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Corpos em cena: uma análise da dança

e suas relações com a Educação Física

Cuerpos en escena: un análisis de la danza y sus relaciones con la Educación Física

 

Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio

(Brasil)

Fernanda Camargo

Mariana Guedes Mangeon

Rita de Cassia Fernandes

rita.fernandes@aes.edu.br

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo teve como objetivo analisar a dança educação e suas relações com a Educação Física. Num primeiro momento, realizamos uma análise do contexto histórico da dança e sua evolução, mostrando seus sentidos e significados em diferentes culturas. Abordamos também alguns tipos de dança, suas características e pressupostos fundamentais, situando questões relevantes no que se refere à dança contemporânea. Problematizamos a forma como é vista nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN de Educação Física e de Arte. Pudemos concluir que a dança como manifestação da cultura corporal, portanto conteúdo da Educação Física escolar é patrimônio histórico e, por isso, deve estar mais presente no contexto formal de ensino, para que o acesso aos bens culturais possa ser democratizado.

          Unitermos: Dança. Educação. Educação Física. Corpo.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 151, Diciembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este trabalho de natureza bibliográfica tem como objetivo identificar e discutir possíveis relações da dança com a Educação Física na perspectiva da cultura corporal. Dessa forma, abordaremos aspectos relevantes da história, evolução e conceitos da dança que sempre fez parte da vida humana.

    Antes mesmo de o homem falar ele se expressava corporalmente por meio da dança ritualística refletindo sua importância como manifestação cultural. Para Ossona (1988) o homem primitivo acreditava na influência da dança sobre os fenômenos naturais. A maioria das danças tem origem em manifestações de adoração aos deuses. Os povos que lutavam por sua sobrevivência, dançavam por alegria, luto, para treinar guerreiros e educar cidadãos. Diretamente ligados à natureza, utilizavam vários rituais de dança no plantio e na colheita.

    A dança pode ser considerada também um importante conteúdo de ensino nas aulas de Educação Física a ser vivenciado e ressignificado o qual poderá contribuir para a construção de uma linguagem corporal, potencializando aspectos de formação humana, ou seja, valores como a cooperação, o respeito, a responsabilidade, caros a nossa sociedade na contemporaneidade.

I.     Histórico e evolução da dança e seus estilos

    Portinari (1989) descreve que a arte da dança acompanha o homem desde os primórdios da sua existência. Dispensa qualquer tipo de material ou objeto, tendo o corpo como foco primordial. A autora nos conta que a imagem mais antiga da dança foi descoberta em uma caverna na Espanha, no período Mesolítico (8.300 aC.), que expõe um homem despido, cercado por nove mulheres. Tais símbolos representariam um ritual de fertilidade.

    O homem primitivo movimentava os pés e as mãos ritmicamente para se aquecer e se comunicar, bem antes de polir a pedra, de saber construir e produzir objetos (PORTINARI, 1989). Sendo assim, podemos entender que os homens já manifestavam através da dança seus sentimentos e emoções, registrando esses acontecimentos nas paredes das cavernas. Os sentimentos estavam ligados as suas necessidades materiais e espirituais de amparo, abrigo, alimento, defesa, conquista, comunicação e procriação.

    Segundo Magalhães (2005, p.13), podemos afirmar que a dança primitiva tinha um valor simbólico.

    O homem Paleolítico vivia em função dos animais e, portanto, a sua Dança se referia a eles. Supõem-se através dos registros, ainda em número pouco significativo, que sua Dança era um ato ritual. Figuras encontradas nas paredes de cavernas e grutas, que datam de até 1000 anos, podem representar ancestrais de dançarinos.

    Para Mendes (1987), a dança é composta por movimentos e gestos, dentro de um ritmo, fator importante e indispensável para que a atividade seja considerada como dança.

    Nanni (1995) complementa esta visão afirmando que “Dança é a expressão da harmonia universal em movimento, o que se assemelha à idéia de Bejart (apud GARAUDY, 1980), para quem a dança é uma das raras atividades humanas em que o homem se encontra totalmente engajado: corpo, espírito e coração“. Representa um sentimento do coreógrafo ou bailarino que se dá naquele momento em que se apresenta ou coreografa.

    A dança estava presente nas antigas civilizações como as indianas, egípcias, gregas e romanas. Na cultura hindu, por exemplo, ela é usada para contar feitos históricos, para educar, bem como para fins religiosos, militares de controle social.

