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A formação do professor de Educação Física. 

A diversidade cultural e o trabalho com alunos com deficiência

La formación del profesor de Educación Física. La diversidad cultural y el trabajo con alumnos discapacitados

 

*Licenciatura Plena em Educação Física pela UFMG

Especialização em Treinamento Esportivo pela UFMG

Mestrando em Educação pela Unincor

Analista de políticas públicas da

Secretaria Municipal Adjunta de Esportes (SMAES) de Belo Horizonte

**Bacharelado e Licenciatura pelo Centro Universitário de Belo Horizonte, UNI-BH

Especialização em Treinamento Esportivo pela UFMG

Monitor de Esportes pela Secretaria Municipal Adjunta de Esportes (SMAES)

Marcelo de Melo Mendes*

João Roberto Ventura de Oliveira**

joaoroberto60@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A maneira oferecida para as construções dos alicerces e suas conseguintes edificações para os assuntos referentes à educação e, mais especificamente, dentro da Educação Física, encontrou importantes conquistas e desafios ao longo de uma trajetória extensa e vasta. Alguns desses temas abordados em discussões, pesquisas e no próprio trabalho perduram até hoje, como é o caso da diversidade e dos do trabalho de professores com alunos com deficiência. Tratar das diferenças contidas em grupos presentes nas instituições escolares tende a se colidir com normatizações legais, aspectos conceituais, tendências, posições políticas e sociais que podem fazer emergir a necessidade de rever o currículo do ensino superior para professores dessa área. Este trabalho tem como objetivo levantar a discussão acerca da formação do profissional de Educação Física e sobre a formação continuada, tão essencial tanto para a atualização quanto para a adequada atuação frente a parcelas da população com características tão peculiares. Para tal, este artigo lançou os devidos questionamentos: (a) A Educação Física é um meio de inclusão ou exclusão do aluno com deficiência? (b) Como, na formação de novos professores, direcionar o olhar em relação às diversidades? (c) Como formar os atuais professores a fim de que superem representações e práticas preconceituosas?

          Unitermos: Formação de educador. Educação Física. Alunos com deficiência. Diversidade cultural.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 150, Noviembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Nas últimas décadas, na contramão da história da sociedade que sempre estigmatizou e excluiu de seu convívio as minorias sociais,1 o tema diversidade cultural vem obtendo conotações relevantes nas diversas áreas de conhecimento. Elaborações e intervenções de políticas públicas nas áreas da saúde, esporte, assistência social, arquitetura e principalmente na educação vêm sendo desenvolvidas para atender às diferenças intrínsecas e extrínsecas à condição humana.

    Em função de diversos movimentos sociais e políticos, dentre os quais da pessoa com deficiência,2 que floresceram principalmente a partir da década de 80,3 a sociedade está passando por profundas transformações, sejam estas políticas, sociais, culturais, econômicas e educacionais.

    Estas profundas transformações sociais trouxeram o reconhecimento da complexidade e responsabilidade da função pedagógica e novas demandas para a formação do professor, em especial para o professor de Educação Física, de modo a incluir, além do conhecimento de conteúdos disciplinares, a competência para a articulação com as sociedades e suas diversidades.

    Na visão de Diniz-Pereira (2008), não basta mais apenas o “dom para ensinar” ou mesmo o conhecimento profundo de conteúdos disciplinares. Atualmente, para a formação acadêmica do professor é necessária uma transformação mais abrangente dos currículos de modo a considerar a questão da diversidade, dentre outros aspectos.

    Neste artigo pretendemos discutir este movimento de mudança paradigmática da prática do professor, principalmente ao abordar a formação do profissional de Educação Física junto ao aluno com deficiência. Certamente todos estes movimentos sociais, diversidades culturais e transformações de uma sociedade contemporânea influenciam as práticas e a formação dos professores de Educação Física.

