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Refletindo sobre a discriminação e 

preconceito com o corpo no espaço escolar

Reflexionando sobre la discriminación y el prejuicio hacia el cuerpo en el ámbito escolar

Reflecting on the discrimination and prejudice with the body at school

 

*Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Pampa

**Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Pelotas

Graduado em Educação Física pelo IPA

(Brasil)

Valesca da Silva Dutra*

valesca.dutra@hotmail.com

Bento Selau**

bentoselau@unipampa.edu.br

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho teve como objetivo desenvolver estratégias pedagógicas que puderam servir como reflexão com alunos dos Anos Iniciais a respeito de possíveis situações que envolvessem a discriminação do corpo pelos estudantes com seus colegas no cotidiano da sala de aula. O método utilizado para o desenvolvimento deste trabalho foi à intervenção, composta por três processos: elaboração do projeto de pesquisa, intervenção pedagógica e avaliação da intervenção. Para que as crianças aprendam a lidar com o preconceito às diferenças, ficou evidenciado que é necessário proporcionar momentos que trabalhem os conceitos relacionados à diversidade, o que não deve acontecer apenas em datas comemorativas. A intervenção pedagógica organizada racional e socialmente para os alunos é fundamental para um debate profícuo sobre questões relativas à discriminação e ao preconceito.

          Palavras chave: Preconceito. Corpo. Intervenção pedagógica.

 

Abstract

          This study aimed to develop teaching strategies that could serve as a reflection of students on Early Years possible situations involving discrimination by the body with his fellow students in everyday classroom. The method used for the development of this work was the intervention, consisting of three processes: elaboration of the research project, educational intervention and evaluation of intervention. For children to learn to deal with prejudice to the differences, it was evident that it is necessary to provide time to work the concepts related to diversity, this should not happen only on holidays. The educational intervention organized rational and socially for students is crucial for a meaningful discussion on issues of discrimination and prejudice

          Keywords: Bias. Body. Pedagogical intervention.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 152, Enero de 2011. http://www.efdeportes.com/

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    As situações de aprendizagem a respeito da tarefa docente, motivadas pela prática e auxiliadas pela teoria, nos ajudam a refletir sobre o trabalho do professor como um processo de melhoramento. Rios (2002) entende a teoria como fertilizadora da prática, reconhecendo a prática como terreno de onde se recolhem os supostos da teoria e, assim, cada uma modifica a outra. Há inúmeras formas de se entender a teoria. Esta, muitas vezes, é concebida como algo isolado da prática e cujo valor só se determina pela possibilidade de utilização de seus resultados na prática (p. 139). De acordo com a idéia de utilizar prática e teoria unidas como elementos auxiliares para a produção de conhecimento, fizemos do momento prático de sala de aula espaço para desenvolvimento da teoria.

    A investigação que apresentamos teve como objetivo desenvolver estratégias pedagógicas que puderam servir como reflexão com alunos dos Anos Iniciais a respeito de possíveis situações que envolvessem a discriminação do corpo pelos estudantes com seus colegas no cotidiano da sala de aula.

    Nossa vivência prática em escolas oportunizou-nos presenciar situações através das quais algumas crianças se viam ridicularizadas e apelidadas por seus colegas em função de sua condição corporal (o obeso é “gordo”, a magra vira “caniço”, etc.), momento em que surgiram diversas dúvidas, tais como: Qual o papel do professor, nos Anos Iniciais, para desmistificar a idéia enfatizada pela mídia de “corpo modelo”? Como trabalhar o corpo na sala de aula nesta etapa da escolarização? Como fazer com que o aluno possua uma relação moderada com o corpo (devido aos cuidados necessários com a saúde), mas sem os exageros que levam ao pensamento de “corpo perfeito”? Como o professor deve abordar as diferenças entre as características dos corpos (obeso, magro, alto, baixo, etc.)?

    Não se pretendeu responder a estes questionamentos diretamente, mas, serviram como motivadores para a elaboração do trabalho prático da intervenção docente com os alunos, em comunhão com a teoria que nos acompanhou como suporte fundamental de trabalho.

