Auto-percepção dos treinadores de futebol portugueses sobre os conhecimentos profissionais de acordo com a formação acadêmica Autopercepción de los entrenadores de fútbol portugueses sobre los conocimientos profesionales de acuerdo con la formación académica |
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*Licenciatura plena em Educação Física, Universidade Federal de Pelotas Mestrado em Desporto para Crianças e Jovens – Universidade do Porto **Licenciatura plena em Educação Física, Universidade Federal de Pelotas Mestrado em Atividade Física e Saúde – Universidade do Porto |
Gabriel Barros da Cunha* Gicele de Oliveira Karini** (Brasil) |
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Resumo No contexto do treino desportivo, o treinador assume um papel determinante, sendo fundamental o domínio de um corpo de conhecimentos simultaneamente eclético e específico. Particularmente no desporto para crianças e jovens, a pedagogia ganha destaque, podendo a formação acadêmica em Educação Física exercer um efeito diferenciador no corpo de conhecimento do treinador. O objetivo do presente estudo foi identificar se existem diferenças entre treinadores com e sem formação acadêmica em Educação Física, no que se refere a auto-percepção de conhecimentos relacionados ao exercício da sua função. A amostra foi constituída por 81 treinadores de futebol portugueses, na época de 2007/2008. Foi aplicado um questionário construído com base na literatura e validado pelo método de peritagem. Para a análise de dados recorreu-se à estatística inferencial, pelo teste One-Way Anova para a comparação dos treinadores em função da formação acadêmica em Educação Física. Em termos gerais, os treinadores apresentaram maior competência percebida nos itens relacionados com o Treino. A análise comparativa indicou que os treinadores formados em Educação Física e Desporto demonstram possuir maior competência percebida nos conhecimentos pedagógico-didáticos para o exercício da função. Unitermos: Treinador desportivo. Formação acadêmica. Conhecimentos profissionais. Auto-percepção.
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http://www.efdeportes.com/ EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 149, Octubre de 2010. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A prática desportiva é uma oportunidade de desenvolvimento integral de crianças e jovens, tendo em conta os valores sócio-afetivos, psicológicos e motores que podem ser desenvolvidos através do desporto (CONROY & COASTWORTH, 2006). Uma vez que se assiste a um aumento crescente do número de praticantes. no âmbito do desporto organizado (VARGAS-TONSING, 2007; McCALLISTER, BLINDE & WEISS, 2000), o papel do treinador desportivo surge com maior importância para o desenvolvimento pessoal de crianças e jovens.
De fato, dentro do ambiente desportivo, os treinadores possuem a oportunidade de influenciar positivamente a natureza e a qualidade das experiências desportivas (SOUZA SOBRINHO, 2007). As suas escolhas, comportamentos, atitudes que adotam e preconizam, bem como os valores que procuram transmitir e a natureza de sua interação com os atletas podem, notoriamente, influenciar os efeitos da participação desportiva de crianças e jovens (SMITH, SMOLL & CUMMING, 2007).
No âmbito do desporto para crianças e jovens, o aspecto pedagógico é de fundamental importância. Dentro dessa perspectiva, a formação acadêmica em Educação Física e Desporto apresenta um papel de grande relevância, particularmente pelo cunho pedagógico e didático que é conferido às matérias lecionadas (ROSADO & MESQUITA, 2007; RUPERT & BUSCHNER, 1989). A formação acadêmica proporciona uma aquisição de cultura alargada, permitindo ao futuro treinador perceber e refletir o seu papel enquanto profissional (ROSADO & MESQUITA, 2007). Esses aspectos adquiridos no meio acadêmico, associados aos conhecimentos específicos da modalidade, potenciam a aquisição de um corpo de conhecimento robusto, por parte do treinador.