    Assumindo a importância do olhar sobre a diversidade e o trabalho com alunos com deficiência na Educação Física, algumas questões serão discutidas neste artigo, dentre as quais: (a) A Educação Física é um meio de inclusão ou exclusão do aluno com deficiência? (b) Como formar novos professores a direcionar o olhar em relação às diversidades? (c) Como formar os atuais professores a fim de que superem representações e práticas preconceituosas?

A Educação Física enquanto vertente no trabalho com alunos que possuem deficiência

    A Educação Física enquanto disciplina integrante do currículo escolar ocupa lugar importante no cotidiano escolar, no processo e movimento de trabalhos com alunos com deficiência.

    Na visão de Rodrigues (2006) e Pedrinelli (2005) é consenso de que a pessoa com deficiência, que participa de ações esportivas, sociais e culturais, desenvolvidas com qualidade, pode obter ganhos psíquicos, sociais e fisiológicos. Além disso, essas ações podem ser propulsoras de mediações e conflitos necessários ao desenvolvimento pleno do indivíduo, construção de processos mentais superiores e melhoria de qualidade de vida.

    A Educação Física, em sua recente história, sempre teve enquanto parâmetros a “Educação Física Militar” e o “esporte de rendimento”, pautados em avaliações por “resultados”, “rendimentos”, “recordes” e “classificações por performances”. Estas avaliações tinham como objetivo a homogeneização das condições físicas, técnicas e táticas dos praticantes de atividades físicas, procedimentos estes que faziam com que ocorresse exclusão ou segregação de pessoas que eram incapazes de acompanhar o processo proposto (SOARES et. al., 1992).

    No entanto, a partir do momento em que se dá uma atenção especial à prática da atividade física para alunos com deficiência, emerge um novo paradigma em relação à profissão de Educação Física. As novas demandas dos movimentos sociais e a exigência de uma transformação pedagógica de atendimento às diversidades exigem a capacitação do profissional de Educação Física para atender a todos, de preferência em um ambiente inclusivo. Surgem, assim, novas exigências para a prática da atividade física, tais como a de ultrapassar os aspectos estéticos e abordar também aspectos simbólicos, desafiadores e sociais, e de avaliar processualmente cada indivíduo com suas possibilidades e potencialidades.

    Neste sentido, a convivência dos educadores físicos com pessoas com deficiência, ou não, principalmente no ambiente escolar é propício para que sejam revertidas situações que, há muito tempo, vêm reforçando preconceitos e equívocos.

    No momento em que se fomenta a prática da atividade física para pessoas com deficiência, tanto em ambientes inclusivos quanto em ambientes que possuem somente a presença de alunos com deficiência, propõe-se a romper e substituir paradigmas. Paradigmas estes que vão do impossível ao possível, da baixa auto-estima para a alta auto-estima, das barreiras às buscas dos limites, da exclusão para a inclusão e da homogeneidade para a heterogeneidade.

    No curso de Educação Física, a área de “atividade física para pessoas portadoras de necessidades especiais”,4 consiste numa área responsável pela sistematização do conhecimento relativo à cultura corporal de movimento que envolve também as pessoas com deficiência. De acordo com Pedrinelli (2005), corresponde à área de sistematização e acúmulo de conhecimentos, a partir de pesquisas aplicadas, que estudam a cultura corporal do movimento das pessoas que apresentam diferentes e peculiares condições para a prática de atividade física. Este autor define deficiência como uma condição que provoca diferenças peculiares, e estas diferenças devem ser analisadas no contexto da atividade física.

    Segundo Rodrigues (2006), Gorgatti (2005) e Winnick (2004), os estudantes que vislumbram a carreira do ensino da Educação Física e do treinamento esportivo, geralmente pensam em trabalhar em academias, escolas, esportes de rendimento e em clubes e, na maioria das vezes, não associam estes espaços com a possibilidade de atuar com alunos com deficiência. Neste sentido, de acordo com diversos autores, os alunos de graduação em Educação Física, principalmente ao ingressarem no curso, não vislumbram na sua formação a possibilidade de exercer a profissão atuando com alunos com deficiência.

