Revisitando Elkonin: a análise do jogo em busca de sua historicidade perdida Una revisión de Elkonin: análisis del juego en busca de su historicidad perdida |
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Doutorando em Educação Especial pela UFSCar Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Licenciado e Bacharel em Educação Física pela UFSCar Professor efetivo de Educação Física da rede estadual de educação do Estado de São Paulo, município de Araraquara |
Gustavo Martins Piccolo (Brasil) |
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Resumo O referido artigo busca tecer relações entre a gênese histórica dos jogos e o desenvolvimento das atividades laboriosas, tidas, no materialismo histórico, como a principal fonte de inter-relação do homem para com a natureza e consigo próprio. Em tal escopo teórico o jogo se perfaz como a atividade principal no que tange a potencialidade ontológica de a criança se apropriar da realidade que a cerca, por isso, sua denominação de atividade principal do período pré-escolar, cuja epistemologia apenas ganha sentido quando de sua análise histórica, tarefa proposta por este texto. Unitermos: Jogo. Elkonin. Trabalho.
Abstract This article seeks to build up relationships between the historical genesis of the games and the activities laborious, taken in historical materialism as the main source of inter-relationship of man with nature and with himself. In this theoretical scope that makes the game as the main activity with respect to ontological potentiality of the child to appropriate the reality that surrounds it, so its name from the main activity of the pre-school, which only makes sense when epistemology of his historical analysis, a task proposed by this text. Keywords: Game. Elkonin. Job.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 151, Diciembre de 2010. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Antes de começarmos a descrição dos principais elementos apontados por Elkonin em sua obra principal (Psicologia do jogo, 1998), destacamos o caráter total de sua obra (no sentido marxista), devido ao constante diálogo realizado com outras correntes científicas (Antropologia, Etnografia, Sociologia, Biologia, e a Psicologia), elemento que possibilitou o levantamento de uma grande diversidade de problematizações ainda não respondidas.
Elkonin (1998) segue um caminho de construção histórica dos jogos que vai do biológico ao social, para isso realiza um passeio teórico pelos mais influentes autores da época moderna e contemporânea como: Schiller, Spencer, Buytendijk, Freud, Piaget (estudos predominantemente biológicos das crianças e jogos), Chateau, Groos, Wundt, Leontiev, Vygotsky, Rubinstein, Zaporozhets (para quem as relações sociais são predominantes sobre todas as outras estruturas). O intuito dessa trajetória estava em mostrar a evolução teórica que as pesquisam adquiriram ao longo dos anos, pois passaram a enxergar os jogos e crianças como constructos sociais e, não mais, fenômenos naturais. Para Elkonin (1998) todo jogo é socialmente mediado pelos adultos, não existindo plenamente sem essa presença.
De acordo com Elkonin (1998), Buytendijk entende que o jogo possui dentre suas peculiaridades a alegria, liberdade e espontaneidade, entretanto, apenas esses elementos não conseguem possibilitar uma boa compreensão sobre o desígnio e a evolução dos jogos. Seguindo a linha de raciocínio, Elkonin (1998) destaca que dentre as várias teorias que trabalharam com o jogo, vale ressaltar a de Schiller, para quem, ele é uma atividade que propicia prazer para seus indivíduos, e a de Spencer, que caracteriza sua origem como estando relacionada a um excesso de energia presente nas crianças, conseqüentemente a criança jogava porque precisava gastar as energias que possuíam de sobra.
Ainda nas concepções biológicas, a vertente freudiana se destaca ao entender a infância como representante de um período traumático. Piaget (1971) relacionou o jogo a construção do simbolismo, entretanto, continuava presos a processos puramente biológicos e maturacionais (ELKONIN, 1998).
Consideramos que estes estudos, apesar de oferecerem importantes contribuições para o estudo dos jogos em diversas perspectivas, desconsideravam suas principais peculiaridades, característica essa, que torna impossível sua distinção como a atividade principal das crianças pré-escolares.