Nesse contexto, os conhecimentos relacionados com as Ciências do Desporto adquirem uma posição de destaque, sendo determinantes para a construção de um arcabouço teórico que atuará como linha orientadora do trabalho exercido. Sendo assim, o nível de conhecimento dos treinadores desportivos tem ganho destaque entre os pesquisadores da área do desporto (ROSADO & MESQUITA, 2007; RUPERT & BUSCHNER, 1989; ABRAHAM, COLLINS & MARTINDALE, 2006; CÔTÉ et al., 1995; JONES, ARMOUR & POTRAC, 2003).
Preocupados com a necessidade de existir uma formação superior alinhada no espaço europeu, diferentes entidades européias agregaram esforços, expressos num Projeto designado como Aligning a European Higher Education Structure (AEHESIS), onde ressalta entre outras profissiões, a de Treinador Desportivo. Neste âmbito, é enumerado um conjunto de conhecimentos que servirão como base teórica para o aprendizado das competências relacionadas com a atividade profissional do treinador, sendo eles: (a) aspectos técnicos, táticos, físicos e mentais do desporto; (b) medicina, primeiros socorros, nutrição e prevenção de lesões; (c) metodologia e didática; (d) biomecânica; (e) periodização e planejamento; (f) teoria do treino; (g) estilo de vida; (h) modelo do desporto específico e desenvolvimento do atleta.
Tendo em conta a pertinência dos conhecimentos para o melhor exercício da função, parece-nos relevante identificar se os treinadores com formação em Educação Física se distinguem dos outros em relação às áreas de conhecimentos em que se consideram mais ou menos competentes. Dessa maneira, o objetivo do presente estudo é identificar se a formação acadêmica na área da Educação Física e Desporto promove alguma diferença na competencia percebida dos treinadores em relação aos conhecimentos essencias para o exercício da sua função..
Metodologia
A amostra do presente estudo foi composta por 81 treinadores de Futebol, sendo 20 da região centro de Portugal (Aveiro e Viseu) e o restante da região norte (Porto e Braga). A tabela 1 mostra que os treinadores são prioritariamente jovens, com experiência como atleta e como treinador extremamente diversificada. Prioritariamente são licenciados em Educação Fisica e Desporto ou em vias de atingir a licenciatura. Atuam quase exclusivamente em escalões de formação como treinadores e possuem na sua maioria o curso de nivel I da Federação Portuguesa de Futebol.
Tabela 1. Caracterização da amostra
A formação acadêmica é a variável independente do presente estudo, sendo distribuída em treinadores com formação na área de Educação Física e Desporto (n = 65) e treinadores com outras formações literárias (n = 16). A escolha da formação acadêmica em Educação Física ganha suporte na relevância da formação profissional e dos conhecimentos que podem ser adquiridos no ambiente acadêmico, servindo esses como bases teóricas e práticas para a formação especializada dos treinadores. Já as variáveis dependentes estão representadas pela auto-percepção no domínio dos conhecimentos representada nas respostas dos treinadores ao inquérito.
O questionário aplicado foi construído a partir de outros instrumentos disponíveis na literatura, de artigos de referência teórica sobre a temática (ROSADO, 2000; SIMÃO, 1998; COSTA, 2005; DEMERS, WOODBURN & SAVARD, 2006; ABRAHAM, COLLINS & MARTINDALE, 2006; VARGAS-TONSING, 2007) e nos conhecimentos referenciados pelo relatório do Projeto AEHESIS (2006) como indispensáveis para o desenvolvimento profissional de um treinador desportivo. Para a validação de conteúdo, recorreu-se ao método de peritagem, tendo sido consultado três professores doutores especialistas na área. O instrumento avalia a auto-percepção dos treinadores em relação ao domínio dos seus conhecimentos. O questionário foi dividido por áreas, sendo que os conhecimentos foram categorizados como: (a) Conhecimentos relacionados ao Treino; (b) Conhecimentos relacionados a Competição; (c) Conhecimentos relacionados a Gestão Desportiva; (d) Conhecimentos relacionados ao Papel de Formador.