    No entanto, a legislação brasileira assegura a todas as crianças e aos jovens o direito à prática esportiva, preferencialmente em ambientes inclusivos, isto é, ambientes com alunos deficientes ou não. Portanto, para a formação de profissionais de Educação Física, estes deveriam ser capacitados a atuarem com os diversos públicos, independente do que vislumbram para as suas carreiras. Estes profissionais, além de um conhecimento da área da Educação Física, deveriam estar aptos a atuarem com pessoas com deficiência auditiva, intelectual, física, visual e todas as condições peculiares, definitivas ou não, dos seus alunos.

    A Constituição do Brasil, em seu artigo 217, dispõe que “é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, com direito de cada um”. Em seu artigo 227, que é “(...) dever da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à saúde, à educação, ao lazer, à convivência familiar e comunitária...”. Em momento algum este artigo estabelece diferenças entre pessoas com deficiência ou não.

    De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (1997, p.31), criado para orientar a formação dos professores de Educação Física, a aula pode “favorecer a construção de uma atitude digna e de respeito próprio por parte do portador de necessidades especiais e a convivência com ele possibilitar a construção de atitudes de solidariedade, de respeito, de aceitação, sem preconceitos”.

    Na mesma direção, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (1999), no que se refere aos conhecimentos de Educação Física, apontam que, o esporte de cunho educativo deve ser trabalhado na escola e que a prática do mesmo deve atender a todos os alunos, respeitando suas diferenças e estimulando-os ao maior conhecimento de si e de suas potencialidades.

    Tendo referência os princípios teóricos educacionais, os P.C.N.’s de Educação Física para o Ensino Fundamental (Brasil, 1997) demonstram, em seus objetivos gerais, a perspectiva de que os alunos sejam capazes de:

    Participar de atividades corporais, estabelecendo relações equilibradas e construtivas com os outros, reconhecendo e respeitando características físicas e de desempenho de si próprio e dos outros, sem discriminar por características pessoais, físicas, sexuais ou sociais (p.43);

    Participar de diferentes atividades corporais, procurando adotar uma atitude cooperativa e solidária, sem discriminar os colegas pelo desempenho ou por razões sociais, físicas, sexuais ou culturais (p.63);

    Participar de atividades corporais, reconhecendo e respeitando algumas de suas características físicas e de desempenho motor, bem como as de seus colegas, sem discriminar por características pessoais, físicas, sexuais ou sociais (p.71)

    Conhecer, valorizar, apreciar e desfrutar de algumas das diferentes manifestações de cultura corpórea, adotando uma postura não-preconceituosa ou discriminatória por razões sociais, sexuais ou culturais (p.72).

    A abordagem contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Física é eclética e suas propostas têm como objetivo a construção de uma melhoria de qualidade das aulas, com base nos seguintes princípios: 1) Princípio da inclusão, isto é, uma Educação Física que atenda a todos os alunos. 2) Princípios da dimensão procedimental, isto é, para além do fazer prático, envolvidos com as dimensões atitudinais e conceituais. Conteúdos ligados à cultura corporal de movimento, observando todas as possíveis diversidades culturais. 3) Princípios atrelados aos temas transversais, com reflexão dos grandes problemas da sociedade brasileira.

    Dentro de uma evolução histórica, em todos os ambientes que envolvem a atividade física nota-se a presença de pessoas com deficiência. Antes os deficientes eram excluídos pela sociedade, os próprios familiares escondiam seus filhos dos contatos sociais, no entanto, na nova perspectiva inclusiva, podemos perceber a participação das pessoas com deficiência em academias, clubes, escolas e em todos os ambientes que tenham a possibilidade de realizar uma atividade física.