Quem deu o primeiro passo em direção ao entendimento social do jogo foi Wundt, para quem, a origem do jogo, ou melhor, seu nascimento está relacionado ao trabalho, qualquer jogo, por mais simples que pareça é uma idealização de um trabalho anteriormente realizado, pois este sempre precedeu a gênese da atividade lúdica. Já Groos, foi o primeiro a considerar a importância dos jogos e brincadeiras no desenvolvimento infantil, por caracterizar os jogos como potentes instrumentos para a análise da personalidade das crianças, sua compreensão é fundamental para explicar a construção da psique infantil. (ELKONIN, 1998).
A partir do desenvolvimento de todos esses trabalhos, Elkonin (1998) construirá sua visão de jogo, entendendo este como uma atividade eminentemente social, além disso, exerce grande importância para a construção da personalidade e da psique infantil.
Para Elkonin (1998), o jogo não constitui qualquer fase preparatória para uma etapa posterior, refutando a idéia de que este serve de preparação para o trabalho, se ocorrer isso, a atividade não será mais jogo, pois perderá sua própria intencionalidade. Seu desenrolar, apesar de proporcionar prazer para seus praticantes, não se resume de forma alguma apenas a este aspecto, pois sua funcionalidade social extrapola as simples manifestações da libido.
Entretanto, cabe ressaltar que mesmo não sendo a principal função dos jogos a preparação para o mercado de trabalho, este acaba por assumir em alguns momentos históricos uma vertente utilitarista, porém, isso não descaracteriza, necessariamente, a importância psicológica e educacional presente no transcorrer das ações lúdicas.
Elkonin (1998) destaca que o primeiro aspecto fundamental para a construção de qualquer teoria sobre o jogo deve incidir na sua diferenciação com as atividades lúdicas praticadas pelos animais, pois, os humanos possuem a peculiaridade de planejarem suas ações previamente, ao passo que os animais, agem puramente por instintos. Portanto, o jogo humano possui uma característica teleológica em seu desenvolvimento, mesmo que às vezes pareça imperceptível.
Gênese social dos jogos
Alguns dos grandes autores marxistas (Lukács (1974), Mészáros (2002), Luxemburgo (1946), Lênin (1979), Engels (1976) e Marx (1976), dentre outros), consideram o trabalho como a principal atividade humana, sede da construção das mais importantes relações sociais, por intermédio dele, não só o homem, como toda a sociedade se estrutura. Conseqüentemente, apenas por uma revolução em seu modus operandi capitalista é que poderemos ter efetivamente a transformação da sociedade.
Pelo trabalho o homem se personifica e também realiza uma função produtiva na sociedade, sua gênese é a do próprio homem, portanto, não existe homem separado do trabalho, assim como, não existe trabalho separado das mãos humanas devido à intencionalidade que esta atividade necessita, sendo inalcançável ao mundo animal.
O trabalho promove uma independência relativa ao meio ambiente natural, já que sua principal função é a transformação desse ambiente em proveito humano, elemento que o torna gerador de cultura. Ou seja, o que nos diferencia dos mais complexos animais é o fato de possuirmos um grande aporte cultural (LEONTIEV, 1978).
A noção de independência relativa foi utilizada neste trabalho para demonstrar que o homem não pode fazer o que bem entende com a natureza, transformá-la, assim como, preservá-la é função fundante de uma atitude crítica e reflexiva. Necessitamos da natureza para nossa existência, entretanto, nossa sociedade está perdendo as reais proporções dos malefícios causados por algumas transformações baseadas na busca incessante e frenética do lucro como: florestas destruídas, ar poluído, rios contaminados, frutos não tão saborosos como anteriormente se conhecia. No fundo todas essas deformações humanas são decorrentes de uma reserva de mercado, a qual garante a fluidez de algumas transações capitalísticas (expressão cunhada por Mészáros (2002)), muito mais interessada em lucros rápidos e fulgurantes do que em possibilidades de construção de uma sociedade futura mais aprazível e proveitosa. A exploração que a sociedade capitalista emprega sobre seus mais diversos sujeitos nos faz refém de um paradoxo insuperável, pois a matança da natureza significa em outros termos a morte do próprio homem, que já não mais transforma seu meio natural, destrói-o, assim sendo, não constrói cultura, mas aniquilá-a.
