A relação das regras do jogo com o desenvolvimento tático do futebol La relación de las reglas del juego con el desarrollo táctico del fútbol The relationship between the rules of the game with the tactic development |
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*Graduado em Direito. Graduado em Educação Física Pós-graduando em Futebol (especialização) pela UFV, Universidade Federal de Viçosa Mestrando em Educação Física pela UFES, Universidade Federal do Espírito Santo **Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa Especialização em Educação Física e Desporto Escolar pela UFV Mestrado em Educação Física (Treinamento Esportivo) pela Universidade Federal de Minas Gerais Doutorado em Educação Física e Cultura pela Universidade Gama Filho |
Paulo Henrique Guilhermino Barreto* Próspero Brum Paoli** (Brasil) |
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Resumo Objetivo: Analisar a relação das regras com o desenvolvimento tático de uma equipe de futebol. Metodologia: Análise crítica da relação do componente tático do futebol com as regras, bem como da evolução histórica desses institutos. Resultados: Foram ressaltados pontos relevantes das regras do futebol a serem utilizados pelo treinador ao abordar princípios táticos de ataque e defesa. Observou-se a importância de um novo staff no dia a dia do clube de futebol, um expert em regras e arbitragem. Conclusão: Utilizar-se das regras do jogo com inteligência pode evitar prejuízos de ordem tática e financeira. É necessária uma reflexão acerca da importância de um conhecimento profundo das regras do jogo e das formas de aplicação desse conhecimento em treinamentos e jogos. Unitermos: Futebol. Tática. Regras.
Resumen Objetivo: el análisis de la relación de las reglas con el desarrollo táctico de un equipo de fútbol. Metodología: Análisis critica de la relación del componente táctico del fútbol con las reglas, contextualizándolos con la evolución histórica de ambas temáticas. Resultados: Fueron destacados puntos relevantes de las reglas del fútbol, a ser utilizadas por el entrenador cuando aborda principios tácticos de ataque y defensa. Es evidente la necesidad de una nueva instancia en el día a día del club de fútbol, que disponga de un experto en reglas y arbitraje. Conclusión: Hacer uso inteligente de las reglas de juego puede evitar perjuicios de orden táctico y financiero. Se hace necesario reflexionar sobre la importancia de poseer un conocimiento profundo de las reglas de juego y también de saber aplicar estos conocimientos en partidos y entrenamientos. Palabras clave: Fútbol. Táctica. Reglas.
Abstract Objective: Analyze the relationship between the rules with the tactic development of a staff or a soccer team. Methods: critically analyze of the relationship of the tactic component with the rules, and the historical evolution of these institutes. Results: important points of the rules to be used by the soccer coach as he shows the principles of tactical attack and defense were emphasized. The importance of a new staff expert in rules and arbitration in the everyday soccer club was noticed. Conclusion: use the rules of the game wisely can avoid tactic and financial damages. It is necessary to know the importance of a deep knowledge of the rules of the game and ways of applying this knowledge in training and games. Keywords: Soccer. Tactic. Rules.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 150, Noviembre de 2010. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
As regras do futebol representam fator de relevância para o desenvolvimento tático, físico e técnico de uma partida. Os sujeitos envolvidos nesse processo extrapolam a figura do árbitro, sem, contudo, tirar-lhe a condição de intérprete das normas e soberano nas decisões quando da aplicação dessas leis no decorrer do jogo.
Para Guedes (2003) existem no âmbito do futebol três categorias de agentes: profissionais – jogadores, técnicos, dirigentes, árbitros, preparadores físicos, médicos, etc.; especialistas – cronistas esportivos, responsáveis pela mídia em geral, comentaristas, locutores, repórteres; e torcedores.