    A dança na China citada por Ossona (1988) tinha a finalidade de ensinar a amar o bom e o belo. Logo os imperadores fizeram dela um instrumento de governo. O espectador deveria ser submisso ao soberano e a dança tinha que demonstrar isso através dos temas.

    A mesma autora nos fala que no Japão “a dança é um vínculo entre o homem e os deuses” (OSSONA, 1988, p.51). Os sacerdotes xintoístas criaram as danças de cerimônias para expor os mandamentos dos deuses, fortalecendo nos povos suas preces.

    O homem ocidental manifesta-se na dança com impulsos para o alto com os braços elevados acima da cabeça, ficando nas pontas dos pés, deslocando-se do solo através de saltos. Já o homem oriental, na dança japonesa, a pélvis fica pressionada para baixo, os pés deslizam pelo solo demonstrando um grande contato com a terra.

    A maior parte das danças foi criada na França, como as Danças de Salão. No século XVIII criou-se a contradança, e se definiram as danças das cortes, danças burguesas. A corte européia foi criando suas formas peculiares de dança. Uma das danças européias de execução mais complexa foi o minueto, de movimentos amaneirados, que representa o refinamento cortesão do século XVIII. Depois a valsa, a dança cortesã por excelência, e com ela começou a dança em grupo até o baile de pares. (OSSONA, 1988)

    No século XIX a valsa, a quadrilha, o xote entre outros predominaram em todos os bailes. No Brasil, no fim do século XIX, o maxixe foi um escândalo por ser uma dança de pares bastante sensuais, que resultou na junção entre a habanera cubana, a polca e o ritmo sincopado africano. Nas primeiras décadas do século XX, o tango também teve a mesma repercussão. Neste período, surgiu o jazz, o tango e o samba, que foram bem divulgados

    Dança certamente é movimento; mas movimento não é necessariamente dança. A dança difere do movimento cotidiano por uma transposição a um nível mais poético de ações corporais, explica Neves (1987) apud Rangel (2002).

    Haas (2003) apresenta seis funções principais para a dança:

    Observando a evolução histórica da dança, encontramos um número diversificado de classificações e etapas. Para Faro (1987) apud Rangel (2002), esta é apresentada com a seguinte trajetória: o templo, a aldeia, a praça, o salão e o palco. Segundo este autor, a dança divide-se em três etapas basicamente: étnica, folclórica e teatral.

    Quanto aos estilos da dança e suas linhas, na concepção de Rangel (2002), temos:

    A Dança Clássica teve origem no século XVII, no período em que é construída toda a teoria e técnica do balé, como vigora até hoje, buscando traduzir o rigor técnico na reprodução de seus movimentos. A Dança Neoclássica surge de algumas tendências inovadoras no século XIX, sem abandonar as características técnicas do clássico. Procurava explorar as formas abstratas como conteúdo de expressão, utilizando-se de mais espaço em suas execuções. A Dança Livre que é um movimento liderado por Isadora Duncan, no começo do século XX, com o intuito de resgatar a essência da dança, procurando atingir diretamente as emoções, fugindo do rigor e do virtuosismo técnico que a dança clássica propunha. Duncan desenvolveu uma técnica baseada na liberdade de movimento. A Dança Moderna que também surgiu século XX tem como característica básica movimentos de contração do tronco, braços e pernas. Refletindo sofrimento e a interiorização do homem. A fluência dos movimentos neste tipo de dança é alternada, variando entre o livre e o controlado, dando assim uma dinâmica mais expressiva a este estilo. (RANGEL, 2002)

II.     A dança contemporânea: histórico e características

    A Dança Contemporânea emergiu no cenário do século XX, a partir dos anos de 1960 até as últimas décadas, apresentando como elemento básico a preocupação de expressar, relatar, denunciar temas/ problemas existente na nossa sociedade. Neste estilo, a fluência pode ser observada pela exploração de infinitas possibilidades de utilização do espaço, pela alternância e variação de movimentos técnicos e livres que se evidenciam de forma mais expressiva (GODOY, 1995).

    Esta escola busca a diversidade, a desconstrução estética. O corpo é dotado de maior autonomia, transgredindo referências anteriores, como o balé clássico e a dança moderna. Esses conteúdos simbólicos são fundamentais para a interação e para a apreensão de papéis sociais e não implicam em um comprometimento com a narrativa ou a dramatização (SIQUEIRA, 2007).

