-funcionários da Fábrica de Calçados Adams e que possuia sua sede na parte central da cidade, e o Football Club Esperança, que iniciou suas atividades em 1914 e se localizava na parte antiga da cidade, onde a colonização da cidade tivera início, em 1824, no bairro de Hamburgo Velho.

    Novo Hamburgo foi a denominação dada para a região central do município de Novo Hamburgo, onde instalou-se a primeira estação férrea da cidade, em 1876, sendo inicialmente chamada de New Hamburg, em virtude da presença de operários ingleses na construção da ferrovia. Em pouco tempo, a localidade começou a concentrar boa parte da indústria, comércio e serviços do já florescente segundo distrito de São Leopoldo, transformando-se, já no início do século XX, na principal região de Novo Hamburgo (SELBACH, 1999).

    Quanto à localidade de Hamburgo Velho, inicialmente chamada de Hamburguer Berg, situava-se na região mais elevada do atual município de Novo Hamburgo, núcleo inicial da colonização alemã. Até o início do século XX, a então chamada “cidade alta”, como também era denominada Hamburgo Velho, concentrava boa parte da atividade econômica hamburguense, bem como das famílias tradicionais da cidade, muitas ligadas aos primeiros imigrantes que chegaram à cidade e aos primeiros expoentes do comércio e da crescente indústria de couros e sapatos.

O Football Club Esperança

    Em 10 de maio de 1914, na então “Pensão Breaescher”, um dos poucos locais de hospedagem no bairro de Hamburgo Velho, foi assinada e registrada a ata de fundação do Football Club Esperança, que, no momento de seu surgimento, contava com trinta e oito sócios iniciais: João Emílio Leyser, Carlos Krause, Luiz C. de Moraes, Walburg Scheffel, Guilherme Frederico Wingert, Lulu W. Moraes, Alfredo e João A. Steigleder, P. Albino Steigleder, Leonel Habigzang, Alfredo Reichert, Adão Steigleder, Alfredo Knewitz, Henrique Cassel, Oscar Fauth, Ferdinando Rauber, Adolfo Kehl, Henrique Habigzang, Waldemar Magalhães, Bernardo Hack, Francisco Catapeste, Leopoldo Kehl, Luiz Schueler, Roberto Rotmann, Afonso Merkel, Reynaldo Nonnenmacher, Hugo J. Schoeler, Theobaldo Willirich, Pedro Loeblein, Estanislau Mancuso, Alfredo Dresch, Arno Schweitzer, Albano Haubert, Arthur Kunz, Otto Ries, Paul Janh, Rudolfo Fleck e Carlos Schmitt Filho. (ESPERANÇA, 1944).

    Desse número incial de participantes, somente cinco possuíam sobrenome não germânico, ressaltando o caráter fortemente étnico do desenvolvimento do futebol hamburguense à epoca de fundação dessas pioneiras agremiações (ESPERANÇA, 1944). O primeiro presidente do clube foi João Emilio Leyser, comerciante de couros de Hamburgo Velho, respeitado cidadão com fortes laços na comunidade e homem conhecido pelo sucesso de seus negócios.

    Os fundadores do Esperança, diferentemente do seu maior rival, o Sport Club Novo Hamburgo, eram, em grande parte, propietários de eslatabelecimentos fabris e comeciais de Hamburgo Velho. Desse modo, essa elite local realizou o desejo de possuir um time de futebol próprio, capaz de competir com a equipe da região vizinha, e futura rival, que era Novo Hamburgo. Esta nova região estava em franco processo de florescimento econômico e social e prosperava cada vez mais rápido em relação ao antigo e tradicional bairro de Hambrurgo Velho, que “[...] já tomava a dianteira como o pólo econômico da cidade” (SCHEFFEL, 2010, 03).