Dos elementos citados, destacamos o treinador. Cabe a ele interpretar as regras, procurando aplicar as estratégias táticas em benefício de sua equipe. Fala-se aqui de um conhecimento profundo, fundamentado e atualizado do assunto e, sobretudo, em prol de sua equipe. Profundo, porque simplesmente saber quais são as regras do jogo é algo elementar para quem pretende o sucesso. Fundamental, porque o conhecimento do espírito da regra é o que leva ao seu verdadeiro entendimento. E atualizado, dado às constantes modificações, tanto no texto quanto nas interpretações; e em prol de sua equipe porque, sendo a função do treinador trabalhar pelo seu grupo, bem como conhecer e respeitar as leis de seu esporte, a utilização desse conhecimento poderá lhe ser bastante útil na obtenção de resultados positivos.
A tática evoluiu no decorrer das décadas, e um dos fatores que contribuiu para isso foram as mudanças nas regras. O presente estudo pretende, então, analisar a relação das regras com o componente tático, refletindo como poderia ser melhor estudada e interpretada pelos técnicos em benefício da equipe e em prol de resultados.
Uma questão histórica
Na história e no contexto do futebol, a tática do jogo e as regras mostraram-se intimamente ligadas, ao ponto de uma mudança no teor das normas ocasionarem transformações também na forma de se jogar. Paoli (2007) afirma que as regras têm uma relação direta com a dinamização do jogo e com os componentes técnico, tático e físico do futebol. Cita o exemplo da modificação da regra do impedimento em 1925.
Para Paoli (2007) através da lei do impedimento o futebol mudou sua dinâmica, já que na época exigia-se que tivessem 3 adversários entre o atacante e a linha de fundo, para habilitar o jogador que estava à frente da linha da bola no momento do passe. A lei do impedimento foi alterada no sentido de passar a exigir 2 jogadores entre o último atacante e a linha de meta (assim como está atualmente). Essa alteração modificou a correlação de forças entre ataque e defesa, claramente a favor do primeiro, estimulando o surgimento de outra esquematização espacial dos jogadores em campo e melhor distribuição e equilíbrio entre defesa, meio-campo e ataque.
Além disso, Paoli ainda afirma que tal modificação provocou modificações profundas atingindo inclusive os sistemas de jogo em voga. A mudança de regra forneceu um novo sistema para a organização das equipes, coincidindo com uma receptividade global, a diversidade tática e estilística do jogo. Dessa forma, as equipes tornaram-se mais ofensivas.
Coube ao treinador inglês Herbert Chapman, através do esquema tático denominado de WM – uma estruturação 3-2-2-3; provocar essas mudanças na prática. Foi tirado o espaço antes dado ao avanço de um dos zagueiros, na intenção de deixar impedido um atacante adversário. O Arsenal, de Chapman, tornou esse avanço ineficaz e, além disso, tornou as defesas adversárias mais vulneráveis. Para Paoli, o WM é considerado o ponto de partida para os outros sistemas modernos.
Assim, é possível observar a partir de tal exemplo, que a evolução do futebol, bem como das demais modalidades, principalmente as coletivas, tem-se apoiado fundamentalmente nas regras do jogo. Fato que reforça a idéia de que novas modificações poderiam ser efetuadas pela International Board, visando tornar o jogo de futebol cada vez mais dinâmico.
Ainda no tema impedimento, outras mudanças importantes foram: o tiro de meta anulando o impedimento, em 1880; a não marcação da infração estando o jogador em seu próprio campo, 1907; e não considerar impedido o jogador posicionado na mesma linha do penúltimo adversário, 1990. Todas ocasionando modificações significantes na parte tática.
Mais alterações nas regras, também com relevância tática são:
1873: invenção do escanteio;
1891: o pênalti;
1913: proibição de o goleiro pegar a bola com as mãos fora da área penal;
1970: utilização dos cartões amarelo e vermelho, e de substituição de jogadores (Copa do Mundo do México) em 1970;
1992: tornou-se infração o recuo de bola para o goleiro com os pés, quando este jogador a toca com as mãos;
1993: criação da área técnica;
1997: tornou-se infração o recuo de bola para o goleiro através de um arremesso lateral, quando este a toca com as mãos.
