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A família, a escola e a Educação Física:

suas relações no processo educacional

La familia, la escuela y la Educación Física: sus relaciones en el proceso educativo

 

Mestre em Ciências da Motricidade Humana

Docente do Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná

CEULJI/ULBRA

Glauber Bedini de Jesus

bedini@terra.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O desenvolvimento do processo educacional acontece para os indivíduos a partir de várias instituições, dentre elas podemos verificar a família e a escola como os locais mais importantes desse momento. Atualmente, por conta das diversas transformações ocorridas na sociedade percebemos uma dificuldade de entendimentos dos papéis de ambas, o que acaba por prejudicar o andamento da educação dos alunos. Em meio a isso, como a Educação Física poderia se posicionar, já que é um componente curricular obrigatório na escola e que também faz parte desse processo? Assim, o presente estudo teve como objetivo verificar os diferentes posicionamentos e desenvolvimentos que a Família, a Escola e a Educação Física estabeleceram historicamente junto ao processo educacional, por meio do levantamento bibliográfico de autores que tratam a respeito do tema. Com isso, foi possível constatarmos que tanto a Escola, quanto a Família e a Educação Física, não só se transformaram ao longo do tempo como também estabeleceram uma relação que acaba prezando cada vez mais, pela questão do desenvolvimento individual em detrimento dos espaços e interesses coletivos. Dessa forma, é importante que nos atentemos à necessidade de proporcionarmos momentos coletivos entres esses integrantes do processo educacional, para que possamos recriar não só os objetivos de nossa Educação como também de nossa sociedade, a partir de uma relação dialógica, crítica, contextualizada e relevante.

          Unitermos: Processos educacionais. Educação Física escolar. Família. Escola.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 150, Noviembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Atualmente, quando falamos em educação, logo nos colocamos a pensar a respeito do processo educacional formal, caracterizado pela presença das instituições regulares do ensino, representadas principalmente pela escola de educação básica e obrigatória, e deixamos de considerar outros elementos que fazem parte desse processo. De acordo com o artigo 3o da LDB de 1996, a Educação é:

    “dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, [que] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 1996, art. 26, §3o)

    Dessa forma, é possível verificamos que outros elementos e instituições fazem parte do desenvolvimento do processo educacional dos alunos. Na prática, notamos forte influência existente entre os aprendizados que se desenrolam junto à instituição escolar e familiar.

    Sem dúvida, tais instituições possuem grande importância no processo educacional dos indivíduos, e apesar dessa relação existente entre ambas, ser atualmente muito incentivada e apontada como ponto fundamental na obtenção de uma melhora qualitativa no ensino, verificamos que esta sofre certo esvaimento ao longo dos anos, seja por desatenção à sua relevância, possível resultado das diversas mudanças sócio-culturais ocorridas ao longo dos séculos e principalmente nas últimas décadas; seja pelo descaso de ambas as instituições, que tiveram suas responsabilidades e funções alteradas socialmente e que se confundem, ainda por conseqüência dessas mesmas mudanças macro-sociais, ou ainda pela falta de conhecimento a respeito da real relevância que a conjugação escola e família têm historicamente nesse desenvolvimento.

    Junto a esse processo, encontramos a Educação Física, que atualmente é considerada componente curricular obrigatório da Educação Básica, devendo assim, estar integrada à proposta pedagógica da escola assim como aponta a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), da mesma forma, deve estar pautada em uma ação capaz de introduzir e integrar:

    “o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir dos jogos, dos esportes, das danças, das lutas e das ginásticas em benefício do exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida.” (BRASIL, 1998, p. 29)

    É possível percebermos que uma Educação Física que possui tais características e que se propõe a tratar de elementos como o desenvolvimento cidadão, a ação reflexiva, o exercício de posicionamentos e atitudes críticas para a melhoria da qualidade de vida, necessita fazer parte de um processo educacional, que não possua características como a fragmentação e o isolamento de seu trabalho, seja em relação aos outros componentes curriculares, como também e principalmente em relação às intenções e ações da família e da escola.

