Saberes, crenças e habitus profissional no trabalho pedagógico de professores de Educação Física Saberes, creencias y hábitus profesional en el trabajo pedagógico de los profesores de Educación Física |
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*Mestranda/o em Educação Física pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação Física UnB Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Esporte, Lazer e Comunicação, GEPELC-UFG **Aluna do curso de Licenciatura da Faculdade de Educação Física da UFG Integrante GEPELC-UFG ***Doutor em Educação Física pela Unicamp Professor da Faculdade de Educação Física da UnB Coordenador do GEPELC-UFG |
Amanda Corrêa Patriarca* Tiago Onofre* Pollyana Nascimento de Paula** Fernando Mascarenhas*** (Brasil) |
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Resumo Este estudo trata a formação profissional em Educação Física e sua relação com a prática pedagógica do professor. Busca identificar e compreender quais e em que medida os saberes curriculares estão incorporados aos saberes cotidianos e ao habitus dos professores egressos do curso de licenciatura em Educação Física da UFG. Para tal, utilizamos como instrumentos de pesquisa, a observação apoiada pela entrevista semi-estruturada. Conclui-se que os professores, baseados em suas experiências e na formação inicial, tem estabelecido um diálogo entre a formação e a atuação, filtrando os saberes que tem relação direta com suas práticas e posturas pedagógicas. Unitermos: Educação. Educação Física. Formação de Professores.
Resumen Palabras clave: Educación. Educación Física. Formación del profesorado.
Abstract
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 150, Noviembre de 2010. http://www.efdeportes.com/ |
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Apresentação
A formação de professores, atualmente, tem sido objeto de estudo de inúmeras pesquisas acadêmicas. David (2003, p.3) afirma que esta temática é uma questão principal no interior das Instituições de Ensino Superior (IES), especialmente nas universidades que lidam com os currículos de formação em uma abordagem crítica e reflexiva sobre o modelo tradicional de formação profissional.
De acordo com Cavagnari (1988, p. 96), as políticas para a América Latina e o Brasil, nos anos 90, concentraram medidas para a melhoria da educação básica e procuraram responsabilizar a escola pelos resultados do ensino. No caso brasileiro se consubstanciaram no Plano Decenal de Educação para Todos e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96.
Capela (1999)1 traz algumas considerações histórico-políticas acerca do modo de produção e no qual estão imersas as Políticas Educacionais:
no Brasil, [...], nada mais é do que a re-atualização dos preceitos/receituários da nova ordem colonialista ou "imperialista" do sistema capitalista mundial, em sua fase mais avançada, denominada de capitalismo financeiro. São essas propostas políticas de atrelamento/submissão ao que dita o capitalismo internacional e impostas ao povo brasileiro que têm marcado o pensamento político dos governantes nacionais.
Pensando no contexto explicitado, podemos constatar um choque de interesses no que tange a educação. Para os detentores do poder a função da educação é a de capacitar a mão-de-obra para o mercado de trabalho, em contrapartida, para os explorados, a educação é uma maneira de ascensão social.
Observa-se que nos anos 90 firma-se um pacto para a manutenção do modelo capitalista vigente entre os países da América Latina e as agências internacionais de fomento (FMI, BM, CEPAL/ONU). Esse pacto denominado Desenvolvimento Humano possui um sub-tópico onde estão contidas novas diretrizes a serem adotadas para a Educação nestes países, dentre eles o Brasil. A proposta está formulada com o título Educação Para Todos,2 priorizando o Ensino Fundamental e cumprindo, assim, os acordos assumidos frente ao capital internacional, procurando adequar-se à nova ordem internacional.
Este plano anuncia diretrizes que nortearão as ações políticas de governo e que são incorporadas ao texto da LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que tramitava no Congresso Nacional há vários anos de forma muito lenta e que, "num passe de mágica", a partir da assinatura dos acordos internacionais, é aprovada com muita rapidez, graças ao empenho de congressistas governistas. Porém, não é aprovada sem antes descaracterizar, ou excluir, uma série de avanços que significavam conquistas sociais e que faziam parte do antigo projeto de lei que tramitava no congresso, sendo substituído pela versão aprovada, em 20 de dezembro de 1996, pela base de parlamentares que apoiava o atual governo (CAPELA, 1999).
