Atividade motora adaptada para deficientes visuais: experiências com a natação em instituições inclusivas Actividad motora adaptada para discapacitados visuales: experiencias con la natación en instituciones inclusivas |
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*Fisioterapeuta pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) **Bacharel, Licenciado, Mestre e Doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Laboratório de Psicologia do Movimento Humano Grupo de Estudos Psicopedagógicos em Educação Motora, GEPEM/FEF, Unicamp Docente do Ensino Superior na Universidade Adventista de São Paulo (UNASP-Campus SP) |
Daniela Ferreira Montans* Rubens Venditti Júnior** (Brasil) |
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Resumo Este artigo é fruto de um trabalho multidisciplinar que envolve a participação de profissionais das áreas de Educação Física e Fisioterapia. Foi elaborado com base em pesquisas e vivências profissionais individuais, necessárias para a ampla discussão que abrange a troca de experiências e observações pessoais. Tem como objetivo principal salientar a importância do trabalho com deficientes visuais como forma de contribuição para o desenvolvimento destes indivíduos. Neste, são expostos relatos referentes às experiências vivenciadas na área da Natação para pessoas com deficiência visual. A atividade física adaptada será proposta como meio de promoção de inclusão social, uma vez que possibilita um aumento do círculo de amizades, correspondendo a uma oportunidade para derrubar barreiras discriminatórias esteriotipadas. Mais uma série de outras contribuições se relaciona à prática de atividade física adaptada tais como: uma forma de aumentar as capacidades motoras, cardio-respiratórias e posturais do indivíduo praticante; bem como um meio de previnir deficiências secundárias que podem se instalar no corpo do deficiente visual, comprometendo suas formas e funções preservadas. Dessa forma, o trabalho realizado prioriza os aspectos que abordam a reinserção social, considerando todo e qualquer indivíduo como um ser biopsicosocial, repleto de características próprias e únicas, que interferem em seu comportamento, na sua forma de se relacionar com a comunidade e consigo mesmo. Unitermos: Atividade motora adaptada. Deficientes visuais. Natação.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 152, Enero de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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A atividade física muitas vezes é procurada por aqueles que objetivam uma melhoria na qualidade de vida, já que ela, quando proposta e elaborada de uma forma adequada, promove melhora das capacidades físicas, interação nas relações sociais e uma via de combate ao estresse do cotidiano (SAMULSKI, 2002).
É bastante comum encontrar pessoas com algum tipo de deficiência excluídas dos programas de atividades desse caráter por diferentes motivos: falta de credibilidade (ou conhecimento) em relação à capacidade do indivíduo em questão; preconceitos; falta de instrução profissional, que implica na ausência de estímulos, principalmente de estímulos adequados (WINCKLER, 2003).
A área da Educação Física Adaptada (EFA) apresenta-se em crescimento cada vez mais notável, o que é de extrema importância para a formação de profissionais capacitados necessária para o exercício de atividades inclusivas. De acordo com Winnick (2004) a Educação Física Adaptada pode ser definida como um programa individualizado de aptidão física e motora; habilidades e padrões motores fundamentais; habilidades de esportes aquáticos e dança; além de jogos e esportes individuais e coletivos; um programa elaborado para suprir as necessidades especiais dos indivíduos.
As necessidades especiais de uma pessoa alavancam uma série de potencialidades, as quais necessitam de estímulos para se desenvolver. Tais estímulos devem ser adaptados de acordo com as características e dificuldades de cada indivíduo.
Assim, a elaboração de um programa de atividades voltado para pessoas em condição de deficiência, qualquer que seja ela, deve estar muito bem orientado e informado em relação aos limites, restrições de cada um e, sobretudo, em relação às possibilidades dos mesmos. Para isso a atividade motora deve ser adaptada em função das necessidades apresentadas e das potencialidades destes sujeitos, através do novo paradigma da diversidade humana (PEDRINELLI e VERENGUER, 2004).
É importante que o profissional envolvido no trabalho adaptado seja capaz de identificar as capacidades do deficiente, para poder valorizá-las e desenvolver atividades que não frustrem ainda mais o indivíduo, mas que destaquem a função preservada por ele, potencializando-a.