    Este estudo torna-se importante para que os profissionais da área pedagógica possam ter referenciais a cerca das questões ligadas ao preconceito e discriminação, conforme afirma Souza (2002, p. 1):

    [...] é importante que surjam pesquisas sobre estas questões, de maneira a sensibilizar e oferecer suporte teórico, especialmente aos educadores e profissionais envolvidos nesta realidade, com vistas à intervenção em nosso sistema educacional. Quase sempre que nos dispusemos a refletir sobre as questões raciais e os preconceitos, percebemos que esta discussão era dificultada pela falta de conhecimento e consciência.

    A apresentação da investigação desenvolvida dar-se-á da seguinte maneira: no primeiro momento far-se-á um breve apanhado sobre o preconceito na escola, o preconceito sobre corpo e o bullying; no segundo, os principais passos do método utilizado; finalmente, num terceiro momento, a avaliação da intervenção.

O preconceito na escola, o preconceito sobre o corpo e o bullying

    Infelizmente, o preconceito é um problema que existe na escola: preconceito com questões lidadas ao corpo, gênero, raça, pessoas com necessidades educacionais especiais, condições socioeconômicas e outros. Conforme afirma Melo et al. (2008, p. 4):

    preconceito é algo que está presente em toda a sociedade, inclusive no âmbito escolar [...]. Seja por sua etnia, raça, questões estéticas, de gênero ou por qualquer outra diferença que fuja dos padrões impostos pela sociedade, muitos alunos hoje são submetidos a algum tipo de preconceito.

    Um dos maiores problemas enfrentados pelos estudantes é a discriminação criada socialmente pela estética do corpo moderno, através da qual a mídia e a moda são voltadas para o corpo magro, branco e jovem. Muitas vezes, as discriminações começam na escola, percebidas segundo Silva et al. (2009, p. 3): “[...] na divisão de grupos, tão marcada no uso de roupas, acessórios e marcas corporais, também no preconceito com pessoas que diferem pela cor, pela raça, pelo corpo magro ou gordo, jovem ou envelhecido”, fazendo parte também os apelidos pejorativos e de mau gosto.

    As pessoas avaliam as outras por aspectos externos. Esta característica permanece ao longo de boa parte da vida, pelo menos no que tange o ponto de vista de discriminação dos corpos fora dos padrões socialmente pré-estabelecidos. Conforme Florentino e Florentino (2007, p.3):

    Contemporaneamente, as questões da imagem corporal têm representado a aceitação ou não do indivíduo em todas as esferas (social, cultural, política e econômica) da sua interação, seja no trabalho ou nas relações pessoais, podendo o corpo tornar-se inclusive fator de discriminação e exclusão social, caso o indivíduo estiver fora dos limites estabelecidos pelos padrões vigentes em nossa sociedade.

    O corpo tornou-se um símbolo social que pode, ou não, ser aceito pelo meio cultural em que se vive. Esta imagem de “corpo ideal” ou “corpo padrão” também é constituída no espaço escolar por crianças e adolescentes.

    Portanto, é importante pensarmos o corpo como objeto da educação. Para tanto, se faz necessário que os educadores estejam preparados para enfrentar as mais diversas situações no cotidiano da sala de aula e façam as corretas intervenções pedagógicas. Florentino e Florentino (2007) afirmam que:

    A gestualidade ou os cuidados com o corpo podem e devem ser tematizados nas diferentes práticas educativas, inseridos nas grades curriculares e viabilizados por diferentes disciplinas. O desafio está para os educadores e, principalmente para os educadores físicos, em desmistificar o culto ao corpo perfeito, dando subsídios para se pensar num corpo que contenha significações que singularizam o sujeito, que permitam a intercomunicação com a singularidade do outro indivíduo, sendo considerado base para a construção do conhecimento (FLORENTINO E FLORENTINO, 2007, p.5).

    Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), cabe à escola trabalhar questões ligadas à corporeidade, sexualidade, pluralidade cultural, trabalho e consumo, evidenciando as diferenças de classes sociais e estabelecendo noções de corpo, permitindo refletir sobre a corporeidade humana de forma ampla, trazendo discussões sobre a forma como o corpo vem sendo socialmente utilizado, como vemos e pensamos o corpo.

    Dentro dessa temática, há uma discussão que vem sendo conduzida atualmente, e isso se fez com força através da mídia: diz respeito ao bullying; segundo Silva (2010, p. 7),

    o bullying é um termo ainda pouco conhecido do grande público. De origem inglesa e sem tradução ainda no Brasil, é utilizado para qualificar comportamentos agressivos no âmbito escolar, praticados tanto por meninos quanto por meninas. Os atos de violência (física ou não) ocorrem de forma intencional e repetitiva contra um ou mais alunos que se encontram impossibilitados de fazer frente às agressões sofridas.

    Nessa situação, os educandos sofrem maus tratos e perseguições dos colegas. Sofrer discriminações implica em impactos negativos e significativos em termos psicológicos no educando, podendo causar-lhes complexos, tristeza e infelicidade, conforme as palavras de Melo et al. (2008):

    Tais manifestações geram humilhações que resultam em indivíduos acríticos, tímidos e inseguros e que se sentem inferiorizados pelos outros. As consequências desta formação podem ser diversas e devem ser evitadas pelos profissionais da área da educação, que são os principais intervencionistas neste âmbito (MELO et al., 2008, p. 4).

    Segundo Fante (2005), o bullying na escola acontece quando alguns estudantes reúnem-se para hostilizar, ameaçar, constranger ou maltratar outros gratuitamente, especialmente aqueles estudantes que apresentam alguma diferença na maneira de andar, de se vestir, de falar, nas preferências musicais, no corpo, pele, cabelos, religião, etc. Na escola, as conseqüências desta discriminação são sérias, levando os estudantes vítimas ao desinteresse e abandono dos estudos, dificultando a aprendizagem e por vezes até mesmo à evasão escolar. ­

    O Conselho Nacional de Justiça publicou em 2010 (SILVA, 2010) uma cartilha sobre o bullying direcionada aos pais, professores e profissionais da escola, com a intenção de combater o bullying no espaço escolar. Esta cartilha dispõe de informações sobre o tema, orientando como identificar o fenômeno e como prevenir a prática. Tem como idéia aliar o trabalho entre a justiça e as instituições de ensino nas questões que envolvem o tratamento deste assunto.

    As informações que objetivam conscientizar as pessoas são sempre bem-vindas. No entanto, este assunto deve ser discutido primordialmente pela escola, pelos seus educadores, em conjunto com os estudantes e a comunidade escolar. Acreditamos que os docentes são aqueles profissionais que têm condições científicas de levar a cabo esse debate, oportunizando condições de criarem estratégias pedagógicas voltadas para o combate ao bullying.

    A cartilha desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça não pode dar conta das reais necessidades que a escola demanda pelo debate e criação de propostas pedagógicas práticas contra a violência e discriminação. Os educadores devem estar atentos e procurar responder à violência na escola com o critério científico.

O método de pesquisa utilizado

    Acredita-se que teoria e prática foram a essência fundamental para a realização deste estudo. O método utilizado para o desenvolvimento deste estudo foi à intervenção, esta composta por três processos importantes: a elaboração do projeto de pesquisa, a intervenção pedagógica e avaliação da intervenção.

    O método da intervenção é muito parecido com a pesquisa-ação, onde segundo Tripp (2005), muitos professores e pesquisadores desenvolvem atividades a fim de qualificar seu ensino e o aprendizado de seus alunos, buscando mudanças e melhorias em suas práticas. A terminologia intervenção vem sendo utilizada em diversas investigações relacionadas a pesquisa-ação, tais como nas teses doutorais de Peres (2010) e Rochefort (2010), nas quais salientam que o termo intervenção diz respeito a prática realizada com um determinado grupo, dentro de um delimitado espaço de tempo, que visa a reflexão da prática vivenciada.