Para o cumprimento dos acordos de submissão impostos pelas agências internacionais, é estabelecida a necessidade de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) e das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN´s), documentos que passam a orientar o “como-fazer” a Educação no Brasil, representando a Política Nacional de Educação.
De acordo com Pereira, Moreira e Piccolo (s/d), os cursos de formação em nível superior, após a promulgação da Resolução 03/87, se organizaram e passaram a oferecer uma formação que atendia às necessidades do mercado. Porém, novas discussões acabaram culminando na elaboração de novas propostas para a formação. No que diz respeito à Educação Física, o Ministério da Educação (MEC) com base nos Pareceres do CNE/CP 009/2001 e 27/2001 promulgou a Resolução 01 de 18 de fevereiro de 2002, que institui as DCN´s para a formação de professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura de graduação plena, apontando as características dos cursos, sem especificar as áreas de conhecimento. Após dois anos, ocorre a promulgação da Resolução n.07 de 31 de março de 2004, que institui as DCN´s para os cursos de graduação plena, conhecidos como Bacharelado em Educação Física. (PEREIRA, MOREIRA e PICCOLO, s/d).
Nesse contexto de educação superior a partir das DCN´s, as IES possuem certa liberdade na construção de seus currículos, contanto que estejam dentro das especificações estabelecidas.
Dessa maneira, optamos por analisar a formação a partir de seu “produto final”: o professor de Educação Física.
Formação de professores de Educação Física na FEF/UFG
O enfoque se dará em torno do professor de Educação Física egresso da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).
Historicamente, a FEF/UFG vem se destacando no cenário nacional, devido a seu compromisso com uma EF progressista. Podemos fazer essa afirmação baseados em seu PPP e em estudos referentes a essa instituição, como por exemplo, Ávila (2005); Onofre (2007); Ferreira e Vilarinho Neto (1999) dentre outros.
De acordo com o PPP da FEF, os conteúdos significativos devem ser construídos por meio das competências, entendidas como práxis pedagógica, como ação crítica e reflexiva. Com isso, a teoria e a prática passam a constituir-se na episteme básica da formação, tendo a prática como ponto de partida a cada nova ação, formando assim um espiral do conhecimento humano em níveis subsequentes. (UFG/FEF, 2004).
Assim, podemos analisar a formação de professores de EF na FEF/UFG a partir dos pressupostos contidos em seu PPP, que apresenta como produto final da formação um professor capaz de:
I - dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais, específicos da Educação Física e aqueles advindos das ciências afins, orientados por valores sociais, morais, éticos e estéticos próprios de uma sociedade democrática;
II - pesquisar, conhecer, compreender, analisar, avaliar a realidade social para nela intervir acadêmica e profissionalmente, por meio das manifestações e expressões do movimento humano com foco nas diferentes formas e modalidades da educação corporal, visando a formação, a ampliação e enriquecimento cultural da sociedade;
III - intervir e compreender a escola no contexto da realidade social como espaço objetivo de sua práxis;
IV - compreender a dimensão histórica da formação humana determinada socialmente;
V - compreender o trabalho pedagógico em sua dimensão social e emancipadora;
VI - ser capaz de criar e recriar na especificidade de sua práxis novos conhecimentos, atitudes e valores e aplicá-los rumo a transformação da educação e da realidade;
VII - acompanhar as transformações acadêmico-científicas da Educação Física e de áreas afins mediante a análise crítica da literatura especializada com o propósito de contínua atualização e produção acadêmico-profissional;
VIII - utilizar recursos da tecnologia da informação e da comunicação de forma a ampliar e diversificar as formas de interagir com as fontes de produção e de difusão de conhecimentos específicos da Educação Física para fins de produção acadêmico profissional. (UFG/FEF, 2004).