    A rivalidade e dualidade existentes entre essas duas localidades foi percebida de várias maneiras, entre elas um desenvolvimento quase paralelo entre os dois bairros, uma competição comercial, social e econômica:

    [...] era comum e equilibrada a presença de estabelecimentos fabris, comericiais e de lazer, além disso, ambas regiões possuíam seus cinemas, clubes e círculos sociais, bem como em cada um, estava fincada uma estação férrea e agência postal. (PRODANOV; MOSER, 2009, p. 05)

    A existência do Esperança enquanto clube profissional de futebol foi permeada por um sentimento ambíguo de pertencimento a uma grande comunidade, mas também de dualidade e rivalidade entre os dois bairros. É possível perceber parte desses sentimentos, em especial nas décadas de 1930 e 40, pelo grande mote utilizado pelos dirigentes do Esperança, que pregavam “[...] sua luta, [contra] o Esporte Clube Novo Hamburgo.” (SCHEFFEL, 2010, p.04).

    Desde o começo de suas atividades, o Esperança possuiu um atuante departamento social, configurando um diferencial em relação aos outros clubes de futebol e até mesmo agremiações tradicionalmente sociais existentes em Hamburgo Velho, como a tradicional Sociedade Fröshin (atualmente Sociedade Aliança) e a Sociedade Ginástica de Hamburgo Velho. A Sociedade Fröshin tinha como principal atividade o canto coral e a Sociedade Ginástica dedicava-se, entre outras modalidades, à prática da ginástica, da cultura física e do bolão.

    O Esperança também possuía, paralelamente ao seu departamento esportivo, uma atividade cultural relevante, sempre contando, em suas programações oferecidas aos sócios, com apresentações musicais e artísticas, em maior número até que nas outras agremiações sociais de Hamburgo Velho. Nesse sentido, outro detalhe interessante da história do Esperança foi o de, em toda a sua trajetória, nunca ter possuído sede social própria, mas, em 1942, inaugurado seu estádio, o “10 de Maio”. As atividades sociais, como bailes de aniversários, debutantes, festas e casamentos, além de outros momentos de sociabilidade, passaram, então, a acontecer nas dependências da Sociedade Ginástica de Hamburgo Velho.

    Simultaneamente a essas atividades de cunho social e cultural, o futebol foi a principal atividade do Esperança e floresceu consideravelmente, sendo esse crescimento verificado logo após sua fundação em 1914.

Fotografia do time principal do Esperança, em 1921

(Fonte: Álbum Comemorativo dos 30 anos do Esperança, 1944)

    A imagem acima mostra o time do Esperança, em 1921, ano em que começou a disputar profissionalmente competições. Destaca-se nesse período, e se comprova pela foto, a não presenca de negros nesse clube e time, orientado nesses anos iniciais aos elementos teuto--brasileiro nos times locais. Essa tendência inicial prolongou-se por várias décadas, tanto nos times das colônias italianas e alemãs como nos da própria capital do Rio Grande do Sul. Somente no final da década de 1950 é que os negros começaram a frequentar os quadros amadores do Esperança (FEIJÓ, 2009), assim como outras equipes na região.

    A questão racial e a participação, ou não, do negro no futebol de Novo Hamburgo reproduz o padrão que se formou em todo o Brasil e no Rio Grande do Sul, ou seja, a formação de clubes e ligas separadas e a gradual incorporação do elemento negro no futebol. Essa dualidade foi muito sentida nas regiões de imigração europeia no Rio Grande do Sul, especialmente nas áreas alemãs, como era o caso de como Novo Hamburgo.

    Assim sendo, foram fundados em Novo Hamburgo alguns times destinados aos não descendentes de alemães, destacando-se, em 1922, uma agremiação de sociabilidade e de prática futebolística composta exclusivamente por negros, o Sport Club Cruzeiro do Sul, que se constituiu em um marco de resistência a essa dominância da etnicidade germânica na cidade. (KERBER; SCHEMES; MAGALHÃES, 2008).

    Naturalmente, os jogos de assistência mais concorridos, na recém-emancipada Novo Hamburgo de 1927, eram o já “clássico” local, Esperança X Novo Hamburgo, como já mostrava a crônica esportiva do primeiro periódico local, o jornal “O 5 de abril”.1 Para ilustrar essa intensa rivalidade que existia entre o ECNH e o FBC Esperança, o Jornal publicou a crônica do “renhidíssimo jogo”, pelo returno do campeonato municipal, cujo resultado vitorioso do Novo Hamburgo deu-lhe o título de primeiro campeão municipal. A importância desse campeonato local era muito grande, uma vez que ao vencedor cabia representar o município contra o campeão municipal da cidade de Caxias do Sul, o principal polo de colonização italiana no Estado.

