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Educação Física (Adaptada) e Políticas 

Educacionais de inclusão: contexto

Educación Física (Adaptada) y Políticas Educativas de inclusión: el contexto

 

Especialista em Aspectos Biodinâmicos do Movimento Humano, UFJF

Tutora a distância, UFJF

(Brasil)

Vera Lucia Ferreira Pinto Fernandes

vera.fernandes@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho teve por objetivo comparar os discursos que tangem a Educação Física (Adaptada), assim como as políticas educacionais de inclusão. Para isso foi realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental. Para a interpretação dos dados utilizou-se da análise de conteúdo. Os resultados mostram que até o início dos anos 80 a Educação Física (essencialmente prática), assim como as políticas educacionais (mal elaboradas), excluíram as pessoas com deficiência do ambiente escolar. Quadro este que começou a se modificar a partir do final da mesma década com o surgimento de novas abordagens em Educação Física (Adaptada), concomitante à organização de ações governamentais no setor das políticas educacionais de inclusão. Concluímos que a Educação Física (Adaptada) vai ao encontro dos princípios inclusivistas propostos pelo governo por meio destas políticas, tendo muito a contribuir para o desenvolvimento escolar de pessoas com deficiência.

          Unitermos: Políticas Educacionais de Inclusão. Educação Física (Adaptada).

 

 
http://www.efdeportes.com/ EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 149, Octubre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Historicamente, um contexto de assistência e reconhecimento da pessoa com deficiência como cidadão é quase inexistente. O Estado, por muito tempo, esteve ausente ou minimamente envolvido nas questões relativas a estas pessoas. Somente a partir da segunda metade do século XX com o surgimento do termo “Direitos Humanos” é que podemos presenciar iniciativas de Estado para a infância deficiente através de sua inserção na escola regular – ainda que em classes especiais – a partir de creches e escolas primárias.

    Apenas no final do mesmo século, após a proclamação do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, em 1981, é que podemos observar o crescimento do interesse de diversos setores da sociedade em busca de alternativas que viabilizem melhores condições de vida para pessoas com deficiência, resultando em textos legais como a Declaração de Salamanca em 1994, por exemplo, que garantem a sua inclusão não apenas na escola regular, mas em classes regulares, além de uma vida digna em sociedade.

    A educação escolar passou por vários processos até chegar à educação inclusiva que propõe uma pedagogia voltada para as necessidades de todos os educandos visando otimizar suas potencialidades e não suas deficiências. A Educação Física muito tem a contribuir, pois, através de diferentes abordagens trabalha o desenvolvimento global do aluno nos aspectos tanto motor quanto social, cognitivo e intelectual através da cultura corporal. Mais especificamente a Educação Física Adaptada, área da Educação Física, que estuda a motricidade de pessoas com necessidades educacionais especiais, através de metodologias adequadas proporciona aos educandos com deficiência condições de participação e desenvolvimento de suas capacidades funcionais, respeitando as diferenças.

    Neste sentido, o presente estudo tem por objetivo analisar os discursos do governo relativos à assistência às pessoas com deficiência no ambiente escolar, através da análise de políticas (educacionais) de inclusão, dialogando com a literatura sobre a educação, a inclusão e a educação física (adaptada).

    Para isso, será realizada uma pesquisa qualitativa bibliográfica e documental. Para Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa qualitativa se caracteriza como uma metodologia de investigação que enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais. E na concepção de Lima e Mioto (2007: 40) “[...] a pesquisa bibliográfica possibilita um amplo alcance de informações, além de permitir a utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, auxiliando também na construção, ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto de estudo proposto”.

    Utilizaremos como fonte, algumas leis relativas à infância e adolescência, à educação, e à inclusão, além de bibliografias relativas à educação, a inclusão e a educação física (adaptada). Para a interpretação dos dados o estudo seguirá os caminhos da análise de conteúdo que, de acordo com Bardin (2008: 42) é

    um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção [...] destas mensagens.

Resultados e discussão

    Ao falarmos em deficiência estamos nos referindo às teorias e práticas que eliminaram, segregaram e discriminaram pessoas que apresentavam sinais (comportamentais e/ou físicos) que se desviavam dos padrões de normalidade de cada época. Autores como Carmo (1989), Ferreira e Guimarães (2003), Mazzota (2003), entre outros, nos mostram com bastante argumento a situação desumana no qual viviam as pessoas com deficiência por séculos da nossa história.

