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Narradores de Javé: um balaio eletrônico sobre um bocado de coisas

Los Narradores de Javé: un canasto electrónico acerca de un montón de cosas

 

Graduado em História e Pós-graduado em História, Comunicação

e memória do Brasil Contemporâneo

Atualmente é professor do Ensino Médio (EJA)

E Ensino Técnico da rede privada de Porto-Alegre

Ralph Schibelbein

rschibelbein@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo tem por objetivo realizar uma análise da utilização do filme “Narradores de Javé” para pensar e discutir temas que circulam entre História, Historiografia, Patrimônio Cultural, Memória e Identidade. A partir da brilhante capacidade do longa metragem, de discutir assuntos tão importantes e complexos, de uma forma tão sutil e agradável, fazendo com quem já estude sobre o tema ou mesmo nunca leu nada a respeito, fique bastante interessado e note que ele esta extremamente presente na nossa vida.

          Unitermos: História. Narradores de Javé. Filme.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 150, Noviembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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    Narradores de Javé é um filme brasileiro de Eliane Caffé lançado em 2003. O drama estrelado por José Dumont recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais. O longa metragem conta a história da pequena cidade de Javé, no interior do nordeste, que é ameaçada a tornar-se submersa pelas águas de uma nova hidrelétrica. Os moradores do povoado não serão indenizados, pois não possuem registros e documentos das terras (as divisas de terras da do povoado foram feitas de forma cantada). A única forma de evitar o alagamento de Javé seria provando que a cidade possui um patrimônio histórico.

    Após uma discussão inicial onde os moradores falam sobre o que seria e se, Javé teria um patrimônio histórico provado em documento cientifico, eles decidem escrever a história da cidade. Porém praticamente todos moradores eram analfabetos. É então que decidem chamar Antonio Biá (José Dumont), carteiro da cidade que havia sido demitido e expulso do convívio dos demais moradores por escrever cartas para pessoas de outras regiões e conhecidos seus, contando mentiras e calúnias dos habitantes da cidade.

    Biá, que havia feito tal trapaça para garantir seu emprego (Como os moradores de Javé eram analfabetos e praticamente não existiam cartas na cidade, ele teve que escrever estas.) tem a chance de voltar a ter contato com os demais moradores e a seu oficio de escrivão.

    A partir de então, Antônio Biá dedica-se a tarefa de escrever um livro a partir dos relatos dos morados e das lembranças contadas por estes sobre a fundação de Javé, sua história e seus heróis. E é neste momento que começa a crescer a confusão, pois todos moradores contavam histórias diferentes, cada qual puxando o assado para seu lado, buscando citar seu nome na história da cidade e imprimir seu ponto de vista.

    Nesta odisséia, percorrendo as casas e ouvindo as narrativas dos habitantes, que não o deixavam em paz um minuto sequer, o malandro Biá vai ficando cada vez mais confuso com tantas histórias contadas sob ângulos diferentes e, mesmo tendo o “talento da escritura” não consegue escrever uma linha sequer.

    Por fim, Biá desolado por não ter conseguido ligar todas as lembranças, fabulas, memórias contadas pelos moradores de Javé, entrega o livro em branco para os moradores, que sem um “documento cientifico” que provasse a importância da cidade, a vêem ser tomada pelas águas da represa.

    O filme conta com um elenco pequeno de atores profissionais, porém estes fazem um grande trabalho, e a maior parte do elenco é formada pelos moradores da comunidade de Gameleira da Lapa, região que serviu de locação para a obra. Esta participação especial dos moradores acrescenta um elemento de veracidade, realismo e espontaneidade presente no filme.

    A trilha sonora, que é assinada pelo DJ Dolores, integra o filme conferindo-lhe um tom bastante apropriado. Uma mistura de música eletrônica com música regional nordestina. Entre uma batida elétrica e um acorde da viola/sanfona e bater do triangulo, o longa mistura o arcaico da vila dos moradores ao moderno progresso da hidrelétrica a ser instalada.

    Estes elementos que demonstram a pluralidade e riqueza da cultura brasileira podem ser notados no filme também no aspecto das religiões, da linguagem, do vestuário, costumes, crenças dos diferentes personagens e estereótipos brasileiros.

    Porém o que mais me chamou atenção no filme é sua capacidade de discutir assuntos tão importantes e complexos como a relação da memória com a história e identidade, de uma forma tão sutil e agradável, fazendo com quem já estude sobre o tema ou mesmo nunca leu nada a respeito, fique bastante interessado e note que ele esta extremamente presente na nossa vida, fazendo parte do nosso dia a dia.