    O campeão municipal de Novo Hamburgo iria, pois, enfrentar, em Caxias do Sul, o Sport Club Juvenil, que, atualmente, é a Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias, fundado em 1921 e campeão municipal daquela localidade da serra gaúcha. (O 5 DE ABRIL, 1927). Como se pode perceber, o futebol na cidade de Novo Hamburgo logo se tornou objeto de apaixonada torcida, acompanhado e registrado pela imprensa da época, com riqueza de detalhes, símbolo de afirmação regional, que transcendeu os limites municipais, inicialmente com outras regiões coloniais italianas e alemãs e depois todo o Estado.2

    A imprensa, por sua vez, logo voltou suas atenções também para a capital do Estado e ao confronto dos clubes hamburguenses de futebol com o Grêmio Football Porto-alegrense, um dos principais clubes na modalidade da capital do Rio Grande do Sul.

    Ao longo dos anos 1930, ocorreu o acirramento da rivalidade entre o Esperança e o Novo Hamburgo. Muitas decisões de campeonatos municipais eram, inclusive, frequentemente questionadas através da imprensa e da Associação Hamburguesa de Esportes Amadores – AHEA, criada em 1935 com o objetivo de regular e mediar as disputas entre os diversos clubes futebolísticos existentes na cidade e que disputavam o Campeonato Municipal, o principal certame anual.

    Um passo importante para o crescimento do Esperança como Clube de futebol foi a aquisição, em 1934, de uma área de terra, localizada em Hamburgo Velho, próximo à antiga estação ferroviária, com a finalidade de abrigar o seu futuro estádio. Até a inauguração do Estádio do Esperança, na década seguinte, o Clube realizava seus treinos e partidas em um terreno cedido por um dos membros do Clube, não havendo registros precisos acerca da localização desse primeiro “campo” de futebol do Esperança. (ESPERANÇA, 1944).

    Com o esforço da diretoria do Clube, dos seus diretores e das empresas locais, nove anos depois, em 28 de junho de 1942, inaugurou-se o Estádio 10 de maio, em alusão à data de fundação do clube.

Fotografia do da inauguração do Estádio 10 de maio, em 1942

(Fonte: Álbum Comemorativo dos 30 anos do Esperança, 1944)

    A imagem acima registra o momento de inauguração do estádio “10 de maio”, maçicamente prestigiado pelas autoridades municipais e a sociedade de Hamburgo Velho. Segundo a imprensa da época, tratava-se de um “portentoso” e imponente campo de jogo (O 5 de ABRIL, 1942, p. 09).

    A partida oficial de inauguração do novo estádio foi contra o Grêmio Football Porto--alegrense, com placar de 3x1 para o time da casa. Existiu, ao longo de toda a história do Esperança, um relacionamento cordial e de identificação com a equipe do Grêmio Porto--alegrense, tendo as duas equipes disputado muitos jogos amistosos, sempre em clima de amenidade e congraçamento (FEIJÓ, 2009).

    O Esperança, desde o seu início, possuiu um quadro esportivo dividido em juvenis, aspirantes e profissionais, divididos em primeiro e segundo quadros. Cabe destacar que das categorias profissionais do Esperança saíram grandes profissionais de futebol (FEIJÓ, 2009), como o atleta Geada, center-forward, antiga denominação de centroavante, utilizada até meados dos anos 1940, que começou sua carreira no Esperança e teve grande destaque na equipe do Grêmio Porto-alegrense, na década de 50, sendo considerado um dos maiores jogadores do time da capital gaúcha nesse período (OSTERMANN, 2000). Além de Geada, foi também revelação do Esperança o técnico Osvaldo Rolla, o popular Foguinho, que começara sua carreira como técnido de futebol do Esperança em 1950 e, na década seguinte, fez grande sucesso no Grêmio Porto-alegrense.

