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O consumo do voleibol na cultura midiática

El consumo del voleibol en la cultura mediática

 

*Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)

Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Atualmente é aluna do Programa de Doutorado em Ciências Sociais

da UFPR – Linha de Pesquisa Cultura e Sociabilidades

**Graduado em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Mestrado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas

Doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas

Atualmente é professor efetivo da Universidade Federal do Paraná

Profa. Ms. Juliana Vlastuin*

vlastuin6@yahoo.com.br

Prof. Dr. Wanderley Marchi Jr.**

marchijr@ufpr.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo do presente trabalho é oferecer ao leitor a partir de alguns instrumentos teórico-analíticos contemporâneos reflexões do fenômeno esportivo, bem como sua midiatização. Fruto da dissertação de mestrado, esse texto sistematiza alguns intervenientes do percurso histórico do espetáculo até o estabelecimento de uma relação simbiótica com o esporte, mais especificamente com o Voleibol. De cunho exploratório qualitativo, pode-se visualizar um cenário em permanente transformação, a partir do reflexo de um princípio capitalista de trocas de interesses no campo esportivo. Nessa esteira estão as organizações esportivas com o objetivo de adequar-se aos novos ajustes impostos pela lógica do espetáculo.

          Unitermos: Consumo. Voleibol. Cultura midiática. Espetáculo.

 

Abstract

          The objective of this study starting from a few contemporary theoretical and analytical tools is to provide the reader with some thoughts about the sports phenomenon, as well as its peculiar characteristics after being influences by media. As an outcome of a dissertation master, this paper organizes the historical trajectory of the spectacle until the establishment of a symbiotic relationship with the sport, especially with Volleyball. From a qualitative exploratory method, one can see through this research constantly changing scenery, from the reflection of a capitalist principle of trade of interests in the sport field. In this connection there are sports organizations in order to adapt their modalities to the new adjustments imposed by the alterations of the logic of the spectacle.

          Keywords: Consumption. Volleyball. Culture media. Spectacle.

 

          Este artigo foi apresentado no GT de Comunicação e Mídia do V Congresso Sulbrasileiro de Ciências do Esporte, realizado entre os dias 23 e 25 de setembro de 2010 na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em Itajaí, Estado de Santa Catarina, Brasil.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 151, Diciembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    Para compreender as relações entre esporte e mídia, é legítimo retomar a multiplicidade de expressões que traduzem o fenômeno social ostensivo e de inquestionável relevância social que é o espetáculo.

    A espetacularização das relações sociais e a presença constante de manifestações estéticas no cotidiano correspondem a fenômenos extremamente importantes nas sociedades. Utilizada nos anos 60, esta noção de espetáculo procurou indicar um processo de redefinição na produção e no consumo cultural.

    Na segunda metade do século XX, as inovações tecnológicas e o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa proporcionaram uma proliferação de campos de trabalho, relacionados aos ideais consumistas: publicidade, design, marketing, comunicação, elos entre a produção em série e o consumo em massa. Tratava-se de uma “nova” forma de linguagem que congregava diferentes ideários e classes sociais no interior de suas manifestações.

    A nova fase da sociedade desenvolveu novos conceitos e significados culturais (Cf. CARVALHO; BRANDÃO, 2005) como competição, êxitos sociais, méritos individuais, oportunidades, descritos por Guttmann (1978) pelas seguintes características: secularismo, equidade, quantificação, organização burocrática, racionalização e especialização. Nessa esteira, as relações sociais começaram a ser norteadas pelos princípios do liberalismo econômico, como se nota em Mills (1979):

    A concorrência era o processo pelos quais os homens ascendiam e caíam, e a economia se mantinha harmônica. No entanto, nessa era de liberalismo clássico, a concorrência não foi apenas um mecanismo de regulamentação da economia capitalista ou somente uma garantia da liberdade política. A concorrência era um meio de produzir indivíduos livres, o campo de prova para heróis, em que cada um vivia a legenda do homem independente. Em todos os setores da vida, além do mercado econômico, o liberalismo imaginou homens independentes competindo livremente para a vitória do mérito e o desenvolvimento do caráter: o casamento por contrato livre, a igreja protestante, a ascensão voluntária, o Estado democrático, com seus sistemas de partidos competitivos. A concorrência foi o modo pelo qual o liberalismo se integrou na história, foi também a característica essencial de seu estilo de vida clássica (MILLS, 1979, p. 33).

