O TEMPO LIVRE.
CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO
Paulo Tojeira (Portugal)
ptojas@mail.telepac.pt

Lic. em Educação Física
Especialista em Cinesioterapia e Reabilitação Funcional
Doutor em Educação Física (by the H.C.C. of Bulgaria)

1. Antecedentes históricos
Partimos ao encontro do homem, recuando 20 ou 30 mil anos.

"A descoberta de múltiplos traços da existência de grupos humanos mostra que as actividades lúdicas sempre constituíram uma parte integrante da vida dos homens" (Crespo, J. 1987). "A satisfação das necessidades elementares e as práticas religiosas formavam... uma unidade coerente, tornando-se difícil separar o trabalho, a religião e o divertimento" (idem).

Para satisfazer as suas necessidades vitais o homem não se limitava à colheita de frutos e raizes, sendo obrigado a praticar a caça e a pesca, "onde tinha a oportunidade de comprovar a importância da força, da rapidez e da agilidade" (Crespo, J. 1987).

Quando inicia a "fabricação" de "ferramentas" e se torna "dono" do fogo, o homem surge de uma forma nova, capaz de "dominar" a natureza. A "invenção" das "ferramentas" e a descoberta do fogo poderão entender-se como primeiras formas de tornar menos longos e penosos certos tipos de ocupação e mais longa a jornada potencialmente utilizável.

"Os jogos e as danças eram cerimónias ricas de significação religiosa, executadas com o respeito pelas tradições e cumprindo com as exigências rituais, num esforço de comunicação com os deuses...". "Os movimentos do corpo exprimiam os sentimentos mais profundos e, ao mesmo tempo, constituem um meio privilegiado de apresentar às novas gerações a história da colectividade" (Crespo, J. 1987)

O desenvolvimento progressivo da agricultura (com o fim da vida nómada) e o abandono da caça e da pesca como fontes essenciais da alimentação, constituiram os factos mais decisivos na transformação das sociedades. A elevação da produção levou à melhoria das condições de vida, que se traduziu no aparecimento de certos grupos que, podendo viver mais facilmente dos excedentes e do esforço dos outros, passariam a dedicar a maior parte do seu tempo de vida aos divertimentos.

Os gregos iluminam "os seus trabalhos e as suas guerras com cerimónias simbólicas, nas quais encontram descanso e prazer" (Hourdin, G. 1970). Realizavam-se festas por todos os motivos, teatros e desportos, nos quais alguns eram escolhidos para participar ou representar e todos podiam assistir. Roma era a cabeça de um império, fundado sobre a conquista e a exploração e onde era necessário "inventar" a forma de "distrair a turba de cento e cinquenta mil homens sem trabalho que se arrastavam nas ruas da cidade e, além disso, a massa dos que só trabalhavam de manhã" (Hourdin, G. 1970).

Num quadro de progressiva corrupção, perversão e declínio, os dirigentes procuravam a compensação aproveitando os jogos para distribuírem trigo pelos mais pobres, dando assim origem ao célebre slogan "o pão e os jogos". Os romanos "contribuem para a história dos tempos livres" (?) "com quatro instituições originais: o circo, os combates de gladiadores, a pantomima e as termas" (Hourdin, G. 1970) e deixariam para épocas posteriores a expressão "mens sana in corpore sano".

O Islão e a Idade Média Cristã introduzem a prática da grande peregrinação e a suspensão dos trabalhos do campo desde a véspera do Natal ao Dia de Reis e as explosões de alegria pagã do Carnaval. Num quadro de grandes desigualdades (aristocracia das "artes" oposta à nobreza urbana" (Crespo, J. 1987), "ventres ao sol" (Cunhal, A. 1975), etc.), a Igreja "lutou contra o paganismo das festas" defendendo que "os homens deviam consagrar a maior parte do seu tempo aos trabalhos quotidianos não se deixando envolver pelos prazeres e vícios do passado" (Crespo, J. 1987).

2. Génese
Só após o que se convencionou chamar a 2ª Revolução industrial, os sindicatos (1830) "pela primeira vez reclamam a redução do número semanal de horas de trabalho", que se foi alargando e "começou a surgir o lazer" (Pinto, J. antes de 1976). Eis uma conquista relativamente recente (a história da humanidade ultrapassa em muito a centena de milhares de anos), produto da luta organizada dos trabalhadores ("A história da sociedade ... não é mais que a história da luta de classes..." Marx, K., Engels, F. 1848). A própria instituição religiosa (Leão XIII, 1891) salienta que "não é justo nem humano exigir do homem um trabalho tal que, devido à exagerada fadiga, lhe faça brutalizar a mente e debilitar o corpo", reconhecendo aos "proletários" direitos à "limitação das horas de trabalho".