    Esta participação, com o decorrer do tempo, tende a ser ampliada, tendo em vista o número de pessoas que ainda não se encontram convivendo com a sociedade ou se encontram em espaços segregados. De acordo com o Censo Demográfico 2000, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em Pedrinelli (2005), em torno de 14,5% da população do Brasil tem algum tipo de deficiência. Esta população equivale a aproximadamente 24 milhões de pessoas. Tais resultados carecem ser interpretados de forma contextualizada, no entanto, embora os dados apresentados representem estimativas, mesmo neste início de século, estes sinalizam para necessidades de construções de políticas públicas de atendimentos às pessoas com deficiência.

    Considerando a prática da Educação Física um direito constitucional, direito este assegurado pelas Leis de diretrizes e bases da Educação Nacional e referenciado nos Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Física, é preciso entender a obrigatoriedade da qualificação de futuros professores de Educação Física. Há um consenso entre autores com relação à necessidade de adaptação do professor para atender às diversidades, mas qual é o papel do professor de Educação Física da sociedade atual? Como ele deve ser formado, em face às mudanças da educação e da escola, principalmente mudanças que exigem uma escola para todos?

    Shon (1992, p.80) afirma que “na educação, esta crise centra-se num conflito entre o saber escolar e a reflexão-ação dos professores e dos alunos”. Além disto, este autor questiona o tipo de competências necessárias para ajudar as crianças a se desenvolverem, os tipos de conhecimentos e saberes necessários para permitir aos professores desempenharem com eficiência o seu trabalho e o tipo de formação mais viável para equipar os professores com as capacidades necessárias ao desempenho do seu trabalho. Questões como estas atravessam o debate sobre a formação de professores para o tratamento da diversidade na escola.

    Arroyo (2008, p.13) também aponta a necessidade de repensar a formação para a diversidade:

    (...) o caminho mais fecundo para equacionar cursos de formação e diversidade é a partir da diversidade, dos coletivos diversos, para equacionar, interrogar, qual docência, qual educação básica, qual formação, quais currículos e qual organização, quais tempos e espaços, etc. Tal caminho supõe assumir que a história da produção dos diversos em desiguais questiona paradigmas, perfis, concepções de docência, de educação e de formação.

    É preciso, pois, refletir sobre as possíveis transformações da prática pedagógica do professor de Educação Física no trabalho com alunos com deficiência. Para isto, é necessário conhecer os antecedentes da disciplina Educação Física, a fim de identificar os principais fatores que a caracterizam ao longo do tempo. Mas, o que é mais importante para compreender a atual ação prática desse profissional é trilhar os caminhos da sua formação, já que para haver a transformação da práxis, o profissional deve primeiramente transformar-se a si mesmo.

A formação do professor: formação inicial e formação continuada

    Além da formação pessoal do profissional, que está relacionada com as experiências de vida da pessoa, enfatizamos dois tipos de formação, que consistem em formação inicial e formação continuada. Se na formação inicial o eixo encontra-se nos saberes da experiência dos futuros professores e nos saberes do currículo, na formação continuada, que pode acontecer durante a própria prática do professor, o eixo central está na reflexão crítica que deve ocorrer na experiência profissional e a partir de saberes advindos dela.

    A formação inicial estaria caracterizada, portanto, pela graduação, no caso deste artigo, na licenciatura plena em Educação Física, ou seja, seriam cursos de graduação com suas disciplinas e práticas universitárias. No caso da formação continuada seria a formação que acontece no dia a dia, através de participação em cursos, palestras, capacitações, eventos, reflexões e conhecimentos da prática produzida durante as próprias aulas executadas pelo professor enquanto profissional.

    A formação inicial do professor, e aqui inclui o professor de Educação Física, legalmente, se dá no Ensino Superior. No entanto, pode-se considerar que a formação do educador é o resultado da trajetória que ele percorre desde o momento em que nasce, em seu convívio familiar, na educação infantil e na graduação. A formação inicial, pensando em termos de graduação, tem um caráter finito e é acompanhada por toda a trajetória pessoal do professor.