    Com isso, quais relações seriam interessantes de serem estabelecidas por tais instituições? De que forma, a família em uma ação conjugada com a escola, poderia auxiliar no processo educacional dos alunos? E de que forma a Educação Física beneficiaria os alunos com esse possível posicionamento?

    É a partir desses questionamentos que se faz relevante realizarmos um estudo que aponte para as diferentes relações já estabelecidas historicamente pela família, pela Escola e pela Educação Física no processo educacional dos indivíduos, para que posteriormente possamos pensar em alternativas palpáveis de criação, recriação ou ainda de retomada de alguns dos posicionamentos já estabelecidos por essas instituições.

    Assim, o objetivo do presente estudo foi verificar os diferentes posicionamentos e desenvolvimentos que a Família, a Escola e a Educação Física estabeleceram historicamente junto ao processo educacional, por meio do levantamento bibliográfico de autores que tratam do tema.

A Família

    A família que conhecemos hoje, a família moderna, é segundo Kaloustian:

    “... o espaço indispensável para a garantia da sobrevivência, do desenvolvimento e proteção integral dos filhos e demais membros, independente do arranjo familiar ou forma como vêm se estruturando.” (KALOUSTIAN, 1999, p. 23).

    A família moderna vem se caracterizando pelo estabelecimento de laços afetivos, necessidade de um ambiente privado e preocupação com o desenvolvimento da educação e da moral dos filhos, fato que há alguns séculos atrás não acontecia.

    Esse recorte de família que encontramos hoje em nossa sociedade já foi bastante diferente em outras épocas. Sua função na Idade Média, por exemplo, era de fazer com que o nome da família fosse perpetuado ao longo das gerações, através dos filhos.

    De fato, as relações que a família estabelecia com a sociedade eram bastante antagônicas se comparadas com as atuais. De acordo com Áries (1981), a sociabilidade entre as pessoas aconteciam nas ruas, nos campos ou na prática de seus ofícios; suas casas eram freqüentadas constantemente por várias pessoas. Qualquer hora do dia era cabível para visitas, afinal de contas a casa era realmente um local de convívio social. Sua estrutura, um espaço único onde coexistiam a cozinha, a sala e o quarto, ajudava, portanto para a falta de privacidade e a ausência do sentimento de lar e de família íntima hoje existente.

    Desta forma, as pessoas viviam em uma comunidade onde não havia nenhuma distinção entre a vida pública e a vida privada. As relações que se estabeleciam com as pessoas, eram realmente diferentes das que se conhece hoje em dia.

    Para se ter uma idéia, o trato que se tinha com as crianças era o mesmo que se tinha com um adulto, não existia uma diferenciação entre a infância, a adolescência e a vida adulta. A ausência dessa diferenciação fazia com que a família se responsabilizasse pela educação de seus filhos até, no máximo, os sete anos de idade, quando depois estes eram mandados para casas de outras famílias para aprenderem a servir. Este era um dos principais ofícios da época, confundido naturalmente com a educação e a profissão. Para Ariès:

    “... o serviço doméstico se confundia com a aprendizagem como uma forma muito comum de educação. A criança aprendia pela prática, e essa prática não parava nos limites de uma profissão...” (ARIÈS, 1981, pág. 228)

    As crianças aprendiam as coisas da maneira mais prática possível, executando o que viam os adultos fazerem.

    Essas relações estabelecidas entre as pessoas, tanto na rua como nas casas, eram quase uma relação pública, e foram mudando a partir do momento em que a sociedade da Idade Média começou a se sentir desprotegida, já que sentiam falta de um Estado fortificado. Isso fez com que as pessoas formassem grupos, capazes de se ajudarem e de se protegerem.

