Comportamento alimentar, percepção da imagem corporal e nível de atividade física de patinadoras amadoras da Grande Florianópolis, SC Conducta alimentaria, percepción de la imagen corporal y nivel de actividad física de patinadoras aficionadas del Gran Floranópolis, SC |
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* Graduada em Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina **Prof. Dra. da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC (Brasil) |
Fernanda Cacciatori* Rosane Carla Rosendo da Silva** |
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Resumo Os transtornos alimentares (TA) são síndromes que têm como características principais o medo mórbido de engordar, a distorção da imagem corporal e a persistência desta busca pela magreza. O objetivo do presente estudo foi investigar o comportamento alimentar e a percepção da imagem corporal de patinadoras. Participaram do estudo 13 patinadoras com idades entre 10 e 16 anos da única escola de patinação artística da Grande Florianópolis-SC. Para a identificação da prevalência de TA, utilizou-se o Teste de Atitudes Alimentares (EAT-26). O estado nutricional foi avaliado através do Índice de Massa Corporal (IMC) utilizando os critérios de referência de Conde & Monteiro (2006), a Área Muscular de Braço (AMB) classificada de acordo com Frisancho (1990) e a Dobra Cutânea Tricipital classificada pelos critérios de McDowell et al. (2005). O nível de atividade física foi identificado pelo Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ). Para avaliar a imagem corporal utilizou-se a Escala de Figuras de Stunkard et al. (1983). Foi utilizada a estatística descritiva para responder aos objetivos de identificação das variáveis, e, para as relações entre imagem corporal, nível de atividade física e IMC com comportamento alimentar foi utilizado o teste de Exato de Fisher. O baixo peso foi observado em 7,7% (n=1) da amostra enquanto o excesso de peso em 30,8% (n=4). Segundo a classificação do estado nutricional pela AMB, 30,8% estavam com a reserva muscular abaixo do normal. Em relação ao nível de atividade física, todas as adolescentes foram classificadas como Moderadamente Ativas (2997±1900 METs.min-1.semana-1). O risco para TA apresentou prevalência de 23,1% (n=3) e a insatisfação com a imagem corporal de 61,5% (n=8). Da amostra sem risco para TA (n=10), 53,8% (n=7) apresentaram peso normal e 23,1% (n=3) sobrepeso. A insatisfação pela magreza foi notada em 7,7% (n=1) e 30,8% (n=4) eram insatisfeitas pelo excesso de peso. Quando associados imagem corporal e IMC, foi possível perceber que da amostra em risco para TA, todas estavam insatisfeitas por excesso de peso, sendo que 7,7% (n=1) apresentaram sobrepeso e 15,4% (n=2) peso normal (p≤0,05). Desta forma, sugere-se acompanhar e orientar estas patinadoras para prevenção quanto ao surgimento de TA. Unitermos: Transtornos alimentares. Adolescentes. Estado nutricional. Imagem corporal.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 151, Diciembre de 2010. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A Patinação surgiu da necessidade de se atravessar lagos e rios congelados durante o inverno na Europa. Logo, os patinadores passaram a criar desenhos com as lâminas dos patins no gelo, associando leveza e graça aos movimentos, dando origem a Patinação Artística. A Patinação Artística sobre rodas foi uma alternativa criada pelos patinadores do gelo que não tinham como praticar o esporte durante o verão. No início, os praticantes dos dois tipos de patinação eram os mesmos, por isso as duas técnicas são muito semelhantes e utilizam praticamente as mesmas nomenclaturas em seu dicionário. No Brasil, a patinação chega por volta de 1900, em caráter exclusivamente recreativo por meio dos filhos de famílias ricas que estudavam na Europa (CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE HÓQUEI E PATINAÇÃO, 2008).
No âmbito da patinação artística, o atleta precisa demonstrar criatividade, harmonia entre movimentos e ritmo, além de flexibilidade, força e boa capacidade aeróbia aliados a corpos graciosos e torneados. Fica evidente que esses atletas possuem preocupação constante em harmonizar estes elementos para alcançar o sucesso no esporte (MARQUES et al., 2007).
