Lazer, recreação e jogos cooperativos | |||
*Professor de Educação Física da Universidade Federal de Itajubá - Campus Itabira/MG. Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora Especialização em Fisiologia do Exercício e Avaliação Morfofuncional pela UGF-RJ Mestrado em Ciência da Motricidade Humana pela Universidade Castelo Branco **Docente do Centro Universitário do Sul de Minas - UNIS/MG Licenciatura em Educação Física e Técnica Desportiva pela Universidade Estadual de Londrina Especialização em Educação Física Escolar pela Universidade Federal do Paraná Mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina ***Docente do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - CEFET/MG. Licenciatura / Bacharelado em Educação Física pelo Centro Universitário do Sul de Minas Especialização em Educação e Interpretação Ambiental pela Universidade Federal de Lavras Mestre em Educação pela Universidade Vale do Rio Verde. |
Ms. André Calil e Silva* Ms. Ione Maria Ramos de Paiva** Ms. Andréa de Oliveira Barra*** (Brasil) |
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Resumo Profissionais de Educação Física (EF) que trabalham na área de lazer devem ter bem claras as diferenças entre os conceitos de lazer, recreação e jogos cooperativos. Seja nas aulas de EF escolar ou nos momentos de lazer fora desse ambiente, os conceitos bem trabalhados contribuirão para melhor aproveitamento dos sujeitos durante as aulas ou seu tempo livre. Educar para o lazer implica em considerar o processo educativo do indivíduo como uma educação integral, personalizada, uma educação para a vida. Baseado nos principais autores dos conceitos em questão, esse texto objetivou diferenciar lazer, recreação e jogos cooperativos, com o intuito de auxiliar tanto profissionais que já trabalham na área, quanto aqueles que desejam ingressar na mesma. Unitermos: Lazer. Recreação. Jogos cooperativos.
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http://www.efdeportes.com/ EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 149, Octubre de 2010. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Há uma tendência em se confundir os termos tempo livre, lazer e recreação. O termo tempo livre faz referência a um marco puramente temporal, um espaço de tempo, onde a disponibilidade de tempo livre é uma condição para que possa haver o lazer. Como assinala Cuenca (1996) apud Pastor (1998), o lazer é uma área de experiência, uma forma de prevenir enfermidades, sobretudo uma atitude com a qual se vive uma experiência humana.
A educação do lazer permite o aumento do tempo livre e a conscientização de que isto é benéfico para nosso bem estar. Educar para o lazer implica em considerar o processo educativo do indivíduo como uma educação integral, personalizada, uma educação para a vida.
Através do lazer que inclui a recreação, abordando então os jogos cooperativos, pode-se dizer que o homem estará capacitado para usar seu tempo livre de forma construtiva. É fundamental que estes jogos façam parte da recreação e que esta, por si mesma, esteja inclusa no tempo livre do aluno constituindo um exercício para a liberdade. A educação do lazer através dos jogos cooperativos deverá ser então, um processo que implique atitude livre, aberta e flexível que permita ao aluno a construção de seu próprio tempo de lazer.
A partir dessa pequena introdução, este texto tem como objetivo diferenciar lazer, recreação e jogos cooperativos, visto que muitos profissionais da área de Educação Física os confundem, aplicando-os muitas vezes de forma equivocada, seja nas aulas de Educação Física escolar ou nos momentos de lazer dos indivíduos.
Lazer
O primeiro ponto para reflexão refere-se ao conceito de lazer. Segundo Bramante (2003) é um conceito decorrente da Revolução Industrial e influenciado pelo processo de urbanização, que vem sendo confundido com derivados tais como recreação, jogo, esporte, entre outros. Possui caráter interdisciplinar e conta com a contribuição de áreas como Filosofia, História, Antropologia, Sociologia, Geografia, além da Educação Física (EF) para seu entendimento.
Paim e Strey (2006) afirmam que a civilização Grega foi a que mais permitiu a realização do ser humano através do lazer, já que o cidadão Grego levava uma vida de lazer, entendido na Antiguidade como a plena expressão de nobres virtudes. O trabalho, considerado degradante, era reservado aos escravos, sendo que o acesso ao lazer associava o indivíduo a certa casta (MARIN e PADILHA, 2000 apud PAIM e STREY, 2006).