Destacamos a alteração tática imposta pela mudança ocorrida em 1992, pela qual houve uma diminuição significativa em recuos de bola para o goleiro, que passou a ter uma posse de bola drasticamente diminuída. Além disso, os goleiros tiveram que aprimorar o condicionamento técnico – passe e domínio; bem como passar a entender melhor a tática defensiva.
Boschilia (2008) aponta, ainda, o fator econômico como relevante nesse processo de interferência do árbitro e das regras do jogo para o desenvolvimento do esporte. Para o autor, o cenário econômico no qual o futebol passou a se inserir, tornou cada vez mais necessário a intervenção do árbitro nas partidas, para “julgar e punir os lances, função que cabia anteriormente aos capitães, como é possível visualizar na alteração da regra, realizada em 1894, que dava aos representantes das equipes a autoridade para sancionar, sem consultar as equipes, faltas e pênaltis”.
Toda e qualquer mudança na regra, contudo, depende de um burocrático e tradicional processo, instituído pela International Football Association Board. São membros da Board: as associações de futebol da Inglaterra, da Escócia, do País de Gales e da Irlanda do Norte – com 1 voto cada; e a FIFA – com direito a 4 votos. Em uma assembleia geral, que acontece entre os meses de fevereiro e março, são discutidas e decididas as mudanças nas regras, que entrarão em vigor em julho do mesmo ano.
Fato é que o futebol não acompanha a evolução dos tempos, tampouco equipara-se a outros esportes no quesito regras. No voleibol, por exemplo, a extinção da vantagem mudou não só a tática como a dinâmica do jogo. No futsal, as freqüentes mudanças nas regras tornaram o jogo mais dinâmico, exemplos são a participação do goleiro na linha e a substituição volante. As jogadas rápidas do handebol, pensadas e treinadas em função das regras, poderiam também ser melhor observadas pelos profissionais do futebol. E o beach soccer que, em termos de regra, surgiu como uma modalidade mais dinâmica e evoluída exige aprimorado conhecimento tático por parte de seus praticantes, representando assim, um excelente campo de análise aos treinadores de futebol.
Tudo isso reforça a idéia de que há uma necessidade de se formar uma nova cultura. Salta aos olhos que uma nova geração de treinadores de futebol vem surgindo no Brasil, trazendo consigo novas filosofias de trabalho, forte ligação acadêmica, muito voltada à ciência. Essa nova geração poderá ser a formadora dessa nova cultura.
Mudando paradigmas
A carreira profissional começa a partir do momento em que são definidas as metas. O perfil do novo treinador de futebol é voltado à liderança, ao conhecimento, ao pensamento estratégico, ao conteúdo de trabalho, aos conhecimentos gerais e, sobretudo, à inteligência em delegar atribuições.
Neste sentido é que defendemos, com respaldo do ex-árbitro Lincoln Bicalho, a presença de um especialista em arbitragem como integrante fixo dessas comissões técnicas. Para ele, todo brasileiro, hoje, entende de sistema de jogo, diferenciando claramente o 3x5x2 do 4x4x2, por exemplo, mas não conhece conteúdos elementares da regra do jogo, como os elencados na Regra 11, sobre o impedimento. Com efeito, Lincoln Afonso Bicalho foi presidente da Comissão de Arbitragem da Federação Mineira de Futebol, instrutor FIFA de arbitragem e instrutor de instrutores do quadro da FIFA e da CBF. Ministrou palestra em julho de 2008 aos alunos do Curso de Especialização em Futebol da Universidade Federal de Viçosa-MG.
Não se fala aqui tão-somente em ensino das regras aos jogadores ou treinadores, mas em orientações sistemáticas no sentido de se educar a equipe a relacionar-se melhor com a arbitragem, conhecer e interpretar não só as regras como os regulamentos das competições, visando uma aproximação salutar do clube com os membros do corpo de arbitragem no intuito de se evitar desgastes e prejuízos desnecessários, facilmente evitados.