    Segundo Marinho (2007), a dança contemporânea não recebe esta denominação somente porque está no tempo de agora, mas principalmente porque apresenta aspectos históricos deste tempo do mesmo modo que os desloca, exporta e relaciona de uma maneira diferente do que antes se concebia.

    Pode-se considerar contemporâneo tudo aquilo que é criado atualmente, seja ou não inovador. Mas o que se considera inovador? Qual é o parâmetro utilizado para dizer se isto é ou não é novo? Os grupos de axé e funk quando surgiram eram inovadores; podemos enquadrá-los então no que chamamos de dança contemporânea? Emerge diante de nós, a grande ansiedade de se definir a dança contemporânea, mas é preciso e primário que se torne clara a diferença entre dança contemporânea e danças da contemporaneidade.

    Acreditamos que todas as danças realizadas atualmente por artistas ou não-artistas pertencem à contemporaneidade, porém não são necessariamente dança contemporânea. A arte contemporânea participa de algo que era concebido até então como extra-estético; e como isso foi colocado à mostra pelo artista, torna-se diretamente provocador e também revelador de circunstâncias que afetam a sociedade.

    Bailarinos de dança contemporânea, no entanto, podem ser simultaneamente intérpretes e pesquisadores do movimento e não apenas submeter-se ao coreógrafo, estimulando a conjugação da criação com a atuação. Essa possibilidade é interessante porque quebra o esquema de perda de autonomia do bailarino sobre seu próprio corpo. Ao participar da criação e experimentação, está de algum modo, deixando de lado a postura daquele que apenas executa o que é exigido.

    Os processos de formação do dançarino contemporâneo são fundamentados nas seguintes noções de corpo: corpo investigativo, capaz de explorar, improvisar, pesquisar gestos e movimentos de dança; corpo plural, capaz de transitar pela diversidade de técnicas, procedimentos criativos, conhecimentos de outras áreas e gêneros artísticos; corpo próprio, capaz de revelar sua singularidade (sua dança enquanto dança), aquilo que lhe é próprio, particular e o que se denomina corpo apropriado de sentido, capaz de apropriar-se do potencial de expressão, dos seus múltiplos sentidos. (TERRA, 2003)

    No contexto brasileiro, no que diz respeito à produção de dança cênica de caráter contemporâneo, a coreógrafa Deborah Colker é uma das artistas que busca referencial para suas peças. A velocidade acelerada de seus espetáculos remete a uma movimentação urbana. A fragmentação, característica pós-moderna presente em seus trabalhos, também pode ser entendida como qualidade das metrópoles. A adoção de momentos de hip-hop, de rap em trechos dos espetáculos fala diretamente de movimentos estéticos urbanos (SIQUEIRA, 2007).

    A dança contemporânea deve ser pensada como fenômeno resultante de uma rede de influências e interferências. Sua característica urbana fortalece a possibilidade de constantes intercâmbios com outras áreas no campo das artes e com outros saberes corporais – modos de se mover, de usar o corpo com intenção estética ou não.

    Historicamente, identificamos em coreógrafos como o norte-americano Merce Cunningham, na dança pós-moderna e na dança-teatro de Pina Bausch, algumas das matrizes conceituais e técnicas da dança contemporânea (DANTAS, 2005).

    Percebemos que a dança esteve sempre ligada à vida em sociedade, como forma de expressão de diversas culturas. Como arte, é condicionada ao tempo e espaço que habita, porém, ao mesmo tempo supera este condicionamento na medida em que envolve a criação, incita a ação reflexiva e se torna necessária ao homem que a constrói e a aprecia, como possibilidade de conhecimento, comunicação e mudança.

III.     Dança e Educação Física escolar: possíveis relações

    A vivência e a reflexão sobre a dança na Educação Física escolar pode favorecer a expressão criativa, espontânea, a fim de assegurar aos alunos a possibilidade de reconhecimento e compreensão do universo sim­bólico (BAMBIRRA 1993). Considera-se uma expressão representativa de diver­sos aspectos da vida do homem. Portanto, uma aula de dança na escola permite ao professor conhecer melhor o seu aluno, saber suas preferências, discutir suas experiências.

