A Lei Pelé e a institucionalização da posição do Comitê Olímpico Brasileiro no campo esportivo do Brasil La Ley Pelé y la institucionalización de la posición del Comité Olímpico Brasileño en el campo deportivo de Brasil |
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*Bacharel (2007) e Mestre (2010) em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná, atuando na linha de pesquisa Sociologia do Esporte e Lazer Membro da Asociación Latinoamericana de Estudios Socioculturales del Deporte (ALESDE), da North American Society for the Sociology of Sport (NASSS) e International Sport Sociology Association (ISSA) **Graduado e Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná Está cursando atualmente Doutorado em Sociologia pela mesma instituição É professor efetivo da Universidade Federal do Paraná Diretor de Marketing da ALESDE Co-diretor Acadêmico da Asociación Latinoamericana de Gerencia Deportiva (ALGEDE) *** Possui graduação em Educação Física e Técnico Desportivopela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Mestrado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas Doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas Atualmente é professor efetivo da Universidade Federal do Paraná Atua nos programas de pós-graduação nível de mestrado e doutorado de UFP |
Prof. Ms. Bárbara Schausteck de Almeida* Prof. Ddo. Ricardo João Sonoda Nunes** Prof. Dr. Wanderley Marchi Júnior*** (Brasil) |
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Resumo Propomos aqui a retomada dos artigos presentes na lei brasileira nº 9.615 de 1998, conhecida como Lei Pelé, em que constam menções ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) no que se refere à administração do esporte no país. Como procedimentos metodológicos, tivemos como fonte de dados a própria lei, recortando os artigos referentes ao COB, para realizar uma análise qualitativa. Através desse processo, percebemos que a legislação brasileira em questão institucionaliza a posição dominante do COB no campo esportivo nacional ao colocá-lo como primeira entidade de administração e prioritária no recebimento de recursos públicos. Unitermos: Esporte Olímpico. Lei Pelé. Brasil.
Resumen Proponemos en esa ponencia retomar los artículos de la ley brasileña número 9.615 de 1998, conocida como Ley Pelé, en que están presentes menciones al Comité Olímpico Brasileño (COB) referidas a la administración del deporte en el país. Como procedimientos metodológicos, tuvimos como fuente de datos los extractos de la ley concernientes al COB, para realizar un análisis cualitativo. Través de ese proceso, percibimos que la legislación brasileña en cuestión institucionaliza la posición dominante del COB en el campo deportivo nacional cuando coloca el COB como primera entidad de administración y con prioridad para recibir dinero público. Palabras clave: Deporte Olímpico. Ley Pelé. Brasil.
Abstract In this paper we propose to review the articles from Brazilian law 9,615 of 1998, known as Pelé Law, where there is mention about the Brazilian Olympic Committee (COB) related to sport management in the country. As methodological procedures, the data collection was based on pieces of this law in which COB was cited to make a qualitative analysis. Through this process, we noted that this Brazilian law institutionalizes the dominant position of COB in the Brazilian sportive field, when it puts COB as first entity of management and with priority to receive public funds. Keywords: Olympic sport. Pelé Law. Brazil.
Apresentado no II Encontro da Associação Latino-Americana de Estudos Sócio-culturais do Esporte (ALESDE), realizado na cidade de Maracay, Venezuela em setembro de 2010
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 151, Diciembre de 2010. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O esporte foi constitucionalizado no Brasil pela Constituição Federal de 1988, após a pressão de alguns setores esportivos que contribuíram para o conteúdo de seu texto (VERONEZ, 2005). Essa primeira iniciativa, ainda em vigor, possui normativas amplas, sendo criadas diversas outras leis infraconstitucionais mais específicas para regulamentar determinados subcampos esportivos, principalmente daqueles cujos dirigentes possuem maior capital político.
Entre as leis infraconstitucionais está a lei nº 9.615 de 24 de março de 1998, que é comumente designada como Lei Pelé, porque o ex-jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento (Pelé) era o então ministro extraordinário do esporte.
Tendo como objetivo “instituir normas gerais sobre desportos e dar outras providências”, essa lei veio em substituição a lei nº 8.672/1993, conhecida como Lei Zico, quando também um ex-jogador de futebol, neste caso Arthur Antunes Coimbra, estava no cargo de secretário de esporte.
Apesar de a lei Pelé propor a substituição à lei Zico, Veronez (2005, p. 305) nos chama a atenção sobre as poucas mudanças decorrentes.
