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Jogo, logo existo: percepções de 

professores sobre o brincar a partir da vivência lúdica

Juego, luego existo: percepciones de los profesores sobre el jugar a partir de la vivencia lúdica

 

*Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista (UNESP - Rio Claro)

Mestrado em Ciências da Motricidade – área de Pedagogia da Motricidade Humana (UNESP - Rio Claro)

Doutorado em Educação Escolar (UNESP - Araraquara)

Docente do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana

da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Coordenador do LEPPEF (Laboratório de Estudos e Pesquisas das

Dimensões Pedagógicas da Educação Física - CNPq)

**Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP – Rio Claro)

Mestrado em Ciências da Motricidade – área de Pedagogia da Motricidade Humana (UNESP - Rio Claro)

Doutorado em Educação Escolar (UNESP - Araraquara). Docente do Departamento de Educação,

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Membro do LEPPEF

Coordenadora do Núcleo de Pesquisas Infância, Formação

e Educação Infantil - Núcleo Infância/CNPq

***Docente do Departamento de Educação

Universidade Estadual Paulista (UNESP – Rio Claro). Psicanalista

Fernando Donizete Alves*

Aline Sommerhalder**

Paulo Sérgio Emerique***

fdlves@ufscar.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo desse estudo foi discutir atitudes e comportamentos do professor, em formação inicial e que atuam na educação básica, em relação ao brincar a partir de sua experiência na participação em uma atividade lúdica. Os dados foram coletados mediante a aplicação de uma atividade lúdica denominada ‘jogo dos toquinhos’, que aconteceu em horário de aula e durante o curso JOGAPREND, com 229 professores do ensino básico e alunos de cursos de graduação e pós-graduação em duas cidades do interior do Estado de São Paulo, Brasil. Os depoimentos dos sujeitos apontam, em linhas gerais, para a ambivalência como um componente norteador do jogo: ganhar e perder, saber e não saber etc. Enfim, o jogo reflete o poder do desejo (onipotência, fantasias) e ao mesmo tempo a incompletude humana (a condição de sujeitos em falta). O desejo existe porque há falta. O desejo é o motor do jogo, da aprendizagem e da criatividade.

          Unitermos: Jogo. Escola. Educação Física. Educação. Psicanálise.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 151, Diciembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Ressaltar a importância do brincar para o desenvolvimento e aprendizagem da criança é uma constante no discurso de educadores e psicólogos. Desde a descoberta do ‘sentimento de infância’ por volta do século XVIII, o brincar tem sido alvo de grande interesse, principalmente no campo da Educação.

    Criança e brincadeira fazem, sem dúvida, uma combinação perfeita. É difícil pensarmos em uma criança que não goste de brincar, de se deixar envolver pela imaginação, pela fantasia, vivendo personagens dos mais variados tipos – bombeiros, médicos, super-heróis, viajantes de outros mundos, guerreiros interestrelares, pai e mãe, etc. – inventando, criando tal como o ‘Professor Pardal’ (ALVES & SOMMERHALDER, 2006)

    De fato, a infância é um tempo para brincar. É um espaço em que a criança pode experimentar, descobrir, criar e recriar experiências e saberes sobre si própria e sobre o mundo que a cerca. Levin (1997) entende o ato de brincar como um espelho simbólico, e não apenas imaginário, a partir do qual é possível transformar o pequeno em grande, o grande em pequeno, a criança em adulto, o adulto em criança, os pais em crianças e as crianças em pais, o traumático em dramático, o sofrimento corporal em cena de ficção, etc. Assim sendo, conclui este autor: “o próprio da infância é o ato lúdico como espelho que ata o real, o imaginário e o simbólico na infância” (p. 255).

    Brincar de fato é divertido, gostoso, prazeroso como aponta o Dicionário Aurélio (1999) ao definir o termo brincar, em primeiro plano, como diversão: recrear-se, entreter-se, distrair-se, divertir-se infantilmente, entreter-se em jogos de criança. Mas não só isso. Além da alegria e do contentamento que lhe são peculiares, o brincar é cercado de incertezas e dúvidas. Alias, esse é um dos encantos do brincar. “Neste não-saber, neste desconhecimento do que vai acontecer, sentir, fazer, construir, produzir, imaginar, fantasiar, é que se encontra a essência das produções cênicas da criança” (LEVIN, 2001, p. 15). É um quebra-cabeça como diz Friedmann (1996).

