Manifestações de ansiedade: estudo comparativo entre atletas de rendimento e praticantes de voleibol Manifestaciones de ansiedad: estudio comparativo entre deportistas de alto rendimiento y practicantes de voleibol recreativo |
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*Universidade do Estado do Rio de Janeiro **Universidade Gama Filho (Brasil) |
Natasha
Azevedo Lama* Rafael
Tavares Teixeira* |
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Resumo O objetivo desta pesquisa descritiva causal comparativa foi confrontar a ansiedade dos atletas de voleibol da modalidade esporte de rendimento, durante uma partida oficial, com dados de uma população análoga, pertencente ao esporte de participação. A partir daí, estabelecer se a prática do treinamento sistemático altera a ansiedade dos praticantes de voleibol em relação à execução das técnicas motoras específicas do esporte (sacar, receber o saque, levantar, atacar e defender). A amostra foi composta por 118 atletas mirins (11 a 13 anos de idade), aproximadamente 68% da população. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi uma pergunta com cinco opções de resposta. Podemos concluir que não foram apresentadas diferenças significativas entre as duas modalidades de prática esportiva. Unitermos : Ansiedade. Atletas mirins. Voleibol. Técnicas motoras.
Os autores agradecem ao prof. Dr. Evaldo Chauvet Bechara pela leitura e sugestões apresentadas
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http://www.efdeportes.com/ EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 149, Octubre de 2010. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Baseados nos estudos de Cratty & Pigott (1988, p.59), “a perspectiva de um resultado esportivo produz, inevitavelmente, nos atletas um estado de medo ou ansiedade”. Estes mesmos pesquisadores admitem ser esse tipo de comportamento “universal entre os atletas” (p. 61). E, por estarmos de acordo com Jodra (2005, p.3), que afirma “que este estado de ansiedade competitiva pode se refletir no indivíduo de modo que ele perceba o momento da competição como ameaçador", resolvemos organizar uma pesquisa para entender por que os atletas de equipes mirins da modalidade esporte de rendimento apresentam manifestações de ansiedade durante uma partida oficial.
Consultando a literatura em busca de razões para este estado de ansiedade apresentado pelos atletas, percebemos que um número considerável de estudos tomava por base a personalidade destes. Citamos, como exemplo, Fabiani (2008) e Lavoura, Mello e Machado (2008).
Apesar de não ignorarmos a perspectiva acenada de que a personalidade do atleta fosse a causa da ansiedade, nos apoiamos em Certeau (2008), que pontua existirem diversos modos de fazer, e empreendemos um percurso diverso, ou seja, como o praticante percebe, emocionalmente, o uso das técnicas motoras do esporte durante uma partida oficial de voleibol.
Aqui, pensamos ser necessário um esclarecimento, já que na literatura acadêmica é usual o emprego da expressão fundamentos para designar tanto as habilidades quanto as técnicas motoras específicas de um esporte. Por entendermos que as duas são categorias distintas e não podem ser explicitadas por um só termo, nos apoiamos em Knudson e Morrison (2001, p.71) e denominamos saque, recepção de saque, levantada, ataque, bloqueio e defesa como técnicas motoras do voleibol.
Assim, assumimos como balizador desta pesquisa o estudo realizado por Guimarães e Marques (2005) entre frequentadores do esporte participação, cuja população investigada foi composta por quarenta alunos do sexo masculino e feminino com idade entre onze e treze anos. Isto justifica a escolha de fazer a pesquisa com os atletas da divisão mirim, já que estes apresentam essa mesma faixa etária.
Neste estudo já nos referimos ao esporte de participação e ao de rendimento. Estas modalidades estão definidas na "Lei Pelé" (BRASIL, 1998). O primeiro é definido como sendo aquele que é realizado de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente (BRASIL, 1998).
O de rendimento tem caráter competitivo e visa a resultados, o que nos indica uma atividade com característica, predominantemente, agonística. E isto, segundo Caillois (1990, p.35), "supõe uma atenção persistente, um treinamento apropriado, esforços assíduos e uma vontade de vencer”, procedimentos habituais nas equipes da divisão mirim.
Deste modo, a diferença entre as duas formas em participar de uma atividade esportiva aguçou a nossa curiosidade e, acatando a sugestão dos autores do artigo balizador deste estudo, realizamos esta pesquisa para saber se o fato de o atleta do esporte de rendimento estar inserido em um processo de treinamento esportivo o faz apresentar resultado diverso daquele do esporte participação em relação à técnica motora do voleibol, que gera maior ansiedade no momento de sua execução durante uma partida oficial.