Tendo como base as competências acima e os estudos de Ferreira e Vilarinho Neto (1999, p. 8) ao analisarem a proposta curricular da FEF/UFG, podemos afirmar que nesta instituição a formação de professores não se restringe ao âmbito do ensino bancário. Pois busca em garantir em sua organização a produção do conhecimento vinculada à intervenção social, perspectiva de que a integração de ensino-pesquisa-extensão viabilize ao professor condições de qualificar sua prática a partir da práxis educativa.
Dessa forma, essa pesquisa buscou identificar os saberes, experiências, crenças e habitus profissional incorporados à prática pedagógica do professor egresso desta instituição (FEF/UFG), através de observações e entrevistas semi-estruturadas.
O professor de Educação Física e as categorias de análise
Foram sorteados 9 professores egressos entre 2003 e 2007, com atuação na Educação Básica da rede pública de ensino na cidade de Goiânia (rede estadual e municipal).
Foram escolhidas algumas categorias para nortear o trato dado ao objeto de estudo. São elas: Experiências sócio-corporais; Saberes, Crenças e Habitus Profissional. Delimitaremos o entendimento de cada uma delas:
As Experiências sócio-corporais são as vivências proporcionadas pelas interações que ocorrem nas relações sociais que incluem atividades e experiências corporais e valores a ela atribuídos, considerada como conhecimentos/habilidades adquiridas na imersão em determinada atividade (FIGUEIREDO, 2004).
Os Saberes, segundo Paiva, Andrade Filho e Figueiredo (2006), são um misto de experiência, conhecimento e saberes pedagógicos. Estes não se reduzem apenas à didática ou às metodologias; significam construção de saberes na relação cotidiana, a partir das necessidades pedagógicas colocadas pela prática social da educação.
As crenças, segundo Molina Neto (2003, p. 150) são “um tipo de conhecimento impregnado de emoções, preconceitos e valores que o professor constrói - resultado das informações que acessa e das relações que estabelece com seu contexto mais amplo”.
Por fim, o Habitus Profissional , segundo Molina Neto e Urroz Sanchotene (2006), pode ser entendido como esquema gerador das ações dos professores, ou seja, “um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona em cada momento como uma matriz de percepções, apreciações e ações” (p.269, 270); e como “rotinas construídas pelos professores ao longo de sua trajetória, utilizadas de forma inconsciente nos momentos em que considera oportuno” (p. 270).
Consciente das categorias analisaremos os dados obtidos a partir das entrevistas e observações realizadas junto aos professores.
Os professores e seu trabalho pedagógico
Iniciamos a pesquisa a partir da combinação de duas técnicas: (i) a observação, que compreendeu cerca de oito sessões de observação de aulas dos professores; (ii) a entrevista semi-estruturada. Buscamos identificar e compreender como vem se constituindo a intervenção do professor de EF no ensino básico no que se refere à incorporação dos saberes curriculares aos saberes cotidianos e ao habitus, buscando identificar também as experiências e crenças que esse professor construiu e carrega ao longo de sua jornada de formação e atuação.
As experiências e suas relações com a formação
Identificadas experiências destes professores, buscamos compreender os motivos que os levaram a escolher o curso de Educação Física:
Foi porque eu sempre pratiquei esporte, na minha infância, adolescência, pelo ensino médio, todos tiveram essa vivência com o esporte, né, e foi que poderia dar uma seqüência na vida profissional, trabalhando com isso. (Professor I)
Minha historia com a EF é bem próxima dos esportes, eu toda vida como todo brasileiro, gosto muito de futebol, só que era muito perna de pau, meu sonho era ser jogador de futebol, aí minha mãe desde pequeno viu que eu era ruim e falou assim: “Você vai ser professor de EF, não vai ser jogador de futebol não.” Ai eu cresci gostando de esporte, toda vida eu gostei de jogar bola, entrei no ensino médio, entrei no time de vôlei, ingressei em outros esportes, sempre gostei muito. (Professor D)
O contato anterior, a identificação e experiência sóciocorporal com a Educação Física, influenciaram fortemente a escolha da profissão. Estas experiências também influenciaram numa segunda alternativa de curso, seja por acesso, ou por condições, como também identificamos uma experiência profissional anterior à formação:
Não era minha primeira opção. A primeira opção só tinha na Católica e era 700 reais por mês, era engenharia ambiental, como não tinha condições, prestei para EF, mas porque eu jogava vôlei, pratiquei vários esportes na minha infância: judô, futebol, handebol e basquete por algum tempo [...] EF era uma opção por causa do vôlei. (Professor A)
Antes eu queria fazer Psicologia, tentava vestibular e ficava por pouco ponto, decidi trabalhar, fazia Administração, fui administrar uma academia, [...] achei o máximo trabalhar em academia e decidi fazer EF. (Professora G)
Estas falas dos professores confirmam o que Ávila (2005) e Figueiredo (2004) já haviam concluído em estudos anteriores, as experiências tem um papel importante na escolha da formação.