Todos aqueles que estão inseridos no mundo do futebol devem ter em mente que o sonho do árbitro é o idêntico ao jogador. Ele quer atuar em jogos decisivos e em arenas lotadas. Com muita propriedade, o ex-árbitro Cláudio Vinicius Cerdeira, em sua fala na entrega do Prêmio Cartão Vermelho, edição 2006, no Rio de Janeiro, disse que o árbitro é o único amador em meio a 22 profissionais, sendo mais cobrado quanto ao desempenho e mais punido pelos seus erros.
As regras do jogo exercem forte influência não só na forma de se jogar, como no comportamento dos jogadores. Contudo, parece-nos um erro entender o futebol como se fosse gerido tão-somente por estas 17 regras, já que periodicamente são expedidas decisões, orientações, circulares, ofícios e até cadernos de perguntas e respostas, que formam um conjunto ordinário a ser seguido. Ou seja, tudo o que estiver contido no livro intitulado “Regras do Jogo”, publicado anualmente pela FIFA e traduzido no Brasil pela CBF, é considerado como regra oficial.
Com todas as atribuições já impostas naturalmente ao cotidiano do treinador de futebol, torna-se inviável mais essa preocupação. Assim, mostra-se necessária a delegação do tema “arbitragem”, em todos os seus aspectos e implicações, a um profissional com formação e interesse específicos na área.
Essa proposta de nova postura traria benefícios de ordens diversas no sentido de: executar as jogadas treinadas de forma mais eficiente, sem infrações; evitar reclamações infundadas de jogadores aos árbitros, evitando advertências, expulsões e suspensões; gerar inteligência tática aos jogadores, mais preparados a atuarem dentro das regras; evitar queda de rendimento da equipe ocasionada por afastamento de jogadores importantes, bem como perda financeira, devido ao alto investimento mensal nesses atletas.
O árbitro, nesse contexto
As mudanças no texto da regra seguem padrões rigorosos e, de certa forma, até arcaicos. Mas, o que se deve ter em mente, é que os árbitros também são vítimas desse processo. O fim da lei do impedimento, a liberação do espaço de atuação dos técnicos, dentre outras modificações de amplo clamor, são também anseios dos componentes da arbitragem. Saber “dividir” esses problemas, no lugar de condenar quem não tem culpa, pode, além de evitar problemas, gerar um bom relacionamento que poderá reverter-se em vantagem para a equipe e o treinador.
É possível observar que as ações dos árbitros, durante uma partida de futebol, são cada vez mais notadas tanto pelo público, quanto pelos profissionais da mídia e do próprio esporte, isso em parte pelas transmissões dos jogos pela televisão, com o crescente número de câmeras de TV instaladas nos estádios, expondo os erros mais claramente, além de mostrar situações simultâneas que, de dentro do campo, é simplesmente impossível para um ser humano visualizar concomitantemente. Além disso, os relatórios de observação, implantados pela CBF, e a pressão sobre o árbitro aumentou.
A crítica ao árbitro é necessária e indispensável (CLAUSSEN 2006). Essa crítica, contudo, tem seu momento, lugar e grau adequados. É certo que um árbitro empírico pode comprometer tanto o seu próprio trabalho quanto aquele desenvolvido há tempos por uma equipe. Mas uma reclamação em um tom de voz alterado, em uma entrevista coletiva ou em um instante do jogo no qual árbitro esteja “precisando” tomar uma atitude para controlar o jogo, pode gerar prejuízos desnecessários, imediatos ou não.
Como todo procedimento a ser adotado nas partidas, o bom relacionamento com os árbitros deve também ser treinado. Convidar árbitros iniciantes – o aceite é certo – para atuar em coletivos e jogos-treino é uma utilização inteligente desse recurso, disponível e eficaz. Uma outra estratégia, essa voltada a um jogador identificado como de difícil relacionamento com a arbitragem, é convidá-lo a “apitar” e “bandeirar” amistosos das equipes da base contra visitantes.
