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O futebol e a sociedade brasileira

El fútbol y la sociedad brasileña

 

Licenciado e Bacharelado em Educação Física

pela Universidade Metodista de São Paulo

(Brasil)

Caio Antonaglia Feitosa

caio_antonaglia@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          A pesquisa abordou o futebol sob uma perspectiva analítica em sua relação com a sociedade brasileira. Ponderou sobre quais aspectos serviram de justificativa para adoção do futebol como principal esporte de neste país de larga pluralidade cultural. Observou como é construída a paixão no futebol, e como se insere elementos subjetivos de superstição por partes dos torcedores. A pesquisa fundamentada exclusivamente em uma revisão bibliográfica embasou-se, principalmente, nas obras de Hilário Franco Júnior (2007) e Jocimar Daolio (2005). Com o objetivo de analisar o futebol e sua co-relação com a sociedade pude considerar que esta ligação de co-influência não pode deixar de ser feita, levando em consideração o esporte como elemento de expressão sociocultural. Além da constatação da relevância do futebol na sociedade brasileira a ponto de aceitar-se uma “sociedade alternativa” do mundo do futebol.

          Unitermos: Futebol. Sociedade. Brasil.

 

Abstract

          The research approaches the football analyzing its relation with the Brazilian society. It ponders about which aspects assist as justification to adoption of football as the main sport in a country of large plural culture. It observes how the love is composed in this sport, and how subject elements of superstition are introduced by the supporters. The bibliographical research was mainly based on Franco Jr and Daolio’s work. The aim was analyze the football and its co-relation with the society, and conclude that this link must be done, considering sport as sociocultural element of expression. In addiction I could verify the relevance of the football in Brazilian society to be about to accept a world of the football “alternative society”.

          Keywords: Football. Soccer. Society. Brazil.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 151, Diciembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Neste presente artigo pretendo refletir sobre algo que está engajado ao cotidiano de centenas de milhares de brasileiros, no entanto, é um tanto quanto praticado e discutido levianamente e tão pouco observado sob uma perspectiva mais abrangente e profunda. O futebol. Serão analisados os pontos de significância para este povo que adota o futebol como linguagem específica que atende e serve de instrumento de comunicação para indivíduos pertencentes a uma “malha” social, como sugerido por Machado (2000), e que se estende por todo território nacional. Como é construída socialmente esta paixão no futebol? Como considerar a superstição neste esporte abrasileirado pelo tempo? Estes são alguns dos aspectos, inerentes ao dia-a-dia dos amantes do futebol, que servem de ponto de partida para esta minha reflexão.

Futebol, naturalmente brasileiro

    Elemento de produção cultural humana, o futebol está largamente enraizado em terras tupiniquins e varia olhares apaixonados, supersticiosos, e muitas vezes, auto-sugerido por seus pronunciadores como, enlouquecidos com visões mais racionais, técnicas, táticas, tal qual matemáticas. Este paradoxo não se faz único frente às inúmeras “contradições da bola” que enaltecem a beleza do esporte que, assim como toda modalidade, deriva da expressão coletiva humana, a partir de manifestações lúdicas regionais, dotadas de peculiaridades e valores específicos, mas que caminharam durante seu desenvolvimento para uma universalização enquanto prática. Assim, o futebol passou de jogo para esporte. Ganhou regras, padrões, estruturas para que o jogo fosse o mesmo, independente se sua realização se desse no interior da Bahia, ou no litoral catarinense; Sob neve em território do Leste-Europeu, ou submetido a intenso calor no Oriente Médio. E de acordo com estas regras que buscam igualar condições dos envolvidos, entre outros objetivos, moldou-se um esporte no qual ludicidade e competição coexistissem, oposição e cooperação pudessem ser observados assim como faziam-se presentes em manifestações sociais anteriores ao futebol, tais como o haspartum romano, o tlachtli meso-americano, calcio fiorentino, o epyskiros grego ou o soule, surgido no norte francês. (FRANCO JÚNIOR, 2007)

    Observando alguns destes jogos citados pode-se pensar acerca de qual a relação feita com um esporte tão mestiço em suas origens, predominantemente européias, com o povo brasileiro. No entanto, uma explicação para o fato do grande sucesso do futebol em nosso país é conferida, segundo uma abordagem que pode ser denominada “democrática”, na própria miscigenação racial e pluralidade cultural do brasileiro, indicando que o povo se aproprie do futebol por considerar tangível esta questão de democracia onde brancos, negros, índios possam jogar sem distinções. Enquanto outra explicação, de abordagem mais “universalista” sugere que o acolhimento do futebol pelo povo brasileiro se dê pelo sentimento de paridade de condições que o jogo proporciona. (MACHADO, 2000)