Os saberes no trabalho pedagógico
Primeiramente, buscamos saber dos professores se a formação teria sido satisfatória e qual as disciplinas, saberes disciplinares, tiveram maior proveito junto com sua prática pedagógica:
Muito satisfatória. Eu acho que a faculdade para mim foi muito importante, eu aprendi muitas coisas sobre a EF, minha visão de EF era voltada principalmente para a área esportiva. Então para mim foi muito importante. Principalmente as disciplinas críticas, tiveram uma importância muito grande, tive muitos professores bons em várias disciplinas. Didática, Filosofia, Ginástica, Biologia da Educação, Aprofundamento [...]. (Professor A)
Eu acho que eu aproveitei bem a faculdade, mas quando eu caí no trabalho mesmo, na escola, eu senti algumas dificuldades[...] no caso a relação com a infância [...] Faltou uma ligação da totalidade entre todos os conteúdo da EF e como isso deveria ser trabalhado [...] primeiro o jogo? O que isso influencia no trabalho com o esporte? Trabalho a dança? [...] a ligação entre essas disciplinas foi um pouco falha. As mais importantes, para mim, foram as que ajudaram a pensar a educação, foi muito Antropologia, Filosofia, o que realmente mudou minha visão [...] de que tenho que fazer diferente, foram essas e também Biologia, que mudou muita coisa que eu pensava. (Professora B)
Percebe-se que a formação foi satisfatória, tanto na obtenção de saberes vinculados á pratica pedagógica. Mesmo assim, ainda buscamos saber o que era preciso ser feito para qualificar ainda mais essa formação;
Acho que dentro da universidade eu não tive aparato com os professores de como tratar a indisciplina dentro da sala de aula, eu não vivenciei isso na graduação, então quando você chega lá dentro da sala de aula, você tem alguns problemas no que se refere à disciplina dos alunos, não no que se refere a trabalhar com os conteúdos, isso eu acho que a gente vê muito bem dentro da universidade, eu acho que algumas disciplinas nos ajudam muito [...] acho que isso seria um ponto que talvez a universidade poderia trabalhar. (Professor A)
Eu acho que a matéria Didática e Prática de Ensino poderia ser maior, assim, uns dois anos, porque você aprende muito mais na prática do que na teoria e também ter algumas disciplinas como Lutas[...] tem alguns conteúdos que você pode trabalhar na escola e que às vezes você não trabalho na faculdade e você tem que ir atrás. (Professor C)
As contribuições e os limites da formação inicial são identificados somente com o contato profissional, o exercício da docência e o confronto com a realidade escolar. Por isso identificamos a sugestão de um tempo maior no estágio e a ausência de alguns conteúdos, no caso da Lutas, e especificidades, no caso da infância.
Os professores e suas crenças
Vimos anteriormente que um dos fatores que levaram a satisfação por parte dos professores em relação a sua formação, foi a mudança da visão e do papel da Educação Física, ou seja, na mudança significativa de suas crenças acerca da área:
É a contribuição com a formação do sujeito. Aumentar, alargar os horizontes corporais do aluno, formar ele enquanto sujeito interventor da sociedade. Contribui na formação da cultura corporal e na formação política do aluno. (Professor D)
Ao longo de sua trajetória escolar (escolarização, formação e atuação profissional), os professores constroem crenças acerca do que vem se constituindo em sua profissão docente e no papel da EF no seu espaço de trabalho. Quando questionados acerca do papel da Educação Física na escola, os professores apresentam, em sua maioria, uma visão ampliada de mundo, de sociedade, acreditando que a EF auxilia na formação social e política dos alunos. O que vem ao encontro do que tem sido defendido historicamente pela instituição formadora.