    Com o fim do feudalismo e o conseqüente crescimento do capitalismo, sistema marcado pela competitividade, individualismo, busca pelo lucro a qualquer custo, as pessoas com deficiência não tiveram muitas chances sendo excluídas da sociedade através do regime de internato, pelo menos até o início do século XX, período marcado pela segregação (GAIO, 2006).

    A educação tinha o importante papel de reproduzir o modelo laboral de sociedade, agrupando as crianças em grupos homogêneos, as quais deveriam acompanhar o mesmo currículo e metodologia de ensino. É neste contexto que a Educação Física, sob a influência médico-higienista, surge como adjuvante do sistema capitalista na manutenção do status quo. Para Soares (2001: 6)

    A Educação Física será a própria expressão física da sociedade do capital. Ela encarna e expressa os gestos automatizados, disciplinados e se faz protagonista de um corpo “saudável’’; torna-se receita e remédio para curar os homens de sua letargia, indolência, preguiça, imoralidade, e, desse modo, passa a integrar o discurso médico, pedagógico... familiar.

    No Brasil, na década de 50 do século XIX, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, o Instituto dos Surdos-Mudos e o Asilo dos Inválidos da Pátria estão entre as primeiras instituições a prestarem atendimento aos deficientes (CARMO, 1989). Porém a assistência era principalmente de ordem médica e não propriamente educacional. Neste mesmo período, através da reforma Couto Ferraz, houve a inclusão da Educação Física nas escolas brasileiras (DARIDO, 2003). Contudo, possuía os mesmos princípios médicos-higienistas dos países europeus não havendo espaço para as pessoas com deficiência.

    Após a Proclamação da República e se estendendo até as primeiras décadas do século XX, uma nova ordem jurídica, social e econômica se instaurou. O país viu na educação escolar um meio para se chegar ao “concerto dos povos cultos”, no qual crianças, principalmente as pobres, deveriam ser civilizadas ao mesmo tempo em que seriam preparadas para o trabalho industrial que estava se desenvolvendo com intensidade. Estas crianças deveriam receber a educação dita normal. Aqueles que não se encaixavam no potencial de civilização recebiam a educação dita emendatória (OLIVEIRA, 2003, grifo do autor), que era destinada aos “‘criminosos, amorais, tarados, idiotas, cretinos, imbecis, surdos-mudos, cegos de nascença e deficientes físicos’” (VAGO, 2000: 275). Começa, então, a se pensar na implantação de classes especiais na escola dita normal.

    Sob a influência “escolanovista”, o Brasil – a partir da década de 20 – começa a se pensar numa “escola para todos”, através de uma educação centrada no aluno na qual a criança deve aprender fazendo (VIDAL, 2000). Porém, neste período, a Educação Física foi influenciada pelos Métodos Ginásticos1 e pela Instituição Militar e corresponde a um projeto de sociedade idealizado pela ditadura do Estado Novo. A Educação Física era entendida como exclusivamente prática (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Assim, as pessoas com deficiência ainda eram excluídas do processo de escolarização que efetivamente não era para todos. Oliveira (2003: 28-29) nos fala sobre

    [...] o absurdo previsto no Decreto número 21.241 (artigo 27, letra b) e no item 10 da Portaria número 13 e 26 de 1938 que estabelecia a proibição de matrícula nos estabelecimentos de ensino secundário “[...] de alunos cujo estado patológico os impeçam permanentemente da freqüência as aulas de Educação Física [...]”. (Castellani, 1988 apud Oliveira, 2003, p.28, grifo do autor).

    A lógica era a seguinte: o ensino público é gratuito porque é investimento. O indivíduo não paga pelo ensino, porém recebe formação para o trabalho, portanto pagará o investimento feito pelo Estado na sua educação.

    O deficiente era excluído do processo de escolarização, pois, a lógica imperativa entendia que se o indivíduo era incapaz e ineficiente para o trabalho, não poderia pagar o investimento, não podendo produzir porque era visto como improdutivo em razão de sua deficiência. (Grifo do autor).