    Por isso, Brougère (2003) nos diz que o brincar é indispensável enquanto aprendizagem. Diante disso, na escola, o brincar é chamado a atender um propósito educativo no sentido de possibilitar a construção de conhecimento pela criança, como ressalta Kishimoto (1999, p. 36) quando diz que “utilizar o jogo na educação infantil significa transportar para o campo do ensino-aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento [...]”. Para essa autora, a união entre o lúdico e a escola é possível desde que sejam respeitadas e mantidas as condições para a expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança para brincar.

    Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - RCNEI, cabe ao professor o papel de estruturar o campo das brincadeiras na vida das crianças, disponibilizando objetos, fantasias, brinquedos ou jogos e possibilitando espaço e tempo para brincar (BRASIL, 1998).

    O professor contemporâneo, por sua vez, se apropria do brincar e o insere no universo escolar, particularmente na Educação Infantil. O brincar é utilizado de maneira sistemática por esse professor que reconhece nele uma via para se aproximar da criança, enfim, para ensiná-la. O brincar torna-se, então, coadjuvante no ensino formal, tomado pelo professor, como um instrumento pedagógico, cujo objetivo é facilitar o processo ensino-aprendizagem. A presença do lúdico na educação infantil é uma realidade. Aliás, diz o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998), que o brincar é uma atividade fundamental para o desenvolvimento da criança. Brincando as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes como a atenção, a memória e a imaginação. Além disso, o RCNEI diz que por meio da atividade lúdica, “os professores podem observar e constituir uma visão dos processos de desenvolvimento das crianças em conjunto e de cada uma em particular [...]” (BRASIL, 1998, p. 28, v. 1).

    No entanto, Pereira (2001) afirma que o lúdico ganhou, nos últimos anos, a conotação de prazer, de algo que se realiza sem conflitos, com facilidade, passando a ser usado para caracterizar situações em que não estão presentes o conflito, a ansiedade ou a tensão. Para este autor, esse emprego é muito comum na perspectiva pedagógica escolar.

    Isso aponta equívocos no modo como o professor concebe e se apropria do brincar em sua prática pedagógica. Como observaram Diatkine e Lebovici (1985, p.38) comumente “a criança somente tem direito a jogar depois de terminar as tarefas escolares”. Depois de 20 anos essa situação não se alterou muito: os professores, particularmente, na educação infantil têm restringido a vivência do brincar pelas crianças ao horário do recreio, aos momentos no ‘parquinho’ ou como ‘prêmio’ àqueles que terminam as atividades pedagógicas.

    Uma outra situação observada é a ‘domesticação’ do brincar, como aponta Freire (2006). Boa parte das escolas tem didatizado a atividade lúdica, restringindo suas possibilidades educativas a objetivos pré-determinados. Com isso, além de cercear a exploração, a descoberta e a criação da criança, a escola toma a brincadeira como uma via facilitadora para a transmissão de um determinado conjunto de conhecimentos, estabelecida a priori por ela (WAJSKOP, 1999).

    A idéia de um ‘jogo didático’ inspira a segurança de que aqueles determinados conteúdos serão transmitidos à criança; é a garantia de que o resultado da atividade será aquele esperado pelo professor. A presença do brincar no universo escolar é um fato, não se pode negar, mas na prática pedagógica ele perde sua essência ao ser totalmente controlado pela vontade do professor de dominar seu conteúdo e resultado. Não se pode negar que o discurso sobre o valor do brincar é presente na educação infantil, mas se desenvolve sob a forma de um acordo que assegura ao professor o controle dos objetivos, aponta Brougère (2003).