Buscamos também identificar a crença sobre a valorização do professor de EF dentro da escola. As entrevistas apontam para o não reconhecimento da Educação Física enquanto componente curricular.
Eles são marginalizados no que se refere ao conhecimento cientifico, em trabalhar dentro da escola. Aparentemente, o que eu vejo é que a maioria dos professores, profissionais, pensam que a gente não tem nada a transmitir para os alunos, então se ele não tem nada a transmitir eu posso marginalizar aquela pessoa, no que se refere à falta de conhecimento[...]. (Professor A)
Alguns são discriminados sim, porque até os outros professores acham que EF é só brincadeira[...] quando falta um professor, a gente vai e substitui, agora se um professor de EF falta, desce os meninos e deixa eles a vontade no pátio, na quadra, isso é uma forma discriminatória porque muitos não tratam a EF como uma disciplina e sim uma brincadeira. (Professor C).
A valorização é conquistada pelos professores de maneira processual, por meio de posturas tomadas por eles dentro da escola:
Eu não me sinto desvalorizado hora nenhuma aqui na escola, acho também por um pouco da minha postura, eu nunca faltei com meus compromissos e nunca abri mão de nenhum espaço que eu possa estar, se eu posso estar em qualquer reunião, eu faço questão de estar lá, e faço questão de apossar da EF dentro da escola, eu acho que o professor é muito desvalorizado porque não toma posse do espaço dele na EF [...]o que se exclui de reuniões, se exclui do momento pedagógico, se exclui inclusive de jogos, por exemplo os municipais. Eu acho que ele perde credibilidade nisso e perde espaço inclusive dentro da escola. (Professor D)
Aqui na escola eu percebo que o professor de EF é valorizado sim, inclusive o coletivo contribui bastante para isso, sempre estamos planejando e aqui o professor tem a voz, tem vez [...]. (Professor F)
A valorização conquistada por meio da postura assumida pelo professor na escola, no ensino da EF, é reflexo da crença que estes professores tem do que seriam professores “bons” ou “maus”, da maneira como eles se encaixam nestes perfis, definidos por eles próprios. O bom professor:
É aquele que pensa na turma que tem, que analisa direto a realidade que está inserido, que planeja a aula de acordo com sua realidade, com a realidade dos alunos e com a realidade da escola. (Professora G)
É aquele professor que consegue ter um diálogo entre a sua experiência, história de vida, com a experiência que teve na formação inicial, consegue compreender e aplicar isso dentro de suas aulas, como planejamento, de preferência fazendo algumas ações que vão além do que é esperado da EF. (Professor H)
O mau professor:
É aquele que não faz questão de mudança nenhuma, então ele rola a bola, porque não vai fazer diferença nenhuma, ele só está ali para cumprir o horário dele e isso pra mim é o pior, o espontaneísmo é o pior. (Professora B)
É aquele que deixa a bola rolar lá, só apita o jogo, não faz mais nada, o aluno faz o que quer e isso é a diferença. (Professor C)
É o professor que não planeja, ele não tem objetivos para serem atingidos, e não tem como avaliar aqueles alunos, ele não tem como prever porque não tem uma seqüência pedagógica para estar realizando [...]. (Professora G)
Vejamos então, que os papéis de “bom” e o “mau” professor se caracterizam pelo nível de envolvimento, comprometimento e compromisso dos professores com a disciplina EF, com a escola. Dado estes parâmetros, Os professores buscam aproximar sua atuação profissional, o máximo possível, daquilo que acreditam ser a de um bom professor.