Por parecer-nos que estamos suficientemente esclarecidos a respeito do significado das expressões esporte de participação e rendimento e suas diferenças, entendemos ser necessário discutir a respeito do fenômeno ansiedade e suas consequências para o rendimento esportivo.
O fenômeno ansiedade pode ser interpretado de diversas formas, o que se reflete em sua própria matriz conceitual. Fernandes (1993, p. 122) a conceitua como "angústia, ânsia, incerteza aflitiva e sofreguidão". Silva (1980, p. 111), como "opressão, angústia, inquietação de espírito, desejo veemente e impaciência”. Houaiss e Villar (2001, p. 228), como "estado afetivo penoso, impreciso, e diante do qual o indivíduo se julga indefeso" (p. 228). Ferreira (1975), por sua vez, define o termo como usado pela psicologia e o indica como "estado afetivo caracterizado por um sentimento de insegurança" (p.103).
Deste modo, se fez necessário empreender uma busca para sabermos como o fenômeno ansiedade é tratado no campo da psicologia. Os dicionários citados nos remetem, entre outras, às seguintes expressões: angústia, sofreguidão, ânsia, expectativa de perigo, estado afetivo. Estas características fazem parte do sistema emocional do ser humano.
Portanto, podemos afirmar que a ansiedade se relaciona com a emoção. A este respeito, Hackfort, citado por Samulski (2002), assinala que as "emoções devem ser entendidas como um sistema complexo de inter-relações entre o sistema fisiológico e o social" (p. 135). Ainda, segundo o mesmo autor (op. cit.), na atividade esportiva a emoção deve ser compreendida dentro de um contexto que abarca "interação entre pessoa, tarefa e meio ambiente" (p. 135).
Para Cratty & Pigott (1988), a interação entre a pessoa e a tarefa se manifesta na percepção que aquela tem da sua competência em realizá-la. Para reforçar este argumento, indicam que atletas mais experientes ou que tiveram uma boa preparação pré-competição, em geral, demonstram menor grau de ansiedade por saber controlá-la durante o momento da competição.
Retornemos a Samulski (2002), o qual cita Hackfort para explicar que essas emoções têm a função de "organizar, orientar e controlar as ações” (p. 135) da pessoa e que elas se apresentam de modo positivo ou negativo. Quando se expressam positivamente, propiciam a realização de objetivos. Já, negativamente, são motivos de reações de ansiedade e dificuldades atentivas em responder às tarefas, características que, em geral, dificultam o desempenho na atividade esportiva e, por consequência, o rendimento.
Deste modo, entendemos que é necessário avançar mais na compreensão do conceito de ansiedade. Para tanto, nos valemos de Weinberg & Gould (2001) que a definem como "um estado emocional negativo com sentimento de nervosismo, preocupação e apreensão, associados com ativação ou agitação do corpo" (p. 97).
A ativação é definida por Weinberg & Gould (op. cit) como "uma mistura de atividades fisiológicas e psicológicas em uma pessoa e refere-se às dimensões de intensidade de motivação em um determinado momento" (p. 96). A esse respeito, Craty & Pigott (1988) mencionam que é comum um atleta temer desenvolver uma ativação insuficiente ou excessiva, pois ambas podem, também, comprometer o êxito do desempenho no momento da competição.
Além disso, Craty & Pigott (op. cit.), Samulski (2000) e Weinberg & Gould (2001) citam outras causas que também podem gerar um quadro emocional de ansiedade, entre outras, o medo da derrota, do juízo negativo dos treinadores, pais e amigos e de um notável sucesso, que traz consigo a necessidade de continuar a vencer.
Pensamos que o exposto, até o momento, permite-nos inferir que uma pessoa ao apresentar um quadro emocional que possa ser descrito como de ansiedade terá maior dificuldade em apresentar bom rendimento na competição.
Materiais e métodos
Tipo de pesquisa
Este estudo teve uma abordagem descritiva causal comparativa.
Sujeitos
A amostra foi composta por 118 atletas mirins (idade entre 11 e 13 anos) filiados à Federação de Voleibol do Rio de Janeiro (FVR). Correspondendo a cerca de 68% da população e, apesar de não ser o foco desta pesquisa, identificamos na tabulação o sexo dos participantes para serem utilizados em estudos futuros.