    A pesquisa-ação é um tipo de investigação-ação, onde são necessárias pesquisas prévias que norteiam a ação colocada em prática, enquanto que a intervenção é uma conexão entre a teoria e a prática, onde a partir da prática realizada com um determinado grupo faz-se a reflexão desta.

    Propusemos uma intervenção com alunos a partir de um plano de atividades, observações e diálogos. As atividades escolhidas para a prática das aulas partiram da ludicidade, proporcionando assim um ambiente descontraído. A avaliação da intervenção se deu a partir do diálogo e das falas significativas dos alunos, oportunizando um espaço de reflexão e discussão acerca das questões que envolvem o preconceito com o corpo.

    Como aspecto positivo, ressaltamos as atividades lúdicas, pelas quais os alunos demonstraram interesse e participação, assim como a liberdade de expressão durante os debates e a conscientização do preconceito que também foi um fator positivo. Todavia, constatamos-se que é necessário repensar propostas a fim de desmistificar a idéia de corpo ideal, pois no que tange as questões de corporeidade, os conceitos estão arraigados entre os alunos, embora, a partir de suas falas durante as práticas pedagógicas, eles demonstraram entendimento do tema. Ressaltamos, ainda, que isso pode ser momentâneo, o que requer um melhoramento na intervenção.

A intervenção pedagógica

    A intervenção pedagógica aconteceu na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dr. Manoel Amaro Junior, no 2° ano do ensino fundamental, na cidade de Jaguarão – RS, com crianças de 9 a 13 anos de idade.

    Foram realizadas diversas atividades abordando o tema “preconceito e discriminação com o corpo”, no período de novembro a dezembro de 2010 nesta instituição.

    A pesquisa foi realizada com o conhecimento e autorização dos pais e/ou responsáveis pelas crianças, tanto para o trabalho pedagógico quanto para a exposição das produções das crianças e/ou fotografias.

    Sem a intenção de nomear diretamente os sujeitos desta pesquisa, foram identificados como Aluno Masculino (AM) e Aluno Feminino (AF).

    Segue abaixo a descrição, resumidamente, de algumas das atividades desenvolvidas durante a intervenção (quatro delas).

Atividade 1.     Que corpo você gostaria de ter?

    No dia 03/11/2010, iniciamos com uma conversa sobre o que eles sabem e entendem sobre o tema. Logo, solicitamos aos alunos que procurassem em jornais e revistas imagens de pessoas que caracterizassem o corpo que eles gostariam de ter e fizessem recorte e colagem em folha ofício. Os alunos demonstraram-se interessados e ansiosos pela nova atividade que ocorreu da seguinte maneira:

Objetivos

  • Conhecer o que os alunos sabem e entendem sobre o tema;

  • descobrir qual a percepção de corpo para os alunos;

  • descobrir se o corpo que eles desejam coincide com os seus;

  • exercitar linguagem oral.

Descrição

    A professora solicita aos alunos que pesquisem em jornais e revistas figuras que mostrem pessoas com os mais diferentes formatos de corpos;

    Em seguida, os alunos devem recortar e colar em uma folha figuras que representem o corpo que eles gostariam de ter;

    A professora dá inicio ao debate sobre preconceito e discriminação com o corpo abordando as seguintes questões:

  • Por que a escolha daquele corpo?

  • Por que eles entendem que aquele corpo escolhido é bonito?

  • Se os alunos sabem o que é preconceito?

  • Solicitação de exemplos de preconceitos (vividos ou não):

Atividade 2.     Menina Bonita do Laço de Fita

    No dia 05/11/2010 foi proposta uma roda de leitura do livro Menina Bonita do Laço de Fita (MACHADO, 1986), atentamente os alunos ouviram a história e observaram as ilustrações do livro. Após a leitura do livro, iniciamos o debate, seguindo um pequeno roteiro previamente elaborado sobre o tema e o livro. Após, a professora solicitou aos alunos que produzissem uma ou duas frases e mais um desenho do que ficou de significativo sobre o livro, conforme segue:

Objetivos

  • Desenvolver leitura, escrita, produção e interpretação textual;

  • Refletir sobre as diferenças corporais e culturais como aspectos que constituem a identidade;

  • Desenvolver a capacidade criativa e a capacidade de síntese;

  • Expressar criatividade através de desenho;

  • Compreender e respeitar às diferenças;

  • Reconhecer o afeto e a importância da família;

  • Reconhecer os valores da amizade.