Não me considero um bom professor ainda, eu to um pouco longe do que eu quero ser, eu sei que isso demanda tempo de trabalho, tempo de mais experimentação, demanda muita coisa, mas eu acho que pelo menos pro rumo certo eu to tentando apontar. (Professor D)
Me considero uma ótima professora. Eu gosto muito de planejar minhas aulas, porque eu não dou conta de dar aula sem fazer planejamento antes[...] sempre tem começo, meio e fim. (Professora G).
O habitus construído na prática
Por meio da observação, buscamos identificar o hábitus do professor, ou seja as estratégias e as ações que o mesmo constrói no exercício da docência, tais como:
deslocamento dos alunos de um lugar a outro: em sua maioria, os professores os mandavam formar filas para sair e voltar para sala, geralmente uma fila de meninos e outra de meninas;
organização e silêncio: um aluno só fala quando pedir permissão, levantando o dedo, o professor só fala quando todos se calam;
a maneira de punição por mau comportamento: normalmente, voltam todos para a sala quando o mau comportamento é coletivo, quando é individual, o professor coloca o aluno para pensar em seu comportamento no “cantinho da reflexão”, privando o aluno de atividades práticas durante um determinado tempo, ou durante toda a aula etc.
As estratégias visando à construção de rotinas dentro da sala de aula ou do espaço pedagógico, tais como silêncio, indisciplina, organização de filas e deslocamento entre sala de aula e quadra, num primeiro momento, seguem estratégias vivenciadas pelos professores enquanto alunos no processo de formação inicial, com o contato cotidiano com a escola ou no período escolar e são reproduzidas no seu trabalho pedagógico. É possível perceber um modus operandi no trabalho desses professores, o que confere a identificação do seu estilo e método de trabalho. Podemos dizer que o professor constrói, modifica, substitui e mantém seu habitus à medida que se relaciona com os diversos fatores que influenciam sua prática pedagógica.
A observação de aulas nos trouxe dados em que alguns professores valorizam a seleção coletiva dos conteúdos a serem tratados na EF, explorando a discussão dos alunos junto ao conteúdo da aula e a prévia apresentação do tema e dos objetivos a serem alcançados.
No caso da EF, enquanto disciplina escolar, há exigências por uma dinâmica diferenciada em relação às aulas. O espaço pedagógico varia de acordo com os propósitos da aula, fazendo com que o professor crie diversas maneiras de seleção, organização, exposição dos conteúdos.
Considerações finais
Este trabalho buscou identificar e compreender como vem se constituindo a intervenção do professor de Educação Física, face às mudanças e demandas do contexto escolar e no processo de produção. Tentamos compreender como se dá esse processo de formação de professores na FEF/UFG a partir de seus alunos egressos (professores) com atuação na Educação Básica.
Percebemos, de um modo geral, que o ingresso no curso de EF é influenciada por experiências corporais vivenciadas antes da formação, geralmente ligadas ao esporte. Concomitantemente, verificamos que nem sempre a EF constitui-se na primeira opção do vestibular, constituindo-se em uma alternativa ás dificuldades apresentadas de inserção no ensino superior.
Os saberes que desenvolvem durante o exercício de sua profissão são baseados no seu próprio trabalho e vem de suas experiências, ainda que alguns saberes sofram uma “filtragem” na formação.
Por outro lado, de acordo com as entrevistas, os saberes curriculares sintetizados pela FEF/UFG se apresentam como de suma importância no trabalho docente desse professor. As disciplinas avaliadas como de maior aproveitamento no trabalho pedagógico foram as que relacionadas ao contexto escolar, como por exemplo, Didática e Prática de Ensino e as que pedagogizavam os Esportes, dentre outras disciplinas que auxiliam na compreensão do papel do professor na escola.
Ao identificarmos algumas crenças que carregam acerca da EF, constatamos que a valorização dentro da escola é construída por meio da postura, responsabilidade e compromisso que este professor assume diante da disciplina, dos alunos e dos outros profissionais da escola. Consideramos que os professores procuram constantemente uma aproximação com o que acreditam ser bons professores.