    As transformações sociais e culturais que se instalaram no período pós-industrial estavam baseadas nos conceitos de padronização e racionalização, tendo no advento das regras universais e na aquisição da autonomia das práticas esportivas a reprodução de seus fundamentos.

    Para Marchi Jr. (2004, p. 218) a ruptura entre o amadorismo e o profissionalismo fica cada vez mais visível como um processo que caminha paralelamente ao desenvolvimento do esporte-espetáculo separado do esporte comum. A constituição de um campo relativamente autônomo, reservado especialmente aos profissionais da produção de bens e serviços esportivos, é acompanhada por uma despossessão dos leigos, que vão sendo transformados em espectadores. Esse fenômeno de explosão de espectadores desprovidos de competência prática tem sido favorecido pelo desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação, principalmente a televisão:

    Em suma, o esporte que nasceu dos jogos realmente populares, isto é, produzidos pelo povo, retorna ao povo, como a folk music, sob a forma de espetáculos produzidos para o povo. O esporte espetáculo apareceria mais claramente como uma mercadoria de massa e a organização de espetáculos esportivos como um ramo entre outros do show business, se o valor coletivamente reconhecido à prática de esportes [...] não contribuísse para mascarar o divórcio entre a prática e o consumo, e ao mesmo tempo, as funções do simples consumo passivo (BOURDIEU, 1983, p. 144).

    Embora os contextos apresentem semelhanças e continuidades no interior das modalidades esportivas, discutir os diversos caminhos que tornam um espaço social espetacularizado ajuda a definir não somente a especificidade do contexto, mas, também, a especificidade da questão, a saber: quais as conseqüências do processo da crescente transformação e adaptação do esporte ao espetáculo, através da inserção midiática?

    Sendo assim, o objetivo deste trabalho é oferecer ao leitor um cenário de leituras a partir da aproximação entre esporte, espetáculo e mídia. Como proposta teórico-metodológica, utilizou-se de uma aproximação exploratória do tema, a fim de justificar como a mídia, mais especificamente a mídia impressa, interfere com seus mecanismos de estruturação no contexto da modalidade Voleibol a partir das características históricas do espetáculo.

2.     O fenômeno esportivo

    Pouquíssimos fenômenos possuem a dimensão planetária do esporte. Inserido nos meios de comunicação, o esporte tornou-se um espetáculo sem igual, capaz de colocar milhares de pessoas em uma mesma platéia.

    Por possuir uma linguagem universal produzida por regras padronizadas, algumas modalidades esportivas apresentam uma espécie de estética que amolda-se perfeitamente à mídia. Com a inserção midiática, algumas das mais belas obras de arte produzidas pelos diferentes esportes passaram a fazer parte do cotidiano e da memória coletiva da humanidade. Quem não se lembra de dois lances produzidos em momentos da mais pura magia de Pelé que não resultaram em gols? Quem não se recorda da dramática cena registrada na Olimpíada de Los Angeles, com a suíça Gabriele Andersen Scheiss completando a maratona feminina cambaleando? São tantas outras imagens.

    Ao se pensar que o universo da produção espetacular constitui um processo social pelo qual é redefinido a produção e o consumo cultural, Debord (1997) argumenta,

    A sociedade que repousa sobre a indústria moderna não é fortuitamente ou superficialmente espetacular, ela é fundamentalmente espetaculista. No espetáculo, imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si próprio. O espetáculo é a principal produção da sociedade atual (DEBORD, 1997, p. 14).

    O debate contemporâneo acerca do espetáculo foi gestado, em muito, a partir do consagrado livro de Guy Debord, intitulado A Sociedade do Espetáculo (1967). Sua tese central era a de que se vive um momento de ampla mercantilização das relações sociais e a conseqüente subordinação das categorias de espaço e tempo à lógica da produção, fenômenos que impulsionam e redimensionam o papel do espetáculo nas sociedades atuais.

    Outra característica fundamental das manifestações espetaculares consiste em que os papéis e responsabilidades estão todos postos de antemão e as situações inusitadas só as são para os que participam na condição de espectadores. Ou seja, o controle dos movimentos do espetáculo é prerrogativa fundamental de seus promotores. Não pode existir espetáculo sem esses últimos e seu bom funcionamento depende da capacidade técnica de dominar os dispositivos de representação e simbolização presentes na organização espetacular.

    Estas definições não dão conta da complexidade que envolve as reciprocidades entre sociedade e espetáculo, mas podem fornecer as pistas necessárias para mapear a noção contemporânea de espetáculo, a qual se articula na relação entre imagem e mercadoria.