    Neste tipo de formação, formação inicial, o currículo institucionalizado articula de forma sistematizada os diferentes níveis de ensino, graduando as dificuldades a ser superadas pelos educandos. Neste sentido, de acordo com a Lei de diretrizes e bases de 9.394/96, artigo 61:

    A formação de profissionais da educação deverá ter como fundamentos a associação entre teorias e práticas além do aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino devendo, ainda, esta formação ocorrer em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação.

    Prado (1999) também salienta a importância das formações iniciais e continuadas serem efetivadas no Brasil a fim de corresponderem às expectativas da sociedade em relação aos processos de aprendizagem. Infelizmente, ao contrário da formação inicial, a formação continuada não tem mostrado um caráter sistemático, intencional e legal. Estas duas formações não estão articuladas claramente, pois tradicionalmente e historicamente a formação inicial vem sendo considerada suficiente para preparar o indivíduo para toda a sua vida profissional. A formação continuada, exatamente ao contrário da inicial, é infinita enquanto possibilidade de crescimento pessoal e profissional do educador.

    No caso do processo da “Escola para todos”, e em trabalhos com alunos com deficiência, os professores deveriam ampliar e elaborar suas competências e habilidades a partir das experiências que já possuem. A formação continuada considera a formulação dos conhecimentos do professor, sua prática pedagógica, seu contexto social, sua história de vida, suas singularidades, suas reflexões e os demais fatores que o conduziram a uma prática pedagógica com alunos com deficiência.

    De acordo com Diniz-Pereira (2008), além da formação inicial para se atuar na perspectiva da diversidade, tem-se a necessidade da formação continuada, para que professores e demais envolvidos com educação e práticas pedagógicas possam exercer suas funções com mais propriedade, como indivíduos responsáveis por formar cidadãos comprometidos com os coletivos, menos individualistas e respeitando as diferenças.

    Em virtude principalmente do lema “Escola para todos”, a formação de professores e práticas pedagógicas para atuar com pessoas com deficiência, têm sido, sem dúvida, as questões mais discutidas em nosso país nas últimas décadas. Atualmente, além de estarem presentes em congressos, cursos de capacitações, trabalhos acadêmicos e textos da literatura especializada, torna-se proposta de intervenção em legislações e em políticas públicas educacionais a nível federal, estadual e municipal.

    Dentre as propostas de intervenção, percebe-se, através de políticas públicas e legislações, a preocupação com a formação tanto a nível inicial, de graduação, quanto continuada, em cursos de capacitação, especialização, atualização ou formação em serviço. Além disto, percebe-se que quando falamos em política de inclusão ou em trabalhos com alunos com deficiência, estamos falando em uma total transformação da prática da própria escola, e esta mudança deveria ser iniciada tanto na formação pessoal do profissional quanto na graduação.

    Na visão de Mantoan (2006, p.41),

    é preciso mudar a escola, mas precisamente o ensino nela ministrado. A escola aberta a todos é o grande alvo e, ao mesmo tempo, o grande problema da educação nestes novos tempos. Mudar a escola é enfrentar muitas frentes de trabalho:

  • Recriar o modelo educativo escolar, tendo como eixo o ensino para todos.

  • Reorganizar pedagogicamente as escolas, abrindo espaços para a cooperação, diálogo, solidariedade, criatividade e espírito crítico entre professores, administradores, funcionários e alunos, porque são habilidades mínimas para o exercício da verdadeira cidadania.

  • Garantir aos alunos tempo e liberdade para aprender, bem como um ensino que não segregue e que reprove a repetência.