    Dentre os títulos municipais e as vitórias frente ao seu rival, o Novo Hamburgo, o ponto alto da trajetória futebolística do Esperança foi, em 1954, com a conquista do título de Campeão do Interior do Estado do Rio Grande do Sul. (O 5 DE ABRIL, 1954). Esse título, à época, revestia-se de grande importância, pois o vencedor jogava com o time que ganhava o campeonato envolvendo os clubes da capital do Estado, decidindo-se, assim, quem seria o campeão de futebol do Estado.

    No início da década de 1960, entretanto, com a grande competividade do meio futebolístico, o acirramento do processo de profissionalização e o crescimento dos salários dos jogadores, já nessa época, o Esperança começou a entrar em declínio. Prosperaram, diga--se de passagem, somente os times da capital do Estado, Grêmio e Internacional, que possuíam melhores condições financeiras e técnicas para competir de igual para igual com equipes do centro do país, pois, já em finais da década de 1950, os torneios interestaduais começavam a se popularizar, não dando muita margem de atuação para clubes de cidades de menor relevância esportiva, como era o caso de Novo Hamburgo e, especialmente, do Esperança.

    Desssa forma, o Esperança, mesmo tendo sido fundado por membros da camada dominante da localidade de Hamburgo Velho, incluindo-se nesse escopo empresários e importantes comerciantes da região, não conseguiu mais fazer frente à crescente concorrência das equipes de Porto Alegre, que granjeavam um número cada vez maior de associados e torcedores, assim como montavam equipes de boa qualidade técnica, determinando a hegemonia da capital no cenário futebolístico riograndense. Essa preferência por clubes da capital também ocorreu em Novo Hamburgo.

    Porque o Esperança e o Novo Hamburgo eles [os dirigentes] se esqueceram, perderam o bonde da história. Chegou um momento que a dupla Gre-nal começou a vender bandeirinhas aqui na rótula da [Rua] 07 de setembro, nem tinha rótula nem tinha 07 de setembro, mas ali era uma entrada pra Novo Hamburgo. Então pra não ficar mais aqui no centro, onde haveria perigo, começaram a vender bandeirinhas do Grêmio e do Internacional [...] (FEIJÓ, 2009, p. 08)

    Na década de 1960, Novo Hamburgo entrou em um período de grande prosperidade econômica, advindo principalmente do início das exportações de calçado, cujo principal mercado consumidor eram os Estados Unidos (SCHEMES, 2005). Assim, a cidade aumentou rapidamente seu número de habitantes e novos tipos de esporte começaram a se popularizar entre a elite, como o tênis e o salto ornamental. Esses dois esportes tiveram destaque na cidade através da Sociedade Aliança, que se situa em Hamburgo Velho, o que também contribuiu de forma decisiva para que o Clube da elite da “cidade alta”, o Esperança, encerrasse suas atividades profissionais de futebol naquela década.

    Essa falta de interesse da elite de Hamburgo Velho pode ser traduzida pelo fato de, já na década de 1960, a geração seguinte, formada pelos descendentes, começar a demonstrar interesse maior por esportes que se consideravam mais “nobres”, como os dois referidos anteriormente. Essa preferência da elite local por esportes não vinculados às massas refletiu também no esvaziamento da rivalidade entre o Novo Hamburgo e o Esperança. Desse modo, apesar de o Novo Hamburgo ter continuado a atuar profissionalmente no campo futebolístico, o seu principal rival citadino, o Esperança, não mais atuava, esvaindo-se, assim, o sentido da rivalidade que se constituía como o mote propulsor do atuante futebol que a cidade possuía até a década de 1950.

    De acordo com Oliven (2002), o futebol desempenhou, e desempenha até a atualidade, papel semelhante à roupa numa pessoa, o que explica, de certa forma, o esvaziamento da rivalidade futebolística que ocorria na cidade, ensejado pela busca, por parte da elite, especialmente de Hamburgo Velho, por esportes não vinculados às massas. Desprezar a “vestimenta” que um time proporciona aos seus torcedores significava estar despido, analogia que pode ser realizada com o final das atividades profissionais do Esperança: sua torcida ficou “despida” e, evidentemente, não iria torcer para o seu grande rival, o Sport Club Novo Hamburgo.