Desta forma, Giesenow (2008) aponta que, no contexto esportivo, condutas alimentares anormais podem ser desenvolvidas como consequência da própria prática esportiva. A pressão que sofre o atleta para manter um peso ótimo faz com que se submeta a dietas, ao excesso de exercícios físicos e ao uso indiscriminado de laxantes, diuréticos e drogas anorexígenas, fatores que são determinantes no aparecimento de patologias do comportamento alimentar.
Os TA estão associados a inadequações no comportamento alimentar e crenças equivocadas sobre alimentação. A anorexia nervosa (AN) apresenta a maior taxa de mortalidade dentre todos os distúrbios psiquiátricos, sendo assim é considerado o TA mais importante (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION WORK GROUP ON EATING DISORDERS, 2000). A AN caracteriza-se pela restrição alimentar auto-imposta para obtenção da perda exagerada de peso. Apresenta alteração na percepção da imagem corporal, distúrbios menstruais, desmineralização óssea, perda de massa muscular, arritmias cardíacas, entre outros (OLIVEIRA et al. 2003). Os TA podem afetar ambos os sexos, mas aparecem principalmente no sexo feminino, pois as meninas mostram em geral maior instabilidade da auto-imagem, menor auto-estima e certa insatisfação com seu corpo em comparação com os meninos (MÁRQUEZ, 2008).
Muitos atletas jovens também se submetem a dietas severas com restrições calóricas. Na maioria dos casos, a energia consumida é insuficiente para sustentar o crescimento e o treinamento vigoroso. É aconselhável o acompanhamento destes atletas, pois a determinação para se destacar no esporte pode dar lugar a frustração, sentimento de culpa e desespero, induzindo aos TA (BOISSEAU, 2006). Outros dados mostram que a prevalência de TA entre atletas do sexo feminino é de aproximadamente 42% em esportes estéticos (ex. ginástica artística, GRD e patinação), de 24% em esportes de endurance (ex. corridas de fundo e triathlon), de 17% em esportes técnicos e 16% em esportes com bola (SUNDGOT-BORGEN J. et al., 2004).
Em pesquisa realizada por Jonnalagadda et al. (2004), foi possível perceber que as patinadoras tendem a considerar-se com sobrepeso e preferem corpos mais magros. Ziegler et al. (2001) pesquisaram atletas federados na US National Figure Skating e verificaram que o consumo de energia das mulheres foi considerado abaixo das recomendações nutricionais, enquanto os homens ingeriam quantidade de energia adequada, havendo desequilíbrio na quantidade de macronutrientes ingeridos por estes atletas.
Estes dados mostram que atletas, especialmente do sexo feminino, podem ser considerados um grupo de risco para o desenvolvimento de TA por apresentarem maior preocupação em relação aos seus corpos e peso do que praticantes de atividade física habitual (SUNDGOT-BORGEN J. et al., 2004). Quando os atletas não atingem suas expectativas competitivas pode haver aumento da visão negativa em relação a seus corpos, levando-os a buscar o padrão ideal. A combinação entre performance esportiva, imagem corporal e peso pode levar o esportista a um distúrbio de imagem corporal (COSTA et al., 2007).
Diante destes relatos encontrados na literatura sobre a grande prevalência de TA na patinação artística vê-se a necessidade de estudos referentes ao comportamento alimentar de praticantes desse esporte no Brasil, em decorrência da expansão do mesmo e pelo fato de não terem sido encontradas pesquisas relacionadas a patinadoras brasileiras.
Metodologia
Fizeram parte do estudo 13 patinadoras, com tempo médio de prática na modalidade de três anos. A amostra se caracteriza como não probabilística e voluntariada. Para ser incluída na pesquisa, a adolescente precisou apresentar o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pais. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina sob nº 341/08.
Para identificação do nível sócio-econômico das patinadoras foi utilizado o Critério de Classificação Econômica Brasil (ABEP, 2008) que categoriza os indivíduos segundo a condição econômica. As categorias A e B e C, D e E foram agrupadas em duas categorias, média-alta (A+B) e baixa (C+D+E), respectivamente, para as análises desse estudo.
As medidas de massa corporal foram obtidas com o uso de balança convencional, marca Plenna, com 100g de precisão. Foi realizada uma única medida. A estatura foi obtida através de estadiômetro fixado na parede (sem rodapé) com 1mm de precisão. Esta medida foi realizada duas vezes, sendo a média utilizada na análise. Estes procedimentos seguiram a padronização apresentada por Alvarez e Pavan (2003).