  • Formar, aprimorar continuamente e valorizar o professor, para que tenha condições e estímulo para ensinar a turma toda, sem exclusões e exceções. (Grifo nosso)

    Portanto, quando Mantoan aponta para a necessidade de recriar um modelo de educação, reorganizar pedagogicamente as escolas, reorganizar o tempo de aprendizagem e finaliza com a formação do professor, ela está reforçando a necessidade de uma ampla transformação do que se conhece por escola. Em relação a esta transformação, no que se refere ao professor, esta deveria ser iniciada já na formação pessoal do futuro professor e no ensino superior.

    De acordo com Nóvoa (1992, p.15), pensando-se nesta ótica de transformação do ensino escolar, obrigatoriedade de atendimento à pessoa com deficiência, novas concepções de ensinos e papel do professor,

    a evolução do contexto social fez mudar o significado das instituições escolares, com a conseqüente necessidade de adaptação a mudança, por parte de alunos, professores e pais, que devem mudar as suas expectativas em relação ao sistema de ensino. Não há ensino de qualidade nem reforma educativa, nem renovação pedagógica, sem uma adequada formação de professores. (Grifo nosso)

    Esta formação necessariamente não consiste em “especializar” o futuro profissional a trabalhar com determinadas deficiências, mas “prepará-lo” para atender a todos. Neste sentido Bueno (2004) aponta que a educação para atender ao aluno com deficiência envolve dois tipos de formação profissional: o professor generalista que possui um mínimo de conhecimento e prática sobre trabalhos com alunos com deficiência, e professores especialistas nas diferentes “condições peculiares” dos alunos.

    A formação inicial deveria ser capaz de formar o profissional a atuar como professor generalista, isto é, um professor que teria um conhecimento considerável em relação a trabalhos com alunos com deficiência e, a partir de uma necessidade específica, tivesse um acompanhamento de um “especialista” ou mesmo uma formação continuada para atuar com determinados alunos.

    As Leis de Diretrizes e Bases reconhece a importância da formação do professor na atuação com alunos com deficiência em seu artigo 59, que:

    Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:

    (...)

    III- Professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores de ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns.

    Na Resolução CNE/CP n. 1, de 18 de fevereiro de 2002, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica, em nível Superior, curso de licenciatura, de graduação plena, determina:

    Art. 2º.A organização curricular de cada instituição observará, além do disposto nos artigos 12 e 13 da Lei 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, outras formas de orientações inerentes à formação para a atividade docente, entre as quais o preparo para:

    II – O acolhimento e o trato da diversidade.

    Art 3º. A formação de professores que atuarão nas diferentes etapas e modalidades da educação básica observarão princípios norteadores desse preparo para o exercício profissional específico...

    Art. 6º. Parágrafo 3º. A definição dos conhecimentos exigidos para a constituição de competências deverá, além da formação específica relacionada às diferentes etapas da educação básica, propiciar a inserção no debate contemporâneo mais amplo, envolvendo questões culturais, sociais, econômicas e o conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria docência, contemplando:

    II- conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais e as das comunidades indígenas. (grifo nosso)

    Portanto, dentro das determinações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica tornou-se uma exigência, na formação inicial, do futuro profissional ser capacitado a atuar de acordo com as diversidades, dentre elas com “alunos com necessidades educacionais especiais”.

    Segundo Machado (2001, p.20),

    formar o professor é criar condições para que ele se prepare filosófico, científica, pedagógico e afetivamente para a ação que vai desenvolver. A formação inicial deve processar em um continuum, no dia-a-dia, pela reflexão sobre suas ações.

    Dentro da visão de Machado, o professor deveria ser formado no sentido de refletir sobre suas ações. Na medida em que tivesse a capacidade de uma reflexão crítica ser capaz de elaborar ações, metodologias, planejamentos, adaptações e projetos para atender a todas as diferenças.