    De acordo com esta abordagem “universalista”, o brasileiro se identifica com as problemáticas oferecidas pelo jogo, as adversidades, as alegrias, a superação, por relacioná-las com as situações cotidianas de sua vida. E isto é perceptível pela forma de expressar-se do brasileiro em certas ocasiões típicas. Bem como um time que se vê com o placar adverso, o cidadão brasileiro busca “virar o jogo” quando se encontra numa situação desvantajosa, seja ela financeira, seja na escola, em relação às notas. E este é somente um dos exemplos que podem ser usados, que corroboram então para a idéia de visualização do futebol como “uma imensa tela onde a experiência humana pode ser vivida e, o que é melhor, recordada e revivida” (DA MATTA, 1982 apud DAOLIO, 2005)

O subjetivo no futebol

    Franco Jr (2007, p. 292) conceitua que “seguir determinado clube é acreditar, mesmo contra evidências racionais, que ele vai vencer”. E realizando um paralelo a uma acepção do dicionário que significa à palavra “torcer” desvirtuar o significado ou proporção real de algo comparando às múltiplas realidades de um jogo de acordo com a perspectiva cada torcedor, podendo tomar qualquer jogo como instrumento para esta análise. Ao final do jogo Corinthians e Flamengo, válido pela Copa Libertadores da América de 2010, alguns torcedores e colunistas esportivos exaltavam o futebol jogado pela equipe carioca, e consideravam justa sua classificação, enquanto outros não se conformavam com o que ouviam e diziam que o Corinthians havia feito um ótima exibição e fora injustiçado, responsabilizando a derrota à sina do time na competição, a má sorte ou, para aqueles que acreditam, à indisposição dos “deuses da bola” para com a equipe alvinegra. E isto ocorre, curiosamente, com fatos ainda mais concretos e mensuráveis do futebol. Franco Jr (2007, p. 292) relata que

    torcer é sempre distorcer, portanto. E não apenas o presente, a partida que se tem diante dos olhos, no estádio ou na televisão. É também adulterar o passado. Até hoje, no gol de desempate na final da Copa do mundo de 1966 a bola entrou, segundo os ingleses, e não entrou, segundo os alemães.

    Outro aspecto subjetivo do futebol, que se insere amplamente no Brasil é a questão da superstição, que só pode ser encarada e discutida se olharmos para o esporte de maneira menos sectária, integralizando a visão de esporte portador de aspectos táticos, técnicos e a visão de esporte como manifestação de lazer, ponderando tudo que engloba o esporte e sua paixão, refletindo sobre superstição no futebol brasileiro, rico em estudos de cunho fisiológico, biomecânico, se agregarmos o quesito de fenômeno sociocultural que reflete e expressa a condição de ser humano nacional. Se o brasileiro tem características religiosas, mágicas, de crendices supersticiosas em sua dinâmica sociocultural e se o futebol expressa e espelha a cultura de um povo, remetendo-nos a afirmação “joga-se como se vive” do técnico da seleção boliviana na Copa de 1994, Miguel Askargota, então o futebol brasileiro tem estas características em si engajadas, e não podemos negar tal fato.

    Novamente, recorro ao cotidiano social para exemplificar tal afirmação. E estes chamam a atenção por sua irreverência e variedade. Utilizar a mesma vestimenta durante jogos de seu time, evitar as cores e sequer mencionar o nome da equipe adversária, não gritar gol antes que o mesmo seja concretizado, sentar no mesmo lugar da poltrona ao assistir o jogo pela televisão, entre outras atitudes que justificam a constatação do comportamento supersticioso do brasileiro ao torcer. Isto acontece, seguindo um raciocínio de distorção da realidade ocorrida na cabeça de um torcedor “visceral”, movido muito mais pela emoção do que pela razão, de forma que tais atitudes possam interferir na sorte de sua equipe em campo, como forma de expressão, na tentativa de entender o que não lhe é inteligível no momento. O brasileiro e, principalmente neste caso, o torcedor brasileiro se apega ao sobrenatural para que este sirva de justificativa para estas atitudes. (DAOLIO, 2005)

Sociedade alternativa

    Utilizando uma metodologia interessante, baseada em situações rotineiras, as “cenas sociais”, um estudo de Igor Machado (2000) sugere que o futebol tece na sociedade uma “malha alternativa”, onde caracterizações, formações grupais, linguagem utilizada distinguem-se das formas comuns visíveis em nossa dinâmica social. O autor indica que dentro deste “outro mapa” brasileiro limites regionais se estreitam, emblemas e cores são cultuados, clãs são formados, classes sociais deixam de existir. Dentro desta sociedade são todos torcedores.