Essa vivência lhe colocaria em situação oposta à que está acostumado, vendo-se desrespeitado durante o desenvolvimento de seu trabalho, percebendo que não é assim tão fácil entender e decidir tudo o que está acontecendo ao seu redor e que erros acontecem naturalmente, por maior que seja a vontade de acertar. Em suma, sentir na pele o que é ser um árbitro de futebol para entender um pouco da dificuldade dessa profissão, passando assim a respeitá-la. O respeito à equipe de arbitragem traz em si um simples e claro benefício a toda a equipe: a não punição.
As regras do jogo e a tática no futebol
A lei do impedimento. Reside aqui uma das maiores confusões que se faz ao interpretar a regra do futebol. É que “estar em posição de impedimento” não significa “estar impedido”. Ou seja, não se pode punir um jogador simplesmente por estar ou permanecer nessa condição. Para que essa conduta seja punível, é preciso que ao menos uma das seguintes situações ocorra: a) interferir no jogo; b) interferir em um adversário; ou c) levar vantagem dessa posição.
Por “interferir na jogada” entende-se participar do jogo de forma ativa indo em direção à bola, deixando de estar em posição passiva. “Interferir em um adversário” significa chamar a atenção de um defensor a ponto de criar uma situação que não ocorreria se o infrator ali não estivesse, ou seja, o marcador estaria preocupado com outro atacante ou com outra zona de atuação até então. Note-se que nestas primeiras duas hipóteses não há a necessidade de um toque na bola pelo jogador impedido, entendimento comum no meio futebolístico, mas equivocado.
A terceira ocorrência, “levar vantagem da posição de impedimento”, caracteriza-se pelo ato de passar a participar do lance após ter sido a bola rebatida por um adversário ou pela baliza, estando o atacante em posição de impedimento no momento do chute de seu companheiro, situação geralmente de difícil interpretação, mas que deve ser bem entendida para que problemas maiores, como uma expulsão por reclamação, sejam evitados.
Com esse conhecimento, o treinador pode valer-se de princípios táticos ofensivos, na medida em que força a equipe adversária a posicionar-se mais próxima à linha de meta, sem que o atacante mais avançado esteja em situação ilegal, de acordo com o texto da Regra 11. Caso a defesa não se preocupe, a princípio, com a posição do atacante, este poderá participar da jogada, em um momento posterior, já fora da posição de impedimento e possivelmente livre de marcação.
A regra 11 pode também ser objeto de treinamento da tática defensiva. Seja qual for o sistema de jogo adotado, haverá um determinado jogador de melhor visão desse aspecto, a chamada linha de impedimento. No 3x5x2 é o zagueiro central, no 4x4x2 é o segundo da sobra, para exemplificar.
A falta é um recurso tático. Nesse sentido, Bidutte et al (2005), preconizam que a agressividade no esporte, e em particular no futebol, está associada a vários fatores, não só àqueles gerados e ocorridos dentro do campo de jogo. Samulski (2002) inclui as regras do jogo como um desses fatores.
Para Toledo (2002), as regras do futebol teriam, ainda, influenciadas no surgimento do chamado “futebol-arte”, tipicamente brasileiro. Rodrigues (2004) preconiza que dois fatores contribuíram significativamente para o surgimento do estilo de jogar do brasileiro: o racismo e a má interpretação das regras do futebol no Brasil. Quanto ao racismo, explica que o futebol brasileiro exigia dos negros e mulatos o intenso cuidado em desviar e não tocar em jogadores brancos. Dessa forma, os jogadores negros precisaram desenvolver habilidades para, literalmente, driblarem essa situação. Surgiu, assim, uma prática futebolística baseada na ginga.
Em relação às regras, Rodrigues (2004) defende que a má interpretação vista nos primeiros anos do futebol no país, teria ocasionado uma mentalidade avessa ao contato corpo a corpo. Criou-se um entendimento de que o tranco seria uma infração. Também por esse fator, a habilidade do jogador brasileiro teria se desenvolvido mais em relação aos demais.