    Conhecer sobre conceitos, etiologias e características das deficiências não prepara o profissional para exercer transformações nas práticas escolares. Este conhecimento necessita estar acompanhado por outras competências e habilidades formativas, em especial as que conspiram a favor da potencialidade de todos os alunos, dentre as quais, respeito, cooperação, paciência, solidariedade, empatia, reflexão crítica da própria prática e outras. Estas competências e habilidades formativas podem ser desenvolvidas durante a formação inicial acadêmica e em especial na própria formação pessoal do profissional.

    Neste ponto, Mantoan (2003) utiliza-se do conceito de formação em serviço. A autora acredita que a formação dos profissionais não se dá apenas na graduação, mas principalmente no convívio com alunos diferentes e com condições peculiares. A formação deve ocorrer em serviço, ou seja, é no dia a dia e no trabalho direto com alunos com deficiência que o profissional conseguirá desenvolver suas habilidades. São grupos de discussões, encontros e debates que proporcionarão reflexões sobre as possibilidades de atuação em determinadas condições peculiares.

    Por outro lado, Nóvoa aponta a importância de uma formação do professor crítico-reflexiva, que consideramos importante para a atuação com alunos com deficiência. Neste sentido, Nóvoa (1992, p. 25) informa que,

    a formação deve estimular uma reflexão crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de auto-formação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional.

    Nóvoa (1992, p.119), utilizando o termo “formação permanente” define que esta,

    deve construir-se a partir de uma rede de comunicação, que não deve se reduzir ao âmbito dos conteúdos acadêmicos, incluindo também os problemas metodológicos, pessoais e sociais que, continuamente, se entrelaçam com as situações de ensino.

    A formação permanente, ou formação continuada, seria um processo formativo onde se discutiria questões relacionadas ao processo educativo, social e psicológico daqueles profissionais envolvidos com os alunos. Nóvoa (1995) ressalta a comunicação como um grande facilitador nesse processo de formação, pois ela vem permitir o diálogo, a troca de experiências, o compartilhar dos problemas e a expressão das limitações e dificuldades por parte desses profissionais enquanto estão ali, continuamente trabalhando com os alunos. A formação nunca acaba, e a troca de experiências entre os profissionais e a reflexão da prática faz parte da formação permanente do profissional.

    Além de Nóvoa, entre outros pesquisadores que abordam a formação, temos a contribuição de Libâneo (1998, 88-89), que nos aponta vários aspectos a serem considerados:

    Em suma, o repensar a formação inicial e continuada de professores implica, a meu ver:

  • Busca de respostas aos desafios decorrentes das novas relações entre a sociedade e educação, a partir de um referencial crítico de qualidade de ensino. Isto supõe levantarem conta os novos paradigmas e do conhecimento, subordinando-os a uma concepção emancipadora de qualidade de ensino;

  • Uma concepção de formação do professor crítico-reflexivo, dentro do entendimento de que a prática é a referência da teoria, a teoria o nutriente de uma prática de melhor qualidade;

  • Utilização da investigação ação como uma das abordagens metodológicas orientadoras da pesquisa;

  • Adoção da perspectiva sócio-interacionista do processo de ensino e aprendizagem;

  • Competências e habilidades profissionais em novas condições e modalidades de trabalho, indo além de suas responsabilidades de sala de aula, como membro de uma equipe que trabalha conjuntamente, discutindo no grupo suas concepções, práticas e experiências, tendo como elemento norteador o projeto pedagógico. (grifo nosso)

    Libâneo (1998) nos revela sobre a importância de desenvolvermos tanto em nós, professores, quanto nos alunos, novas competências e habilidades formativas, principalmente que tenham relação com respeito, tolerância, solidariedade, empatia, cooperação e, principalmente, reconhecimento e valorização das diferenças. Neste sentido, Gomes (2008, p.128), aponta que “o ensino, como socialização de conhecimentos, precisa se construir articulado com outro tipo de competência: a postura ética e profissional para lidar com a diversidade nos processos de formação humana”.