    Nesse contexto de paulatino enfraquecimento do futebol na cidade, o Esperança, em 1964, encerrou as suas atividades profissionais de futebol. Cabe ressaltar que outro fator importante que marcou o seu declínio definitivo foi a venda do estádio 10 de Maio, em 1974, em virtude do alto endividamento fiscal e previdenciário do Clube, deixando a agremiação em situação de quase insolvência (SCHEFFEL, 2009). Com o valor da venda de seu antigo Estádio, adquiriu uma área de terra, em Novo Hamburgo, à congregação Marista da cidade e começou a desenvolver outras atividades esportivas, como Moto-cross e Bici-cross, tendo como foco principal os serviços de Clube Social que passou a oferecer.

Considerações finais

    O início das atividades futebolísticas do Football Club Esperança, em maio de 1914, na localidade de Hamburgo Velho, pode ser considerado como uma reação bairrística à formação do Sport Club Novo Hamburgo, em 1911, surgido na região central do então segundo distrito de São Leopoldo, denominado Novo Hamburgo. A reação e a posterior criação de um clube de futebol em Hamburgo Velho reforçou o sentimento de dualidade que já existia entre os dois bairros ou localidades da mesma cidade, marcado, desde muito tempo, pelo acentuado desenvolvimento comercial e industrial em Novo Hamburgo, em finais do século XIX, em detrimento de Hamburgo Velho. Essa dualidade também se refletiu no fato de que cada uma das localidades possuía espaços de sociabilidade próprios, como clubes e cinemas, bem como facilidades urbanas, como agências postais e estações ferroviárias.

    Quanto aos aspectos concernentes às formações desses dois times, existiram diferenças significativas. Os fundadores do Novo Hamburgo foram, na sua totalidade, operários de fábricas, não pertencentes à elite local. Em contrapartida, os trinta e oito sócios fundadores do Esperança, em sua grande maioria, pertenciam justamente à elite de Hamburgo Velho, eram proprietários de estabelecimentos industriais e comerciais.

    Desse modo, estabeleceu-se uma dicotomia dentro desse cenário de dualidade que havia em Novo Hamburgo, sendo a atividade futebolística um dos principais vetores. A região central da cidade, Novo Hamburgo, começou a representar o novo, o moderno, concentrando a maior parte da economia do município, congregando indústrias, comércio e os incipientes serviços que a cidade começava a oferecer, como, postos de gasolina e telefonia. Por outro lado, o núcleo inicial de ocupação dos teuto-brasileiros na cidade, Hamburgo Velho, representava o tradicional, o antigo, no sentido de que as famílias mais tradicionais da cidade, a maioria delas ligadas aos primeiros imigrantes, residiam nessa localidade.

    Nesse sentido, a relevância do futebol na mais importante, economicamente falando, cidade da região colonial alemã do Rio Grande do Sul mostrou que esse esporte não se configurava apenas como uma prática esportiva ou de lazer de massa, mas foi, especialmente no caso do Esperança, um dos elementos construtores da identidade local.

    Entretanto, na década de 1960, o fortalecimento e a melhora técnica dos principais clubes de futebol da capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, tendo como base o poder econômico de elementos da elite porto-alegrense que dirigiam esses clubes, fez com que estes tivessem cada vez maior penetração dentro do cenário futebolístico hamburguense. Essa penetração deu-se, sobremaneira, pela cooptação de associados e pelo forte apelo publicitário que esses clubes faziam na cidade. Assim, o esvaziamento da rivalidade entre o Novo Hamburgo e o Esperança, com o encerramento das atividades futebolísticas deste último, em 1964, representou um marco para o declínio da pujança do futebol na cidade, apesar de o Novo Hamburgo ter mantido o seu time de futebol profissional e disputado campeonatos, em âmbito regional e estadual até a atualidade.

    Concomitantemente a essa maior penetração dos times da capital no cenário futebolístico hamburguense nos anos 1960, a elite de Hamburgo Velho começou a demonstrar maior interesse por esportes mais sofisticados, como o tênis e o salto ornamental, relegando a um segundo plano o futebol. Esse distanciamento fez com que a própria rivalidade entre Novo Hamburgo e Hamburgo Velho também se atenuasse, já que um dos principais fatores dessa rivalidade era o popular futebol.