    Contudo, a dança aparece muitas vezes como atividade extracurricular nas escolas. Estudos realizados nos últimos cinco anos nos revelam que as aulas de dança são parte de projetos pessoais, ou de professores que já tem uma vivência profissional na Dança (STRAZZACAPPA, 2003). A realização desses projetos deve ser incentivada, pois muitas escolas possuem infra-estrutura adequada, como salas de aula e aparelho de som. Mas para evitar riscos de projetos isolados, as escolas deveriam incluir a dança como conteúdo dos componentes curriculares Arte e Educação Física.

    A dança nas aulas de Educação Física visa problematizar concepções fechadas e restritas de gênero, respeitando as opções individuais. Contudo, para que isto aconteça, esta tem que primeiro ser efetivamente incorporada à escola.

    Rangel (2002, p.34) também faz referência à dança como conteúdo pouco utilizado:

    É certo que a pouca utilização desta atividade em propostas escolares, pode ser um reflexo de sua situação nos cursos de graduação em Educação Física (licenciatura), da visão que os graduandos têm a respeito da dança e, conseqüentemente, do enfoque que a mesma tem recebido, além da falta da licenciatura em cursos superiores de dança.

    Ou ainda, infelizmente, o que vemos nas escolas são coreografias montadas pelo próprio professor, sem uma contextualização da prática e que os alunos reproduzem para apresentações de festas juninas e de fim de ano (MARQUES, 2001).

    O professor de Educação Física por meio da dança pode estimular a formação de cidadãos mais críticos e conscientes, proporcionando uma prática reflexiva e transformadora, possibilitando não só àquele que dança, mas também aquele que assiste a apresentação, um melhor entendimento de nossa realidade.

    Ter o conhecimento do próprio corpo, através das diferentes possibilidades de movimentação é fundamental, assim como ter a percepção do aumento dos batimentos cardíacos, da força muscular empregada no movimento, da coordenação, da flexibilidade e do ritmo necessário na execução da atividade. Aprendendo a conhecer seu corpo e a respeitar seus limites, o aluno irá então aprender a respeitar o corpo do outro também.

    A Dança deveria estar presente não somente nas aulas de Educação Física, mas também nas aulas de Arte, como afirma Barreto (2004).

    No caderno de Educação Física do PCN (BRASIL, 1997b), a dança está inserida dentro de um bloco de conteúdo chamado Atividades Rítmicas e Expressivas. O diferencial consiste no entendimento da dança como uma expressão da diversidade cultural de um país. Assim, é um conteúdo que pode variar de acordo com o local no qual a escola está inserida. Este bloco irá complementar as “manifestações da cultura corporal que tem como características comuns a intenção de expressão e comunicação mediante gestos e a presença de estímulos sonoros como referência para o movimento corporal” (BRASIL, 1997 b, p.51).

    Já a dança no caderno de Arte do PCN tem suas especificidades, expandindo na definição do que é dança e iniciando uma tentativa de justificar sua presença na escola.

    A arte da dança faz parte das culturas humanas e sempre integrou o trabalho, as religiões e as atividades de lazer. Os povos sempre privilegiaram a dança, sendo esta um bem cultural e uma atividade inerente à natureza do homem (BRASIL, 1997a).

    Conforme comenta Verderi (2000), na dança não se deve demonstrar os movimentos, mas sim, criar condições para que o aluno se movimente. Tal afirmação nos remete ao ato de dançar e não a estilos específicos de dança.

    Entendemos que os alunos poderão através da vivência nas aulas, valorizar o conceito de dança, como também contextualizar épocas, regiões e países, refletindo na escolha dos movimentos, sabendo cooperar e respeitar as escolhas individuais e grupais.

Considerações finais

    Com base na revisão de literatura, apontamos que a dança vem acompanhando o homem desde os primórdios, como forma de expressar seus sentimentos, suas vontades, seus desejos.

    Analisando os autores com relação à dança no âmbito escolar, podemos constatar que esta deve ser valorizada, vivenciada e transformada, pois se trata de um patrimônio cultural da humanidade que poderá contribuir para o desenvolvimento global dos alunos. Portanto, é indispensável a sua presença no contexto escolar. Além de ser uma pratica lúdica e divertida para quem pratica, poderá trazer mudanças de comportamento no âmbito social e afetivo.

    Pudemos concluir que a dança e a Educação Física possuem muitas inter-relações no que diz respeito à formação humana de pessoas mais criativas, sensíveis e capazes de explorar o desafio da convivência.

Referências

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