A recolha de dados foi feita de maneira presencial nos programas de formação de treinadores organizado pelas Associações de Futebol, com exceção do Porto, onde foi realizado no dia de um seminário de treinadores de futebol, organizado por uma entidade privada. Os questionários foram entregues aos treinadores e devolvido ao pesquisador durante os intervalos dos cursos de formação, acontecendo do mesmo modo no seminário. Na entrega do questionário, houve uma breve explicação sobre o inquérito por parte do pesquisador, sendo aberto período para responder a possíveis dúvidas dos treinadores.
Para a análise estatística das variáveis deste estudo, utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15.0. Recorremos ao estudo de normalidade com o teste de Komolgorov-Smirnov, e com o estudo da homogeneidade das variâncias através do teste de Levene, tendo ambos preenchido os pressupostos exigidos para aplicação da estatística paramétrica. Para a comparação entre grupos recorremos ao teste paramétrico One-Way ANOVA (Análise de Variância). Para efeitos de interpretação e análise dos dados, o coeficiente de significância assumido foi de 0.05 (p≤0.05).
Resultados
Observando as tabelas abaixo, podemos verificar que os treinadores com formação acadêmica na área da Educação Física e Desporto apresentaram valores de competência percebida superiores aos treinadores sem formação na área, apresentando alguns diferenças estatisticamente significativas.
Nos conhecimentos relacionados ao Treino, dois conhecimentos apresentaram diferenças estatisticamente significativas, as Estratégias instrucionais ao nível do ensino de conteúdos (p = 0,011) e as Intervenções de emergência e Primeiros socorros (p = 0,036).
Como é possível verificar na tabela 2, nos conhecimentos relacionados com a Competição, a única diferença estatisticamente significativa foi na Planificação e organização das competições (p = 0,004).
Tabela 2. Resultados da auto-percepção dos conhecimentos dos treinadores em função da formação acadêmica
Nos conhecimentos relacionados com a Gestão Desportiva, Implementar e avaliar programas que envolvam a integração de especialistas em Ciências dos Desporto mostrou valores com significado estatístico (p = 0,029).
Por fim, nos conhecimentos relacionados ao Papel de Formador, a Implementação de atividades com treinadores principiantes (p = 0,006) e o Planejamento e avaliação de atividades com treinadores principiantes (p = 0,008) apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de treinadores, tendo em conta sua formação acadêmica.
Tabela 3. Resultados da auto-percepção dos conhecimentos dos treinadores em função da formação acadêmica em educação física
Discussão
Ao analisarmos os resultados identificamos que os treinadores com formação acadêmica em Educação Física e Desporto apresentam maiores níveis de competência percebida em todos os itens com diferenças estatisticamente significativas.
Nos conhecimentos relacionados ao treino, destaca-se a diferença estatítisca nas Estratégias instrucionais ao nível do ensino de conteúdos, ficando assim evidente a diferença no corpo de conhecimento a nível pedagógico e didático dos treinadores com formação acadêmica em Educação Física. Um estudo realizado por McCallister, Blinde & Weiss (2000), expõe a fragilidade que os treinadores apresentam nos conhecimentos pedagógicos e didáticos. O estudo foi realizado com 22 treinadores (M=12; F=10) de Softball, com o objetivo de identificar quais eram os valores mais importantes a serem desenvolvidos no desporto para crianças e jovens e qual a metodologia utilizada para desenvolver esses valores. De uma forma geral, os treinadores não conseguiam indicar, de modo objetivo, qual era a metodologia utilizada para o desenvolvimento dos valores que consideravam importantes, ficando evidente as limitações existentes no corpo de conhecimentos psico-pedagógicos e didáticos dos treinadores.
Também é possível observar diferenças estatisticamente significativas nos conhecimentos relacionados com a Gestão Desportiva e com a Competição. No caso específico da Competição, onde a diferença foi na “Planificação e organização das competições”, podemos notar que ela envolve o processo de planejamento, organização e estruturação das ações. Tal resultado pode dever-se ao fato dos programas de formação, não raramente, negligenciarem não apenas os conteúdos pedagógicos e didáticos, como também não fornecerem suporte para ações de planejamento, tendo como característica marcante o cunho tecnocrático (ROSADO & MESQUITA, 2007).
