A formação continuada em Educação Física: a experiência do Paidéia Continuing training in Physical Education: the experience of Paideia Formación continua en la Educación Física: la experiencia de Paideia |
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**Doutora em Educação (UNIMEP), Professora do Curso de Educação Física e do Programa de Pós Graduação em Educação da UFRN Vice-Coordenadora do Grupo de Estudos Corpo e Cultura de Movimento (GEPEC) **Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento ***Professor Assistente I da Universidade Federal de Alagoas Mestre em Ciências Sociais (UFRN, 2007) Professor do Curso de Educação Física Pesquisador do Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento (GEPEC - UFRN) Pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Docência e Formação Profissional em Educação Física (GEPDEF - UFAL) |
Dra. Terezinha Petrucia da Nóbrega* Prof. Dr. José Pereira de Melo** João Carlos Neves de Souza e Nunes Dias*** (Brasil)
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Resumo .Tendo como eixo norteador a reflexão sobre a formação continuada para professores de Educação Física, esse artigo tem como ponto de partida as ações pedagógicas realizadas pelo Paideia - Núcleo de formação continuada para professores de Artes e Educação Física. Nesse sentido, destaca-se um relato de experiência produzido a partir do primeiro curso de atualização realizado pelo Paidéia com professores de Educação Física da rede municipal. Por meio dessa experiência reflete-se e apontam-se possibilidades de aproximação entre Universidade e Escola, através da troca de saberes que permite sistematizar intervenções pedagógicas na Educação Física em sua condição de componente curricular da Educação Básica. Unitermos: Educação Física. Escola. Formação continuada.
Abstract With the axle guiding the debate on the continuing education for teachers of Physical Education, this article has as a starting point the actions educational undertaken by the Paideia - Center for continuing education for teachers of Arts and Physical Education. Accordingly, there is an experience report produced from the first course of updating done by Paideia with Physical Education teachers from the municipal system. Through this experience reflects itself and show up opportunities for closer links between universities and schools, through the exchange of knowledge that allows systematic interventions in teaching Physical Education in their condition component of the Basic Education curriculum. Keywords : Physical Education. School. Continuing training.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 152, Enero de 2011. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Do ano de 2004 até o momento, estivemos diretamente envolvidos com as ações do Paidéia - Núcleo de Formação Continuada para formação de Professores de Arte e Educação Física: produção do material didático, editoração da revista, realização dos cursos, entre outras ações. Nessa comunicação, pretendemos apresentar algumas idéias e ações sobre a experiência vivida no Paidéia, especificamente com a formação continuada de professores de Educação Física do 6° ao 9° ano.
Para começar, destacamos duas concepções que vem se configurando na literatura e na prática social sobre a formação de professores. Até o início da década de 1980, o paradigma da formação de professores pressupunha que os conhecimentos elaborados por especialistas distantes da realidade escolar deveriam ser repassados aos professores da escola básica e reproduzidos por esse último. Ainda encontramos práticas nesse sentido, mas há outras proposições segundo as quais o professor é considerado como protagonista no processo de formação (MELO & BORBA, 2006).
Compartilha-se a compreensão segundo a qual o professor reflete coletivamente sobre sua prática docente, não apenas a partir das teorias pedagógicas existentes, mas também produzindo novos saberes, estando engajado nas discussões recentes em torno da educação, analisando materiais didáticos disponíveis, criando materiais didáticos, enfim assumindo sua prática a partir de significados que ele mesmo constrói (IDEM).
Nesse sentido, fazemos uma longa citação de Marta Pernambuco e Irene Paiva, haja vista sua função esclarecedora no que diz respeito à ação reflexiva do professor, cuja natureza constrói-se por meio da pesquisa de sua própria prática e do trabalho coletivo, senão vejamos:
Pensar sobre e a construção do conhecimento tem revelado que ele se constitui em saltos, mudanças abruptas, rupturas, mas também recorrências e alternâncias, que se fazem no olhar, no compreender, dando uma qualidade nova ao que anteriormente se entendia como estabelecido, incorporando algumas de suas partes, agora, dentro de uma perspectiva cada vez mais ampla, mais estruturada, que dá conta de quantidade maior de elementos (...) A compreensão ainda que provisória e incompleta da realidade está voltada à possibilidade de permitir um distanciamento da mesma, e ao explorar os conflitos existentes, tanto na própria realidade, como nas diferentes visões que surgem dela ser olhada no coletivo e no confronto entre as novas informações e o conhecimento disponível no pensamento de cada pessoa (PERNAMBUCO & PAIVA, 2005, p. 55-56).