Descrição

    Todos sentados em roda, a professora inicia a leitura do livro Menina Bonita do Laço de Fita da autora Ana Maria Machado, mostrando aos alunos as ilustrações do livro;

    Após a leitura a professora passa o livro, um a um, para que os alunos possam folhear e ver as ilustrações de perto;

    A professora inicia um debate colocando as seguintes questões:

  • Quais as diferenças entre a menina e o coelho?

  • Por que o coelho queria tanto ser igual à menina?

  • Qual a explicação da mãe da menina para a menina ser tão pretinha?

  • O coelho era preconceituoso?

    A professora solicita que os alunos escrevam em uma folha, individualmente, uma frase sobre o que o livro deixou de significativo e solicita que o aluno nesta mesma folha faça um desenho sobre o livro.

Atividade 3.     Mural das diferenças corporais

    No dia 10/11/2010, realizamos a confecção de um mural, conforme mostra figura 1, onde os alunos, após pesquisar em jornais e revistas, recortaram figuras que caracterizaram as diferenças entre os corpos, com o objetivo de pôr em reflexão a influência da mídia nos padrões de beleza que reforçam o culto ao “corpo perfeito”.

    Durante o desenvolvimento desta atividade a professora fez algumas provocações e questionamentos a fim de promover um debate, o qual foi extremamente significativo.

Figura 1. Mural confeccionado pelos alunos neste dia

Objetivos

  • Perceber as diferentes características dos corpos;

  • Conhecer o respeito às diferenças;

  • Incentivar à pesquisa;

  • Perceber a influência da mídia nos padrões de beleza e ao culto ao “corpo perfeito”.

Descrição

  1. A professora solicita aos alunos que pesquisem em jornais e revistas figuras que caracterizem os mais diversos corpos, (alto, baixo, obeso, magro, etc.);

  2. Construir um mural com recorte e colagem das figuras;

  3. Questionar aos alunos sobre:

    • O que é preconceito? Alegando que as diferenças existem sim, mas que ninguém é melhor ou pior do que ninguém por causa delas.

    • Dentre todas as figuras que constituem o mural, quais são as figuras que aparecem em menor e maior quantidade? Por quê?

Atividade 4.     Teatro de fantoches: “As diferenças existem!”

    No dia 11/11/2010, foi realizada a apresentação de um teatro de fantoches, conforme mostra figura 2. Durante a apresentação os alunos ficaram eufóricos e assistiram atentamente ao teatro. Após, debatemos as questões significativas sobre a história, seguindo um roteiro previamente elaborado. Após, os alunos produziram um pequeno texto individual sobre as diferenças.

Figura 2. Apresentação de teatro com fantoches

Objetivos

  • Refletir sobre a idéia de “corpo modelo”;

  • Reconhecer e respeitar as diferenças;

  • Desenvolver capacidade de produção textual.

Descrição

  1. Apresentação da história de fantoches trazendo personagens com as mais diversas características: obeso, magro, alto, baixo, branco, negro, cabelo encaracolado, etc;

  2. Debater com os alunos as seguintes questões:

    • Em qual momento da história você identificou o preconceito?

    • Quais as diferenças físicas percebidas nos personagens?

    • Pensando nas imagens que vemos todos os dias na televisão, quais são os tipos de corpos que mais aparecem? E por quê?