No caso de envolvimento com deficientes visuais, a abordagem deve ser muito cautelosa. Devem ser utilizadas ao longo do trabalho informações cinestésicas, táteis e auditivas, como forma de suprir a ausência ou deficiência de informações visuais. É muito interessante e importante que os profissionais em contato com os deficientes visuais vivenciem situações em que são privados do sentido da visão (com uso de vendas, por exemplo), para que os mesmos experimentem a sensação de um cego durante uma atividade. Isso acaba por facilitar a elaboração das informações sobre movimentos e descrição dos ambientes envolvidos no trabalho (WINCKLER, 2003).
As informações verbais devem ser ricas em detalhes, de modo que as descrições dos gestos deverão atingir a capacidade de percepção dos alunos e ajudar na construção dos seus esquemas motores. Normalmente, observa-se que quanto melhor o nível motor, maior será a capacidade de receber e incorporar novas informações (SCHMIDT; WRISBERG, 2001). Portanto, é de extrema importância a preocupação com a variedade e qualidade das atividades propostas para esses indivíduos. Já para aqueles com maiores dificuldades e limitações motoras os movimentos devem ser trabalhados com um cuidado maior e de forma diferenciada: as repetições e a busca pelo gesto coordenado devem receber um maior destaque.
No que tange aos indivíduos com baixa visão, uma atenção deve voltar-se para o treinamento específico para melhor utilização do resíduo visual. Materiais de cores fortes e diferentes formas são de interessante uso.
De forma geral, a intervenção da Educação Física Adaptada, a partir da promoção de estímulos e oportunidades contribui para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos com necessidades especiais e com alguma deficiência, já que, através da intervenção das atividades propostas pela Educação Física aumenta-se as possibilidades de convívio social; adaptação; desenvolvimento de capacidades e habilidades físicas e psicológicas; lazer; entretenimento; além da melhoria da auto-estima e auto-confiança (VENDITTI, 2005).
Esportes Adaptados
É possível praticar esportes com pessoas com deficiências diversas de várias maneiras: alto rendimento, lazer ou recreação ou ainda como reabilitação (IPC, 2000). Para qualquer uma dessas formas encontra-se a necessidade de ajustar as regras do esporte.
O enfoque no esporte adaptado é fornecer um sistema de informação (auditivo, cinestésico ou visual) ao praticante (WINCKLER, 2003). Assim, estratégias tais como o uso de bolas com guizos, ou envolvidas por um saco plástico, que produz sons/ruídos ao movimento, facilitam o reconhecimento do deslocamento do objeto pelo deficiente visual. Quadras com solo de texturas diferentes também auxiliam o deficiente visual a se localizar no espaço. A arbitragem deve ter um método claro e funcional para informar aos jogadores quanto às diferentes situações que acontecem ao longo de um jogo.
Exemplos de esportes adaptados são: atletismo, natação, judô, futsal, xadrez, luta greco-romana, tiro, ciclismo, levantamento de peso e esportes de inverno. Já as modalidades específicas para deficientes visuais são: Goalball, Toarball e Showdown, que fornecem formação referencial espacial dos praticantes (WINCKLER, 2003).
O esporte adaptado pode ser utilizado como uma ferramenta para o processo de reabilitação de indivíduos com algum tipo de deficiência. Ele pode colaborar com os objetivos de um programa terapêutico tornando o processo de reabilitação agradável e estimulante.
Instituições especializadas e escola inclusiva
A existência de instituições especializadas em determinados tipos de deficiência representa aspectos extremamente positivos, ao mesmo tempo em que pode despertar um sentido paradoxal em relação as suas filosofias de trabalho.
Por um lado, a instituição especializada auxilia os deficientes ao passo que, em tese, é composta por uma equipe profissional competente e instruída para lidar com as necessidades especiais apresentadas pelos indivíduos que a freqüentam. Muitas vezes as instituições oferecem tratamentos diferenciados, que atendem às necessidades da população deficiente.