Para Elkonin (1998), o jogo enquanto atividade humana surge do trabalho, mais do que isso, toda atividade lúdica provém de uma situação séria dos adultos, conseqüentemente, não existe jogo descolado da realidade. Qualquer proposta que entende o jogo como fenômeno dado e, não construído socialmente, representa um falho entendimento humano sobre o processo de construção do próprio homem, o qual só pode ser realizado de forma histórica e cultural.
Em nossa sociedade existe uma grande diversidade de jogos, a citar: jogos objetais, jogos protagonizados, jogos pré-esportivos, jogos esportivos, dentre outros. Esses jogos dialogam constantemente em um processo de construção que também o é do próprio homem, o qual passa por diversos interesses significativos durante sua construção social, processo esse, que só cessa com nossa própria morte. A obra de Elkonin (1998) retrata basicamente o desenvolvimento dos jogos protagonizados, atividade principal no período pré-escolar das crianças, apesar disso, não há o esquecimento dos outros tipos de jogos, já que a cadeia de desenvolvimento dos jogos não segue uma direção linear, mas, sim, um processo de complexos ciclos que compõem-se e recompõem-se continuamente.
Ao nos utilizarmos desse diálogo realizado entre diferentes estruturas de jogos, acreditamos que os jogos protagonizados contribuem significativamente para a construção dos jogos esportivos, devido ao intenso aprendizado das regras e relações humanas que este proporciona, elemento indispensável em, praticamente, todos os esportes existentes, já que estes se baseiam em um determinado sistema de regras.
Elkonin (1998) conceitua os jogos protagonizados como importantes contribuintes para a interiorização das regras sociais e, construção da coletividade em interesses comuns, o que nos permite caracterizar essa atividade como potente propulsora das futuras atividades esportivas.
Para o referido autor, a gênese histórica do jogo protagonizado se encontra socialmente ligada ao momento em que a divisão institucional do trabalho separa as crianças do processo de produção, portanto, não existiu desde o início da história, representando uma construção especificamente humana, além disso, sua difusão cultural só pode ser realizada através de um processo eminentemente educacional..
O entendimento das atividades lúdicas só pode ser realizado se levarmos em conta o complexo processo educacional a que cada um de nós está submetido, a criança ao nascer encontra um mundo multifacetado e pluri-articulado, sendo que seu principal sustento é garantido pelos adultos que a rodeiam. Entretanto, ela precisa começar a intervir/agir nesse mundo, fato que só pode ser realizado pela apropriação cultural de diversos elementos constituintes da sociedade, dentre eles, ações adultas como o trabalho, que representa o principal componente dos jogos infantis.
As diferentes apropriações culturais realizadas pelas crianças estão diretamente relacionadas à estruturação que o trabalho assume em cada sociedade, ou seja, variam significativamente de tempos para tempos, assim como, de países para países.
Na Antiguidade, devido ao caráter primitivo dos instrumentos utilizados para a realização do trabalho, este não era muito complexo, fato que permitia as crianças um convívio quase direto com o mundo dos adultos, portanto, os primeiros jogos eram basicamente uma forma de trabalho rudimentar realizado pelas crianças, as quais eram muito mais assistentes das atividades laboriosas do que jogadoras no sentido lato da palavra.
Com a evolução tecnológica e a complexificação das relações de trabalho (divisão social do trabalho) as crianças foram dissociadas das atividades dos adultos, pois agora o local do trabalho não era mais a casa dos sujeitos e, as crianças pouco poderiam ajudar seus progenitores no desenvolvimento dos trabalhos materiais. Conseqüentemente, novas atividades foram elaboradas para que as crianças pudessem se apropriar do “mundo dos adultos”, dentre elas destacamos as escolas e os jogos, representantes ímpares do novo entendimento que a sociedade passou a ter da infância após a ascensão da burguesia e a queda do feudalismo. Agora a criança já não era mais um adulto em miniatura, mas sim, um adulto em potencial, o que apesar de não ser o melhor entendimento possível de infância, já representa um grande avanço se comparado ao raciocínio anterior.