    Com a entrada nos anos iniciais do ensino fundamental os jogos e brincadeiras já não são mais permitidos, muito menos fazem parte da rotina escolar. Como lembra Emerique (2003), nas séries iniciais do ensino fundamental é comum observamos as professoras chamando a atenção das crianças para pararem de brincar com frase do tipo: “Olhe a sua idade... você não é mais criança!”, “agora é hora de estudar e não de brincar”. É notória a compreensão do brincar como algo fútil, uma atividade não-séria, ligth, sem valor educativo em si mesmo.

    Apesar da incessante busca por alternativas à prática pedagógica tradicional, a resistência de professores a inovações ainda é acentuada. Neste contexto, Camargo (1998) chega a afirmar que, que na atualidade, “poucas noções são tão vítimas de tanto preconceito quanto o lúdico” (p.16). Vasconcelos (2006) explica que o brincar na atualidade continua sendo visto pelos professores como lazer e passatempo infantil como conseqüência da consolidação dos sistemas nacionais de ensino na Europa e América do século XIX (conhecida como Escola Tradicional), que tinha por objetivo transmitir o conhecimento científico e cultural acumulado, valorizando o professor como figura central do processo pedagógico. Essa educação tradicional valorizou demasiadamente o conhecimento pela razão menosprezando a dimensão emocional. Nesse contexto, as descobertas sobre o brincar e seu valor educativo não foram consideradas no espaço escolar, pois o brincar permaneceu na esfera menos valorizada que é a afetiva.

    A utilização do brincar na sala de aula não é prioritária nem exclui outros caminhos, porém exige do professor uma postura de permitir-se, de abrir mão do controle autoritário e dessa visão racionalista que recobre o ensino e o brincar.

    Contudo, dificilmente veremos um grupo de adultos brincando de casinha ou de pega-pega, por exemplo. Ao crescerem as pessoas param de brincar, pois se espera delas que não brinquem mais e, sim, que atuem num mundo real (FREUD, 1908). Suas ações, atitudes e comportamentos precisam ser socialmente aceitos e brincar é coisa de criança. Portanto, os adultos já não brincam mais, agora eles devaneiam, pintam, escrevem romances, poesias e tantas outras atividades que substituem o prazer que tinham no brincar quando crianças. Porém, isso não significa que o adulto não possa se envolver com as brincadeiras das crianças, pois mesmo diante da resistência ao jogo e a brincadeira, subsiste em nós (adultos) uma carência lúdica, um desejo de reencontrar e deixar sair a criança que existe, insiste, resiste e não desiste de chamar dentro de cada um (EMERIQUE, 2003).

    Dessa forma, o (re)encontro com o brincar é inevitável principalmente para aqueles que assumem a função de pai, mãe e professor e em consonância com a constatação de Emerique, muitos professores reconhecem uma carência lúdica, apresentando uma vontade de dinamizar suas aulas e envolver corajosamente seus alunos numa aprendizagem mais significativa.

    O brincar nos permite pensar num ensino e numa aprendizagem mais abrangente, envolvente e inserida na realidade, pois possibilita a construção da ponte entre o real e o imaginário, sem perder de vista o vínculo entre o pensar, o agir e sentir.

    Nesta direção, Bacha (1998, p. 191) diz: “os conhecimentos também podem ser dados à criança (e também ao adulto) para que ela costure ou abotoe a sua história e com eles faça senão uma bela, pelo menos uma roupa mais confortável do que uma camisa-de-força adaptativa”. Ao explorarmos a dimensão imaginária aprendemos a conhecer e a nos conhecer, o que nos possibilita a descoberta e elaboração do conflito que as angústias suscitadas pela situação educativa instauram. E, com isso, provocar uma mudança de postura do professor frente ao processo educativo de maneira que ele busque, em parceria com a criança, um saber com sabor construído com os fios da fantasia e da razão (BACHA, 2002).

    O professor, como um adulto afetivamente importante para a criança, quando acolhe suas vivências lúdicas abre um espaço potencial de criação. Com isso, o professor instiga a criança à descoberta, à curiosidade ao desejo de saber; a criança tem no professor um parceiro nessa busca. Brincar é criar, recriar. E, a possibilidade de criação e de recriação é essencial para a educação. “A criatividade é função da capacidade de sublimar, e o processo de sublimação exige a ocorrência de satisfação compatível com o princípio da realidade e renúncia à satisfação total do desejo” (OLIVEIRA, 2001, p. 29).