    Quando os moradores decidem escrever a história de Javé (para esta não ser alagada) e, solicitam o malandro e criativo Antonio Biá para realizar tal tarefa, temas como história oral, história cientifica/oficial, patrimônio histórico, memória, identidade entram em cena. E é neste contexto que a trama se desenrola.

    Desde o momento que Biá começa a escutar as narrações dos moradores sobre a história da cidade para passar a história oral, sem credibilidade, sem validade para a história “cientifica”, oficial, documental, escrita, para servir como prova da importância da cidade, já pode relacionar com as discussões sobre história que tivemos ao longo da disciplina e do curso.

    Nestes relatos da comunidade outra questão que se faz perceber é a diferença e a relação da memória e da história. A memória como uma fonte para se escrever a história da cidade e as diferenças entre as memórias, cada qual reforçando algum aspecto de identidade (no caso do filme, negros, feminino, excluidos...).

    Ao longo do filme podemos nos perguntar e observar diferentes aspectos que poderiam ser defendidos como patrimônio histórico da cidade. Desde o Sino que esteve desde a fundação da cidade e em todas as lembranças dos moradores, os costumes religiosos, a música, e outros que chamamos de patrimônio não tangível.

    Vale destacar que o filme é um mosaico de narrações que desembocam na mesma história. Tanto que o filme em si é uma narração de Zaqueu (Nelson Xavier), ex morador de Javé que tenta distrair um viajante num bar a beira de um rio de uma outra cidade. Isso já nos faz supor que é mais uma versão de uma história.

    A obra termina com as águas da represa tomando conta da cidade, deixando-a submersa e obrigando a comunidade a rumar para outra região, carregando o sino (símbolo importante para a cidade), os moradores seguem em busca de um novo local para abrigar o povoado. (Da mesma forma que era narrada a viagem na época da fundação de Javé).

    Narradores de Javé, um filme que conta uma história fictícia, mas que pode ter acontecido/acontece em qualquer cidade brasileira, da conta de uma série de temas trabalhados e discutidos em aula como os já apontados (memória, história oficial, escrita, história oral, patrimônio histórico, cultura e brasileira e identidade) e os que não tiveram espaço neste breve resumo.

    O que considero como maior contribuição da disciplina e do filme que, aliás, é um ótimo longa para ser utilizado em sala de aula, é a ampliação e abertura para debate sobre os temas já citados que eles apresentam. Enfim, diferentes visões sobre os mesmos assuntos. O olhar da história sobre os produtos audiovisuais e o olhar destes sobre a história de nosso país.

    Acredito que a quebra de alguns preconceitos foram significativas tanto no filme quanto na disciplina. Pela parte da história, em não apenas criticar os produtos audiovisuais mas sim entende-los, ver como eles são feitos, montados e pensá-los como um recurso a mais e uma interpretação da história. Independentemente da sua fidelidade, podem ser extremamente interessantes em uma análise, nem que seja para contrapor o produto com a história que se julgue “verídica”. Enfim, um olhar e uma interpretação a mais.

    Por fim, vimos como estes filmes, seriados e novelas tem sido responsáveis por contar boa parte da nossa história, formar memórias coletivas e construir identidades do Brasil nos últimos anos. Ao invés de simplesmente questionar isso, acredito que devemos questionar o fato de por que cada vez mais os livros, a história oral, a história que é ensinada na escola, esta sendo vista como desinteressante e nada prática e enriquecedora comparada a história passada, vista e aprendida com estes produtos audiovisuais. Afinal, elas são tão diferentes assim?

    Vejamos algumas aproximações: Como foi dito, a cidade fictícia de Javé foi representada pela cidade de Gameleira da Lapa. Cidade esta que não contava com sistema de coleta de lixo há mais de 10 anos. O filme serviu de incentivo para a limpeza da cidade, reciclagem do lixo separado e conscientização da população sobre seus direitos, que cobrou um serviço de coleta seletiva. Atualmente há um movimento na cidade para trocar o nome de Gameleira da Lapa para Javé.

    A idéia do roteiro para o filme nasceu de uma história real ocorrida em uma pequena Cidade do interior de Minas Gerais. Pedro Cordeiro Braga, funcionário dos Correios, para garantir seu emprego numa terra de analfabetos, inventava e enviava cartas, assim como o que viria a fazer Antonio Biá.

    É a história e a ficção lado a lado contribuindo para a ampliação de conceitos e ampliando o número de pessoas que tem direito a cidadania e tornando-se agentes responsáveis por aquilo que fazem e capazes de interferir na escrita da história do país.

Referencia

  • Caffé Eliane (2004) Narradores de Javé

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