Desse modo, o professor (a) é um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer proveniente de sua própria atividade e das trocas que estabelece com a realidade, com os alunos, com os colegas, com o conhecimento da área, com as experiências vividas.
Quando nos referimos aos sujeitos, faz-se necessário destacar que a compreensão de subjetividade em que nos pautamos é o da subjetividade como criação continua. Como aponta Roseli Cação Fontana, em seus estudos sobre formação profissional:
Ao nascer, cada um de nós mergulha na vida social, na história e vive, ao longo de sua existência, distintos papéis e lugares sociais, carregados de significados – estáveis e emergentes – que nos chegam através dos outros. Mediados por nossos parceiros sociais, próximos e distantes, conhecidos e ignorados, aprendemos e nos reconhecemos como “pessoas” (FONTANA, 2000, p. 222)
Essas idéias sobre a subjetividade mediada pelo outro e pela vida social são importantes para compreender a nossa constituição como professores, em constante processo de criação, de transformação, como possibilidade.
Considerando essa compreensão de formação continuada, com destaque para a ação reflexiva da prática pedagógica, um grupo de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN, propôs-se a participar do processo seletivo lançado pelo Ministério da Educação- MEC para criação da Rede Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Edital 001/2003 - MEC - SEF).
Cerca de 180 projetos, enviados por 76 instituições de todo o país concorreram e tiveram seus projetos avaliados. Vinte projetos foram selecionados, sendo três na área de Artes e Educação Física, entre eles o da UFRN. Em 2004, criou-se então o Núcleo de Formação Continuada para Professores de Arte e Educação Física – Paidéia, centro integrante da Rede Nacional de Formação Continuada para Professores da Educação Básica – REDE/MEC.
Com as ações do Paidéia, pretende-se que a formação continuada auxilie o professor, conforme apontam (MELO & BORBA, 2006):
Na criação e sistematização de práticas educativas que considerem o cotidiano dos alunos, as histórias de vida de estudantes e educadores, suas experiências corporais.
Na descoberta de possibilidades de intervenção que mestres e alunos possuem em relação às práticas escolares e sociais
No exercício crítico-reflexivo constante das práticas sociais e educativas como estratégias de intervenção e não apenas como inserção ou adaptação social
Na aquisição de saberes-fazeres que garantam as unidades de ensino-aprendizagem, ensino e pesquisa, teoria e prática, professor, aluno, escola e sociedade.
No processo de formação da Rede alguns aspectos merecem considerados e refletidos, segundo Melo (2005; 2006):
Críticas a Universidade e seu distanciamento da Escola
Dicotomia teoria e prática
Idéia de “capacitação” e de cursos de atualização como um pacote de “receitas”
Descrédito dos componentes curriculares Arte e Educação Física nas escolas
Os aspectos citados estão relacionados e precisam ser considerados criticamente nas ações de formação. No que diz respeito ao distanciamento da universidade da escola e a tensão entre teoria e prática, Souza Jr. (2005) apresenta um elemento reflexivo importante. Segundo o autor, caso a crítica seja ao distanciamento da realidade escolar, ela é pertinente. Porém se esta reclamar da dificuldade de materialização, a crítica é incipiente, pois essa é uma tarefa do professor.
A reflexão nos ajuda a superar a prática das receitas muitas vezes solicitadas em cursos dessa natureza. Os cursos de formação básica e continuada contribuem com alguns saberes, mas os professores precisam construir e discutir sua prática, de forma dialógica.
Nas últimas décadas do século XX, a Educação Física passou por mudanças significativas em sua estrutura epistemológica, o que tem exigido das Instituições de Ensino Superior e dos cursos de formação revisões conceituais e curriculares importantes. Não obstante o crescimento acadêmico da Educação Física, observado na criação de cursos de pós-graduação e na formação de grupos de pesquisa, muitas são as tarefas que se impõem para a socialização desse conhecimento e, sobretudo, para o fomento de pesquisas que tenham como eixo fundamental a escola e as práticas pedagógicas.