Entretanto, é bastante comum encontrar um trabalho dentro dessas instituições que acaba por assumir um caráter assistencialista exclusivamente. Nesse caso, a proposta inicial da instituição, que visava uma abordagem diferenciada e capacitada, passa a exercer função banal, apesar de útil.
Dentro desse contexto, os profissionais especializados não necessitam recorrer a seus conhecimentos aprofundados sobre a deficiência, o que muitas vezes os desmotiva a permanecer em seus cargos e passam a procurar outro emprego, que apresente uma maior relação com seu interesse de atuação profissional.
Quando a instituição funciona de modo coerente com seus objetivos, cumprindo o compromisso que propõe, o deficiente é atendido de maneira adequada, mas fora do cenário da sociedade. Ou seja, o deficiente não está inserido na comunidade, mas deslocado, isolado numa instituição.
Da mesma forma que a questão das instituições especializadas é delicada, o processo de inclusão escolar também o é. A inclusão trata de corpos que estão fora dos padrões da normalidade (física, fisiológica, comportamental e social) e que necessitam de superação e compreensão dos ditos “normais” para serem aceitos (DUARTE, 2003). É necessário que a informação e o processo educacional estejam desvinculados do preconceito e da discriminação dissipada.
Um processo de conscientização e aceitação das diferenças deve estar presente na sociedade. Comumente o que se encontra é um padrão sobreposto à diferença. Ele é encarado como referência e determina a beleza, eficiência e aceitação. O padrão não é criativo, obedecendo sempre a interesses maiores e determina os preconceitos até hoje vigentes nas questões inclusivas (VIEIRA, 1992).
Diante de uma sociedade com conceitos consolidados de preconceitos em relação a tudo o que foge dos padrões tidos como normais, Sassaki (1997) aborda a inclusão na perspectiva da modificação da sociedade como pré-requisito para que pessoas com necessidades especiais busquem o seu desenvolvimento e exerçam sua cidadania. A inclusão é vista então como um processo amplo, que envolve grandes e pequenas transformações nos ambientes físicos e na mentalidade das pessoas, inclusive do próprio indivíduo com necessidades especiais.
Incluir não é somente delegar ao deficiente um espaço físico em determinado ambiente, é propor ao indivíduo atividades significativas capazes de promover seu desenvolvimento e remover as barreiras que dificultam o acesso e participação na sociedade, lhe permitindo cidadania, independência e autonomia.
Deficiência Visual
Definição
De uma forma geral, o termo deficiência visual refere-se a uma situação irreversível de diminuição da resposta visual, em virtude de causas congênitas/hereditárias ou adquiridas, mesmo após o tratamento clínico e/ou cirúrgico e uso de óculos convencionais. A diminuição da resposta visual pode ser leve, moderada, severa, profunda (que compõe o grupo de visão subnormal ou baixa visão) e ausência total da resposta visual (cegueira).
Segundo a OMS, o indivíduo com baixa visão ou visão subnormal é aquele que apresenta diminuição das suas respostas visuais, mesmo após o tratamento e/ou correção óptica convencional, e uma acuidade visual menor que 6/18 à percepção de luz, ou um campo visual menor que 10 graus do seu ponto de fixação, mas que usa ou é potencialmente capaz de usar a visão para o planejamento e/ou execução de uma tarefa (MASINI, 1994; ISAAC, 1989).
Sob o ponto de vista educacional a deficiência visual, incluindo cegueira, é um comprometimento de visão que, mesmo quando corrigido, prejudica o desempenho educacional da criança (WINNICK, 2004). Um conceito mais amplo é adotado por Mello (1988) que diz que a deficiência visual significa perdas parciais ou totais de visão que, após melhor correção óptica ou cirúrgica limitem seu desempenho normal (não se referindo apenas ao desempenho educacional).
Já a definição de Craft (1995), nota-se que é possível estabelecer uma relação com os aspectos envolvidos na Educação Física, já que para esse autor a deficiência visual corresponde à perda ou ausência de percepção visual e que acarreta no aprendizado motor influenciado por outros sistemas de percepção sensorial.