Para a medida de dobra cutânea foi utilizado adipômetro da marca CESCORF, com escala de 1mm e precisão constante em todas as aberturas estimada em 10g/mm². A padronização seguiu os critérios de Benedetti, Pinho e Ramos (2003). Foram realizadas duas mensurações e para a análise foi utilizada a média dos valores. Foi utilizado o critério de excesso de gordura de McDowell et al. (2005), com valores da distribuição percentílica 75º para idade e sexo. As medidas de perímetros foram realizadas com fita métrica flexível com precisão de 1mm. Conforme citado por Martins e Lopes (2003), duas mensurações foram realizadas, sendo utilizada a média dos valores.
A partir das variáveis massa corporal e estatura foi calculado o Índice de Massa Corporal (IMC), indicador do estado nutricional. Utilizou-se os critérios de Conde & Monteiro (2006) para identificação de baixo peso, excesso de peso e obesidade. Para esta análise, os estados nutricionais Sobrepeso e Obesidade foram agrupados em Excesso de Peso. Os valores de AMB foram classificados de acordo com os critérios de Frisancho (1990), sendo os valores acima do percentil 75 considerados como alta reserva nutricional. A Área Muscular de Braço (AMB) foi calculada com o intuito de classificar as adolescentes de acordo com seu estado nutricional. A equação usada foi:
onde C é o perímetro do braço relaxado (cm) e T é a dobra cutânea tricipital (cm).
Com intuito de verificar o excesso de exercício como estratégia para diminuição do peso corporal, o nível de atividade física foi determinado pelo Questionário Internacional de Atividade Física – IPAQ (forma curta). Para o questionário IPAQ foi adotada a estratégia orientada (Grupo IPAQ, 2005). Para cálculo do nível de atividade física foi utilizada planilha do Excel criada para este fim (SILVA, 2005), usando o algoritmo indicado pelo Grupo IPAQ (2005).
O comportamento alimentar foi verificado através do Teste de Atitudes Alimentares (EAT-26) (GARNER et al., 1982). Este teste contém 26 afirmativas, para cada afirmativa existem seis possibilidades de respostas, sendo elas: sempre, muito freqüentemente, freqüentemente, às vezes, raramente e nunca, estas variam de 0 a 3 pontos. A questão 25 é a única que apresenta os pontos em ordem invertida. O somatório destes pontos gera um escore que identifica anormalidades no comportamento alimentar (BIGHETTI et al., 2004). Valores menores que 21 sugerem comportamento alimentar normal (EAT-) e maiores ou igual a 21, comportamento alimentar de risco (EAT+).
A percepção da imagem corporal foi investigada usando-se a Escala de Figuras de Stunkard (Stunkard et al. 1983). As figuras são apresentadas em traje de banho numeradas de 1 a 9, sendo que cada figura apresenta maior silhueta que a subseqüente. A adolescente escolhe a silhueta que melhor se assemelha a sua imagem real e a que acredita ser ideal para ela. Para o valor de imagem corporal subtrai-se a aparência real da aparência ideal, podendo variar de -8 a 8. O resultado sendo zero classifica a pessoa como satisfeita, a diferença negativa sugere insatisfação pela magreza, enquanto a diferença positiva insatisfação pelo excesso de peso.
Tratamento estatístico
Os dados foram tabulados no programa Microsoft Excel for Windows, sendo que as análises estatísticas foram realizadas no pacote estatístico SPSS versão 8.0.
Para responder aos objetivos referentes à identificação do comportamento alimentar, nível de atividade física, percepção da imagem corporal, Índice de Massa Corporal (IMC) e estado nutricional foi utilizada a estatística descritiva (média, desvio padrão, frequências absolutas e relativas). Para satisfazer os objetivos que se referem às relações existentes entre imagem corporal, nível de atividade física e IMC com comportamento alimentar utilizou-se a estatística inferencial, por meio do teste do exato de Fisher para verificar as associações entre o EAT-26, estado nutricional pelo IMC, Imagem Corporal e Nível de Atividade Física. O nível de significância adotado foi de p≤0,05.