    Em sociedades anteriores, o espetáculo constituiu situações particulares, cujas atualizações periódicas possibilitavam o momento em que os indivíduos compartilhavam de uma mesma emoção coletiva. A partir do exame das festas medievais como Carnaval de rua e desfiles religiosos, Requeña (1992) definiu o espetáculo como:

    Algo excepcional. Tinha lugar nas efemeridades, nos momentos de celebração. E mesmo quando cobrou autonomia em relação aos atos religiosos e/ou políticos, institucionalizando-se como cerimônia artística ou como festa popular, salvaguardou sua excepcionalidade: possuía então seus espaços e ocasiões privilegiadas (REQUEÑA, 1992, p. 81).

    Nestas ocasiões, o espetáculo reservou algumas características bem definidas: tratou-se de um evento restrito; de caráter religioso (sagrado ou profano); a narração buscou o excepcional através da dramatização da emoção coletiva e nunca teve uma função em si, sempre buscou reatualizar práticas e crenças cotidianas (REQUEÑA, 1992).

    Outra manifestação espetacular muito recorrente em nossa história é o evento circense. No interior da lona do circo, a situação se difere. Os espectadores necessitam se enclausurar em um espaço definido frente a um centro nuclear e estabelecer um relacionamento definido para com os sujeitos e objetos observados. A liberdade do desfile de rua desaparece e dá lugar a um evento centrado e claramente protagonizado, que se modifica somente de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo centro. Várias das modalidades espetaculares que hoje se acompanha, inclusive pela televisão, têm essa disposição e sobrevivem enquanto uma configuração espacial bem definida no universo esportivo.

    Embora nossas sociedades continuem convivendo com manifestações espetaculares que têm raízes profundas em outros contextos e tempos históricos, é interessante notar como há uma intensificação no ritmo e na qualidade do espetáculo. Na medida em que se avança na história moderna, o espetáculo passa a se constituir como um evento cada vez mais presente no cotidiano dos indivíduos e sua recorrência acaba modificando a própria percepção que dele se tem. O que ocorre, em muitos casos, é a reinvenção das tradições. A transformação na qualidade do espetáculo coincide, assim, com a reapropriação que dele se faz.

    A história do fenômeno espetacular mantém uma nítida continuidade com o desenvolvimento das instituições modernas. À medida que impera o desenvolvimento técnico e a diferenciação social, a organização espetacular se torna cada vez mais individualizada e excludente. A individualização do consumo e a passagem do espetáculo coletivo para os eventos massificados marcam o processo pelo qual entretenimento e consumo passam a dividir um mesmo espaço (ORTIZ, 1988).

    Tal revolução espacial do espetáculo é acompanhada pelo desenvolvimento da técnica e da ciência. Com a progressiva industrialização da cultura, no Ocidente, o desenvolvimento de instrumentos de comunicação como televisão, cinema, mídia impressa dentre outros, modificaram radicalmente a posição dos espectadores e dos sujeitos em exibição, bem como os possíveis ângulos de visão. Desse modo, os meios de comunicação intervêm na constituição do espetáculo. Este, por um lado, certamente se torna cada vez mais democrático e plural; por outro, se torna cada vez mais programado e controlado. Essas transformações profundas conferem ao espetáculo um caráter inteiramente novo, que se torna a linguagem corrente de uma sociedade fragmentada cujo vínculo reside em um discurso altamente performático.

    Com a radicalização desta modernidade industrial e o surgimento de uma sociedade com pretensões internacionalistas, o espetáculo se assenta sobre o mercado livre e a distribuição de bens materiais e culturais irrestritas, o que certamente tem ampliado a possibilidade de circularem as motivações espetaculares (Cf. NOVAES, 2005).

    O grande responsável pela banalização da televisão, na segunda metade do século, vem modificar ainda mais sensivelmente a estrutura espetacular. As novidades contidas neste meio técnico tornaram ainda mais agudas as tendências que vinham se colocando, ao mesmo tempo em que expõe o consumidor a um universo espetacular de precedentes na história.