Na Gestão Desportiva, os treinadores sem formação acadêmica na área de Educação Física e Desporto demonstraram percepcionar maior dificuldade em “Implementar e avaliar programas que envolvam a integração de especialistas em Ciências do Desporto”, que os treinadores com graduação em Educação Física e Desporto.
Por fim, as diferenças encontradas nos conhecimentos relacionados ao Papel de Formador, também podem se justificar, com as devidas ressalvas, pelo maior aporte de conhecimentos adquiridos pelos treinadores licenciados em Educação Física e Desporto, onde tradicionalmente existe formação de professores. De fato, os treinadores apenas com formação federativa, podem não possuir conhecimentos didáticos e pedagógicos necessários para orientar treinadores principiantes, dada a menor importância que os programas de formação federativa atribuem a esses aspectos.
Conclusão
Os resultados do presente estudo confirmam a importância da formação acadêmica em Educação Física no domínio de conhecimentos relacionados com a função do treinador desportivo no âmbito do treino de crianças e jovens.
Bibliografia
Aligning a European Higher Education Structure (2006). Thematic Network Project AEHESIS – Report of the Third Year. Colonia.
ABRAHAM, A.; COLLINS, D. & RUSSELL, M. The coaching schematic: validation expert coach consensus. Journal of Sports Sciences, v.24, n.6, p. 549-564, 2006.
CONROY, D. & COATSWORTH, J. Coach training as a strategy for promoting youth social development. The Sport Psychologist, v. 20, p. 128-144, 2006.
COSTA, A. (2005). A formação do treinador de futebol: análise de competências, modelos e necessidades de formação. 2005. 152 f. Dissertação (Mestrado em Treino do Jovem Atleta) – Faculdade de Motricudade Humana, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa.
CÔTÉ, J.; SALMELA, J.; TRUDEL, P.; BARIA, A. & RUSSEL, S. The coaching model: a grounded assessment of expert gymnastic coaches’ knowledge. Journal of Sport & Exercise Psychology, v. 17, n. 1, p. 1-17, 1995.
DEMERS, G.; WOODBURN, A. & SAVARD, C. The development of an undergraduate competency-based coach education program. The Sport Psychologist, v. 20, p. 162-173, 2006.
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McCALLISTER, S.; BLINDE, E. & WEISS, W. Teaching values and implementing philosophies: dilemmas of the youth sport coach. Physical Educator Winter, v. 57, n. 1, p. 35-45, 2000.
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ROSADO, A. Um perfil de competências do Treinador Desportivo. In: RODRIGUES, J., SARMENTO, P. & ROSADO, A. A Formação de Treinadores Desportivos. Rio Maior: Edições ESDRM, 2000, p. 21-48.
ROSADO, A. & MESQUITA, I. A formação para ser treinador. 1º Congresso Internacional de Jogos Desportivos. In: Actas do 1º Congresso Internacional de Jogos Desportivos, Porto, Secção conferências [CDROM], 2007.
RUPERT, T. & BUSCHNER, C. Teaching and coaching: a comparison of instructional behaviours. Journal of Teaching in Physical Education, v. 9, p. 49-57, 1989.
SIMÃO, J. A formação do treinador: análise das representações dos treinadores em relação à sua própria formação. 1998. 150 f. Dissertação (Mestrado em Gestão da Formação Desportiva) – Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa.
SOUZA SOBRINHO, A. E. Estudo do comportamento pedagógico de treinadores de voleibol no contexto de treino crianças e jovens. 2007. 143 f. Dissertação (Mestrado em Desporto para Crianças e Jovens) – Faculdade de Desporto, Universidade do Porto, Porto.
VARGAS-TONSING, T. Coaches preferences for continuing coaching education. International Journal of Sport Science & Coaching, v. 2, n. 1, p. 25-35, 2007.
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