Resultados
De acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil, das 13 meninas avaliadas, quatro (30,8%) foram classificadas como sendo de classe baixa e nove (69,2 %) como classe média-alta.
As características antropométricas são apresentadas na Tabela 1:
Tabela 1. Valores descritivos (média e desvio-padrão) de idade e de antropometria da amostra
Do total da amostra, oito adolescentes (61,5%) são menarcadas, utilizando-se o método retrospectivo, sendo a média da idade da menarca 11,75 anos.
Neste estudo foram encontradas nove patinadoras (69,2%) com IMC normal para a idade e quatro (30,8%) com excesso de peso segundo a classificação de Conde & Monteiro (2006). Da amostra estudada, nove adolescentes (69,2%) foram classificadas como massa muscular normal, as demais foram classificadas com massa muscular baixa, com o uso da AMB como indicador de muscularidade relativa
No presente estudo, doze patinadoras (92,3%) apresentaram valores normais para dobra cutânea tricipital (DC tricipital) e apenas uma adolescente apresentou valores acima do normal, representando excesso de gordura corporal. Das patinadoras que apresentaram IMC normal somente uma (7,7%) possuía excesso de adiposidade pela DC tricipital. Por outro lado quatro (30,8%) delas apresentaram AMB abaixo do normal. Naquelas com sobrepeso, foram observados valores normais de AMB e DC tricipital.
De acordo com o IPAQ, todas as adolescentes desta pesquisa foram classificadas como Moderadamente Ativas (2997±1900 METs.min-1.semana-1).
A prevalência de EAT+ encontrada foi de 23,1% (n=3). Neste estudo, todas as adolescentes que apresentaram risco para TA pertencem a classe econômica média-alta.
Em relação à imagem corporal, a maioria das adolescentes (n=11) encontravam-se nas escalas 3, 4 e 5 da Escala de Figuras de Stunkard, que são consideradas tamanhos corporais normais e as demais se identificaram na escala 2 (tamanho corporal magro). O tamanho corporal que as adolescentes almejam estava entre as escalas 2 e 4. Oito patinadoras (61,5%) demonstraram insatisfação com a imagem corporal, sete pelo excesso de peso (53,8%) e uma (7,7%) pela magreza.
Quando associados IMC e comportamento alimentar, duas jovens (15,4%) apresentaram IMC normal e EAT+, enquanto uma (7,7%) apresentou excesso de peso e EAT+. Não foi observada associação entre IMC e comportamento alimentar (p>0,05) (Tabela 2).
Tabela 2. Associação entre Estado Nutricional e Comportamento Alimentar
Também não houve associação entre comportamento alimentar e AMB (p>0,05). Das quatro (30,8%) adolescentes que apresentaram AMB abaixo do normal, indicando possível desnutrição, todas apresentaram EAT- e IMC normal. As três (23,1%) patinadoras que apresentaram risco para TA (EAT+), apresentaram AMB normal, indicando que não havia alteração da reserva muscular.
Entre DC tricipital e comportamento alimentar também não houve associação (p>0,05), visto que a única adolescente que apresentou DC Tricipital com excesso de adiposidade não apresentou risco para TA. Entre as patinadoras que apresentaram risco para TA, os valores de DC tricipital foram classificados como normais, indicando que este risco não diminui de forma significativa as reservas energéticas destas patinadoras.
Embora todas as patinadoras com EAT+ tenham apresentado insatisfação por excesso de peso, não houve associação entre a imagem corporal e o comportamento alimentar (p>0,05) (Tabela 3).
Tabela 3. Associação entre Imagem Corporal, Comportamento Alimentar e Estado Nutricional pelo IMC
Discussão
O presente estudo investigou o comportamento alimentar e a imagem corporal de patinadoras, e, o risco de desenvolver TA apresentou-se menor quando comparados a outros estudos, visto que este foi realizado apenas com um número reduzido de atletas amadoras, ainda não inseridas no contexto competitivo.