    A difusão dos meios de comunicação é uma grande propulsora do esporte-espetáculo. O suposto consumo passivo intensificado pelos meios de comunicação de massa se expande de forma significativa com o advento da difusão de transmissões pela televisão, contribuindo para a valorização do esporte como espetáculo e como um veículo de propaganda e comunicação. Barry McPherson, James Curtis & John Loy (1989), reforçam o poder da televisão no esporte ao afirmarem que,

    Antes do domínio da televisão, mudanças nas regras, estrutura e calendário foram introduzidos para aperfeiçoar o esporte ou incrementar a assistência das partidas. A partir do momento que o controle econômico deslocou-se para a televisão, mudanças foram introduzidas para agradar os telespectadores ou gerar mais receita com propaganda. Como o esporte se tornou um segmento importante da programação de redes de televisão aberta e a cabo, assim como da cobertura de jornais diários e de muitas revistas, a mídia tem-se tornado crescentemente dependente do esporte. A mídia necessita preencher o tempo de transmissão e o espaço das colunas. O esporte profissional tem algum controle sobre a mídia, embora a maior parcela do poder esteja claramente nas mãos da mídia (McPHERSON; CURTIS; LOY, 1989, p. 158-160, traduzido para o português por Vlastuin, 2009).

    Essa lógica do consumo associado ao esporte está vinculada ao consumo de práticas da indústria esportiva, ou seja, consumo de serviços e espetáculo. O surgimento e o desenvolvimento do marketing, vem das novas oportunidades que os mercados de massa oferecem e da necessidade de tornar mais eficaz a atuação e a informação dos meios de comunicação de massa quanto os ideais consumistas.

    Em artigo publicado, Proni (2006) explicita seu posicionamento ao indicar o esporte como um fenômeno em expansão, o qual exige uma abordagem histórica no sentido de detectar suas continuidades e rupturas. O autor argumenta que,

    Para que possamos compreender mais amplamente as diferentes forças socioculturais responsáveis pela constituição de modalidades esportivas e pela transfiguração e diversificação dessas práticas, é necessário combinar as mudanças nas condições materiais de vida (induzidas pela industrialização, pela urbanização, pelo progresso tecnológico e pela ação do Estado) com as mudanças na mentalidade e nos hábitos dos diferentes grupos sociais (decorrentes do avanço da racionalidade científica, da organização burocrática, da civilização dos costumes, do espírito empreendedor e da mercantilização da cultura) (PRONI, 2006, p. 05).

    É nesse sentido que para se entender o esporte contemporâneo é preciso primeiramente entender o mercado esportivo, e, mais especificamente, compreender que as transformações do esporte-espetáculo são mais rápidas e mais profundas. Esse argumento deve ser considerado na medida em que os esportes estão cada vez mais ajustados ao formato exigido pela mídia.

    O Voleibol parece ser o exemplo clássico desse processo de transformação para a televisão (MARCHI JR., 2000). A modalidade foi continuamente perdendo a essência que foi a do início da criação deste esporte como lazer. A Federação Internacional de Voleibol (FIVB) apresentou uma série de mudanças nas regras em uma Convenção em Atenas, em 1994, a fim de tornar o esporte mais dinâmico.

    Essa exigência em alterar algumas regras para a melhoria do Voleibol como espetáculo era preciso, já que a alta performance alcançada pelas equipes vinha tornando as competições desestimulantes. Outros exemplos de esportes podem ser destacados nesse processo de adequação ao espetáculo como: vôlei de praia, beach water polo; vela, badminton, tênis de mesa, Fórmula 1, a categoria de triathlon curto dentre outros.

    Em 1999, acontecem novas mudanças para deixar a modalidade ainda “mais comercial”, entre elas, eliminação da vantagem, com cada set disputado em melhor de 25 pontos diretos (ou diferença de dois pontos, em caso de empate por 24 a 24). Aparece também o jogador de defesa chamado "líbero", que deve usar uniforme de cor diferente dos demais jogadores da equipe. Em 2009, foi lançada a nova tecnologia no Brasil em parceria das marcas Penalty, 3RCorp e a CBV (Confederação Brasileira de Voleibol) a bola inteligente de chip tida como uma inovação pioneira para o auxílio dos árbitros nas marcações e esclarecimento de jogadas duvidosas.

    A partir da década de 80, se observa que a paixão pelo esporte dá vez ao business – período de grandes contratos publicitários e da grande cobertura da mídia, bem como de grandes premiações nos torneios organizados pela FIVB. É uma época de adequação do jogo ao formato televisivo. Partidas com uma duração menor para adequação à grade; bolas coloridas permitindo uma melhor visualização pelos telespectadores; um jogador especialista na defesa para aumentar o tempo de “rally”; maior interatividade dos técnicos junto aos atletas e o tempo técnico foram mudanças propostas para a melhoria do espetáculo junto à televisão, que com todo o seu poder econômico e simbólico representa um grande parceiro na transmissão dessa modalidade ao mundo.