Em 2009, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação completou 13 anos. Tempo no qual a Educação Física tem buscado a legitimação e a consolidação como componente curricular da Educação Básica. Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem-se como uma importante referência para as áreas de conhecimento. Por outro lado, as escolas também vêm passando por mudanças. Nesse sentido, observa-se a necessidade de uma formação continuada que atenda aos professores que estão em sala de aula e de um conteúdo que possa articular o conhecimento da área com os saberes da experiência profissional e do cotidiano escolar. Nesse sentido, os cursos do Paidéia apresentam-se como uma oportunidade de promover essa articulação, por meio de uma metodologia de ensino que considera a experiência do professor e a realidade escolar.
Com base nesses princípios, o projeto vem sendo desenvolvido e várias ações foram dimensionadas com essa finalidade, tais como: a produção de material didático, a formação de tutores, a realização de oficinas pedagógicas, cursos de atualização e especialização, encontros, entre outras. A ação de Planejamento e Produção de Material Didático incluiu a produção do Livro didático sobre ensino de Educação Física, vídeos, Coleção Cotidiano Escolar, com textos de professores ou pesquisadores da prática escolar; a realização do Encontro Nacional de Ensino de Arte e Educação; a produção e edição da Paidéia – Revista Brasileira de Ensino de Arte e Educação Física; Curso de Especialização em ensino de Educação Física e Cursos de atualização.
Nos volumes do Cotidiano Escolar que tratam do Ensino de Educação Física do 6º ao 9º ano evidencia-se a colaboração de professores de vários estados brasileiros, como São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Norte. O conjunto dos relatos de experiências amplia a nossa tarefa de dar visibilidade a esse componente curricular, refletindo sobre conteúdos e estratégias de ensino significativas e possíveis de serem experimentadas nas escolas (NÓBREGA, 2005; 2006; 2007).
Os autores e autoras, professores e pesquisadores do seu fazer, apresentam sistematizações importantes, fotografias da realidade de ensino em diferentes experiências como as relatadas nos artigos sobre o conhecimento do corpo, o diálogo com o circo, o conhecimento da capoeira, do futebol, a formação profissional, entre outros. Na leitura dos diversos relatos, podemos perceber mudanças significativas na compreensão e na ação da Educação Física como componente curricular, assim como desafios a serem enfrentados no cotidiano escolar.
O curso de formação de tutores teve o propósito de formar professores para orientar os demais professores dos seus respectivos sistemas de ensino e que não foram atendidos diretamente pela equipe do Paidéia. Já os cursos de atualização (40 horas/atividades) constituíram-se na principal ação realizada pelo Paidéia, pois conseguimos atingir quase todo o território potiguar ofertando cursos nas áreas de Arte e Educação Física para toda Educação Básica, bem como atender algumas dezenas de municípios dos estados da Paraíba, Pernambuco, Ceará e Mato Grosso na Educação Escolar Indígena (MELO, 2006).
Os cursos foram destinados aos professores da rede pública de ensino que estavam em pleno exercício docente, sendo constituídos por conteúdos de caráter geral e específico, compostos por módulos (presencial e vivencial) que tratam da fundamentação básica de cada área em diferentes níveis de ensino, das características da sua intervenção pedagógica, da aprendizagem para o uso dos materiais didáticos e do desenvolvimento dos conhecimentos pedagógicos junto aos alunos (MELO, 2006).
Na oferta dos cursos de especialização partimos do princípio de que estes se constituiriam como um espaço de articulação entre a universidade e a escola, na medida em que tomava como referência o cotidiano dos professores, a escola, a realidade local e os conhecimentos produzidos na prática pedagógica. Desse modo, o conhecimento da área de conhecimento, no caso Educação Física, foi abordado levando-se em conta a realidade escolar em que os professores estavam inseridos (NÓBREGA, 2007).
A primeira atividade do Curso convocava os professores a descreverem uma experiência com o ensino da Educação Física, uma aula, um evento, uma experiência significativa que merecesse ser contada para os outros. Os relatos motivaram os professores a pensar sobre sua prática, a procurar estratégias. Essa experiência balizou a orientação didática do curso, as avaliações, que em geral, eram atividades a serem desenvolvidas com os alunos nas escolas e descritas pelos professores, analisadas criticamente.