    A criatividade, num sentido amplo, pode ser entendida como a criação de uma nova realidade externa com base numa realidade interna (psíquica), diz Oliveira (2001). A autora continua ressaltando que a criatividade “proporciona alcance ilimitado ao desejo no plano da criação simbólica, de maneira a potencializar recursos intelectuais e emocionais para a produção individual e social” (p. 30).

    Como diz Rodulfo (1990), um conceito é exatamente igual a um brinquedo, para utilizá-lo deve-se poder quebrá-lo, deve-se poder sujá-lo, perder o respeito por ele, pois toda veneração dificulta ou anula a produção de significantes do sujeito, em qualquer ordem. Deste modo, por que não pensar o conhecimento como um brinquedo que o aluno pode manusear, desmontar e (re)criá-lo a seu modo.

    Nosso maior desafio, como professores, é acolher a brincadeira da criança, entrar em seu mundo. Nessa direção, temos tentado recuperar o lúdico no mundo adulto, sensibilizando e conscientizando professores para vivenciarem um novo papel, o de facilitadores do lúdico no ambiente escolar. A formação lúdica do professor implica na necessidade de compreensão do brincar por parte do professor. Contudo, somente brincado é que se pode saber sobre o brincar (WASSERMAN, 1982).

    Assim, é essencial que o professor possa vivenciar o jogo e a brincadeira, sem se infantilizar, de modo que ele possa começar a observar o seu ser brincante, assumindo suas dificuldades iniciais (resistência) na perspectiva de provocar uma mudança de postura frente ao universo lúdico.

    O objetivo desse estudo foi discutir atitudes e comportamentos do professor, em formação inicial e que atuam na educação básica, em relação ao brincar a partir de sua experiência na participação em uma atividade lúdica.

Metodologia

    Neste estudo foi usada a pesquisa de cunho qualitativo. Este tipo de pesquisa apresenta como características a diversidade e a flexibilidade, não admitindo regras precisas e aplicáveis a uma ampla gama de casos (MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 1999).

    A pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, pelo trabalho de campo. Os dados obtidos numa pesquisa qualitativa são bastante ricos em informações. Nesta perspectiva, a escolha do campo e dos participantes é fundamental, ou seja, é preciso considerar as questões de interesse do estudo, as condições de acesso e permanência no campo, tanto quanto a disponibilidade dos participantes.

    Este estudo tem como fundamentação teórica a psicanálise. Segundo Elia (2000, p.20): “trata-se [...] de um modo de conceber e de fazer pesquisa que deve ser claramente diferenciado, em sua especificidade, do modo científico de conceber e de fazer pesquisa”. Isto porque, a psicanálise aponta para a presença do sujeito do inconsciente no campo do saber e da experiência do homem.

    Portanto, no campo da psicanálise, há a inclusão do sujeito em toda a sua extensão, e em todos os seus níveis, seja saber teórico e prático e também atividade de pesquisa. Isto significa que a psicanálise faz toda a diferença quando coloca em cena o sujeito que antes fora pressuposto, entretanto excluído da cena pela ciência (ELIA, 2000).

    Para esta pesquisa elaborou-se um jogo de regras que passou a ser chamado de ‘jogo dos toquinhos’. É composto por 13 pedaços de madeira, de cor amarela, nas dimensões de 4x2 centímetros e 17 pedaços da mesma madeira, mas de cor vermelha, nas dimensões de 2x2 centímetros, todos da mesma espessura (1,7 cm), totalizando 30 peças.