    Para o esporte-espetáculo, a diminuição do tempo de jogo por meio da alteração da contagem dos pontos, foi uma das melhores mudanças promovidas pela FIVB. Houve a redução do tempo de jogo que chegava à quase quatro horas em partidas de equipes com o mesmo nível técnico e se alcançou o espaço na televisão, caracterizado como espetáculos de pouca duração e muita emoção.

    É claro que contrapontos existem ao se pensar, por exemplo, na questão do desgaste psicológico dos atletas neste novo sistema. Entretanto, à volta do interesse do público pelo jogo, já que o mesmo se tornou mais “plástico” para a televisão com as mudanças na regra, foi o fator determinante da lógica do esporte contemporâneo, mais especificamente do Voleibol, “um objeto apropriado pela indústria produtora de entretenimento” e sujeito as leis de construção social do espetáculo (GIOVANNI, 2005, p. 149).

    Pires (2002) dá continuidade a essa idéia de adaptação do esporte ao telespetáculo, ao corroborar:

    Vencido o momento inicial de adaptação do esporte a essa nova fase espetacularizada, em que se pauta pelo seu potencial econômico (e em face da sua aprovação, com méritos, como “garoto-propaganda”), percebe-se que ele próprio, o esporte, torna-se agora a mercadoria a ser negociada, seja, principalmente, os direitos de transmissão, seja ainda o conjunto de oportunidades de comercialização de outros bens e serviços, criado pela magnitude das cifras envolvidas. Todavia, para que se obtenha a audiência necessária, capaz de tornar rentáveis os investimentos realizados em marketing, extrapolam-se os limites possíveis de presença nos estádios e ginásios e seu consumo torna-se predominantemente viabilizado pela indústria midiática, o que implica submeter-se, cada vez mais, à sua lógica e códigos de produção/veiculação (PIRES, 2002, p. 92).

    Dessa maneira, a construção social do espetáculo é estabelecida em dois níveis. É o que fala Bourdieu, em Sobre a televisão (1997):

    Assim também no jogo esportivo, o campeão, corredor de cem metros ou atleta do decatlo, é apenas sujeito aparente de um espetáculo que é produzido de certa maneira duas vezes: uma primeira vez por todo um conjunto de agentes, atletas, treinadores, médicos, organizadores, juízes cronometristas, encenadores de todo o cerimonial, que concorrem para o bom transcurso da competição esportiva no estádio; uma segunda vez por todos aqueles que produzem a reprodução em imagens e em discursos desse espetáculo, no mais das vezes sob a pressão da concorrência e de todo o sistema das pressões exercidas sobre eles pela rede de relações objetivas na qual estão inseridos (BOURDIEU, 1997, p. 127).

    Desta leitura do esporte na lógica do espetáculo, personagens de atletas dão lugar a figuras de venda, inseridos em um espaço de produção dotado de uma lógica própria, de uma história própria, no interior do qual se encontram os produtos esportivos.

    Dumazedier (1979) compara o espetáculo esportivo a execução de uma peça de teatro, ao afirmar: “a peça (espetáculo esportivo) não é escrita antes de ser representada, mas sim concomitantemente; e o público, mais do que em qualquer outro espetáculo, tem a impressão de que contribuiu para a escrita, compartilhando, em espírito e em gesto, as esperanças e angústias dos atores”. (DUMAZEDIER, 1979, p. 10).

    As transformações no campo da mídia estão acontecendo em três níveis – no técnico, no político e no econômico. Esta argumentação é construída por Dizard Jr. (2000) ao inferir que,

    Tecnicamente, todas as mídias estão se adaptando às novas perspectivas abertas pela digitalização dos seus produtos tradicionais. Politicamente, novas leis e regulamentações ao nível federal, estadual e local estão reduzindo as barreiras que limitavam as organizações de mídia no aproveitamento completo de novas tecnologias. Economicamente, duas tendências dominam o cenário: Em um nível, há em andamento uma consolidação do poder dentro dos grandes conglomerados de mídia. Em oposição a isso está o aparecimento de novas empresas de pequeno porte que estão desafiando esses conglomerados, tanto no campo da produção inovadora quanto na agilidade comercial desses novos atores (DIZARD JR., 2000, p. 13).