Desse modo o autor coloca a questão do aprendizado motor sem a influência da visão, o que requer atividades envolvendo estímulos, comandos e descrições por meio dos demais sentidos do corpo (como audição, tato e olfato).
Existem vários tipos de classificações relacionadas à deficiência visual. De acordo com a intensidade da deficiência, temos a deficiência visual leve, moderada, profunda, severa e perda total de visão. De acordo com o comprometimento do campo visual, temos o comprometimento central, periférico e sem alteração. De acordo com a idade de início, a deficiência pode ser congênita ou adquirida.
Se está associada a outro tipo de deficiência, como surdez, por exemplo, a deficiência pode ser considerada múltipla ou não (MASINI, 1994; ISAAC, 1989).
As classificações também podem variar em função da área profissional em que a deficiência é discutida. Enquanto a classificação legal considera indivíduos cegos aqueles que apresentam acuidade visual de 20/200 pés ou menor, no melhor olho, após correção, a classificação médica determina que a acuidade visual varia de 20/70 a 20/200 no melhor olho, após correção (escala de Snellen).
A classificação educacional define cegueira como uma deficiência em que a percepção de luz, embora possa auxiliar nos movimentos do indivíduo e em sua orientação, é insuficiente para a aquisição de conhecimentos visuais (BARRAGA, 1974). Ainda na classificação educacional, a baixa visão é apresentada por aqueles que possuem dificuldade em desempenhar tarefas visuais, mesmo com prescrição de lentes corretivas, mas que podem aprimorar sua capacidade de realizar tais tarefas com a utilização de estratégias visuais compensatórias.
A classificação esportiva abrange três grupos de atletas, onde a letra “B” significa blind (cego em inglês):
B1. Indivíduos sem percepção luminosa até percepção de presença de vultos, mas não de seu formato;
B2. Indivíduos com resíduo visual que permite definir o formato de uma mão até a acuidade visual de 2/60 (metros), ou campo visual de até 5 graus;
B3. Indivíduos com acuidade visual entre 2/60 e 6/60 (metros), ou campo visual entre 5 e 20 graus (IBSA, 2000 apud WINCKLER, 2003).
O profissional de Educação Física que atuará com deficientes visuais então, frente à grande diversidade de definições e classificações, deverá se ater, principalmente, ao fato de que as limitações nas interações com o meio implicam no baixo ritmo de desenvolvimento motor. Considerando que, quanto mais significativa a perda de visão, maior a probabilidade de isolamento social, deve-se ter em mente proporcionar atividades adaptadas para que todos os indivíduos, independentemente de suas deficiências, participem ativamente das mesmas, o que possibilita a estimulação do indivíduo de uma forma geral.
Mobilidade e orientação espacial
Privados parcial ou totalmente do sentido da visão, os deficientes visuais na maioria das vezes são capazes de se locomover. Entretanto, a locomoção ocorre de diferentes formas, dependendo de características individuais, como noção de direção, medo, grau de dependência, entre tantos outros fatores.
A questão da insegurança e problemas de locomoção podem levar o deficiente visual ao sedentarismo, o que pode vir a comprometer o seu grau de desenvolvimento. Por isso o trabalho de orientar o indivíduo para uma locomoção adequada, que possibilite acesso à vida social é de extrema relevância.
A locomoção dependente sempre envolve a participação de mais um indivíduo, o guia vidente, ou então de um cão guia. Segundo Carroll (1968, p. 28) o guia vidente corresponde a “(...) uma extensão dos sentidos tátil e cinestésicos da pessoa cega”, mas não os substitui.
A técnica do guia vidente favorece a captação das informações sobre o meio ambiente como mudanças de nível, direção, de tipos de superfície, de temperatura, de luminosidade, estímulos sonoros etc. O deficiente visual deve interpretar corretamente os movimentos corporais e sinais emitidos pelo guia, não necessariamente verbais. Ao deslocamento o guia deverá ter o conceito da duplicação do volume corporal, ou seja, deve estar sempre atento ao espaço que comporte os dois corpos.