Para Elkonin (1998), analisar a origem dos jogos protagonizados também é investigar o lugar que as crianças ocupam nas mais diversas épocas históricas, portanto, significa investigar qual a mudança social que desencadeou a prática de certos jogos e, isso é analisar a sociedade. Essa origem certamente está relacionada a processos educativos das gerações mais velhas sobre as mais novas, principalmente, por estas terem menores possibilidades de domínio da realidade circundante. A criança participa até onde pode do mundo dos adultos e onde não pode integra-se nesse meio pelas atividades lúdicas, ou seja, ao estudarmos os jogos podemos visualizar os limites e possibilidades oferecidas às crianças por determinada sociedade.
Para Vygotsky (2001) a potencialidade do jogo reside no fato de ele ter certa grande afinidade com a natureza da criança, não a de tipo biológico, mas social, caracterizado pela necessidade que ela sente em comunicar-se com os adultos e levar uma vida comum com eles.
Elementos humanos diferenciadores no jogo
Para Elkonin (1998) a unidade fundamental do jogo é composta pelo momento de ficção/imaginação que a criança desenvolve no transcorrer da atividade, pois será ela que permitirá a criança se apropriar da realidade social em sua representação lúdica, ou seja, ficção em nada se assemelha a fuga da realidade.
Este é o principal aspecto que diferencia os jogos humanos dos praticados pelos animais, pois devido a um parco processo de corticalização interna os animais são incapazes de ascender a pensamentos imaginários, os quais possibilitam sentir fora da realidade, mesmo sabendo estar totalmente dentro dela.
A imaginação não pode ser caracterizada como o motor do jogo, assim como o é o trabalho para a sociedade socialista, ela é posterior ao jogo, esse importante elemento pode ser encontrado na expressão de Elkonin (1998, p.4) “antes do jogo não há imaginação”, já que apenas no desenrolar dessa atividade ela se manifesta. Ou seja, não é uma situação fictícia que cria o jogo, mas sim, o jogo cria uma situação fictícia.
O principal motor para a gênese dos jogos protagonizados está relacionado à necessidade que a criança sente em intervir no mundo objetivo dos adultos. Para Leontiev (1988) essa necessidade infantil decorre do fato de qualquer ser humano querer dominar o ambiente que o cerca e, para a criança, quem domina esse ambiente são os adultos através de variadas ações. Conseqüentemente, o principal elemento gerador dos jogos protagonizados reside na adoção dos papéis que os adultos realizam, ou seja, muito mais do que pessoas as crianças irão inicialmente se apropriar de funções sociais. Esse elemento também pode ser encontrado em Vygotsky (2001), para quem, a procura por certos objetos por parte das crianças está relacionada com sua funcionalidade social.
A necessidade de a criança dominar objetivamente o mundo e a impossibilidade de realizar essas ações dá origem aos jogos protagonizados, os quais representam uma forma original e imprescindível de resolução de certa dificuldade que se estabelece sobre as possibilidades de atuação que as crianças possuem no cotidiano. Jogar para a criança é dominar seu mundo e, conseqüentemente, propor soluções para os principais problemas que visualizam em sua realidade.
Cabe ressaltar que as situações representadas nos jogos não constituem um mundo separado da realidade, pois eles se dialogam constantemente, a criança joga a partir da apropriação que faz da realidade objetiva circundante. Assim sendo, a teoria defendida por Piaget (1971) de que existem dois mundos para as crianças (real versus lúdico) está completamente enganada, pois a criança não se evade completamente de sua realidade quando joga. Para Elkonin (1998), as crianças claramente introduziram alguns elementos diferenciadores em seus jogos, entretanto, de maneira alguma, procuravam fugir da realidade, mas, sim, construí-la a sua maneira.
Devido à íntima relação existente entre o jogo protagonizado e as ações desempenhadas pelos adultos na sociedade, a imitação assume uma importância singular no desenvolvimento desta atividade, entretanto, esta não é encarada como um mero elemento reprodutivista, pois ao se apropriar das ações adultas as crianças transformam ativamente os papéis sociais realizados pelos adultos. Para Vygotsky (1998) toda imitação traz em si um processo de objetivação caracteristicamente humano, fato que nos distingue dos mais complexos dos animais, já que para eles imitar é apenas copiar. O imitar humano permite a construção de novas estruturas relacionais, modificando, assim, o comportamento anteriormente realizado e, essa atitude representa o grande pilar de sustentação dos jogos protagonizados.