Dentre os muitos desafios postos no processo de formação docente, as questões do conhecimento se impõem como tarefa emergente da pesquisa nas áreas de Arte e a Educação Física, da formação continuada e da ação pedagógica. Nesse sentido, o conhecimento do corpo, da cultura de movimento, da estética, das práticas corporais e das linguagens artísticas compõe um cenário investigativo e reflexivo que poderá contribuir com a compreensão de horizontes pedagógicos que considerem a realidade e a socialização dos saberes e que possam contribuir com uma educação que permita a leitura do mundo.
A orientação pedagógica do Paidéia: o curso em Parnamirim, RN
O Curso realizado na cidade de Parnamirim, no Estado do Rio Grande do Norte, foi o primeiro curso de atualização em Educação Física oferecido pelo Paidéia, destinado aos professores da rede pública de ensino. A realização desse curso contribuiu para dimensionar nossas estratégias, avaliar o material didático do curso, conhecer a realidade dos professores. Por essa razão, irei apresentar algumas atividades e reflexões em torno desse curso.
Desde já, cabe registrar a preciosa colaboração do grupo de professores (as) de Parnamirim, ao disponibilizar suas experiências para a reflexão coletiva, discutir pontos de vista, sugerir ações, compartilhar saberes, refazer percursos que nos permitiram construir conhecimento sobre a Educação Física escolar.
Com intuito de conhecer o grupo de professores, em especial sua realidade de ensino e expectativas quanto ao curso, solicitamos que relatassem suas experiências. No primeiro momento, a ênfase dada pelos professores foi às instalações e aos materiais para as aulas, que consideraram adequados. Informaram que as aulas funcionam fora do horário regular, duas vezes por semana. Nessa primeira conversa a impressão era que tudo funcionava muito bem e que não havia problemas ou contradições na prática dos professores. Essa atitude tem sido recorrente, sobretudo pelas reticências em relação aos cursos de formação de professores, já anteriormente mencionadas nesse texto, a respeito da relação teoria prática, Universidade e Escola.
Seguimos então com o planejamento didático e fizemos uma das “atividades desencadeadoras” sugeridas no livro didático. Montamos um painel com fotografias de aulas de Educação Física do início do século XX, na cidade de São Paulo. As fotografias compõem o texto de Souza Júnior (2005) e foram cedidas pelo Núcleo de Memória da Educação Paulista do Centro de Referência Mário Covas, ligado à Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
À medida que olhávamos as fotografias percebíamos o espaço das aulas, os materiais utilizados, as atividades realizadas, as roupas, a postura do corpo. Ao apreciarem as fotografias, os professores falaram de suas lembranças sobre as aulas de educação física em sua época de alunos do ensino fundamental, foi sendo estabelecida uma relação entre a história da educação física e suas próprias histórias como alunos e como professores.
A partir dessa atividade o grupo foi encontrando mais espaço para o diálogo e a conversa foi sendo aprofundada. As falas dos professores apresentam algumas questões importantes para serem enfrentadas na discussão sobre formação profissional, por exemplo: os professores trabalham em vários lugares, não têm tempo para reunião, planejamento. Os professores “queixam-se” das condições materiais, da “cultura” de desvalorização da Educação Física.
Na discussão com o grupo percebeu-se a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a Educação Física como componente curricular, diferenciando-a de uma atividade extra-classe. Além de outras questões levantadas, a saber:
Questões sobre gênero e sexualidade: a dificuldade dos professores trabalharem com os dois sexos na mesma aula. Alguns professores alegam que o contato físico pode “machucar” as meninas ou que há pudores em relação à sexualidade por parte dos alunos; afirmam também que os meninos não querem aulas com as meninas e vice-versa.
Evasão: a aula acontece no contra-turno. Alguns alunos moram distante do lugar onde se realiza a aula de Educação Física.
O calendário escolar fica comprometido com a realização da festa do boi e da festa junina, pois alguns alunos se afastam da escola para ajudar os pais.