De acordo com Melo (1991), no posicionamento ideal para a locomoção dependente o deficiente visual deve segurar o braço do guia acima do cotovelo, com o polegar do lado externo do braço e os demais dedos sobre a parte interna do braço do guia. Este deve permanecer com o braço esticado e relaxado, evitando cansaço pela contração muscular. O deficiente visual deve permanecer meio passo atrás do guia, com o objetivo de garantir maior proteção e segurança em relação ao tempo de reação. É de extrema importância a adaptação ao ritmo de marcha do guia, sincronizando os passos. Entretanto, outros posicionamentos podem ser adotados.
O apoio no ombro deve ser usado em situações em que há uma diferença de estatura significativa ou então no momento de descida de um veículo alto. A posição de antebraços entrelaçados não é recomendável, pois prende os movimentos do braço do guia e impossibilita o posicionamento correto do deficiente visual à distância de meio passo atrás do guia, o que interfere no tempo de reação do indivíduo guiado.
A posição de contato leve, na qual o deficiente visual anda perto do guia, apresenta como desvantagem a maior dificuldade para o aviso dos obstáculos. O punho só deve ser utilizado como apoio em crianças, quando guiadas por adultos.
Dependendo da posição que o braço do guia é colocado uma atitude deve ser tomada. Assim, o braço esticado atrás do tronco, por exemplo, corresponde à postura adotada numa passagem estreita, onde o deficiente visual deverá se posicionar atrás do guia. Já o movimento ascendente/descendente de braço e tronco evidencia a existência de escadas ou desníveis.
Outro tipo de locomoção possível é a locomoção independente, consiste no uso de bengala longa que, combinada com o uso de técnicas de orientação, representa também proteção e segurança. A bengala permite a identificação de informações do ambiente e condições do solo, principalmente, avisando sobre existência de degraus, buracos e depressões; localiza pontos de referência, protege a parte inferior do corpo de obstáculos, sendo, por isso, considerada uma extensão do sentido tátil da pessoa cega (MELO, 1991).
A bengala corresponde a uma ferramenta de auxílio para a marcha e não uma muleta de apoio. O uso dela exige o conhecimento de técnicas específicas, que colaborem para o processo de transformação de obstáculos espaciais em informações e percepções que auxiliem o deslocamento dos deficientes visuais.
Existem tipos variados de bengalas: bengala ortopédica (para apoio e sustentação, não sendo utilizada como meio de pesquisa e detecção de obstáculos), bengala branca (mais longa que ortopédica – 90 cm, de madeira, pintada de branco com uma faixa vermelha na extremidade inferior com finalidade de chamar a atenção dos videntes e motoristas, quando pintada de várias faixas vermelhas em toda a extensão é o símbolo internacional da pessoa surda-cega), bengala longa ou de Hoover (é a mais usada, feita de liga de alumínio é capaz de transmitir aos nervos da mão, em forma de sensações táteis, as particularidades do terreno que esteja reconhecendo, é leve, de baixo custo de fabricação e é à prova de corrosão, tem medida personalizada, adaptada à altura da cada indivíduo: tomada do processo xifóide até o solo) e a bengala laser (pouco utilizada devido ao custo elevado, é um invento eletrônico que detecta obstáculos e informa-os aos deficientes visuais, sem interpretá-los).
Para um bom desempenho ao deslocamento o deficiente visual deve receber orientações de como manusear a bengala, como escolher e identificar pontos de referências, como reconhecer um ambiente, como se posicionar nele para o deslocamento, como proteger seu corpo, dentre muitos outros detalhes.
Muitas vezes auxílios para orientação são utilizados para desenvolver, organizar ou melhorar o entendimento das relações espaciais básicas, exemplos deles são: maquetes, auxílios gráficos e auxílios verbais (MELO, 1991). É interessante considerar o uso de tais recursos (principalmente maquetes, para que através do tato a compreensão da descrição do espaço seja facilitada) quando pretende-se iniciar atividades físicas em espaços desconhecidos e de grande dimensões, como por exemplo, parede de escalada, quadras/campos, pistas de corridas ou piscinas.