    Esses intervenientes levam a acreditar que os sistemas tecnológicos produziram um conjunto de estruturações que intensificaram os processos produtivos no sentido de hipervalorizar os sistemas peritos de controle e informação das sociedades.

    De acordo com Maldonado (2006), “esses processos, que tiveram sua geração e configuração primeiro nos campos militar e financeiro, pouco a pouco invadiram o conjunto dos campos sociais, se situando de modo estratégico nas indústrias culturais e transformando-as em sistemas transnacionais globalizados de produção de cultura”. (MALDONADO, 2006, p. 07).

    As mudanças socioculturais mais significativas têm acontecido no que se pode chamar de cultura midiática. Os sistemas midiáticos contemporâneos são parte constitutiva e geradora do modo de vida globalizado e ocupam um lugar central e hegemônico na produção da cultura contemporânea nas sociedades, a saber, latino-americanas, européias e norte-americanas. Segundo Champagne (1995),

    Isto se deve ao fato do poderio dos efeitos gerados pelo campo, a razão pela qual os campos político e econômico têm forte interesse em dominá-los e, de fato, tornam-no fortemente dominado. Ademais, no ocidente “o poder político é exercido sobre a imprensa na forma indireta de poder econômico” (CHAMPAGNE, 1995, p. 219).

    No caso da imprensa escrita, a seqüência é de outra ordem. Enquanto a televisão propicia a “comunicação total” (texto e imagem recebidos prontos), o texto de um jornal solicita do leitor um acervo de conhecimentos com o qual ele pode compor e interpretar aquilo que está sendo narrado, ao contrário do que acontece na relação do telespectador com a televisão, que trabalha com a velocidade de profusão de imagens segundo um ritmo ditado pelos clips publicitários. De acordo com Arbex Jr. (2001),

    A imprensa escrita adotou uma série de procedimentos destinados a “competir com a televisão” (textos curtos, parágrafos pequenos, letras em corpos garrafais, fotos coloridas) de tal forma que o leitor não se sinta “cansado” e possa ler da maneira mais rápida e cômoda possível (ARBEX JR., 2001, p. 36).

    Tais movimentos de reflexão relacionados ao campo midiático permitem apontar e construir a intersecção com o campo esportivo.

3.     Considerações

    No decorrer do século vinte, o esporte tornou-se um fenômeno sócio-cultural cingido de alto grau de relevância e complexidade. Nele, o predomínio do capital metamorfoseou radicalmente os signos da própria sociedade em muitos de seus segmentos, com transformações dessemelhantes. O esporte foi um desses fenômenos.

    O fato é que as novas condições de produção de cultura midiática possibilitadas pelos suportes digitais e pela Internet mudaram, de maneira estrutural profunda não só a lógica do capital mas os processos produtivos no campo midiático e no conjunto dos campos sociais, sejam eles, político, educativo, religioso, econômico, militar, jurídico, esportivo, científico, etc.

    A inserção midiática desse fenômeno, agora conformado como espetáculo, pode ser lida de maneira cada vez mais inovadora. Por um lado, as possibilidades de crescimento dependem muito de uma associação com organizações midiáticas e de estratégias novas. O gargalo existe, mas a inovação produz um permanente cenário novo. Por um lado, as modificações locais e globais produzem um quadro distinto, que, em curto espaço de tempo, deve produzir novos ajustes.

    Com a queda da renda dos direitos de transmissão, o grande desafio passa a ser a descoberta de meios inovadores de distribuir conteúdo. A resposta pode vir da tecnologia. Avanços recentes apontam para a possibilidade de transmissão de conteúdo por diversas plataformas. À organização esportiva cabe a missão de extrair os valores máximos de cada uma delas, combinando-as de maneira a ampliar a fatia que lhe cabe no grande bolo da transmissão de eventos esportivos.

    Nesse sentido, frente às dificuldades de avaliação e dos afeitos dessas externalidades positivas e negativas com repercussão no esporte, é necessário refletir sobre uma nova ética esportiva que permitiria talvez amenizar as derivas do esporte, onde as cadeias de produtos, de imagens, de capitais e de modelos de consumo de mercado não fossem elementos centrais de análise. A mundialização dos mercados do esporte emigraram para além de suas fronteiras.

    É necessário pois, que se pense sobre as conseqüências dessa globalização, sobre a administração do esporte e de sua ética, através do estabelecimento de estratégias internacionais para o desenvolvimento de instâncias esportivas e empresas parceiras.

Referências

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