Apenas por intermédio dos jogos e brincadeiras infantis a criança pode se apropriar da complexidade do mundo objetivo dos adultos, esse fato coloca essas atividades como potentes elementos educacionais. Além disso, desempenham um papel ativo na construção da personalidade, da psique e do aprimoramento de seu repertorio motor, conseqüentemente, os jogos e brincadeiras oferecem novas possibilidades de “exploração” social e ambiental para as crianças.
Para Elkonin (1998), o conteúdo desenvolvido nos jogos infantis pode ser caracterizado como uma teia de relações sociais, no qual através da transposição de suas significações históricas permite a criança uma efetiva entrada no âmbito das diversas aprendizagens sociais, ajudando, portanto, na construção coletiva do cidadão.
Ao jogar a criança liberta-se relativamente da dependência dos adultos, pois agora ela torna-se senhora de suas atitudes, já não há mais obstáculos para a tomada de decisões e, essa característica promove uma verdadeira reestruturação mental em diversas áreas do cérebro das crianças, atuando decisivamente na construção de sua personalidade.
Lembremos que é na presença de problematizações que a criança eleva seu pensamento a outro nível, fato que interfere significativamente na construção de sua personalidade. (VYGOTSKY, 2001).
Para Elkonin (1998) os jogos permitem a ampliação do estrito local que as crianças vivem, ou seja, ele introduz diversas relações sociais que ainda não podem ser representadas por outra atividade. O agir como adulto nos jogos é o primeiro sinal de independência das crianças, já que pela primeira vez ela toma consciência de seu pequeno lugar nas atividades sociais.
Não há como negar, entretanto, que os jogos representam uma necessidade de comunicação das crianças com o mundo, facilitando a construção de um pensamento crítico e reflexivo. Para Elkonin (1998), o desenvolvimento psíquico se constrói pelas diversas relações comunicativas e laboriosas que o homem estabelece com seu meio, o qual está impregnado por diversos processos educacionais.
A revolução que provoca o jogo no pensamento das crianças está relacionada ao processo de caminhar do desconhecido ao conhecido, elemento que não pode ser realizado em breves acomodações de conhecimento, mas, sim, em suas transformações propiciadas principalmente pela visualização de novas possibilidades sociais, como diria Marx (1976) nossa história é a história das revoluções.
Elkonin (1998) destaca que na vida real a criança não é mais do que uma criança, não possuindo atitudes independentes, já no jogo, a criança vira protagonista de certa situação, prova e experimenta suas forças e criações. Em nossa realidade, o jogo assume o caráter de atividade principal para as crianças.
A psicologia russa refuta decisivamente o caráter do jogo como mera atividade preparatória para a vida adulta, já que, de acordo com Vygotsky (2001), a única atividade futura para a qual o jogo está orientado é a de caráter social, pois a criança ao visualizar a atividade dos adultos a imita e transforma a seu modo, portanto, o jogo representa a escola de seu futuro desenvolvimento social, moral e psicológico.
As crianças ao jogarem atuam dialeticamente em relação ao mundo objetivo, pois ao mesmo tempo em que se afastam dele, também o penetram, pois sua atividade não ocorre evadida do mundo real.
O desenvolvimento dos jogos possibilita a criança se apropriar de algumas regras sociais, as quais são fundantes para o desenvolvimento moral das crianças. Para Elkonin (1998), o desenvolvimento dos jogos contém em seu interior a evolução de suas próprias regras, assim como, a manifestação de diversos elementos de ações lúdicas, portanto, não existem jogos sem regras. Raciocínio similar é encontrado em Vygotsky (2001), para quem, todo jogo na situação fictícia possui regras e, todo jogo com regras possui uma situação fictícia, as quais as próprias crianças se impõem.