A partir do século XIX, o aparecimento das primeiras sociedades industriais fez com que o trabalho assumisse valor central no sistema social, e, consequentemente, o lazer assume as características atuais; existindo, assim, relação direta entre esse e o trabalho. Na sociedade pré-industrial, principalmente Europa e EUA, lazer e trabalho configuravam-se no mesmo espaço, sendo ainda encontrada essa característica nas sociedades rurais tradicionais. A partir da industrialização o tempo passou a ser controlado pelo trabalho, as pessoas planejavam as atividades diárias em função do tempo destinado ao mesmo. A distância entre o trabalho e a moradia aumentou consideravelmente, sendo que uma grande parcela do dia era utilizada com o deslocamento para o trabalho (BRUHNS, 1997).
Devido à organização de movimentos operários na busca de melhores condições de trabalho, salariais e diminuição da jornada, leis foram criadas diminuindo a jornada semanal, instituindo fins de semana livres e férias. Surge então a idéia de ocupação do tempo livre de trabalho. O tempo de lazer, ou o tempo livre de trabalho:
Constitui-se em um fenômeno tipicamente moderno, resultante das tensões entre capital e trabalho, que se materializam como um tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização cultural, tempo privilegiado para a vivência de valores que contribuam para mudanças de ordem moral e cultural (DIECKERT, 1984 apud PAIM e STREY, 2006).
No Brasil o marco da relação lazer e trabalho ocorreu devido ao processo de urbanização na década de 70, e que cada vez mais reduz os espaços destinados ao lazer. Como se não bastasse a falta de espaços, outros problemas como expulsão das camadas menos favorecidas dos centros concentradores das áreas de lazer, falta de transporte para acesso dos indivíduos que moram nas periferias, o isolamento do homem por falta de estímulo do convívio, a iniciativa privada que transforma o lazer em mercadoria, carência de políticas públicas e verbas destinadas ao lazer, entre inúmeros outros fatores, agravam e dificultam o acesso ao mesmo pela população.
Atualmente, o lazer apresenta-se como um elemento central da cultura vivida por milhões de trabalhadores, possui relações sutis e profundas com todos os grandes problemas oriundos do trabalho, da família e da política, que sob sua influência, passam a ser tratados em novos termos. Tem sido considerado o tempo livre do ser humano, momento em que as pessoas podem desfrutar experiências com prazer, tranqüilidade e até descansar. Portanto, o lazer deve ser um momento, em que o indivíduo se empenha em algo que escolhe, lhe dá prazer e que o modifica como pessoa. O prazer pode ser encontrado nas atividades lúdicas vivenciadas no contexto do lazer e, dentro deste quadro, encontram-se o esporte, os jogos, os brinquedos e as brincadeiras, assistir um filme, teatro, shows, práticas esportivas, passeios, ou um tempo para descanso. Daí, a importância desses no cotidiano das pessoas (DIAS e SCHWARTZ, 2002; PAIM, 2002 apud PAIM e STREY, 2006).
O lazer é entendido, aqui, como a cultura, compreendida em seu sentido mais amplo, vivenciada no tempo disponível. É fundamental como traço definidor, o caráter “desinteressado” dessa vivência. Ou seja, não se busca, pelo menos basicamente, outra recompensa além da satisfação provocada pela própria situação. A disponibilidade de tempo significa possibilidade de opção pela atividade ou pelo ócio (MARCELINO, 2002).
Não se deve pensar o lazer como um fenômeno que se sustentaria somente com atividades motoras de cunho esportivo e/ou atividades motoras de cunho menor, menos complexas, essa consideração seria um erro interpretativo do mesmo. Dumazedier (1980) apud Marcelino (2002) e Marcelino (1995; 2002) entendem o lazer como sendo as atividades em áreas de interesse diferenciadas que compõem um todo interligado. O interesse deve ser entendido como o conhecimento que está enraizado na sensibilidade, na cultura vivida. Esses autores distinguem seis categorias quanto ao conteúdo das atividades de lazer. Sendo eles:
Artístico: universo estético feito de imagens, de emoções e sentimentos como ir ao cinema e teatro; Intelectual: cognitivo, objetividade, informação. Corresponde a busca de conhecimentos, científicos ou não, através de jornais e revistas, acesso à literatura; Manual: capacidade de manipulação de cada indivíduo. O uso das mãos é essencial, seja para transformar, para restaurar. Consiste em lavar o carro nos finais de semana, cultivar hortaliças, fazer crochê, tricô, entre outros; Físico: desenvolvido através de atividades físicas, podendo ser caminhadas, ginástica, esporte e atividades correlatas, executadas de maneira formal ou informal, em espaços tecnicamente planejados, como pistas, academias; Social: busca do indivíduo para relacionar-se com os outros, seja por convívio doméstico, ou com jogos e passeios com filhos, visitas a parentes e amigos, movimentos culturais; Turístico: desenvolvido através de atividades turísticas: viagens e passeios, por exemplo (MARCELINO 1995; 2002).