    A partir da segunda metade do século XX a Educação Física escolar sofre o processo de “esportivização” que consiste na reprodução do esporte de alto rendimento no interior das escolas na busca pelo resultado, pela competitividade. Processo acentuado pela separação das turmas por sexo (COLETIVO DE AUTORES, 1992), ainda sem espaço para pessoas com deficiência.

    Paralelamente, com a volta dos mutilados da Guerra, começou-se a desenvolver programas de desportos que se adaptassem às pessoas com deficiência, fruto de conquistas sociais [a princípio fora do contexto escolar]. Nascida num enfoque médico, a atividade para pessoas com deficiência percorreu séculos com diversos nomes como ginástica médica, corretiva, terapêutica, entre outras, até chegar a Educação Física Adaptada (LIMA, 2005, acréscimo nosso). Diferentes nomenclaturas traziam em comum o discurso de uma Educação Física que oportuniza a participação de pessoas com deficiência, enfatizando seu potencial através do desenvolvimento dos mesmos conteúdos, com estratégias diversificadas, quando necessário (RECHINELI, 2008).

    A década de 80 pode ser considerada um marco no que diz respeito às políticas para pessoas com deficiência ao ser decretado pela ONU (Organização das Nações unidas), em 1981, o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, que fez aumentar as discussões e pesquisas que visam melhores condições de vida e equalização de oportunidades àqueles que por tanto tempo sofreram [e ainda sofrem] os mais variados tipos de discriminação (LIMA, 2005).

    Porém, no que dizem respeito à educação textos como, a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), assim como a Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996) deixam margem para a exclusão quando dizem que a educação de pessoas com deficiência deve ocorrer “no que for possível” ou “preferencialmente” no sistema regular de ensino.

    Ainda a partir da mesma década a Educação Física escolar passou por um processo de renovação surgindo diferentes abordagens – desenvolvimentista, construtivista, crítico-superadora, sistêmica, psicomotricidade, entre outras – que, em comum, visam uma Educação Física que articule múltiplas dimensões do ser humano, deixando de ser essencialmente biológica, passando a pensar no sujeito de forma integral: um ser social, afetivo, histórico, no qual objetiva-se a participação de todos através da cultura corporal de movimento (DARIDO, 2003).

    Assim, é possível perceber a preocupação em se desenvolver uma pedagogia que possibilite a efetiva participação de alunos com e sem deficiência nas aulas de Educação Física. Nesse sentido, a Educação Física Adaptada surge como subárea que discute, investiga e busca metodologias adequadas para que a inclusão de pessoas com deficiência pela Educação Física [inclusive no contexto escolar] seja efetiva (RECHINELI, 2008, acréscimo nosso).

    Porém, a Educação Física Adaptada veio se constituir como disciplina oficial nos cursos de graduação em Educação Física a partir da Resolução 3/1987 do Conselho Federal de Educação (BRASIL, 1987), observado o baixo número de profissionais da área atuando na Educação Especial [é o mínimo necessário para que possamos trabalhar com o respectivo público]. Além disso, Lima (2005) observa que nos últimos vinte anos houve um crescente número de pós-graduações latu-sensu e scrictu-sensu, seminários e congressos, além de periódicos [gratuitos] especializados no tema. Assim, percebemos que não se pode mais aceitar que a inclusão não seja praticada por falta de informação.

    Mais recentemente, vindo ao encontro dos objetivos traçados pela Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994), a Resolução CNE/CEB No 2/2001 deixa claro em seu Art. 3 que a educação especial é uma “modalidade da educação escolar” e que as escolas é que devem se adequar ao educando com necessidades especiais e não o contrário. Em seu Art. 7diz que o atendimento a esses educandos “[...] deve ser realizado em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa ou modalidade da Educação Básica” (BRASIL, 2001).

    Sendo as escolas a se adequarem, torna-se essencial que professores e demais funcionários estejam preparados. Estas devem comprovar a presença de professores “capacitados e especializados em educação especial” em seu quadro funcional. Em seu Art. 18, caput, deixa claro o que são “professores capacitados” e “especializados em educação especial”, sendo responsabilidade da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios oferecer oportunidades de formação continuada aos professores que já estão em exercício (Ibid.). Portanto, todos nós somos responsáveis por praticar, incentivar, orientar e fiscalizar a inclusão.