O jogo desenvolve as principais noções de regras arbitradas nas crianças, que conduz ao desenvolvimento de sua própria moral. “o jogo é escola de moral, não de moral na idéia, mas de moral na ação” (ELKONIN, 1998, p.421).
Uma das grandes contribuições que o jogo oferece para a construção da psique humana é a possibilidade de vivenciar através de uma situação lúdica algumas das principais problematizações da vida real. Por exemplo, por mais que uma criança saiba qual é a função das educadoras, apenas quando se coloca em seu lugar “se vê diante da necessidade de encontrar e destacar as relações da educadora tanto com as crianças, quanto com a cozinheira, de estabelecer as funções das diversas pessoas e as ligações entre elas” (ELKONIN, 1998, p.302). Portanto, a essência do jogo está no refletir as ações sociais, as quais se desenvolvem continuamente.
Para Zaporozhets (apud ELKONIN, 1998) os movimentos em condições lúdicas são essencialmente distintos de qualquer tarefa humana, seu desenvolvimento promove a alteração das estruturas e organização dos próprios movimentos.
Os jogos infantis permitem a criança tomar consciência de seu próprio lugar no mundo, além disso, de acordo com Elkonin (1998, p. 421):
o jogo também se reveste de importância para formar uma coletividade infantil bem ajustada, para inculcar independência, para educar no amor ao trabalho, para corrigir alguns desvios comportamentais em certas crianças e para muitas coisas mais. Todos esses efeitos educativos se baseiam na influência que o jogo exerce sobre o desenvolvimento psíquico da criança e sobre a formação as sua personalidade.
Para finalizar, cabe ressaltar que o desenvolvimento psíquico produzido pelos jogos estão intimamente relacionados com o tipo de apropriação que as crianças realizam em seu cotidiano, ou seja, com as relações sociais desempenhadas pelos adultos na sociedade, as quais podem favorecer o aparecimento tanto de atitudes cooperativas e autônomas, como competitivas, autoritárias:
Claro que o caráter concreto das relações entre as pessoas representadas no jogo é muito diferente. Essas relações podem ser de cooperação, de ajuda mútua de divisão de trabalho e de solicitude e atenção de uns com outros, mas também podem ser relações de autoritarismo, até de despotismo, hostilidade, rudeza, etc. Tudo depende das condições sociais concretas em que vive a criança (ELKONIN, 1998, p.35).
Para finalizar, destacamos a importância assumida pela prática dos jogos em nossa sociedade e, da necessidade da Educação Física se apropriar teoricamente deste importante conteúdo para poder reivindicar um novo lugar ao sol no conjunto de ciências acadêmicas, pois, acreditamos que os jogos estão entre os principais componentes dos profissionais que trabalham com qualquer atividade física. Assim sendo, a Educação Física pode ser caracterizada como uma área que promove uma efetiva e verdadeira interdisciplinaridade entre algumas áreas da ciência, o que a caracteriza como um componente fundamental nas diversas relações sociais presente em nosso cotidiano, principalmente, naquelas que envolvam a presença de crianças.
Referências
ELKONIN, D. B. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
ENGELS, F. A dialética da natureza 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
LÊNIN, V. I. Que fazer? As questões palpitantes do nosso movimento. São Paulo: HUCITEC, 1979.
LEONTIEV, A. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In. VYGOTSKY. L. S; LEONTIEV. A; LURIA, A.R. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 4. ed. São Paulo: Ícone, 1988.
LEONTIEV. A. O desenvolvimento do psiquismo. Livros Horizonte, 1978.
LUKÁCS, G. Historia e consciência de classe: estudos de dialética marxista. Porto: Escorpião, 1974.
LUXEMBURGO, R. A revolução Russa. Rio de Janeiro: Edições Socialistas, 1946.
MARX. K. H. O dezoito brumário de Louis Bonaparte. 3 ed. São Paulo: Centauro, 2003.
MARX, K. Miséria da filosofia: resposta a filosofia da miséria de Pierre Joseph Proudhon. São Paulo: Grijalbo, 1976.
MÉSZÁROS I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Campinas: Editora da Unicamp, 2002.
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
VYGOTSKY, L. S. O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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