Paradoxo da Doença: processos de adaptações como forma de compensações
É impressionante a riqueza de formas de adaptação individual que os organismos humanos desenvolvem como meio de reconstruir algo alterado. Uma vez modificado o funcionamento normal de algum elemento que compõe nosso corpo uma série de adaptações inconscientes se mostram presentes, por intermédio de reprogramações e adaptações do sistema nervoso ou muscular. De acordo com Duarte (2003, p. 94): “a capacidade de adaptações tem componentes involuntários, ou instintivos, e componentes adquiridos. As adaptações involuntárias ocorrem em situações de alterações físicas e fisiológicas e nos mantém vivos”.
Tais adaptações se tornam evidentes em situações traumáticas e ocorrem de maneira a preservar a vida. São evidentes em situações de esforço e inúmeros trabalhos científicos mostram adaptações, por exemplo, do sistema cardio-pulmonar. Já os componentes adquiridos, segundo o mesmo autor, dependem do ambiente em que estamos inseridos, da estrutura social.
Sacks (1995, p. 16) define o evento das adaptações relacionadas às alterações de nosso organismo como “paradoxo das doenças”, nesse conceito “distúrbios e doenças revelam poderes latentes, desenvolvimentos, evoluções, formas de vida que talvez nunca fossem vistos ou imaginados na ausência desses males”.
O paradoxo da doença consiste no potencial criativo da própria doença/ deficiência. Ou seja, os déficits provocados por doenças fazem com que o sistema nervoso (e o organismo como um todo) busque caminhos diferentes, forçam a um inesperado crescimento e evolução. No caso de uma criança com algum dos sentidos alterados atingir o desenvolvimento de uma criança normal, ela o faz de outra maneira, por outros meios.
Um indivíduo que apresenta alguma deficiência certamente desenvolverá meios de se adaptar a ela, já que as adaptações dependem da capacidade cerebral de resolvermos problemas que envolvem nosso corpo.
Para a interpretação das adaptações apresentadas pelos indivíduos, Duarte (2003, p.94) salienta a importância de se considerar se a deficiência é congênita ou adquirida, a idade em que ocorreu, se ocorreu de forma abrupta ou progressiva, se a pessoa tem apoio da família, se o meio está adaptado às suas necessidades.
A questão do meio ambiente em que a pessoa deverá se adaptar é de importância bastante relevante no que se refere a forma de encarar a deficiência. Isso porque a adaptação para deficientes envolve independência e autonomia, sendo a primeira a capacidade do indivíduo decidir por si só, e a segunda como a competência para o domínio do meio ambiente (SASSAKI, 1999). Um indivíduo que apresenta alguma deficiência deverá desenvolver novos hábitos de vida, novos padrões de vida, nova identidade numa nova esfera. Para isso o indivíduo passa por um processo de readaptação, no qual cada um encontrará sua forma particular de enfrentar as novas situações decorrentes do estado em que se apresenta.
De acordo com Vygotsky (apud SACKS, 1995), a integridade de uma criança é muito mais relevante que sua deficiência. O autor afirma que “(...) uma criança deficiente representa um tipo de desenvolvimento qualitativamente diferente e único (...) se uma criança cega ou surda atinge o mesmo nível de desenvolvimento de uma criança normal, ela o faz de outra maneira”.
Para o profissional que entrará em contato com uma criança deficiente é particularmente importante estar ciente da singularidade do caminho pelo qual ele deverá guiar a criança. Essa singularidade transforma o negativo da deficiência no positivo da compensação.
O cérebro humano é dinâmico e ativo, constitui um sistema adaptável eficiente, direcionado para a evolução e mudança, adaptando-se às necessidades do organismo, sobretudo necessidade de construir um “eu” e um mundo coerentes, independentemente dos defeitos e males que uma deficiência pode acometer. O potencial criativo que Oliver Sacks cita envolve a capacidade de originar, de romper com as maneiras existentes de olhar as coisas, mover-se livremente no domínio da imaginação, criar e recriar mundos inteiros na cabeça da pessoa- enquanto supervisiona tudo com um olho crítico interior.