Se observarmos com atenção as duas leis que se propuseram a modernizar o esporte no Brasil, vamos perceber que 30 artigos são exatamente iguais ou com diferenças pouco significativas; 13 são semelhantes, mas sua transcrição é diferente; 12 são substancialmente diferentes; 18 receberam modificações pela Câmara Federal em relação ao projeto original. Acrescente-se a essa conta os 23 artigos referentes ao bingo, no caso da Lei 9.615/1998.
Dessa maneira, o novo texto, dividido em 11 capítulos, normatizou as práticas esportivas quanto seus princípios, natureza, finalidades, organização, jurisdição, financiamento, funcionamento de bingos, entre outras disposições gerais.
Entretanto, como opção de recorte para o presente texto, abordaremos os artigos em que mencionam o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) enquanto entidade de administração e financiamento do esporte no Brasil. Com isso, nosso objetivo é perceber de que forma essa legislação brasileira considera esta entidade enquanto agente do campo esportivo.
Extratos da Lei Nº 9.615 de 1998, a Lei Pelé, quando trata do Comitê Olímpico Brasileiro
A Lei Pelé regulamenta a Constituição Federal de 1988 quando esta trata o esporte. A primeira menção relevante ao COB se dá no Capítulo IV – “Do sistema brasileiro do desporto”, na seção IV “Do Sistema Nacional do Desporto”. O artigo 13 nomeia os órgãos responsáveis pela administração do esporte no país, colocando o COB como primeiro da lista, seguido respectivamente pelo Comitê Paraolímpico Brasileiro; entidades nacionais e regionais de administração do esporte; ligas nacionais e regionais e as demais entidades de prática esportiva, filiadas ou não às anteriores.
Nos artigos 14 e 15 seguintes dessa seção, o texto continua colocando alto grau de importância à entidade dentro do sistema esportivo nacional, assegurando também o direito de utilização e defesa das “propriedades olímpicas”:
Art. 14. O Comitê Olímpico Brasileiro-COB e o Comitê Paraolímpico Brasileiro, e as entidades nacionais de administração do desporto que lhes são filiadas ou vinculadas, constituem subsistema específico do Sistema Nacional do Desporto, ao qual se aplicará a prioridade prevista no inciso II do art. 217 da Constituição Federal, desde que seus estatutos obedeçam integralmente à Constituição Federal e às leis vigentes no País.
Art. 15. Ao Comitê Olímpico Brasileiro-COB, entidade jurídica de direito privado, compete representar o País nos eventos olímpicos, pan-americanos e outros de igual natureza, no Comitê Olímpico Internacional e nos movimentos olímpicos internacionais, e fomentar o movimento olímpico no território nacional, em conformidade com as disposições da Constituição Federal, bem como com as disposições estatutárias e regulamentares do Comitê Olímpico Internacional e da Carta Olímpica.
1º Caberá ao Comitê Olímpico Brasileiro-COB representar o olimpismo brasileiro junto aos poderes públicos.
2º É privativo do Comitê Olímpico Brasileiro – COB e do Comitê Paraolímpico Brasileiro – CPOB o uso das bandeiras, lemas, hinos e símbolos olímpicos e paraolímpicos, assim como das denominações "jogos olímpicos", "olimpíadas", "jogos paraolímpicos" e "paraolimpíadas", permitida a utilização destas últimas quando se tratar de eventos vinculados ao desporto educacional e de participação. (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000)
3º Ao Comitê Olímpico Brasileiro-COB são concedidos os direitos e benefícios conferidos em lei às entidades nacionais de administração do desporto.
4º São vedados o registro e uso para qualquer fim de sinal que integre o símbolo olímpico ou que o contenha, bem como do hino e dos lemas olímpicos, exceto mediante prévia autorização do Comitê Olímpico Brasileiro-COB.
5º Aplicam-se ao Comitê Paraolímpico Brasileiro, no que couber, as disposições previstas neste artigo. (BRASIL, 1998)
No artigo 14, quando há a referência ao inciso II do artigo 217 da Constituição Federal, precisamos recordar que é nesse inciso que a questão do financiamento do esporte é tratada (BRASIL, 1988). Sendo o COB uma entidade que compõem o “subsistema específico do Sistema Nacional do Desporto”, colocado como o primeiro da lista conforme vimos no artigo 13, podemos interpretar que esta lei, e especificamente esse artigo, coloca o COB como prioritário no recebimento de recursos públicos.
Já o artigo 15 tem um texto que delega ao COB a responsabilidade com relação ao movimento olímpico no país. As prerrogativas desse artigo estão em concordância com a Carta Olímpica, garantindo a proteção estatal pela utilização dos símbolos olímpicos. Isso preserva a autoridade e o direito de utilização da valiosa marca olímpica ao COB, e consequentemente, ao COI.
