Efeito da atividade física na saúde e qualidade de vida de pessoas com transtornos mentais Efecto de la actividad física en la salud y la calidad de vida de las personas con trastornos mentales Effect of physical activity on health and quality of life of people with mental disorders |
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*Graduado em Educação Física pela Universidade Federal de Uberlândia, UFU ** Mestre em Psicologia pela UFU*** Doutora em Educação Física pela Universidade Metodista de PiracicabaProfessora do curso de Educação Física da UFU ****Gradu ada em Enfermagem pela UFU(Brasil) |
Luciano Fernandes Crozara* Gabriella Ferreira Braga* Diego Cristóvão Feliciano* Ana Paula Silva* Viviane Prado Buiatti Marçal** Patrícia Silvestre de Freitas*** Fabiana Callegari**** |
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Resumo Este texto propõe uma discussão da relevância da atividade física à Saúde Mental de pessoas em sofrimento psíquico grave com diferentes transtornos. Descreve um projeto desenvolvido com usuários da saúde Mental de um Centro de Atenção Psicossocial – adulto (CAPS) em parceria com um grupo de graduandos em Educação Física e uma professora da Universidade Federal da cidade de Uberlândia, sendo acompanhado diretamente por duas técnicas do CAPS, uma psicóloga e uma enfermeira. A proposta deste trabalho envolve a inclusão social dos usuários de Saúde Mental, o acesso ao esporte e ao lazer e a melhoria da qualidade de vida destas pessoas. Através dos relatos dos próprios participantes foi notada uma melhora no âmbito da saúde e da qualidade de vida destas pessoas assim como o maior acesso delas ao esporte e ao lazer de forma inclusiva no contexto do projeto. Unitermos: Atividade física. Qualidade de vida. Educação Física. Transtornos mentais.
Abstract This study proposes a discussion of the relevance of physical activity on the Mental Health of people in severe psychological distress with various disorders. It describes a project developed with mental health users of a Mental Health Center for Psychosocial Care – adult (CAPS) in partnership with a group of graduate students in physical education and a professor at the Federal University of Uberlândia, being accompanied directly for two CAPS’s techniques, a psychologist and a nurse. The proposal of this study involves social inclusion of mental health users, access to sport and leisure and improving quality of life of these people. Through the reports of the participants themselves was noted an improvement in the health and quality of life as well as the greater access to sport and leisure in an inclusive manner in the context of the project. Keywords: Physical activity. Quality of life. Physical Education. Mental disorders.
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http://www.efdeportes.com/ EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 149, Octubre de 2010. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Vários estudos demonstram que a prática regular de exercício físico está relacionada a benefícios para a saúde1. Gullette e Blumenthal2 descreveram os benefícios da atividade física como tratamento adjunto nos quadros depressivos e ansiosos, sugerindo que esta deva ser prescrita em associação às demais terapias nestes quadros.
Considerações sobre algumas hipóteses dos mecanismos fisiológicos envolvidos na melhora do humor e sintomas ansiosos após a prática de exercício aparecem em uma revisão de Morgan3. A primeira hipótese destacada é descrita como “hipótese da distração”, onde melhoras nos níveis de ansiedade/depressão seriam obtidas pelo fato do indivíduo distanciar-se de estímulos estressantes vitais durante a atividade física. Uma segunda hipótese descrita é a das monoaminas, onde a prática continuada de exercício contribuiria para aumentar os níveis centrais de serotonina e noradrenalina, neurotransmissores reconhecidamente envolvidos nos transtornos afetivos e ansiosos. Por fim, a terceira hipótese e também a mais conhecida, envolve um aumento nos níveis de endorfina, um opióide endógeno implicado nos efeitos de bem-estar físico e psíquico descritos após prática de atividade física.
O incremento da atividade física de uma população contribui decisivamente para a saúde pública, com forte impacto na redução dos custos com tratamentos, inclusive hospitalares, uma das razões de seus consideráveis benefícios sociais4-5.
Existem evidências científicas abundantes que mostram a contribuição da saúde para a qualidade de vida de indivíduos ou populações. Da mesma forma, é sabido que muitos componentes da vida social que contribuem para uma vida com qualidade são também fundamentais para que indivíduos e populações alcancem um perfil elevado de saúde. Portanto a atividade física quando feita de maneira adequada e com acompanhamento de um profissional da área da saúde é de extrema importância para obtenção de uma melhor qualidade de vida.
De acordo com Auquier 6, qualidade de vida é uma noção eminentemente humana, que tem sido aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética existencial. Pressupõe a capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos os elementos que determinada sociedade considera seu padrão de conforto e bem-estar. O termo abrange muitos significados, que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se reportam em variadas épocas, espaços e histórias diferentes, sendo, portanto uma construção social com a marca da relatividade cultural. Por outro lado, pode se qualificar como um conceito equívoco como o de inteligência, ambos dotados de um senso comum variável de um indivíduo ao outro7.