Conclusões

    Diante do exposto, podemos concluir que as pessoas com deficiência muito sofreram ao longo da história com discriminações e rotulações. Não estamos negando que essa situação, seja pela falta de informação ou por preconceito deixou de existir. Mas que devido às suas lutas e conquistas, as pessoas com deficiência vêm ocupando cada vez mais os espaços e atividades que outrora não lhes eram permitido, ou seja, qualquer espaço social, inclusive as escolas e o direito de aprender e conviver em sociedade.

    A Educação Física (Adaptada) muito tem a contribuir para o desenvolvimento de pessoas com deficiência. Não apenas através de atividades físicas, mas também de todo o seu aparato sociológico, que foca suas intenções no sujeito e não na deficiência. A inclusão (escolar, social) é um processo contínuo, o qual nunca estará concluído. Uma sociedade inclusiva não se faz através de adaptações, mas de ações que permitam uma real participação de todos os indivíduos que compõe uma sociedade.

    O governo tem feito a sua parte: políticas públicas (educacionais) de inclusão e cursos de capacitação e/ou especialização, gratuitos, a seus funcionários (professores, supervisores, e outros da área escolar e não escolar). Mas o governo não pode estar nas salas de aula, ministrando disciplinas. Cabe a nós educadores colocarmos em práticas os ideais de, mais do que uma escola, uma sociedade inclusiva.

Nota

  1. Sobre os Métodos Ginásticos Europeus ver: Soares, C. (2007). Educação Física: raízes européias e Brasil (4a ed.) Campinas: Autores Associados, pp. 51-68.

Bibliografia

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  • BRASIL. Senado. Constituição (1988). Brasília, DF, 2006, p.34-35.

  • ________. Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Brasília, DF: CORDE, 2007.

  • ________. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília/DF: CORDE, 1994.

  • ________. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF, 1990.

  • ________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, 1996.

  • ________. Resolução CNE No 3. Brasília, DF. 1987.

  • ________. Resolução CNE/CEB No 2. Brasília, DF, 2001.

  • CARMO, A. A. do. Deficiência Física: a sociedade brasileira cria, recupera e discrimina. Campinas, SP: UNICAMP, 1989, 234f. Tese (Doutorado em Educação).

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  • DARIDO, S. D. Educação Física na Escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 2003.

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  • GAIO, R. C. Para além do corpo deficiente: histórias de vida. Jundiaí, SP: Editora Fontoura, 2006.

  • LIMA, T. C. S. & MIOTO, R. C. T.. Procedimentos Metodológicos na Construção do Conhecimento Científico: a pesquisa bibliográfica. Katálysis. Florianópolis/SC, 10 (esp.), 37-45, 2007.

  • LIMA, S. M. T. Educação Física Adaptada: proposta de ação metodológica para Formação. Campinas, SP: UNICAMP, 2005. Tese (Doutorado em Educação Física).

  • MAZZOTA, M. J. S. Educação especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo, SP: Cortez, 2003.

  • OLIVEIRA, C. B. de. Políticas educacionais inclusivas para a criança deficiente: Concepções e veiculações no Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, 1978/1999. Campinas, SP: UNICAMP, 2003, 156f. Dissertação (Mestrado em Educação).

  • RECHINELI, A. O Fenômeno da inclusão na educação física escolar: o discurso dos professores de Itapetininga. Piracicaba, SP: UNIMEP. 2008, 126f. Dissertação (Mestrado em Educação Física).

  • SOARES, C. L. Educação Física: raízes européias e Brasil. 2a ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2001.

  • VAGO, T. M. Cultura escolar, cultivo de corpos: Educação Physica e Gymnastica como práticas constitutivas dos corpos de crianças no ensino público de Belo Horizonte (1906- 1920). In Revista Educar em Revista. Curitiba/PR, no 16, 2000, pp. 121-135.

  • VIDAL, D. G. Escola Nova e Processo Educativo. In: LOPES, M. T. L; FARIA FILHO, L. M; VEIGA, C. G. (Orgs.) 500 Anos de Educação no Brasil. 3a ed. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2000, p. 497-517.

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