    Estes agrupamentos eram compostos de parentes que viviam em um mesmo local, sem qualquer tipo de divisão da propriedade e conseqüentemente sem qualquer tipo de sentimento familiar, afinal de contas, mesmo se esse existisse, estaria dissolvido nesse convívio com tantas pessoas.

    Após algum tempo, a partir do século XIII, com o fortalecimento do Estado, esse tipo de vida acabou enfraquecendo já que as pessoas não se sentiam mais desprotegidas. Foi a partir de então que as famílias passaram a usufruir de uma maior privacidade dentro de seus lares, o modelo de família conjugal começava a prevalecer.

    É claro que não podemos comparar essa família conjugal com a que vivemos atualmente. Afinal de contas, esse modelo de família possuía uma privacidade bastante rústica, o que acarretou em grandes transformações nas relações que permeavam essa instituição.

    Com um número menor de pessoas vivendo dentro de casa, algumas mudanças foram bastante notórias: a figura masculina do pai ia ganhando cada vez mais autoridade no interior da mesma, o sentimento de família começa a ser vinculado à religiosidade enquanto nesse mesmo momento, as pessoas começavam a se preocupar e se interessar pela criança. São a partir dessas mudanças, que a criança começa a ser tratada de maneira diferenciada, os adultos começam a se encantar com as peculiaridades da infância, a ponto de passarem horas e horas junto às crianças. A esse sentimento, Ariès deu o nome de paparicação, onde a vontade de estar junto à criança para contemplá-la era cada vez maior e mais freqüente.

    Junto a esse sentimento, surge o início de uma conscientização das características da infância. Foi esse novo sentimento que trouxe à infância uma nova concepção de criança, onde a partir de então, o período que esta vivia aos cuidados dos familiares e principalmente da mãe passou a ser bem mais longo.

    Desta forma, começa a se ter uma preocupação não só com a criança e sua educação, mas também uma preocupação de orientar a família com relação a esse desenvolvimento educacional da criança. É a partir de então que a escola começa a ganhar importância como uma instituição educacional.

    A família, portanto, chega a Modernidade com um outro recorte, ela conquista a intimidade individual, conquista a organização dos grupos com os quais se relaciona e leva a vida privada para o convívio familiar. Essa “nova instituição” começa a viver de maneira diferente. Seu convívio social restringe-se a pequenos grupos que se encontravam em outros lugares, que não a própria casa; a importância para a vida familiar é ponto primordial, assim como cuidados como a educação, a saúde e a igualdade entre os filhos.

    Até mesmo a estrutura física das casas foi mudada, a partir do século XVIII, esta passou a ter cômodos separados para cada membro. A família tornou-se então um lugar de refúgio à vida privada, um lugar de afetividade, intimidade e de preocupação com a infância.

    Sendo assim, a família passou a ser não só uma instituição com fundo de perpetuação de bens ou de nomes mas também uma instituição que assume o papel formador das pessoas que nelas vivem.

    A partir da Revolução Industrial, a organização familiar volta-se para o trabalho, a família se reduz cada vez mais, suas ligações com outros parentes que não os pais e o número de filhos começam a ser cada vez menores. O aumento na jornada de trabalho, a inserção da mulher no mercado e a individualização cada vez maior do sujeito, contribuíram para maiores alterações sociais, fazendo com que a função educativa da família fosse transferida para a escola.

A Escola

    A escola foi desde o início da Modernidade até os dias de hoje a instituição que teve como objetivo exclusivo a educação. Seu desenvolvimento, até a concepção de escola moderna que conhecemos hoje, foi sem dúvida, influenciado pelas transformações que ocorreram nas relações sociais existentes na família, principalmente com relação à criança. A escola, portanto, surge com a nova concepção de infância, resultado de uma grande transformação no movimento social da época, principalmente na instituição familiar.