Na impossibilidade de se obter essa vantagem tática, o recurso da falta pode ser utilizado, mesmo ferindo a regra, desde que não seja desobedecido o espírito do jogo limpo. Quanto às sanções previstas neste tópico, se os jogadores conhecessem melhor as regras do futebol, não haveria tantas reclamações injustificadas e, conseqüentemente, não seriam advertidos e expulsos por motivos banais, desfalcando o grupo durante o restante do jogo corrente e de uma ou mais próximas partidas.
O desfalque financeiro deve também ser aqui analisado. Exemplificando, temos a seguinte situação hipotética: o clube investe mensalmente R$ 100.000,00 (cem mil reais) em um atleta; ele fica impedido de atuar, por expulsão, durante o segundo tempo de uma partida e também a seguinte; o time tem quatro partidas a realizar no mês em questão. Nada menos que R$ 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos reais) foi o custo daquele cartão ao clube.
Por outro lado, há situações em que o treinador, com auxílio e orientação de um especialista, pode ter benefícios com uma suspensão estratégica de um atleta importante. Um afastamento temporário, forçado, pode resultar em uma intertemporada ao atleta, o que lhe possibilita recuperar aspectos físicos e psicológicos, adequando a utilização desse jogador de acordo com o planejamento estratégico do treinador quanto à periodização tática e física de sua equipe.
Ressalte-se que esse recurso deve ser fruto de um amplo planejamento por parte de toda a comissão técnica. Deve, ainda, tratar de não ferir o espírito do esporte, das regras e os preceitos do fair play.
Ao estudarmos a tática do futebol torna-se necessário diferenciá-la da técnica. Para Greco (1999), a técnica representa o “como fazer”, através das habilidades desenvolvidas individualmente pelos atletas; já a tática, conceitualmente já tratada neste artigo, é “o que fazer”, ou seja, como aplicar a técnica diante de uma situação que se apresenta, sendo determinada pelas capacidades cognitivas, técnicas e psicofísicas. Ainda para o autor, além da Tática de Grupo e a Tática Coletiva, há a Tática Individual, que diz respeito a uma ação específica de um determinado jogador e através de sua coordenação neuro-muscular permite a interpretação do tempo, do espaço e do problema a ser resolvido.
Neste sentido é que enquadramos a cobrança de um tiro livre direto da marca penal não meramente como uma conduta técnica, mas sim um momento tático importantíssimo para uma equipe, já que o cobrador, usando de sua técnica de cobrança devidamente treinada, bem como os outros componentes de sua equipe deverá possuir um conhecimento tático suficiente, tanto em caso de sucesso, como para precaver-se de um contra-ataque iniciado pela perda da penalidade. Poder-se-ia afirmar então, que a cobrança de uma penalidade é uma ação tática individual, tanto por parte do goleiro quanto do cobrador.
Outros fatores envolvidos na Regra 14 são as formas de obtenção dessa infração, que podem ser treinadas sem ferir o espírito da regra ou o fair play; e a exploração dos aspectos psicológicos da equipe de arbitragem, que podem estar influenciados por uma marcação já ocorrida em favor do adversário, uma reclamação de um tiro penal não assinalado anteriormente ou, como bem tratado por Silva et al (2008), o fator campo, referindo-se a uma das formas de vantagem das equipes mandantes.