À medida que se desenvolvia a contradição TRABALHO / LAZER, sucederam-se concepções e preocupações com a organização e o ritmo do trabalho de que são exemplo o conceito "produtivista" da empresa - o taylorismo e a Organização Ciêntífica do Trabalho; o sistema de montagem em cadeia, inventado e posto em prática por H.Ford e magistralmente evidenciado por Charlie Chaplin no filme "Tempos Modernos"; as teorias do "pensamento positivo" ou do "optimismo tecnológico" e do "pessimismo tecnológico ou socio-económico" (Ríndina, M.N. et al. 1983); etc. "O grande capital ... aumenta a intensidade e a produtividade do trabalho ..." (Cunhal, A. 1964).

"As condições de trabalho, em inúmeros casos, ficarão caracterizadas pela automatização do indivíduo" (Réville, PH. 1980), o "tempo de lazer aumentará notávelmente" (Jelev, J. 1978; Réville, PH. 1980), assistir-se-à à "generalização da jornada contínua, férias mais longas e diminuição da idade da reforma" (Réville, PH. 1980). Esta tendência anotada por vários autores, parece-nos de alguma forma comprometida no nosso país.

Pinto, J. (antes de 1976) refere que "em 1976 a população mundial ultrapassará os 4.000 milhões de seres humanos", dos quais 500 milhões estarão livres da fome e poderão dispôr de tempo de lazer, isto é, de tempo livre após o que foi gasto nas habituais ocupações domésticas e profissionais". Além destes "1.300 milhões não terão nem tempo de lazer nem rendimentos suficientes para evitar privações" e uma parte apreciável não encontrará trabalho e gastará muito do seu tempo em "ociosidade estéril". Finalmente, "2.200 milhões estarão em permanente regime de subalimentação grave, condenados em grandes épocas do ano a uma ociosidade que não poderão evitar, por falta de emprego". Conclui o autor que "o lazer é um benefício restrito ao nível mundial", que é "usufruído por 1/8 da população da Terra" ou o mesmo é dizer que quase "90% da humanidade não saberá sequer o que significa lazer".

Por outro lado "o tempo livre ou lazer fácilmente se transforma em tempo de ociosidade" (Pinto, J. antes de 1976) proliferando os "negociantes do espectáculo e uma indústria dos lazeres" que "absorverá uma parte importante do tempo e dos rendimentos" (Réville, PH. 1980), chegando mesmo a manipular os cidadãos.

Pode concluir-se que "nos últimos cem anos o tempo livre nasceu, aumentou e valorizou-se. Encontra-se em processo de expansão ... é uma necessidade que cada vez mais se impõe, sobretudo entre as camadas juvenis" (Dumazedier, J. 1962).

Rolim, L.C. (1989) apresenta um quadro (Quadro 1) retospectivo de "noção de tempo nas épocas históricas e caracterísiticas comportamentais do homem".

QUADRO 1 : Noção de tempo nas épocas históricas e características comportamentais do homem (by Rolim, L.S. 1989)

Queda do Império Romano do Ocidental IDADE ANTIGA	476	Tomada de Constantinopla pelos Turcos IDADE MÉDIA	1453	Revolução Francesa IDADE MODERNA	1789	IDADE CONTEM- PORÂNEA
O HOMEM orienta-se pelos astros, estações, Natureza; tem consciência concreta, objectiva, sensível; volta-se para o passado; nega a fluidez do tempo; trabalha de acordo com a Natureza.		O HOMEM distingue o tempo terreno do eterno; aceita a fluidez do tempo; admite a evolução histórica; deixa a orientação do tempo à Igreja.		O HOMEM cria o relógio-máquina que regula o tempo e pauta a sua vida por ele; valoriza o trabalho (Reforma Protestante - nascimento da burguesia e posteriormente do capitalismo).		O HOMEM realiza a Revolução Industrial (séc. XIX); escraviza-se ao ritmo da máquina; cinde o tempo em dois: trabalho e não trabalho; cria o "tempo-livre": fim do dia fim da semana fim do ano: férias fim da vida: Reforma.
O trabalho e o jogo integram-se nas festas pelas quais o homem volta às suas origens e se une aos ancestrais.						Surge o lazer, quando o homem usa o "tempo livre" na sua realização pessoal e influi positivamente no meio cultural.
TEMPO NATURAL OU CÍCLICO		TEMPO VECTORIAL		TEMPO MECÂNICO		TEMPO PSICOLÓGICO
O HOMEM VIVE CONSCIENTEMENTE DETERMINADOS MOMENTOS DA SUA VIDA

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