    As escolas e os colégios, na Idade Média, eram locais utilizados somente pelos clérigos, nenhuma outra pessoa fazia uso desses lugares. Para as famílias da época, as crianças não necessitavam de ensinamentos diferentes daqueles que recebiam nas casas onde eram mandados para aprenderem a “servir”. Desta forma, a sociedade se encarregava de “educar” a criança, através da própria prática, da observação e da imitação dos fatos vivenciados.

    É claro que existiam outros tipos de ensinamentos, porém eram feitos por poucas pessoas. Estes “professores”, os mestres, viviam como andarilhos passando seus conhecimentos às pessoas nas próprias ruas, nas portas das igrejas e em casos mais raros, em salas que alugavam, as chamadas scholas.

    É a partir do século XV, quando surge o sentimento de paparicação e a preocupação de dar à criança um tratamento diferenciado dos adultos, discurso defendido por moralistas e reformadores religiosos, que a escola passa a ser considerada o melhor ambiente para se educar, feita de maneira séria, separando as crianças dos adultos, dando importância às suas peculiaridades.

    Desta forma, a educação escolar começava a se tornar importante na educação das crianças. Essa nova concepção de educação foi ganhando cada vez mais espaço e prestígio, principalmente entre a burguesia, ainda no século XV, que realmente mandavam seus filhos para as escolas, onde moravam com seus mestres, diferente das porções mais ricas e mais pobres, que ainda mandavam seus filhos para a casa de outras pessoas.

    É justamente neste período que a família começa a sentir a necessidade de um convívio mais íntimo, mais familiar; sendo assim, era preferível mandar os filhos para a escola, já que estes, dessa forma, tinham muito mais contato com a família do que se enviados às casas de outras pessoas. Esse novo sentimento familiar com relação à criança principalmente, e a crítica à prática da paparicação, ainda presente na vida das camadas mais baixas, foram fatores que contribuíram, definitivamente, para a implantação das escolas e para a nova consciência da educação infantil.

    A preocupação com relação à criança foi aumentando cada vez mais, a partir do século XVII: tentava-se compreender como a criança pensava, o que acontecia psicologicamente com ela, para que fosse possível relacionar os métodos de aprendizagem com o desenvolvimento de seu raciocínio. Essa tentativa do aperfeiçoamento dos métodos de ensino, culminou no surgimento de um novo fator na educação das crianças nas escolas: a disciplina.

    Esta passou a ser vista, tanto pela escola quanto pela família, como um elemento essencial para o desenvolvimento moral e espiritual dos alunos. Como exemplo disso, o internato passa a ser, no século XIX, considerado a instituição ideal para se educar, pois além de enviar a criança para outro lugar, esta se deparava com um aspecto disciplinar altamente rígido.

    A escola, entre o final do século XVII e início do século XVIII, já tinha um formato bastante parecido com o atual, apesar da escolaridade ser uma exclusividade do sexo masculino. As meninas apenas aprendiam as tarefas domésticas, necessárias para servir as pessoas. Foi só no início do século XX que elas começaram a aprender a ler e escrever, porém isso não aumentava muito suas possibilidades de expansão no meio social, era mais um ofício além da função de servir.

    Apesar do grande desenvolvimento e prestígio da escola na sociedade, a população ainda era bem dividida. Havia a parte escolarizada e a não escolarizada, porém isso não era um diferenciador de classes sociais pois ainda existiam muitas famílias ricas que preferiam mandar seus filhos para outras casas a enviá-los para as escolas. Dentro da instituição familiar ainda existia uma certa controvérsia com relação à educação das crianças.

    Desta forma, a escola não detinha o monopólio da educação, já que ainda se mantinha o hábito do envio das crianças para outras casas, prezando o ensino de hábitos e costumes, estes claramente retratados nos manuais de civilidade, que após alguns anos foram usados pela escola para ensinar a ler, escrever e mostrar aos pais a importância e a responsabilidade da educação das crianças. A partir de então (início do século XVIII), a escola passa a se engendrar e influenciar o ambiente familiar de maneira cada vez maior e constante.