Voltando ao momento específico da cobrança, temos um aspecto relativo ao tiro penal que aqui consideramos também como tático: a finta do cobrador no intuito de ludibriar o goleiro - a chamada “paradinha”. Como exemplo, citamos a ocorrência de 3 tiros penais assinalados durante a 8ª rodada do Campeonato Brasileiro de 2008, todos cobrados e convertidos com a paradinha. Quanto à validade desse artifício naquela competição, não há o que se contestar, já que a regra, à época, não o proibia e tal situação era regulamentada pela própria CBF através da Circular CONAF nº 002/2006, direcionada aos árbitros de seu quadro, tratando que “nas cobranças de tiros penais passou-se a considerar normal a atitude do jogador que, antes de chutar a bola, executa uma pequena parada (paradinha).” A circular orientava os árbitros a coibirem, contudo, excessos nessa atitude, ressaltando ao final que o espírito da regra é punir o infrator. A partir de 1º de junho de 2010, contudo, esse quadro mudou. Ao expedir a Circular 1224, a FIFA alterou o texto da regra 14. Onde se lia “o ato de utilizar fintas na execução de um tiro penal para confundir os adversários faz parte do futebol e está permitido”, passou-se a constar “o ato de utilizar fintas durante a corrida até o ponto penal para confundir os adversários faz parte do futebol e está permitido. Todavia, utilizar fintas ao chutar a bola uma vez que o jogador tenha concluído sua corrida até o ponto penal é considerado uma infração à regra 14 e uma conduta antidesportiva, pelo que o árbitro deverá admoestar o jogador”.
Conclusão
Estar ciente e manter-se atualizado sobre as regras do jogo fazem parte do trabalho de todos os envolvidos no meio do futebol, especialmente o treinador. Cabe a este profissional analisar e interpretar tais informações, transformando-as em conhecimento para, assim, aplicá-lo quando do desenvolvimento das ações táticas ofensivas e defensivas de sua equipe.
A transformação desse “conhecimento’ em “sabedoria” do treinador, possibilita-o treinar sua equipe passando os conceitos adquiridos aos atletas, traduzindo essa aplicação em vantagem tática durante um jogo, e revertendo todo esse conjunto de fatores em um relacionamento inteligente com a equipe de arbitragem.
Utilizar-se das regras do jogo com sabedoria pode evitar prejuízos de ordem tática e financeira. A conduta prática de uma comissão técnica moderna e inteligente, focada no sucesso planejado, passa por esses elementos: um conhecimento profundo das regras do jogo e das formas de aplicação desse conhecimento em treinamentos, jogos e relacionamentos.
Nesse sentido é que se conclui pela relevância da presença de um profissional especialista em regras e arbitragem no dia a dia dos trabalhos de um clube de futebol. Sua experiência e seus conhecimentos podem facilitar esse processo, dinamizando e estruturando os trabalhos da comissão técnica em prol do desenvolvimento da equipe.
Referências
BIDUTTE, L. C.; AZZI, R. G.; RAPOSO, J. J. B. V. Agressividade em jogadores de futebol: estudo com atletas de equipes portuguesas. Psico USF 2005:10:179-84.
BOSCHILIA, B.; VLASTUIN, J.; MARCHI JR, W. Implicações da Espetacularização do Esporte na Atuação dos Árbitros de Futebol. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, América do Norte, 3012 09 2008.
CLAUSSEN, D. Sobre a Estupidez no Futebol. Anal Social 2006; 41:583-92.
GUEDES, S. L.; TOLEDO, L. H. Lógicas da Emoção. Rev Bras Ci Soc 2003;18:179-83
PAOLI, P. B. A Relação das Regras do Jogo com o Componente Tático. Coluna publicada no site especializado em arbitragem Cartão Vermelho, disponível em http://www.cartaovermelho.com.br/index.php?name=Sections&req=viewarticle&artid=394&page=1
RODRIGUES, F. X. Modernidade, disciplina e futebol: uma análise sociológica da produção social do jogador de futebol no Brasil. Sociologias 2004;11:260-99.
SAMULSKI, D. Psicologia do esporte. São Paulo: Manole, 2002.
SILVA, C.; MOREIRA, D. A vantagem em casa no futebol: comparação entre o campeonato Brasileiro e as principais ligas nacionais do Mundo. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano [Online], Volume 10 Número 2 (18 July 2008)
TOLEDO L. H. Lógicas no Futebol. Rev Antropol, 2002;45:509-16.
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