    As regras do jogo foram as seguintes: antes de iniciar o jogo cada participante deveria escrever, em uma folha de papel, uma estimativa de quantos toquinhos achava que conseguiria empilhar, um sobre um, durante o tempo de 30 segundos. Se durante este tempo, a pilha caísse, o participante poderia recomeçar ou reconstruir a pilha até o tempo final, valendo ao final, somente os toquinhos que ficassem na pilha. Os pontos foram contados da seguinte forma: 2 pontos para cada toquinho estimado e colocado na pilha, 1 ponto a mais para cada toquinho não estimado e colocado na pilha, um ponto a menos para cada toquinho estimado e não colocado na pilha.

    Os participantes desta pesquisa foram alunos dos cursos de graduação em Educação Física e Pedagogia e dos cursos de pós-graduação em Motricidade Humana e Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista – UNESP – campus de Rio Claro, Estado de São Paulo, além de professores das redes municipais e estaduais que freqüentaram o curso JOGAPREND apresentado pelo Prof. Dr. Paulo Sérgio Emerique. No total, foram 229 pessoas participantes.

    A coleta de dados foi realizada mediante a aplicação da referida atividade lúdica denominada ‘jogo dos toquinhos’, que aconteceu em horário de aula e durante o curso JOGAPREND. Num primeiro momento, os participantes foram convidados a participar do estudo e, para aqueles que aceitaram foi solicitado que permanecessem na sala de aula. Foram explicadas as regras da atividade, sendo permitida a possibilidade de escolherem a ordem de cada um jogar. Os toquinhos eram dispostos sobre uma mesa, em uma sala de aula, de modo que os participantes pudessem realizar a atividade, ressaltando que a realização do jogo foi acompanhada pelos demais participantes. Assim que o participante estivesse preparado ele acenava positivamente a um dos pesquisadores que iniciava a contagem do tempo de 30 segundos. Durante esse tempo, o objetivo do participante era empilhar os toquinhos um sobre outro.

    Ao término do tempo de 30 segundos, os pontos foram contados e o participante anotava, em sua folha, o número real (toquinhos efetivamente empilhados) e número de pontos alcançados. Neste momento, era solicitado ao participante que fizesse uma nova estimativa, na hipótese de uma nova participação no jogo.

    Depois que todos jogaram, foram apresentadas três questões, cuja resposta cada um deveria escrever em sua folha: “Se (eu) estivesse sozinho...” (como seria jogar sozinho, sem a presença de outras pessoas), “O que eu ganhei ou/e o que eu perdi nesse jogo?” e “Se fosse uma criança...” (como você se sentiria se fosse uma criança participando desse jogo). E, finalmente, as folhas foram recolhidas.

    Os dados foram analisados a luz da fundamentação teórica escolhida e consistiu numa leitura das respostas dos participantes sobre as duas questões a eles apresentadas buscando discutir o reconhecimento do brincar como uma atividade que permite conhecer a si mesmo e o outro, parceiro de jogo.

Conclusão

    A primeira questão “Se (eu) estivesse sozinho...” apresentou, como principais respostas, estaria tranquilo/à vontade, teria melhor desempenho, estaria brincando e pouco ou nenhum nervosismo.

    Quando questionados sobre como seria se estivessem sozinhos, a maioria indicou que estaria mais tranquila / ficaria mais à vontade / ninguém estaria olhando... Aparece o olhar do outro mediando o jogo, olhar este que prescinde até da presença deste outro, como se percebe na fala de vários participantes dizendo que nada mudaria / estaria preocupada da mesma maneira...

    Caracterizando-se esta atividade de empilhar toquinhos a partir de uma estimativa como um jogo com regras, pode-se afirmar que a regra é o olho do outro. Assim, a regra impera colocando a todos como fazer, ou seja, aquele que quiser brincar terá que seguir as regras (LAJONQUIÈRE, 1999). No jogo, busca-se realizar o desejo de um outro, que criou a regra, pois é a regra que ordena a relação com o outro e consigo mesmo.

    Na questão “O que eu ganhei e perdi nesse jogo”, a maioria dos sujeitos reconheceu que ganhou auto-confiança, experiência, consciência do limite, prazer de brincar, superação, satisfação e também perdeu medo, ansiedade, timidez.