Os professores não se reúnem para planejamento de modo mais sistemático; não havia até então um encontro mais específico da Educação Física. Há encontros semestrais geralmente para a organização dos jogos escolares do município
Dificuldades para compreender a Educação Física como componente curricular (organização do ensino-aprendizagem; sistematização do conhecimento, avaliação)
Compreendemos que as questões levantadas pelo grupo são relevantes e merecem ser discutidas e redimensionadas na prática pedagógica. A questão de gênero, por exemplo, embora haja sistematizações epistemológicas e políticas acumuladas na área, citam-se os Parâmetros Curriculares Nacionais, em particular os temas transversais, como um indicador que, embora se constitua como uma política da Educação Básica, ainda não foi incorporada em muitas práticas pedagógicas e no imaginário de professores, alunos, pais ou responsáveis.
A questão do gênero em particular foi abordada em muitos materiais didáticos do Paidéia e tem sido recorrente nos cursos de formação realizados durante esse tempo de existência do projeto. Como exemplo, cito a atividade desencadeadora indicada no Livro didático sobre ensino de Educação Física, relativa às práticas corporais. Trata-se do filme Billy Eliot por meio do qual é possível perceber questões relativas aos preconceitos existentes em determinadas práticas corporais consideradas masculinas ou femininas como o boxe e a dança. Como sugestão didática, a apreciação do filme é complementada com aulas práticas que envolvem o conhecimento do corpo, atividades rítmicas, lutas, entre outras formas de expressão (DIAS, BEZERRA & NÓBREGA, 2005).
No segundo dia do curso, fizemos uma caminhada pelas ruas da cidade. A atividade foi importante não só para entrosar o grupo, mas para compreender o estudo do meio, a importância de conhecer onde os alunos vivem, os espaços, sair da escola, do ginásio para apreciar outras paisagens educativas.
Quanto à orientação didática procurávamos realizar uma aula prática e em seguida fazíamos a discussão sobre a concepção de aula e os sentidos pedagógicos e culturais advindos da prática. A aula de capoeira desencadeou uma discussão sobre a linguagem do movimento e a relação entre o mundo vivido e as experiências do movimento. A leitura dos textos didáticos, após a realização da atividade desencadeadora e das práticas, foi fundamental para o debate sobre conceitos, estratégias, bem como para a sistematização do conhecimento da Educação Física como componente curricular, compreendida sempre como parcial e provisória.
No momento da discussão buscávamos discutir conceitos, procedimentos e atitudes, coletivamente, como um exercício de compreensão e de organização da experiência. As falas dos professores eram escritas no quadro, com o objetivo de destacarmos os elementos mais significativos do processo e como forma de registrar a experiência.
Uma das aulas teve como tema o conhecimento do corpo. Compreendemos esse tema como uma referência significativa na organização do conhecimento da Educação Física e na ação docente, uma vez que valores, discursos e práticas construídos socialmente materializam-se no corpo.
A aula teve o seguinte roteiro:
Apreciação do vídeo Corpo e cultura de movimento
Confecção de painel com representações do corpo na mídia.
Exposição de fotografias dos próprios professores (as) com suas experiências de práticas corporais.
Aula prática: Eutonia.
Leitura do texto O conhecimento do corpo na Educação Física escolar (MENDES, 2005).
A confecção do painel com representações do corpo na mídia e a exposição de fotografias dos professores (as) possibilitou uma reflexão sobre a historicidade do corpo e das práticas corporais, apresentando-se como uma estratégia didática significativa para compreender o conhecimento do corpo.
Na aula de Eutonia, alguns professores apresentaram dificuldades em relação às atividades de sensibilização, percepção do corpo, ritmo, expressão. Com o decorrer da aula, vão sentindo-se mais à vontade na realização dos movimentos e expressam sentimentos positivos em relação à experiência, como relaxamento, prazer, auto-conhecimento, interação com o outro. Muitas vezes, os espaços destinados às aulas de Educação Física (quadras, pátios) não favorecem a realização de algumas práticas corporais, uma vez que tais práticas requerem certas regras de uso do corpo e do espaço de forma introspectiva, expressiva e que, para muitos, causa vergonha ou mesmo dispersão.