Para World Health Organization Quality of Life, WHOQOL (1), o termo qualidade de vida foi definido como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.
A Associação Brasileira de Psiquiatria8, (CID 10) descreve que transtornos mentais envolvem uma série de distúrbios que podem ser classificados de acordo com a causa preponderante, idade de aparecimento ou por características sintomatológicas comuns. Assim, podemos citar os transtornos mentais orgânicos (como a demência arterioesclerótica dos idosos e a Doença de Alzheimer), os transtornos mentais e de comportamento devidos ao uso de álcool e outras drogas (como a cocaína), a esquizofrenia, os transtornos do humor (como a depressão e o transtorno bipolar), os transtornos ansiosos (como as fobias, o pânico, o transtorno obsessivo-compulsivo, a hipocondria e as somatizações), os transtornos alimentares (como a anorexia e a bulimia), os transtornos do sono (como a insônia e o sonambulismo), os transtornos sexuais, os transtornos da personalidade e outros transtornos próprios da infância (como o autismo e o déficit de atenção).
Atualmente tem-se nos Centros de Atenção Psicossociais uma possibilidade de tratamento substitutiva à internação psiquiátrica que atende pessoas com transtornos mentais graves. Este serviço procura evitar internações, favorecer a cidadania e a inclusão social de usuários e suas famílias. Segundo Ministério da Saúde9 este atendimento deve promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas de enfrentamento de problemas.
O tratamento nos Centros de Atenção Psicossociais visa a abertura de perspectivas de vida para os usuários, o que inclui lazer, esporte, passeio no parque, acompanhamento a idas na associação ou mesmo à padaria, se depender do quadro do paciente e for relevante à sua inserção na comunidade.
Algumas manifestações dos transtornos psíquicos mais intensos como na depressão recorrente, estados de ansiedade generalizada ou transtornos psicóticos como na esquizofrenia ou no transtorno bipolar podem prejudicar o desempenho da pessoa em seu contexto de vida familiar, social, pessoal, de trabalho, nos estudos, na compreensão de si e dos outros, na possibilidade de autocrítica, quanto à tolerância aos problemas cotidianos e na possibilidade de ter prazer na vida em geral.
Para estes usuários de serviços em saúde mental, a participação de projetos fora da unidade de tratamento, isto é, na comunidade, representam um grande ganho na melhoria da condição de vida dessas pessoas, mudanças que são favoráveis à sua recuperação e tratamento. Segundo Roeder10: “qualidade de vida, neste contexto, significa algo mais do que a melhora de sintomas. Consiste na reestruturação de um conjunto de medidas necessárias ao bem-estar do indivíduo como resgate das habilidades sociais, moradia, trabalho, educação, apoio comunitário e lazer” (p.16).
Considera-se neste contexto a indissociabilidade entre corpo e mente, ou seja, essas estruturas se afetam mutuamente. Observa-se, por exemplo, em vários casos de pacientes deprimidos, que é notável em seu corpo as “marcas” da depressão, como no andar, gestos, respiração e expressões faciais. Nestes há uma diminuição de seu metabolismo e em conseqüência na produção de energia, sendo assim, a atividade física como aliado no tratamento destes casos para incidir na produção de energia e mudanças na atitude mental.
Deste modo, Oliveira e Rolim11 afirmam que as pessoas com transtornos mentais exercitam-se menos que as pessoas em geral. Um fator que possa explicar este fato é que em alguns casos os tratamentos medicamentosos causam uma lentificação psicomotora, que acabam comprometendo a mobilidade deste pacientes.
Neste ínterim, a junção das vertentes saúde mental e atividade física tem sido considerada um recurso terapêutico promissor, nas palavras de Roeder11: “é um mecanismo estabelecedor da comunicação e um importante instrumento de reabilitação psicossocial, auxiliando o indivíduo, através de um estilo de vida mais ativo, a melhorar a qualidade de vida, o que refletirá na sua condição de vida”. (p.37).
Roeder11 faz uma divisão para fins didáticos bastante interessantes buscando compreender os benefícios da atividade física para saúde mental em diversas dimensões que seriam áreas que incidem sob a qualidade de vida das pessoas. A primeira diz respeito à dimensão física, nesta, a pretensão do exercício é possibilitar mais energia e vigor para as atividades de vida diária e Roeder11: “despertar a consciência da corporeidade” (p.104), o que significa olhar para si mesmo e perceber suas potencialidades físicas, e adotar um estilo de vida mais ativo. Como segunda dimensão tem-se a psicológica, que envolve a redução de sintomas como ansiedade, depressão, diminuição de insônia, estresse, melhoria na auto-estima, autoconceito, autoconfiança e bem-estar.