Até aqui, buscou-se neste texto uma breve reflexão sobre a origem do lazer, sua evolução e realidade atual, culminando nos conceitos básicos para o entendimento do mesmo. O próximo ponto abordado será a recreação, sendo que esta vem sendo confundida com o lazer.
Recreação
É muito comum escutarmos pessoas referindo-se ao lazer e recreação como sinônimos. De acordo com Cavallari e Zacharias (1994) lazer é o estado de espírito em que uma pessoa se encontra, instintivamente, dentro do seu tempo livre, em busca do lúdico, que é a diversão, alegria, entretenimento. Já a recreação é o momento ou a circunstância que o indivíduo escolhe espontaneamente e através da qual satisfaz suas vontades e anseios relacionados ao seu lazer.
Os autores ainda chamam a atenção para cinco características básicas da recreação. Tem que ser encarada por quem pratica como um fim nela mesma. O único objetivo é recrear-se; escolhida livremente e praticada espontaneamente. Cada pessoa pode optar pelo que gosta de fazer, de acordo com seus interesses; a prática da recreação busca levar o praticante a estados psicológicos positivos. Ela deve estar sempre ligada ao prazer e nunca a sensações desagradáveis e negativas; deve propiciar o exercício da criatividade; a recreação deve ser escolhida de acordo com os interesses comuns dos participantes. As pessoas com as mesmas características têm uma tendência de se aproximarem e se agruparem na busca da recreação que mais se adequar ao seu comportamento.
Sobre a recreação, deve-se destacar que o profissional de EF cria situações adequadas para que a pessoa possa se divertir. Essas não devem estar ligadas a momentos de estresse, tem-se cuidado com a competição extrema, assim como situações que podem levar o indivíduo ao constrangimento. A criatividade deve ser estimulada, principalmente em crianças. O profissional deve conhecer o perfil do grupo em que serão trabalhadas as atividades, sendo que quanto mais homogêneo, mais fácil para propor atividades atrativas e prazerosas. Dentre as possibilidades de atuação estão os acampamentos, colônias de férias, festas, clubes, academias, ônibus de turismo, navios, empresas, podendo ser direcionadas para crianças, adultos e idosos.
Da mesma forma que é comum encontrarmos a idéia de que lazer e recreação são sinônimos, encontramos entre autores da área o consenso de que a recreação é um dos componentes do lazer. Através da análise dos conceitos básicos sobre a recreação, encontram-se características do lazer. A diferença principal segundo Waichman (2004) está no fato de que em uma experiência recreativa, deve haver, psíquica e biologicamente, uma disponibilidade de energia. “Recreação então, poderia ser uma atividade, um sistema, uma idéia, uma brincadeira, um esporte não competitivo, tudo o que nos proporciona entretenimento” (WAICHMAN, 1997).
Jogos Cooperativos
Nessa linha de que a recreação não deve levar o indivíduo a uma situação de estresse, não estar ligada a competição extrema ou situações de constrangimento e que deve levar o indivíduo a estados psicológicos positivos; podem-se destacar os jogos cooperativos. Nesse tipo de jogo, caracteriza-se o esforço/união de todos para se atingir um objetivo comum, não existe o “jogar contra” e sim o “jogar com”, o foco está no processo e não no resultado do jogo. Outra característica marcante é o fato de que ninguém fica excluído e todos são vencedores quando a meta é alcançada. Além dessas, Guillermo Brown, autor de destaque no assunto, principalmente na América Latina, chama a atenção para a vivência das relações respeitosas existentes no jogo (BROWN, 1995).
De acordo com Orlick (1989) apud Brotto (1999) os jogos cooperativos (JC) nasceram devido à preocupação com o exagerado valor atribuído ao individualismo e a competição na cultura ocidental. Ainda o mesmo autor, uma das principais autoridades do mundo em JC, destaca características como cooperação, aceitação, envolvimento e divertimento nestes jogos.