  3. A professora pede aos alunos para que produzam um pequeno texto falando sobre as diferenças.

A avaliação da intervenção

    O trabalho do professor precisa ser o de promover a apropriação do conteúdo pelo aluno, facilitar a apropriação do conhecimento produzido pelo estudante e, ao mesmo tempo, refletir sobre possíveis situações de preconceito e discriminação existentes. Cabe ao professor, segundo Melo et al. (2008, p. 4) “[...] intervir na formação de valores dos indivíduos, colocando em discussão assuntos como o preconceito racial, étnico, de gênero, relacionado a parâmetros estéticos ou qualquer tipo de diferença entre os mesmos”. É fundamental que o professor aborde os mais diversos assuntos a cerca do preconceito, a fim de causar nos alunos uma reflexão que se direcione para uma mudança de atitudes.

    Segundo Torres Santhomé (1995), é necessário que o ambiente escolar seja um lugar de análise de como e porque surgem as discriminações e o que representam as diferenças.

    A partir da intervenção pedagógica realizada, foi possível perceber o quanto a mídia exerce influência sobre o grupo de alunos com os quais trabalhamos no que tange aspectos relacionados ao corpo e a estética, pois a maioria dos alunos idealizou corpos altos, esguios e magros. Isso foi constatado na primeira atividade desenvolvida, quando a maioria dos alunos escolheu um corpo diferente do seu: os alunos meninos escolheram um corpo forte e másculo, caracterizando os personagens de super-heróis infantis apresentando corpos “sarados” e musculosos; as meninas escolheram corpos altos, magros, cabelos longos e lisos, caracterizando o corpo das modelos e atrizes colocadas pela mídia como mulheres bonitas. Florentino e Florentino nos auxiliam a compreender essa situação da seguinte maneira:

    A escola mais uma vez é o principal ambiente em que tais pensamentos, criados pela sociedade, pela mídia e por outras formas de alienação, se propagam. A mídia e os meios de comunicação de massa impõem padrões estéticos a toda uma sociedade, fazendo com que as mulheres sonhem em possuir corpos magros e firmes e homens anseiem por se tornarem fortes. Esta imposição traz sérios problemas àqueles que não se encaixam neste perfil, pois estes serão sempre criticados, subjugados e instigados a se transformarem em algo que não são, que não condiz com sua genética ou com sua personalidade (FLORENTINO e FLORENTINO, 2007, p. 1).

    Segundo Silva et al. (2009, p. 2) “o corpo passa a ser muito mais que uma parte orgânica, tornando-se um objeto de busca de prazer, de poder e status. Algo construído e usado socialmente [...]”. Isso foi percebido quando questionei aos alunos o porquê da escolha de cada um. A resposta da AF-11 foi: “escolhi este porque é o corpo de uma modelo magra e chic”. A partir desta resposta debatemos concepções de corpo, estética e mídia. Ainda, segundo Silva, jovens e crianças percebem na mídia que possuir um corpo ideal tem suas vantagens na aceitação da sociedade o que se evidencia na fala do AM-4: “escolhi ser esse corpo porque as pessoas gostam mais de gente assim, bonita”.

    Ao debatermos as diferenças corporais uma menina negra resistia ao debate alegando não achar bonito um corpo gordo. Um menino então a questionou: “Mas se tu fosses gorda tu não irias gostar se te achassem feia. Imagina se te achassem feia só porque tu és negra?” Em meio ao debate foi colocado aos alunos que as diferenças existem e que ninguém é melhor ou pior por causa delas. Ao final desta atividade, pode-se perceber que alcançamos alguns objetivos propostos, com a finalidade de que os alunos deixassem de olhar o corpo como um objeto e passassem a olhar o sujeito dono do corpo o que se confirma na resposta do AM-3 e que merece destaque: “Professora, a gente tem que olhar as pessoas como elas são por dentro, não importa o jeito que elas são por fora”.

    Os debates realizados e as rodas de conversas que aconteciam durante ou após algumas atividades, nas quais os alunos expressavam suas concepções de corpo e debatiam entre si situações que aconteceram em novelas e programas de TV foram significativos. Exemplifica-se uma das falas de um aluno obeso: “Tu já viste aquela novela ‘ti-ti-ti’ professora? A mulher dexa a atriz com fome só pra ser modelo magra”. Ao ser questionado sobre a beleza das mulheres magras ele respondeu: “Ah professora, eu acho bonito mulher magra, mas já entendi, sou gordo e sei o que é preconceito, os colegas no recreio me chamam de bola e não acho isso certo”.