    Em relação a perda, esta se mostra como condição necessária e permanente da vida humana. Viorsti (1999) afirma que não há perda que não possa levar a um ganho. E conclui: perder é o preço que pagamos para viver e é também a fonte de grande parte de nosso crescimento e de nossos ganhos. Diante disso, estaria a perda associada ao sofrimento, a solidão, ao abandono, ao fracasso? Estaria ela interditada a partir de um ideológico que manda levar vantagem em tudo, que compromete com o sucesso, que obriga a satisfação? Essas são questões que ficam para serem refletidas por cada leitor deste texto.

    Na questão “Se fosse uma criança” os participantes disseram seria brincadeira, não se sentiria pressionada, exploraria/criaria/imaginaria, seria espontânea, empilharia e derrubaria OU teria dificuldade em realizar a atividade, sentir-se-ia pressionada, teria pouco interesse pela brincadeira. Nestas falas, pode-se reconhecer, por um lado, a imagem do adulto projetada nessa criança e, por outro, o adulto permitindo-se sentir criança.

    Em relação a imagem que o adulto faz da criança brincando, pode-se dizer que, muitas vezes, o adulto atribui sentidos e significações prévias ao brincar infantil e ao brinquedo da criança como sendo os verdadeiros sentidos e significados das brincadeiras e jogos infantis. Conseqüentemente, ao invés desse adulto, principalmente pais e professores buscarem descobrir como cada criança brinca, de que tipo de brinquedos e jogos ela gosta, etc., emergem, em seu lugar, as respostas prévias que as diferentes teorias apresentam como sendo o brincar da criança ou as elaborações que os adultos fizeram a respeito delas (MRECH, 1998).

    O reconhecimento do valor educativo do brincar é de domínio público desde Rousseau. Não é nenhum segredo o papel do brincar no desenvolvimento e aprendizagem da criança. Esse é o discurso dos professores. Mas quando olhamos a prática pedagógica propriamente dita notamos sua desarticulação com esse discurso principalmente quando se trata de acolher as construções elaboradas pelas crianças em suas brincadeiras. Além da marginalização do brincar na escola, o professor emprega um tipo de atividade comumente denominada de ‘jogo didático ou educativo, como um mecanismo facilitador da aprendizagem.

    Pode-se dizer que isso se trata de um engodo, uma forma de seduzir as crianças tal como propunha Erasmo (1466-1536). Para Erasmo o brincar é um meio, um suporte para seduzir as crianças, para trazê-las e mantê-las motivadas para o estudo. A proposta é enganar a criança “para fazê-la trabalhar, sem que se dê conta realmente disso [...] o trabalho deve se assemelhar, de maneira subjetiva, ao jogo, porém não se trata de um jogo, só guarda sua aparência” (BROUGÈRE, 2003, p. 55). Embora a criança acredite que esteja brincando, trata-se de uma atividade totalmente dirigida, controlada, direcionada para um determinado propósito educativo. É uma excelente estratégia de se transmitir às crianças as “informações” desejadas, considerando o interesse que elas demonstram pela atividade lúdica. Assim, sua exploração é puramente técnica (mecânica) e tem que garantir a transmissão de conteúdos pré-estabelecidos pelo professor.

    Para que o professor aceite o brincar infantil, é fundamental que ele permita-se brincar e sentir-se como uma criança, pois o encontro com o brincar lhe exige uma disponibilidade (interna) para acolher a brincadeira das crianças em toda sua plenitude, com toda a curiosidade própria da infância que é colocada em jogo. Esse é o desafio para o professor, acolher as criações expostas pelas crianças e compartilhar com elas essa busca por saber e conhecer. Brincar é ‘brinca com’ como lembra Winnicott (1975). Dessa forma, brincamos com mais facilidade quando a outra pessoa (por exemplo: o professor) pode e está livre para brincar.

    Nossa experiência com uma educação lúdica tem mostrado que o jogo pode resgatar o valor da fantasia e do imaginário, fundamentais para a educação. Para tanto, não é suficiente dar ao aluno o direito ao jogo, é preciso despertar e manter neles o desejo do jogo, como lembram Leif e Brunelle (1978). Concluímos acrescentando: neles e em nós!!

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