Orlick (1978) apud Batista (in MOREIRA, 2006) destaca a versatilidade e adaptabilidade dos JC. Esses podem ser jogados em diferentes espaços, sem equipamentos específicos, envolvendo a participação de qualquer pessoa e as regras poderão ser adaptadas para atender às necessidades dos praticantes. Dividem-se em quatro categorias, diferenciadas pelo grau de cooperação existente em cada uma delas.
A primeira chama-se “Jogos Cooperativos Sem Perdedores”. O esforço dos participantes é feito para alcançarem um objetivo único, sendo que não há perdedores. Na segunda categoria estão os “Jogos de Resultado Coletivo”. Existe a divisão em duas ou mais equipes, mas o objetivo do jogo só é alcançado com todos jogando juntos. Não há perdedores e os jogadores podem trocar de equipe. Já a terceira categoria de JC é chamada de “Jogos de Inversão”. O jogo envolve duas equipes, mas os jogadores trocam de equipe a todo instante, dificultando reconhecer vencedores e perdedores. As inversões podem ser realizadas através dos jogadores, que em determinado momento do jogo assumem posição na equipe oposta; rodízio do goleador, que troca de equipe assim que marca um ponto, gol ou cesta; inversão do placar, em que os pontos obtidos são dados para a equipe oposta; e a inversão total, no qual os pontos e o pontuador passam para a equipe oposta. Como última categoria encontram-se os “Jogos Semicooperativos”. Os equipamentos, regras e o nível de esforço são adaptados para estimular a participação de integrantes de todos os níveis de desenvolvimento, habilidades, força, etc.
Percebe-se claramente, a partir das categorias de JC, conceitos inerentes ao lazer e, consequentemente, à recreação, o que o torna uma opção interessante tanto para as aulas de Educação Física escolar, quanto para momentos de lazer em diversos ambientes.
Conclusão
O conceito de lazer surgiu a partir das tensões entre capital e trabalho, quando os sujeitos passaram a se preocupar com a ocupação do tempo livre de trabalho. Compreende o momento em que o indivíduo se empenha em algo que escolhe, lhe dá prazer e que o modifica como pessoa. Assim, pode estar ligado aos esportes, jogos, brincadeiras, práticas culturais ou, simplesmente descanso. Por sua vez, a recreação seria uma forma do indivíduo satisfazer seus anseios e vontades relacionadas ao lazer, estando ligada à diversão, alegria e entretenimento. Dentre as principais características estão: espontaneidade, volitividade, positividade, prazer e criatividade. Por isso, possui grande participação de profissionais de EF na orientação dessas práticas. Por fim, os jogos cooperativos seriam uma forma de recrear-se sem a preocupação com o caráter competitivo dado a diversas atividades recreativas e de lazer. Possui como características a coletividade, união, cooperação, além do prazer implícito na prática dos jogos.
Referências
BRAMANTE, A.C. Recreação e Lazer: concepções e significados. Campinas, SP: Unicamp, 2003.
BROTO, E.O. Jogos cooperativos: se o importante é competir, o fundamental é cooperar. Santos, SP: Renovada, 1997.
BROWN, G. Jogos cooperativos: teoria e prática. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1995.
BRUHNS, H.T. (org). Introdução aos estudos de lazer. Campinas, SP: Unicamp, 1997.
CAVALLARI, V.R. e ZACHARIAS, V. Trabalhando com recreação. 2.ed. São Paulo: Ícone,1994.
DIAS, V. K.; SCHWARTZ, G. M. O idoso e sua concepção de lazer. Revista Kinesis, Santa Maria: UFSM, n. 27, 2002.
MARCELLINO, N.C. Lazer e educação. 9. ed. Campinas: Papirus, 2002.
MARCELINO, N.C. Lazer e humanização. 2. ed. Campinas: Papirus, 1995.
MOREIRA, E.C. (org). Educação Física Escolar: desafios e propostas II. Jundiaí: Fontoura, 2006.
PAIM, M.C.C. e STREY, M.N. O que as mulheres e homens fazem em suas horas de lazer. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Ano 10, n. 92, 2006. http://www.efdeportes.com/efd92/lazer.htm
PASTOR, M. e CAMACHO, A. (org.) Actividades físicas extraescolares: uma propuesta alternativa. Barcelona: Inde, 1998.
WAICHMAN, P.A. Tempo livre e recreação: um desafio pedagógico. Campinas: Papirus, 1997.
WAICHMAN, P.A. A respeito dos enfoques em recreação. Revista da Educação Física/UEM, v. 15, n. 2, 2004.
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