Procedimentos
O instrumento empregado para a coleta de dados, já validado por Guimarães e Marques (2005), foi composto por uma pergunta (Qual a técnica motora do voleibol que gera maior nível de ansiedade ao ser utilizada durante uma partida oficial?) com cinco opções de respostas. Os itens propostos para as respostas, por representarem a sequência de um rally do jogo, foram apresentados nesta ordem, sacar, recepcionar o saque, levantar, atacar e defender, que deveriam ser pontuados em ordem decrescente de importância, isto é, cinco pontos para a situação que gerava maior ansiedade, quatro para a seguinte e, assim, sucessivamente, até um para a menor. Não foi permitido dar o mesmo grau para mais de uma resposta.
O processo empregado para a coleta de dados no âmbito do desporto de rendimento foi a autorização do técnico da equipe para distribuição e aplicação do instrumento de pesquisa nos atletas com explicação verbal prévia, momentos antes de uma partida do Campeonato Mirim da FVR.
Por serem menores de idade, os participantes receberam um documento para que os seus responsáveis assinassem, autorizando-os a responderem ao questionário, bem como a utilização dos dados para a confecção de relatórios da pesquisa com o fim de serem publicados em periódicos especializados (BRASIL, 1996).
Os dados obtidos foram distribuídos na tabela 2 e analisados com base em números absolutos e percentuais. Apesar de não ser o foco desta pesquisa, mas com o intuito de ampliar as possibilidades de usos dos resultados desta, apresentaremos esses dados, também, com referência aos sexos.
Apresentação dos dados
Iniciamos a apresentação a partir dos dados obtidos nas respostas referentes ao esporte participação.
A tabela 1 nos permite demonstrar que o momento de realizar o saque é o que produz maior ansiedade entre os integrantes desta modalidade esportiva que participaram da pesquisa. Entendemos que seja interessante pontuar que este fenômeno ocorreu tanto no sexo masculino quanto no feminino.
Tabela 1. Dados representativos do desporto de participação. Fonte: Marques e Guimarães, 2005
A tabela 2 representa as opiniões colhidas na modalidade esporte de rendimento e indica que o momento de receber o saque é o que produz maior ansiedade para os atletas. Convém chamar a atenção que, apenas por um ponto, o ato de sacar aparece em segundo lugar.
A análise da tabela também nos permite entender que para os atletas do sexo feminino o momento de sacar é aquele que gera maior ansiedade. Já para os do sexo masculino é o momento da recepção do saque.
Tabela 2. Dados representativos das opiniões colhidas no desporto de rendimento
Conclusão
Pensamos que o mérito desse estudo foi trazer à luz indicadores a respeito da manifestação de ansiedade em atletas de voleibol de onze a treze anos de idade que pertencem à modalidade do esporte de rendimento. Estes indicadores poderão servir como base para ampliar o foco de pesquisas na área deste esporte.
Procuramos responder com esta pesquisa se o fato de participar de um processo de treinamento esportivo modifica a manifestação da ansiedade entre praticantes do esporte de rendimento em relação àqueles do esporte de participação no uso de uma técnica motora do voleibol durante uma partida oficial.
Apesar de os resultados entre as modalidades terem apresentado diferenças e a execução do saque ter sido aquela apontada como a que produzia mais sentimento de ansiedade no esporte participação, ao considerarmos a pequena margem encontrada a favor do momento de recepcionar o saque no esporte de rendimento em relação ao ato de sacar, nos arriscamos a dizer que o fato de estar inserido em um processo de treinamento não modifica substancialmente a percepção do momento de maior ansiedade durante uma partida de voleibol em um atleta mirim da FVR em relação ao participante do esporte participação.
Assim, já que o fato de estar inserido em um processo de treinamento não modificou substancialmente o momento que gera ansiedade entre os usuários do esporte de rendimento em relação àqueles do de participação, pensamos como Jodra (op. cit., p.3) para quem “isto mostra que para reduzir a ansiedade é importante reduzir o significado de ameaça e aumentar a sensação de controle”.
Deste modo, parece-nos que será necessário ampliar a nossa pesquisa de modo a buscar o entendimento das razões que levam a execução desta ou daquela técnica motora do voleibol ser a causa de maior sentimento de ansiedade para os atletas dessa faixa etária. E se os dados assim indicarem, proporemos modificações das regras do jogo para simplificar o uso destas e aumentar a sensação de controle por parte dos praticantes.
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