Em oposição aos aspectos positivos da prática regular de exercício físico, estudos tem mostrado que indivíduos podem praticar exercício de forma inadequada e excessiva, causando prejuízos para sua saúde (ASSUNÇÃO, 2002). Nesta pesquisa, o resultado do IPAQ (2005) demonstrou que as jovens parecem não utilizar a atividade física como forma de perda de peso. As patinadoras não realizam outras atividades para auxiliar na condição física e possível manutenção do peso, sendo a patinação uma das únicas atividades físicas de intensidade moderada praticada durante a semana e não suficiente para tais objetivos devido ao pouco tempo de duração das aulas.
Segundo Fonseca et al. (2008), o surgimento de distúrbios alimentares estão associados a classes econômicas mais elevadas. Essas famílias apresentam padrões inadequados ou destrutivos de relacionamento interpessoal, caracterizados por uma aparente harmonia, mas com conflitos subjacentes (BRUCH, 1962 apud RIBEIRO et al., 1998). Neste estudo, todas as adolescentes que apresentaram risco para TA pertencem a classe econômica média-alta.
Segundo Alfonseca (2006), existem fatores de risco especificamente vinculados a prática esportiva que contribuem com a aparição de TA. São eles: a insatisfação corporal devido a pressões relacionadas a alimentação e/ou peso para melhor rendimento esportivo, a especialização esportiva cada vez mais precoce, a existência de esportes e modalidades de risco (como os esportes estéticos e de resistência), o alto nível de competição atual, o aumento do volume de treinamento acompanhado de restrições alimentares, a utilização habitual de outros métodos pouco saudáveis para a perda de peso (como laxantes, diuréticos, vômitos auto-induzidos, entre outros), acontecimentos traumáticos (como a perda do treinador ou lesões graves), comentários depreciativos por alguém do grupo (colegas, treinadores) e a personalidade do atleta. Neste estudo, um dos principais fatores influentes relacionado ao baixo número de casos de comportamento alimentar de risco nas patinadoras, refere-se ao fato de serem amadoras, onde o nível técnico é menor quando comparado à atletas. Assim, a exigência dos bons resultados e do sucesso profissional é diminuída, ou ainda, visto apenas como consequência da prática do esporte e não como objetivo principal.
Na presente pesquisa, as patinadoras que apresentaram EAT+ podem estar sendo influenciadas pelas exigências do próprio esporte que praticam, onde corpos magros são sinônimos de sucesso e melhor desempenho (McARDLE; KATCH; KATCH, 2001), pelas mudanças decorrentes da adolescência, quando as mulheres se deparam com um aumento da gordura corporal (CASTRO; GOLDENSTEIN, 1995), ou ainda, influenciadas pela mídia, que tem na magreza o seu estereótipo (LAMBRUSCHINI; LEIS, 2002).
A prevalência de excesso de peso da amostra, porém, diverge dos estudos com patinadoras, que é um esporte estético e exige corpo magro e ágil para gozar das vantagens mecânicas em manobras mais complexas. Isto pode ser justificado pelo fato do presente estudo ter sido realizado somente com patinadoras amadoras, na única escola de patinação artística na Grande Florianópolis que possui um número reduzido de participantes. Desta forma, os achados do presente estudo não podem ser extrapolados a outros grupos de patinadoras.
A comparação com outras pesquisas que utilizaram o EAT-26 como instrumento para verificação dos sintomas de TA, variando com as características da amostra, como número, idade e grupo a que pertencem os indivíduos estudados, deve ser cautelosa, visto que no âmbito da patinação os estudos referem-se à atletas de alta performance.
Em relação à insatisfação com a imagem corporal, o período da puberdade é considerado crítico. Nesta fase, a influência exercida por pais, amigos e mídia sobre questões relacionadas ao corpo se tornam mais presentes e passam a formar a personalidade do indivíduo (FLEITLICH et al., 2000). Ainda neste sentido, a cultura ocidental tende a considerar a magreza como forma de obtenção de êxito e felicidade. Sendo assim, influencia, cada vez mais, adolescentes principalmente do sexo feminino, a buscar o controle do peso. A mídia, desta forma, é grande aliada destas definições de ideais de beleza, saúde e estética, prescrevendo formas e tamanhos corporais ideais que na maioria das vezes são inatingíveis (KUTSCHKA, 1993 apud ANDRADE; BOSI, 2003). Um estudo realizado por Fernandes et al. (2007) com adolescentes demonstrou que mesmo com peso normal as adolescentes podem apresentar-se insatisfeitas por excesso de peso e outras com sobrepeso podem estar satisfeitas com a imagem corporal.