Deitado sobre bambus, como percebo meu corpo? Leve? Pesado? Quais os espaços cheios e os espaços vazios? Quais as sensações? Que marcas estão tatuadas em meu corpo? Experimentamos esse contato. Depois, caminhamos sobre os bambus, realizamos um exercício de tai chi chuan (o arco) e por fim dançamos, nos movimentando com ações de torcer, girar, saltar. Com os bambus, criamos movimentos sozinhos e com os colegas. Foi um momento ímpar do curso, de muita beleza, estabelecimento de trocas, reflexão sobre o corpo como marca da existência, entre outros aspectos ditos ou silenciados.
Na aula seguinte trabalhamos os conteúdos jogo e esporte. Foi uma aula no ginásio que fica ao lado da escola, utilizado por uma das professoras do grupo para as aulas de Educação Física. A cada dia o curso acontecia em um espaço diferente o que ajudou a conhecer boa parte da estrutura física das escolas e das condições de trabalho dos professores.
A experiência com a aula de voleibol gerou uma boa discussão sobre as concepções de ensino abertas às experiências dos alunos. Foi possível esclarecer a relação entre técnica, o esporte como conteúdo da Educação Física, a competição, a ludicidade, a cooperação, entre outras.
O depoimento de uma das professoras (pedagoga) foi relevante, sentindo-se mais a vontade com o jogo e com a aula “aberta”. Essa atitude/depoimento foi importante, pois para muitos, o ensino do esporte ainda é compreendido de modo tecnicista. Melo (2005), aponta:
Historicamente a educação física esteve alicerçada a uma concepção de movimento que objetivava desenvolver valências físicas e, consequentemente, a melhoria da aptidão física, visualizando-se uma concepção linear de movimento, em que todos os alunos deveriam expressar as mesmas características motoras. Esse paradigma inviabilizava a perspectiva de se pensar outras possibilidades pedagógicas para a educação física na escola, nas quais o corpo e o movimento se emancipariam na apropriação de conteúdos mais significativos para a formação do aluno (MELO, 2005, p. 42).
A orientação didática possibilitou uma relação entre teoria e prática que contribuiu para o entendimento da sistematização do conhecimento desse componente curricular, bem como ajudou a perceber que lidar com os conteúdos da área exige a mediação pedagógica das experiências de movimento dos alunos, dos professores e das práticas sociais como elementos significativos do processo ensino-aprendizagem.
Do ponto de vista dos procedimentos metodológicos, “coloca-se a necessidade do fazer compreendendo o que se faz, ou seja, não se trata de uma teorização abstrata, nem do praticismo expresso nas velhas receitas, mas a abordagem deve partir da realidade dos alunos, vivenciadas, refletidas, buscando a apropriação experiencial e crítica das formas de movimentar-se” (NÓBREGA, 2005, p. 86).
Como prática educativa, as aulas de Educação Física podem propiciar um processo contínuo, vivo e criativo de leitura do mundo por meio das experiências do corpo e do movimentar-se, em suas diferentes expressões sociais, culturais, históricas, afetivas. Espera-se que nas aulas de Educação Física a cultura de movimento seja experimentada de forma ampla, em diversos matizes: esportivos, lúdicos, estéticos, higiênicos, éticos, entre outros.
Reflexões, desafios e perspectivas
A nossa reflexão apenas se inicia, pois o Paidéia continua a existir como projeto institucional. Em 2009, encontra-se em andamento a oferta de novas turmas de especialização, cursos de atualização, oficinas pedagógicas, produção do cotidiano escolar.
Investir no cotidiano do nosso fazer como ser humano e como docente nos convoca constantemente para refletir, para refazer estratégias de pensamento e de produção do conhecimento, seja em relação ao “acompanhamento” dos professores (tutoria, eventos, publicações), ao exercício dialógico na construção das relações político-pedagógicas, a consolidação das relações entre Artes e Educação Física, consideradas como uma ação significativa no desenvolvimento do projeto.
Outras questões carecem ainda de aprofundamentos e remanejamentos, tais como: a dificuldade de comunicação com os sistemas de ensino, sobretudo no que se refere a pouca ou, em alguns casos, inexistente demanda por parte dos sistemas de ensino para ações de formação, alegando falta de recursos financeiros; a atuação de empresas privadas de formação docente junto aos sistemas de ensino; melhores condições relativas à profissionalização e a remuneração do trabalho docente, o que reforça a exigência da explicitação dos enfretamentos nas relações de trabalhos; exigências éticas e políticas da tarefa de ensinar: o que ensinamos, a quem, para que, como fazemos?