    As famílias se encontravam em um processo de transformação que fazia com que houvesse um maior relacionamento entre as famílias que se assemelhavam entre si, começando a surgir então a percepção das classes sociais. A burguesia já não aceitava mais a mistura de classes na escola, tirando aos poucos seus filhos das escolas. Isso resultou, posteriormente, em um sistema duplo de ensino onde a diferenciação era feita pelas classes sociais. A escola se transforma em uma instituição para o povo enquanto que o colégio e o liceu são criados exclusivamente para a burguesia.

    Neste período, com o surgimento do pensamento iluminista, houve uma maior intensificação na idéia de separação das instituições escolares, uma para as massas e outra para as classes privilegiadas. O povo seria contemplado com uma escola estritamente técnica e curta, enquanto que a burguesia e pouquíssimos privilegiados das classes marginalizadas teriam o prazer de desfrutar de uma escolaridade mais longa e de maior qualidade.

    Com o surgimento das fábricas, com a Revolução Industrial que passou a exigir a mão de obra trabalhadora do pai e da mãe, é que a escola realmente se mostrou como uma instituição educacional. Além da escola ser um lugar seguro para as crianças ficarem, surgem as escolas de ensino técnico profissional, acabando com toda aquela idéia de educação através da observação e da imitação. Foi também neste período que as escolas infantis e elementares foram sendo cada vez mais valorizadas, dando espaço para uma maior atenção na área da psicologia infantil.

    A escola, portanto, passa a ser tratada, definitivamente, pelos reformadores sociais e políticos como a instituição ideal para o desenvolvimento da educação. A comunidade, a família e a Igreja começavam a ser vistas por esses reformadores como um obstáculo para o progresso social, pois em razão de sua enorme influência emocional, ela era considerada perigosa por inculcar, através da aquisição da língua materna ou da manipulação dos termos e das relações de parentesco, modos de pensar e de atuar que se transformam em hábitos contrários à idéia de uma comunidade de sentimentos e interesses que assegura o respeito aos direitos do homem e do cidadão (CANÊDO, 1994, p. 48).

    Como resultado desse pensamento conseguem implantar, durante o século XIX, a obrigatoriedade da Escola Pública laica. É a partir dessa tentativa de emancipação do indivíduo e progresso da democracia que o Estado se coloca no direito de intervir de maneira à homogeneizar a sociedade.

    Para que houvesse a legitimação e a naturalização dessa intervenção, o Estado acabou criando meios de obter informações que comprovassem a presença de “problemas sociais”, um deles foi o desenvolvimento dos órgãos estatísticos governamentais, capazes não só de indicar esses problemas mas sim de dar meios para a formulação e a intervenção das políticas familiares, sociais ou educacionais. Desta forma o Estado se faz responsável pela educação e pela vida privada controlada dos indivíduos.

    É junto a essas concepções que surge no Brasil a Escola Nova, que propunha uma conscientização, dos educadores, para o desenvolvimento dos alunos, através de uma adequação das idades com as particularidades psicológicas dos mesmos, além de reivindicarem uma escola que fosse acessível para todos.

    O que realmente contava nessa concepção do movimento escolanovista, era a visão socializadora da realidade. Como a sociedade, a família e a escola passavam por momentos de movimentação social, para os autores, educadores e adeptos do movimento, a sociedade no seu todo poderia ser modificada através da escola.

    Sendo assim, a escola e a educação passam a ser extremamente valorizadas, principalmente a escola que foi vista como um instrumento para a democratização, inclusão e ao mesmo tempo para a ascensão social. Mas como isso seria possível?

    Na medida em que a escola passa a ser mantida e administrada pelo Estado, ela passa a atender os interesses das classes que dominam o espaço político. Desta forma, a escola se transforma em defensora dos interesses, valores e conteúdos considerados legítimos pela classe dominante; rejeitando e apagando os demais significados culturais advindos de outras classes.