Neste estudo, as adolescentes com EAT- e que apresentaram insatisfação por excesso de peso parecem não sofrer influência, pelo menos no período do estudo, para alteração do comportamento alimentar por essa insatisfação. De qualquer forma, a questão abordada sobre o fato de serem patinadoras amadoras também pode influenciar esses achados. Três adolescentes apresentaram EAT- e sobrepeso, sendo assim, merecem atenção, devido as conseqüências negativas do sobrepeso sobre a saúde, pois apresentam maior risco aos problemas do sobrepeso/obesidade como dislipidemias, diabetes e hipertensão. A adolescente com excesso de peso e EAT+ apresentou insatisfação pelo excesso de peso. Isso demonstra que ela está se percebendo gorda, o que indica percepção adequada da sua realidade, e deseja diminuir o peso, sendo que a forma com que buscará esta diminuição, isto é, por distúrbios do comportamento alimentar, poderá acarretar prejuízos para sua saúde. Por outro lado, o próprio excesso de peso apresentado também influencia negativamente a saúde desta patinadora.
A maior preocupação no presente estudo está relacionada às adolescentes que apresentaram EAT+ e insatisfação com a imagem corporal pelo excesso de peso, ainda que apresentem IMC normal. Isso demonstra que está havendo não só distúrbios no comportamento alimentar como também da imagem corporal.
No âmbito do esporte, atletas buscam uma diminuição irreal da adiposidade corporal, o que sinaliza uma insatisfação com o corpo revelada pela superestimação da figura corporal. Buscam, então, um corpo “ideal” para alcançar o sucesso profissional. Sendo assim, a incidência de TA tende a ser alta entre atletas, já que estão cada vez mais competitivas as disputas (McARDLE; KATCH; KATCH, 2001).
Em pesquisa realizada com patinadoras, Jonnalagadda et al. (2004) verificaram que as jovens preferem corpos magros, relacionando este fato ao destaque profissional. Brooks-Gunn et al. (2006) observaram em seu estudo, que atletas adolescentes de esportes estéticos dos Estados Unidos, como patinação e ballet possuem menor peso que adolescentes não atletas. Ziegler et al. (1998) perceberam que a ingestão de energia dos atletas de patinação era inadequada para a idade e para o esporte que praticam. Benítez et al. (2003) relataram que patinadoras do México, costumam perder o controle sobre o que comem, desta forma, adotam procedimentos purgatórios como jejuns, vômitos, pílulas anorexígenas, diuréticos e laxantes.
A busca incessante por corpos magros e atraentes pode ter impacto negativo sobre a auto-imagem. O corpo tem que aprender a comportar-se conforme regras e técnicas estabelecidas pela sociedade, que pode determinar o aparecimento de baixa auto-estima e problemas psicológicos, tais como os comportamentos alimentares anormais, cada vez mais freqüentes, principalmente entre adolescentes e jovens do sexo feminino, mais suscetíveis às pressões sociais (RUSSO, 2005).
Considerações finais
Com base nos resultados obtidos neste estudo, tem-se que, dentre as patinadoras, três (23,1%) apresentaram EAT+, sendo que nenhuma delas estava classificada em estado nutricional de risco (indicativos de baixo peso e/ou reservas muscular e adiposa). Contudo, estas adolescentes estavam insatisfeitas por excesso de peso, o que demonstra que está havendo não só distúrbios do comportamento alimentar como também da imagem corporal. Embora quando comparadas com outros grupos de patinadores, a prevalência de TA seja baixa, há necessidade de acompanhamento destas jovens por um período maior, pelo fato de o estudo ser transversal. Este acompanhamento é importante para prevenção do desenvolvimento de reais casos de TA, tendo em vista que grande parte da amostra, independentemente do resultado do EAT-26, apresenta insatisfação por excesso de peso, com parâmetros nutricionais normais ou com excesso de peso/reserva adiposa.
Como o presente estudo abrangeu um número reduzido de patinadoras amadoras de Florianópolis, sugere-se estudos em outras localidades sobre o comportamento alimentar nesta população, com o intuito de identificação precoce e orientação das patinadoras sobre os TA.
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