Escrever esse texto permitiu retomarmos a experiência com a formação continuada de professores de Educação Física nos últimos cinco anos. Os relatos apresentados nesse texto são pontuais e esperamos que possam expressar as dimensões reflexivas, pedagógicas, afetivas que permearam todo o processo.
Ouvir os relatos dos professores sobre suas práticas, compartilhar saberes, acreditar que é possível construir espaços de conhecimento sobre a Educação Física escolar, aproximar universidade e escola são alguns dos aspectos relevantes que poderia destacar dessa experiência com o Paidéia. As atividades desencadeadoras, as aulas práticas, os textos didáticos, enfim a orientação didática sugerida contribui para que as parcerias fossem sendo constituídas em função de compreender a Educação Física como componente curricular.
Sobretudo nos cursos especialização, os frutos foram especiais, haja vista um processo mais aprofundado de conhecimento, maior tempo de contato com o grupo de professores, a orientação dos tutores e a possibilidade de estabelecer mediações entre as disciplinas ofertadas no curso, a prática pedagógica, as aulas realizadas nas escolas em que atuavam como registrados nos memoriais escritos pelos professores.
Em todo esse percurso, considera-se que a estesia da fala e do gesto expressa o comprometimento da ação docente, como processo-projeto de humanização e que estendemos, sucintamente nesse artigo, nossa experiência com a formação continuada de professores.
Referências
DIAS, João Carlos Neves de Souza; BEZERRA, Laise; NÓBREGA, Terezinha Petrucia. As práticas corporais nas aulas de educação física. In NÓBREGA, T. P. (Org.). Livro didático 3: o ensino de educação física de 5ª a 8ª séries. Natal: Paidéia, 2005. p. 95-105.
FONTANA, Roseli A constituição social da subjetividade: Notas sobre central do Brasil. Educação e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 71, p. 221-234, 2000.
MELO, José Pereira Relatórios do Paidéia, 2005; 2006.
MELO, José Pereira. Pedagogia da educação física na escola. In: NÓBREGA, T. P. (Org.). Livro didático 3: o ensino de educação física de 5ª a 8ª séries. Natal: Paidéia, 2005. p. 33-47.
MELO, José Pereira & BORBA, Sandra. (Orgs.). Caderno informativo do Paidéia: a importância do ensino de arte e Educação Física na escola. Natal: Paidéia, 2006.
MELO, José Pereira. Os desafios da formação continuada em EF. In: III Encontro Nacional de Artes e Educação Física, 2006, Natal. Anais do III Encontro Nacional de Artes e Educação Física, Natal/ UFRN, p. 25-35, 2006.
MENDES, Maria Isabel Brandão. O conhecimento do corpo na educação física escolar. In: NÓBREGA, Terezinha Petrucia. (Org.). Livro didático 3: o ensino de educação física de 5ª a 8ª séries. Natal: Paidéia, 2005. p. 70-79.
NÓBREGA, Terezinha Petrucia. O mundo vivido e a cultura elaborada: processos de conhecimento na educação física. In: NÓBREGA, Terezinha Petrucia. (Org.). Livro didático 3: o ensino de educação física de 5ª a 8ª séries. Natal: Paidéia, 2005. p. 83-99.
_____. Coleção Cotidiano escolar: a educação física no ensino fundamental do 6° ao 9° ano. Natal: Paidéia, 2005.
_____. Coleção Cotidiano escolar: a educação física no ensino fundamental do 6° ao 9° ano. Natal: Paidéia, 2006.
_____. Coleção Cotidiano escolar: a educação física no ensino fundamental do 6° ao 9° ano. Natal: Paidéia, 2007.
_____. Relatório de Curso de Especialização. Natal, Paidéia, 2007.
PERNAMBUCO, Marta. & PAIVA, Irene. Caderno didático 1: pesquisando as expressões da linguagem corporal (Artes e Educação Física). Natal: Paidéia, 2005.
SOUZA JUNIOR, Marcilio. História da educação física escolar no Brasil: pensando a educação física no passado e no presente. In: NÓBREGA, Terezinha Petrucia. (Org.). Livro didático 3: o ensino de educação física de 5ª a 8ª séries. Natal: Paidéia, 2005. p. 13-32.
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