    A escola, portanto, torna-se um meio para a manutenção do sistema de classes sociais, além de minimizar, cada vez mais a influência da família no processo de educação das crianças, pois acaba por monopolizar todo o processo de conhecimento das crianças e adolescentes, que um dia foi de controle da família.

    Apesar da história apontar que é na medida em que a família diminui as suas possibilidades de assumir a educação e a convivência diária com as crianças que cresce a importância da escola nas sociedades modernas, as duas instituições continuam acolhendo, convivendo e influenciando a formação moral, cognitiva, afetiva e física das crianças e jovens.

    Contudo, podemos perceber que a relação entre a instituição familiar e a instituição escolar realmente existe, o que nos faz pensar cada vez mais na presença de ambas no processo educacional dos alunos, devido à grande importância que cada uma tem na vida dos mesmos.

A Educação Física

    Para que possamos entender a relação existente entre a instituição familiar e a escolar, no âmbito das práticas corporais, é necessário definirmos alguns conceitos que mostrem as principais características da Educação Física enquanto campo disciplinar.

    Podemos dizer que o ser humano, desde sua concepção, vive uma vida de contextos socialmente construídos. Em outras palavras, o homem é fruto da produção e da reprodução de formas de pensar, agir e sentir, coletivamente modeladas. Desta forma, podemos dizer que o ser humano é produtor de cultura e é graças a ela que a humanidade vai se constituindo e se transformando ao longo dos tempos.

    Esta cultura, ou toda a criação de códigos materiais e simbólicos que o homem produz e reproduz para sobreviver, comunicar-se e sentir-se pleno, acaba por singularizar a espécie humana das demais espécies animais.

    Os movimentos corporais também fazem parte desse repertório cultural. É na tentativa de atender necessidades das mais diversas grandezas, que o uso do corpo foi se fazendo essencial ao ser humano e que por sua vez tornou seus movimentos cada vez mais eficientes, satisfatórios e estilizados.

    Independente do tipo de possibilidade ou necessidade de ação corporal, o movimento do homem vem criando conhecimentos e representações que são constantemente apropriados e transformados. Portanto, à estruturação das formas de expressão, suas intencionalidades e sua sistematização, podemos dar o nome de cultura corporal do movimento.

    Alguns elementos dessa cultura corporal do movimento, originária das necessidades e ou possibilidades do ser humano, foram incorporados pela área disciplinar da Educação Física como objetos de ação e reflexão, caracterizadas pelos jogos e brincadeiras, esportes, danças, ginásticas e lutas, elementos da representação corporal de diversos aspectos da cultura humana.

    O trabalho na área da Educação Física tem seus fundamentos nas concepções socioculturais de corpo e movimento, e a natureza do trabalho desenvolvido nessa área se relaciona diretamente com a compreensão que se obtém entre esses dois conceitos.

    Atualmente a Educação Física tenta superar a ênfase na aptidão física do passado e busca a consideração das dimensões cultural, social, política e afetiva, presentes no corpo das pessoas, que interagem e se movimentam como sujeitos sociais.

    Dessa forma, se a Educação Física na escola se propõe a desenvolver um corpo de conhecimentos que possibilita ao aluno o desenvolvimento de capacidades e habilidades capazes de lhe proporcionar autonomia frente à leitura, interpretação, produção, reprodução e transformação dos elementos culturais corporais participativos dos contextos de suas vidas. Mas até que ponto a Educação Física, enquanto componente curricular é capaz de desenvolver objetivos tão amplos e complexos?

A Família, a Escola e a Educação Física... possíveis relações

    É possível verificarmos que a relação existente entre a Família e a Escola, é historicamente permeada por transformações sócio-culturais internas e que por vezes forjou alterações significativas na sociedade. Assim, podemos perceber que tratar o tema em questão vai além de uma simples tentativa de proposição de mudança momentânea no processo educacional.