Diante de todos os questionamento e os aportes teórico-práticos dados pela Instituição formadora, concluímos que a Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás possui um currículo privilegiado, pois é nítida na fala dos professores ao considerarem a formação satisfatória. No entanto, as falhas apontadas na formação acontecem em conseqüência da ausência de diálogo com os problemas cotidianos da escola. Os professores fortalecem a importância da aproximação do debate entre a escola e a universidade estabelecendo um ir e vir entre a realidade escolar e os processos formativos.
Enfim, temos que resgatar a pesquisa na escola como método capaz de resolver, elaborar e discutir questões da realidade escolar, buscando sempre melhorar suas práticas formativas.
Nossa pretensão foi de aproximar o campo profissional do egresso (escola), juntamente com suas dificuldades e carências da formação, a fim de colaborar para a melhor qualificação desse professor.
Notas
Texto referente à palestra realizada no III Encontro Fluminense de Educação Física Escolar.
A avaliação dessa proposta estratégica lançada com o prazo de atuação de 10 anos (1993 – 2003) está disponível em: http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/%7BDEBC5505-6B0E-4AF1-BCAE-0D384B6AB419%7D_avaliacao_127.pdf
Referências
DAVID, Nivaldo Antonio Nogueira. Novos ordenamentos legais e formação de professores de Educação Física: pressupostos de uma nova Pedagogia de Resultados. (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física. Campinas, 2003.
MOLINA NETO, Vicente. Crenças do Professorado de Educação Física das escolas públicas de Porto Alegre – RS/Brasil. In: Revista Movimento, v. 9, n. 1, 2003.
CAVAGNARI, Luzia Borsato. Projeto Político Pedagógico, Autonomia e Realidade Escolar: entraves e contribuições. In: Escola: Espaço do Projeto Político-Pedagógico. Papirus Editora, Campinas, SP, 1988
CAPELA, Paulo Ricardo do Canto. As diretrizes e os parâmetros curriculares nacionais para a Educação Física: Interpretações para a implantação, 1999. Disponível em: http://cev.org.br/biblioteca/as-diretrizes-os-parametros-curriculares-nacionais-para-a-educacao-fisica-intrpretacoes-para-a-implantacao, Acesso em: 23/10/2009.
FERREIRA, Andreia Cristina Peixoto; VILARINHO NETO, Sissilia. Políticas Educacionais e Currículo de Formação de Professores de Educação Física: Desafios e Possibilidades para a Organização do Trabalho Pedagógico. In: Revista Pensar a Prática, v.2, 1999.
FIGUEIREDO, Zenólia C. Campos. Formação docente em Educação Física: experiências sociais e relação com o saber. Movimento, Porto Alegre, v.10, p.89-11, janeiro/abril de 2004.
AVILA, Regiane. A Educação Física na Universidade Federal de Goiás: A relação entre os Saberes Cotidianos e os Saberes Curriculares no processo de formação inicial. (Trabalho Monográfico). Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Educação Física, Goiânia, 2005.
PAIVA, Fernanda Simone Lopes de, ANDRADE FILHO, Nelson Figueiredo, FIGUEIREDO, Zenólia Cristina Campos. Formação inicial e currículo no CEFD/UFES. In: Revista Pensar a Prática v.9, n.2. Goiânia, 2006.
ONOFRE, Tiago. A Educação Física na Universidade Federal de Goiás:Saberes Cotidianos e Saberes Curriculares no processo de Formação Continuada. (Trabalho Monográfico). Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Educação Física, Goiânia, 2007.
BRASIL. Parecer nº 776/97 de 3 de dezembro de 1997. Define Orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0776.pdf Acesso em: 24/10/2009
PEREIRA, Raquel Stoilov; MOREIRA, Evando Carlos; PICCOLO, Vilma Lení Nista. O impacto das Novas Diretrizes Curriculares Nacionais na Formação dos professores de Educação Física. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Nº 110, 2007. http://www.efdeportes.com/efd110/formacao-dos-professores-de-educacao-fisica.htm
URROZ SANCHOTENE, Mônica; MOLINA NETO, Vicente. Habitus Profissional, Currículo Oculto e Cultura Docente: Perspectivas para a Análise da Prática Pedagógica dos Professores de Educação Física. In: Pensar a Prática, v. 9 n.2 Goiânia, 2006.
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