Ainda tratando com grande importância o poder do COB, o artigo 18 traz o seguinte texto:
Art. 18. Somente serão beneficiadas com isenções fiscais e repasses de recursos públicos federais da administração direta e indireta, nos termos do inciso II do art. 217 da Constituição Federal, as entidades do Sistema Nacional do Desporto que:
possuírem viabilidade e autonomia financeiras;
apresentarem manifestação favorável do Comitê Olímpico Brasileiro-COB ou do Comitê Paraolímpico Brasileiro, nos casos de suas filiadas e vinculadas;
atendam aos demais requisitos estabelecidos em lei;
estiverem quites com suas obrigações fiscais e trabalhistas. (BRASIL, 1998)
Sobre esse item, é importante pensarmos que o poder delegado ao COB permite o controle sobre as demais confederações, já que são entidades filiadas e vinculadas, acerca de se mostrar favorável ou não aos benefícios de isenção fiscal e recebimento de recursos públicos.
Nesse sentido, refletimos, por exemplo, sobre a manutenção nos cargos de chefia do COB. Ainda que ocorram eleições com a participação dos presidentes de confederações, o artigo 18 dessa lei fortalece a dependência das entidades filiadas e o poder do COB, representado pelo seu presidente que se mantém no cargo desde 1995. Dessa forma, a possibilidade de perpetuação no cargo e a manutenção nas posições dominantes e dominadas no subcampo do esporte olímpico brasileiro são reforçadas pela própria legislação.
Considerações finais
Decorrente do fato de ser a entidade que representa uma instituição como o COI no Brasil, o COB possui algumas garantias e proteções pela Constituição Federal de 1988, principalmente pelo inciso I que garante a autonomia das entidades esportivas, e em diversos artigos da lei Pelé (lei nº 9.615/1998), que muitas vezes auxiliam na manutenção das posições dominadas e dominantes no campo esportivo brasileiro.
Ao recuperar esses pontos, vemos que ao COB é garantida uma posição de destaque na administração do esporte no país, a frente do CPB, demais entidades e ligas de nível nacional ou regional. Esse destaque é dado com relação ao “Sistema Nacional do Desporto”, que tem como pressuposto “promover e aprimorar as práticas desportivas de rendimento” (BRASIL, 1998). Nenhum órgão, instituição ou secretaria, que fossem públicos federais, foram colocados como membros na administração do esporte de rendimento no país, o que auxilia na restrição dessa manifestação esportiva às modalidades presentes nos Jogos Olímpicos, mantendo e até mesmo potencializando o poder do COB. É interessante notar que no contexto de aprovação dessa lei, o Ministério do Esporte não existia no formato que é desde 2003. Mesmo depois de sua criação, outros artigos dessa lei foram modificados, mas ainda assim não houve a inclusão de nenhuma entidade pública federal para administrar o esporte de rendimento conforme essa legislação.
No artigo seguinte, o COB e o CPB são colocados como entidades prioritárias para o recebimento de recursos públicos nos casos prescritos pelo inciso II do artigo 217 da Constituição de 1988. Quanto ao quesito financeiro, o artigo 18 garante também que a isenção fiscal e o repasse de recursos serão dados às instituições que componham o Sistema Nacional do Desporto (ou seja, entidades do desporto de rendimento) e, entre outros critérios, só os receberão com manifestação favorável do COB e do CPB, quando forem filiados e vinculados. Novamente reforçamos que esse inciso pode auxiliar na perpetuação no poder dos dirigentes dessas duas instituições, que são eleitos pelas entidades filiadas. Sinais de resistência a essa manutenção podem sofrer sanções financeiras permitidas pela própria lei. As demais permissões de promoção e utilização das propriedades olímpicas compõem a “contrapartida” estatal para que o COB possa estar filiado ao COI, já que garante a proteção de utilização dos símbolos olímpicos, as valiosas marcas que devem estar sob o controle do COB, e consequentemente, do COI.
Por esses aspectos, é possível perceber que não só características simbólicas mantêm o COB na posição de dominante no campo esportivo brasileiro, mas também seu poder é institucionalizado na aprovação de leis que garantem seu domínio no esporte de rendimento no país.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal: Brasília, 2006. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/ legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.pdf, Acesso em: 19 dez. 2008.
______. Lei nº 9.615 de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília DF, 25 mar. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/ L9615Compilada.htm, Acesso em: 19 ago. 2009.
VERONEZ, Luiz Fernando Camargo. Quando o Estado joga a favor do privado: As políticas de esporte após a Constituição Federal de 1988. 2005. 386 f. Tese (Doutorado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
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