    Assim sendo, dentro dessa dicotomia e disputa que, de um modo mais amplo, se configurou entre o “novo” e o “velho” na cidade de Novo Hamburgo e dentro das profundas transformações decorrentes do surto de crescimento que a cidade experimentou com o processo de exportação de calçados, o “novo” prevaleceu dentro da construção identitária hamburguense nesse período. Essa busca pelo novo, na formação identitária da cidade, marcou-a profundamente, determinando sua feição nos anos que se seguiram. Desse modo, a derrocada do clube mais elitista e tradicional foi acentuado pelo domínio das massas sobre o Sport Club Novo Hamburgo.

Notas

  1. Primeiro periódico de Novo Hamburgo, que circulou semanalmente desde a emancipação do município, em 1927, até o ano de 1962 (BEHREND, 2002).

  2. O Grêmio Football Porto-alegrense foi fundado no dia 15 de setembro de 1903, por um grupo de entusiastas por futebol, ligados à atividade comercial, em sua maioria de origem alemã (OSTERMANN, 2000). Já a Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias, primeiramente denominado como Sport Club Juvenil, foi fundada em 1913, por um grupo ligado ao Clube Juvenil, para fazer oposição ao Esporte Clube Juventude, que surgiu no mesmo ano. (PRODANOV; MOSER, 2010).

Referências

  • BEHREND, Martin Herz. O 5 de Abril: o primeiro jornal de Novo Hamburgo. Novo Hamburgo: [s.n.], 2002.

  • FEIJÓ, Alceu Mário. Depoimento [jul. 2009]. Novo Hamburgo: 2009.

  • ESPERANÇA, Foot-ball Club. Álbum comemorativo dos 30 anos do FBC Esperança, 1944, 64 f. Mimeografado.

  • KERBER, Alessander Mario; SCHEMES, Claudia; MAGALHÃES, Magna Lima. O futebol e a identidade negra em um espaço germânico. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, ano 13, n.121, jun. 2008. http://www.efdeportes.com/efd121/o-futebol-e-a-identidade-negra-em-um-espaco-germanico.htm

  • O 5 DE ABRIL. Notas Sportivas. Novo Hamburgo: Typographia Behrend, diversos anos.

  • OLIVEN, Ruben George. Resenha do livro”Futebol e identidade social: uma leitura antropológica das rivalidades entre torcedores e clubes”. Horizontes antropológicos, Porto Alegre, ano 8, n. 17, p. 269-270, jun. 2002.

  • OSTERMANN, Ruy Carlos. Até a pé nós iremos. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000.

  • PRODANOV, Cleber Cristiano; MOSER, Vinícius. Estado Novo e futebol: a região italiana do Rio Grande do Sul. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, ano 14, n.140, jan. 2010. http://www.efdeportes.com/efd135/futebol-a-regiao-italiana-do-rio-grande-do-sul.htm

  • PRODANOV, Cleber Cristiano. O futebol no extremo sul do Brasil e sua chegada na região alemã de Novo Hamburgo. Lecturas: Educacion Física y Deportes. Revista Digital. Buenos Aires, Ano 13, n.122, jul. 2008. http://www.efdeportes.com/efd122/o-futebol-no-extremo-sul-do-brasil.htm

  • PRODANOV, Cleber Cristiano; MOSER, Vinícius. O futebol ítalo-germânico no Rio Grande do Sul. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, ano 14, n.135, ago. 2009. http://www.efdeportes.com/efd135/o-futebol-italo-germanico-no-rio-grande-do-sul.htm

  • SCHEFFEL, Albano Nelson. Depoimento [fev. 2010]. Novo Hamburgo: 2010

  • SCHEMES, et. al. Memória do setor coureiro-calçadista: pioneiros e empreendedores do Vale do Rio dos Sinos. Novo Hamburgo: Feevale, 2005.

  • SELBACH, Jéferson Francisco. Novo Hamburgo 1927-1997: os espaços de sociabilidade na gangorra da modernidade. Porto Alegre: 1999. 370 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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