A criatividade então tem a ver com a vida interior, com o fluxo de novas idéias e sentimentos fortes, inclusive para uma interação social com os demais indivíduos e com o próprio meio em que se vive.
Metodologia
Os conceitos e idéias apresentados anteriormente foram observados e analisados durante a prática da Natação para deficientes visuais. Tal prática foi realizada no período de 12 meses, em uma instituição de atendimento a pessoas com deficiência visual de Campinas- SP.
Esta instituição é uma entidade sem fins lucrativos que se mantém por meio de doações. Apresenta como proposta de trabalho a atuação interdisciplinar, a partir da participação de profissionais capacitados de formação variada: psicóloga, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, pedagogas, profissional de EF e médico. Os objetivos da instituição incluem aspectos de alfabetização, orientação e mobilidade, atividades físicas, cognitivas, dentre tantos outros que visam a formação completa e necessária para a integração social de indivíduo deficiente visual.
As atividades ocorreram no período da manhã (às quintas-feiras) ou tarde (às quartas-feiras). A faixa etária variou de 3 a 14 anos, sendo que as crianças foram atendidas pela manhã e os adolescentes no período vespertino. O número de alunos que entrava simultaneamente na piscina foi variável, dependia do número de profissionais disponíveis na piscina (que variava de 2 a 3) e do tipo de atenção que o aluno requeria. Cada profissional se responsabilizava por no máximo dois alunos no mesmo horário.
Os grupos foram formados levando em consideração a idade, o grau de deficiência visual e o nível de habilidade no meio aquático. Tal agrupamento se justifica com base nas atividades desenvolvidas. Isso porque, crianças com a mesma idade acabam tendo o mesmo interesse pelas tarefas propostas; o mesmo grau de deficiência visual facilita a elaboração de atividades em grupo (como brincadeiras de buscar objetos no fundo da piscina para aqueles que apresentam baixa visão); e cada nível de habilidade na água requer uma atenção específica e permite diferentes formas de trabalho.
Crianças ainda em fase de adaptação, por exemplo, não devem ser colocadas com crianças que já são capazes de nadar, já que a prática da maioria dos estilos da Natação gera turbulência na água, o que atrapalha a adaptação daqueles que ainda não se sentem seguros dentro da piscina e precisam de um ambiente calmo e tranqüilo para vencer os medos e dificuldades.
Objetivos
Os objetivos deste trabalho consistiram no desenvolvimento de capacidades físicas; prevenção de instalação de possíveis deficiências secundárias; interação e relação sócio-cultural; benefícios psicológicos e oferecimento de práticas de lazer e atividade física.
As atividades físicas propostas buscaram trabalhar também aspectos como o equilíbrio (muitas vezes debilitado em deficientes visuais), lateralidade (o que colabora para a locomoção independente) e coordenação.
A Natação foi praticada como forma de exercícios que gerassem a sensação de bem-estar. Para muitos indivíduos, a natação proporciona liberdade de movimentos ausente em solo, representando um elemento de risco e desafio (AST, 1986). O sentido de liberdade e realização presente nas atividades realizadas equivaleu a um grande esforço moral e espiritual para a vida cotidiana.
A primeira fase da Natação, a de aprendizagem básica, foi a mais presente em todo o período de atuação. Segundo Maglischo (1999), esta fase abrange os primeiros contatos com a água, a respiração, flutuação, propulsão, mergulho elementar e nados rudimentares. Com alguns adolescentes foi possível dar início à segunda fase da Natação: o aperfeiçoamento através do aprimoramento dos nados. A terceira fase, de treinamento, se mostrou presente apenas em períodos em que se visou o condicionamento de alguns adolescentes, através de exercícios de resistência aeróbia.
O contato com a modalidade fez-nos perceber que a Natação para deficientes visuais exige alguns cuidados especiais. O espaço externo, por exemplo, deve ter sempre os objetos posicionados no mesmo local, para permitir que o deficiente visual se localize e reconheça o ambiente, evitando possíveis acidentes. O uso de aparelhos de cores contrastantes é interessante para os indivíduos que apresentam baixa visão, já que facilita a visualização, motivando-os a participar das atividades. É bom lembrar que as informações verbais e táteis têm um valor muito grande para aqueles que estão privados da visão.