    A parir da confecção do mural das diferenças foi possível colocar em questão novamente a influência da mídia sobre a estética corporal. Ao contarem quantas figuras constituíam o mural, AF-2 percebeu que as imagens de pessoas obesas apareciam em minoria. Por esse motivo, questionei-os sobre o ocorrido, afinal, foram eles que pesquisaram e recortaram as figuras das revistas. A resposta da AF-2 foi: “ué professora, a gente não achou muita figura de gordo nas revistas e jornais, porque nas revistas só tem gente magra e elegante, dos gordo eles não tiram foto”. Ao questionar o restante da turma se concordavam com a resposta da AF-2 todos afirmaram que sim e o AM-5 concluiu: “todos nós somos diferente, se é gordo ou se é magro tanto faz, a gente não pode ter preconceito!”.

    Esta atividade, inclusive, foi a escolhida pela turma para ser apresentada na Feira de Conhecimentos da Escola2 pelos próprios alunos, com a intenção de mostrar ao restante da escola que as diferenças existem e que devem ser respeitadas. Quando isso foi definido, o aluno obeso disse: “Vamos mostrar pra toda a escola que as diferenças existem, pode ser que assim eles parem de me chamar de bola”.

    Para que as crianças aprendam a lidar com o preconceito às diferenças, ficou evidenciado que é necessário proporcionar momentos propícios que trabalhem os conceitos relacionados à diversidade. Isso não deve acontecer reduzidamente apenas em datas comemorativas, assim como afirma Torres Santhomé (1995, p. 172): “não podemos cair no equívoco de dedicar um dia do ano à luta contra os preconceitos racistas ou a refletir sobre as formas adotadas pela opressão das mulheres e da infância”.

    A partir das atividades lúdicas foi possível despertar o interesse dos alunos pela prática, além de obter bons resultados acerca do tema. Na atividade dos fantoches os comentários foram diversos e, como estávamos chegando ao final das atividades, os alunos demonstraram que gostaram das práticas. Observou-se também que, a partir do momento que a criança participa de uma reflexão junto ao educador, há uma mudança de atitudes.

    Os limites de uma pesquisa dessa natureza apontam para a necessidade de continuação desse trabalho, pois as atitudes, crenças e opiniões são passíveis de mudança. A reflexão na escola sobre situações envolvendo o diálogo sobre o “corpo perfeito” deve continuar.

À guisa de conclusão

    É fundamental que o professor aborde os mais diversos assuntos acerca do preconceito, a fim de causar nos alunos uma reflexão a respeito. Cabe ao professor, segundo Melo et al. (2008, p. 4) “[...] intervir na formação de valores dos indivíduos, colocando em discussão assuntos como o preconceito racial, étnico, de gênero, relacionado a parâmetros estéticos ou qualquer tipo de diferença entre os mesmos”.

    A prática realizada oportunizou-nos perceber que a intervenção pedagógica organizada racional e socialmente para os alunos é fundamental para um debate profícuo sobre questões relativas à discriminação e ao preconceito.

    A escola é o espaço onde se encontra a maior diversidade cultural, mas, ao mesmo tempo, também, um espaço discriminador. Portanto, trabalhar as diferenças é uma tarefa que os professores, não somente aqueles da área da Educação Física mas, todos os educadores, devem desenvolver juntamente com as demais obrigações pedagógicas.

    Fica, ainda, a experiência positiva de que as atividades desenvolvidas podem contribuir com o processo de escolarização e, sobretudo, de humanização dos estudantes e, possivelmente, das pessoas com as quais se relacionarem.

Notas

  1. Foram preservadas as identidades dos alunos.

  2. Evento realizado anualmente pela escola, no qual os alunos expõem seus trabalhos e compartilham experiências.

Referências

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