    De acordo com Libâneo (1998) as transformações do papel da escola e dos professores na sociedade dita pós-industrial, acabam intervindo nas várias esferas da vida social, como mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais, afetando as escolas, o exercício profissional da docência, quiçá a família.

    Dessa forma, podemos entender que a escola, pode ser vista como um sistema, uma vez que define suas fronteiras pela interação com o meio, num movimento constante no qual existe uma interdependência entre os sujeitos que a compõem (CARVALHO E DIOGO, 1994).

    Com isso, fica evidente, que tanto a família quanto a escola e o processo educacional, saem de uma instância caracterizada pela vivência e pelo aprendizado de um convívio de uma vida pública e vai se transformando, paulatinamente, em um momento privado, no qual há a valorização de espaços cada vez mais individualizados e restritos. Conseqüentemente, a educação começa a tomar contornos cada vez menos voltados aos interesses coletivos e sim mirados aos interesses de determinados grupos.

    Como resultado desse processo de transformações sociais, culturais, políticas e econômicas, percebemos atualmente, uma Educação caracterizada por uma subordinação às questões da economia e do mercado, na qual inexiste o enfrentamento de idéias a partir de um pensar coletivo, em favor das necessidades da população.

    Logo, a relação que essa escola e os agentes que dela fazem parte deveriam estabelecer, não poderia estar pautada na preocupação de transmitir informações e transformar-se num lugar de análises críticas e produção de informação, em prol de adaptar as novas gerações a um modelo “x” de sociedade, assim como aponta Venâncio (2005). Seria importante que a escola e seus agentes; sejam as famílias, os professores, os alunos ou a comunidade escolar, construíssem espaços e tempos que não estivessem voltados exclusivamente ao desenvolvimento individual de seus participantes, mas sim, voltados para o pensar e o agir de um trabalho coletivo, com os quais, poderíamos recriar não só os objetivos de nossa Educação como também de nossa sociedade, a partir de uma relação dialógica, crítica, contextualizada e relevante.

Referências bibliográficas

  • ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: LCT, 1981.

  • BILAC, E.D. Família: algumas inquietações. In: CARVALHO, M.C.B. (Org.) A família Contemporânea em Debate. São Paulo: EDUC/Cortez, 2000. p.29-38.

  • BOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M.C.; CATANI, A. Escritos de Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p.41-64; p. 229-237.

  • BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceira e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental / Educação Física / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998. 114p.

  • _______. Ministério da Educação e do Desporto. Lei no 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. MENESES, J.G.C. Estrutura e funcionamento da educação básica: leituras. São Paulo: Pioneira, 1998. p. 306-28.

  • ______. Ministério da Educação. Lei no 10.793, de 1o de dezembro de 2003. Altera a redação do art. 26, § 3o, e do art. 92 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que "estabelece as diretrizes e bases da educação nacional", e dá outras providências. Presidência da República – Casa Civil – Subchefia de Assuntos Jurídicos.

  • CANÊDO, L.B. A família, a escola e a questão educacional. Série Idéias, São Paulo, n. 23, p.45-55, 1994.

  • CARVALHO, A.; DIOGO, F. Projecto educativo. Porto: Afrontamento, 1994.

  • DARIDO, S.C. Educação Física na escola: Questões e Reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.

  • GOMES, H.S.R. Um estudo sobre o significado de família. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1988.

  • GOMES, J. Socialização primária: tarefa familiar? Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.91, p.54-61, 1994.

  • KALOUSTIAN, S. (Org.). Família brasileira a base de tudo. São Paulo: Cortez, 1994.

  • LEONARDI, P. A Relação Família-Escola: estudo de caso de uma escola particular no município de Rio Claro. Monografia (Trabalho de conclusão do Curso de Pedagogia) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1998.

  • LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora?: novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 1998.

  • VENÂNCIO, L. O Projeto Político Pedagógico e a Educação Física escolar no processo de construção coletiva. Rio Claro: UNESP, 2005. Tese de Mestrado

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