Outros artifícios utilizados como auxílios na prática da Natação podem ser citados: a orientação para contagem das braçadas para o nadador prever a localização da borda da piscina e, no nado de costas, o uso de bandeiras baixas (perto do nível da água), que roçam nos braços dos nadadores, indicando o final da piscina são bastante usados na natação adaptada para deficientes visuais.
Considerações finais
As experiências na área da Educação Física Adaptada são muito enriquecedoras. O convívio com os deficientes visuais permite identificação na prática dos conceitos defendidos por Sacks (1995) referentes ao paradoxo das doenças.
No ambiente da Natação, por exemplo, os deficientes visuais, sem enxergar nada ao seu redor são capazes de reconhecer o local, a partir da atenção voltada aos demais sentidos do corpo: enquanto o olfato capta a informação vinda do odor característico do cloro, a audição está voltada para os sons provocados pela movimentação da água. Dessa forma é notável a adaptação do organismo, que busca por outras vias, se adequar ao meio ambiente onde vive.
Durante a prática das atividades ficou clara a colaboração para o processo de desenvolvimento desencadeado pelos estímulos proporcionados. Torna-se evidente que quanto mais oportunidades e estímulos oferecidos aos deficientes visuais, maiores são as chances de enriquecer a bagagem motora e proporcionar independência e a reabilitação social.
Assim como os videntes, as pessoas com deficiência visual querem ser aceitas como indivíduos, sendo o comprometimento visual apenas uma de suas características pessoais, e não o traço que os define e justifique uma exclusão social. Estas são as possibilidades do convívio com a diversidade humana e o respeito às diferenças.
Referências bibliográficas
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BARRAGA, N. Utilização da Visão Residual por Adultos Portadores de Graves Deficiências Visuais. São Paulo: Conselho Mundial para o Bem-Estar do Cego (apostila), 1985.
CARROLL, T. G. A Cegueira. Brasília: Campanha Nacional de Educação Física dos Cegos. Ministério da Educação e Cultura, 1968.
DUARTE, Edison; LIMA, Sônia. Atividade Física para Pessoas com Necessidades Especiais: experiências e intervenções pedagógicas. Rio de Janeiro: Guanabara, 2003.
IPC. Mind, Body and Spirit. Bonn, UBG Union Betrebs GmbH, 2000.
ISAAC, M.J.P. As deficiências Visuais- deficiências e adaptações. São Paulo: Manole, 1989.
MAGLISCHO, Ernest W. Nadando Ainda Mias Rápido. São Paulo: Manole, 1999.
MASINI, E.F.S. O Perceber e o Relacionamento com o Deficiente Visual. Brasília: Corde, 1994.
MELLO, H. F. A Cegueira Trocada em Miúdos. 2ed. Campinas: Editora Unicamp, 1988.
MELO, Helena Flávia. Deficiência Visual: Lições Práticas de Orientação e Mobilidade. Campinas: Editora da UNICAMP, 1991.
SACKS, Oliver. Um Antropólogo em Marte: sete histórias paradoxais. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SAMULSKI, Dietmar. Psicologia do Esporte. São Paulo: Manole, 2002.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 3 ed. 1999.
SCHIMIDT, R.A.; WRISBERG, C.A. Aprendizagem e performance motora. Porto Alegre: Artmed, 2001.
VENDITTI, Rubens. Análise das Percepções de Auto-Eficácia Docente em Profissionais de Educação Física Adaptada. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – UNICAMP, Campinas, 2005.
VIEIRA, M.N. A Estrutura Ideológica do preconceito. Insight Psicoterapia, 1992.
WINCKLER, Ciro. Atividade Físico-Esportiva para Pessoas Cegas e com Baixa Visão. In: DUARTE, Edison; LIMA, Sônia. Atividade Física para Pessoas com Necessidades Especiais: experiências e intervenções pedagógicas. Rio de Janeiro: Guanabara, 2003.
WINNICK, Joseph P. Educação Física Adaptada. São Paulo: Manole, 2004.
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