    No caminho do trabalho, um cidadão brasileiro, gaúcho de nascença e morador da cidade São Paulo avista outro cidadão, trajado com uma camisa do Grêmio. Mesmo sem conhecê-lo, aproxima-se e o aborda perguntando se o rapaz seria seu conterrâneo. O rapaz consente com a cabeça, e a partir de então ambos iniciam uma longa conversa acerca do desempenho de seu time. A partir desta cena hipotética, semelhante a uma vivenciada pelo autor, e possível de ser vista a qualquer momento nas ruas e transportes coletivos da cidade reflito sobre a representação social de uma camiseta, o valor emblemático, associado a questões geográficas, ideológicas, e tantas outras que o futebol pode proporcionar. Mais impressionante é que, num mundo tido como impessoal, desconhecidos estabeleçam uma relação de confiança, iniciam um relacionamento por meio do futebol. Reconheceram sua significância por meio de um clube de futebol, de um clã que não encontra barreiras geográficas e permeia por toda a “malha social” chamada futebol. (MACHADO, 2000)

    O outro lado da moeda é o reconhecimento emblemático do indivíduo pertencente a outro clã, um torcedor de outro clube. A partir daí entramos em outra discussão, a linguagem própria e os elementos de jocosidade.

    Após o jogo entre Santos e Palmeiras valido pelo Campeonato Paulista de 2010, pelas ruas, nas escolas, onde houvesse mais de um indivíduo do “universo futebolístico”, percebia-se uma expressão corporal um tanto quanto estranha àqueles que não fizessem parte desta linguagem. As pessoas dançavam de maneira engraçada, desajeitada Isso acontecia porque no embate entra as duas equipes, o Santos, equipe marcada pela desenvoltura e descontração de seus jovens jogadores que costumavam comemorar seus gols com coreografias previamente ensaiadas, atitude certas vezes tida como forma de menosprezo aos adversários, perdeu o jogo de virada para a equipe alviverde. E em um dos gols palmeirense, um de seus atletas extravasou seu sentimento satirizando as “dancinhas” adversárias, de forma totalmente desajeitada. Este ocorrido foi rapidamente adotado por todos os torcedores contrários ao time santista, e para onde olhasse, lá estava a “Armeration” (nome estabelecido a dança do jogador Pablo Armero, relacionando-o à musica que estourava na época chamada Rebolation).

    Desta cena social reflito sobre três pontos, o primeiro se da pelas inúmeras atitudes jocosas presentes na atmosfera do esporte. O segundo pela linguagem própria deste universo, seja ela corporal, dentro e fora dos campos, seja verbalizada, onde novas palavras são criadas, e associadas aos diversos elementos do esporte, como jogadores, técnicos, clubes. E a terceira se insere pelo ponto que em determinadas situações, membros de um grupo se identificam a outros grupos em certas causas. Como no caso dos demais torcedores paulistas que adotaram a expressão do jogador palmeirense para satirizar os torcedores santistas. Naquele momento, vários grupos formalizaram um novo grupo com o objetivo brincar com os torcedores de um determinado clube.

    Estas brincadeiras, realizadas em uma atmosfera sadia, colocam as pessoas em patamares iguais. O rico e o pobre, o chefe e o empregado, o professor e o aluno. Esta lógica é quebrada, dependendo da rodada futebolística do dia anterior, a partir do momento em que se adota um clube de adoração. Muitos nem se lembram quando isso ocorreu, outros mantém viva essa memória, mas o que realmente isto significa é que neste dia o indivíduo se inseriu na “malha” do futebol. Optou por assumir riscos, colocando-se no jogo de ser gozado ou gozador, de forma independente a sua própria vontade e, como define Gastaldo (2005), estando no jogo “automaticamente se é imputado um papel social, o de torcedor, e um “lado” em um sistema” onde os torcedores defendem seu clã e torcem para o insucesso de seus oponentes mais próximos.

Considerações finais

    A partir desta pesquisa, por todo levantamento bibliográfico pude concluir que não devemos jamais deixar de co-relacionar o futebol e a sociedade em todos os aspectos, considerando o esporte como fenômeno sociocultural de expressão do ser humano, tendo engajados em si elementos subjetivos que tornam o esporte cada dia mais apaixonante. Por meio desta revisão verifiquei que o esporte que, por análise de alguns, torna-se cada vez mais calculado, exato, permanecerá sempre dotado de aspectos intangíveis, frutos da emoção do torcedor que sustenta esta “sociedade alternativa” abstrata por todo o Brasil.

    Mestiço de origens, é impossível negar que futebol deve muito ao Brasil e ao seu povo por ser o que se tornou no mundo atual. Portanto, se não nascido aqui, o principal esporte mundial pode ser considerado filho nostro por adoção. Expressando e refletindo a sociedade brasileira em sua maioria. No entanto, deixo claro que esta pesquisa se faz pequena diante da enorme complexidade da temática, sendo necessário maior aprofundamento acerca, aliando à análise um conhecimento multidisciplinar.

Referências bibliográficas

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