    Em virtude dos pressupostos legais, mudanças de paradigmas e transformações sociais, o argumento do despreparo dos professores não pode continuar sendo um álibi para o impedimento de trabalhos com alunos com deficiência. A preparação do professor deveria iniciar com a possibilidade e desafios de acolher as diferenças na sala de aula e pela busca de novas respostas educacionais. O processo de implantação e formação para o convívio com alunos com deficiência, de reconhecer e valorizar as diferenças entre as pessoas, esta deveria ser responsabilidade de todos os membros da sociedade, pais, diretores, supervisores, orientadores, professores, alunos e, principalmente, autoridades responsáveis pela definição das políticas educacionais.

Considerações finais

    No intuito de fomentar a Educação Física em prol da transformação da escola, de modo a promover o respeito e convivência com as diversidades, necessita-se ter claro qual é o modelo da escola desejada. Além disto, carece investigar qual é a formação, ou melhor, quais competências pedagógicas e práticas o professor deve ser capacitado, com o objetivo de atender as necessidades em trabalhos com alunos com deficiência e principalmente em prol de uma inclusão social.

    A escola, na maioria das vezes, encontra-se ainda apoiada na tendência tecnicista, a partir de uma estrutura organizacional tradicional, conservadora, pautada em princípios burocráticos, que condicionam a prática dos professores, dificultando a renovação e transformações das práticas. Por outro lado, em virtude de movimentos sociais, legislações e transformações globais, acreditamos que a escola seja um “especial” espaço, tempo e contexto, de garantia de democratização do saber num sentido pleno de humanização e formação pessoal, profissional e social, tanto dos alunos quanto dos profissionais inseridos à escola.

    Numa sociedade como a nossa, onde o preconceito é escondido, velado, o aluno com deficiência é visto com “muitos olhos”. A dificuldade em atuar com alunos com deficiência parece estar associada à dificuldade em respeitar e lidar com as diferenças. Portanto, mesmo que se promovam formações, acessibilidades e aparatos técnicos necessários à instrução dos alunos, num ensino regular, por exemplo, se não houver mudanças das práticas nas atitudes em relação às diferenças, de modo a eliminar o preconceito e a discriminação, a inclusão permanecerá apenas de “direito” e não de “fato”.

    Pensamos que seja preciso mudar a cultura que se vive na escola, as formas e o processo de conhecer, aprender, ensinar, avaliar, investigar e formar. É necessário construir uma nova escola, mais reflexiva e humana, na qual se valorize todos os aspectos a serem desenvolvidos: cognitivo, físico-motor, psíquico, afetivo, emocional, pessoal e social.

    Pensando nesta ótica, a formação do professor deve estar voltada para valorizar todos estes aspectos citados acima e a Educação Física deve estar inserida a este contexto.

Notas

  1. Definimos como minorias sociais, todos os movimentos sociais discriminados durante a história da sociedade, dentre os quais os movimentos étnicos, negros, pessoas com deficiência, movimentos feministas, entre outros.

  2. A expressão “pessoa com deficiência” tem sido utilizada por movimentos de deficientes para designar as pessoas diferentes, mas com condições peculiares, dentre estas as deficiências intelectuais, auditivas, físicas e visuais.

  3. Citado por ASSUNÇÃO (1994), a década de 80 é um momento importante para a área educacional, neste período são levantadas inúmeras discussões a respeito da escola, formação de professores e manifestações da categoria.

  4. Denominação dada em alguns cursos superiores em Educação Física à disciplina que especifica o trabalho com alunos com deficiência.

Referências

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  • ASSUNÇÃO, Maria Madalena Silva de. As invisíveis armadilhas do magistério: ambigüidades e paradoxos da professora primária no cotidiano da escola. 1994. 342f. Dissertação (Mestrado em educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

  • BRASIL. Constituição Federal. Senado Federal, 1988.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 15 · N° 150 | Buenos Aires, Noviembre de 2010
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