Outra dimensão é a social, refere-se à comunicação e ao comportamento social, segundo a autora, a atividade física possibilita efeitos interativos, com estabelecimento de vínculos positivos de caráter psicossociais. Por último, a dimensão meio ambiente, que significa a possibilidade de situar o indivíduo Roeder11: “no espaço, no tempo e no mundo dos objetos, facilitando e promovendo uma melhor harmonização na relação consigo mesmo, com terceiros e entre terceiros” (p.117).
A atividade física neste sentido auxilia na qualidade de vida de pessoas que por muito tempo foram institucionalizadas em hospitais psiquiátricos, e também como parceira do tratamento biopsicossocial oferecido nos CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial), contribuindo efetivamente para olhar e cuidar desse indivíduo considerando-o como uma totalidade que envolve mente e corpo.
Segundo Broocks12, existem muitos estudos realizados com voluntários sadios comprovando o efeito positivo de treinamentos aeróbico frente aos sintomas de ansiedade, na auto-estima, na concentração e tolerância ao estresse. Apesar de existir pouco material científico demonstrando o efeito terapêutico dos exercícios com voluntários com transtornos mentais, existem evidências de que atividades físicas são efetivas em depressão moderada e na ansiedade13.
Um fator relevante que influência diretamente o efeito dos exercícios nos doentes mentais, é quanto ao profissional da saúde que oferece estas atividades. Um profissional engajado, mostrando disciplina e esforço tende a conseguir melhores resultados do que aqueles menos ativos14.
Vale ressaltar a importância da construção de um vínculo entre usuário e técnico, o que fortalece o grupo, a efetivação da qualidade do trabalho e que também garante a freqüência das pessoas nas atividades. Para que o Profissional da Educação Física faça parte do sucesso das realizações neste campo, é preciso que compreenda a complexidade do quadro geral de suas atividades no âmbito da saúde, suas finalidades e objetivos, bem como os papéis representados por todos os profissionais que nele participam. A recíproca é verdadeira; na área da saúde, no que se refere à prevenção da ocorrência de doenças, o Profissional de Educação Física deve preocupar-se, também, com a promoção da saúde e a prevenção de invalidez total, através da reabilitação dos que tenham sido afetados na doença15.
A portaria SUS n° 224, 09/01/1992, que regulamenta os serviços de avaliação médico-psicólógica e social; atendimento individual (medicamentoso, psicoterapia breve, terapia ocupacional, dentre outros); Atendimento grupal (grupo operativo, psicoterapia em grupo, atividades socioterápicas); abordagem à família: orientação sobre o diagnóstico, o programa de tratamento, a alta hospitalar e a continuidade do tratamento; preparação do paciente para a alta hospitalar garantindo sua referência para a continuidade do tratamento em unidade de saúde com programa de atenção compatível com sua necessidade. E no item 3.2 da portaria do SUS n° 224, 09/01/1992, ressalta-se que “Os pacientes deverão utilizar área externa do hospital para lazer, educação física e atividades socioterápicas”
Esta portaria mostra o reconhecimento da educação física no trabalho com a saúde mental, porém não exige a presença do Profissional de Educação Física, sendo assim de certa forma, ainda excluído como recurso humano da saúde mental. Pelo exposto acima e por resultados positivos alcançados neste projeto, sabe-se da necessidade deste profissional compor esta equipe e espera-se que a saúde mental seja ampliada e o indivíduo possa realmente ser considerado e tratado em sua totalidade.
Educação Física e Saúde Mental
O projeto AFISAM (Atividade Física e Saúde Mental) tem como objetivo estimular a atividade física aos portadores de sofrimento psíquico atendidos em um CAPS por meio de ações conjuntas com os educadores físicos e técnicos do CAPS que acompanham os pacientes e também subsidiam a prática dos estagiários, discutindo casos clínicos e refletindo posturas.
As dificuldades encontradas em relação a atividades físicas e pacientes com transtornos mentais envolveram a pequena quantidade de escritos sobre este assunto e uma idéia muitas vezes pré concebida em relação a doenças mentais e o termo loucura que no início do trabalho encontrava-se muito presente no grupo de Educação Física, sendo a saúde mental pouco conhecida até o momento. A respeito disso Focault16 ressalta que “não é nosso saber que se tem de interrogar a respeito daquilo que nos parece ignorância, mas sim essa experiência a respeito do que ela sabe sobre si mesma e sobre o que pôde formular com relação a si própria”. (p.83)
Neste sentido, inicialmente, os técnicos do CAPS se reuniam com o grupo de graduandos em Educação Física e a professora semanalmente, após as atividades com os pacientes para discussão dos casos e também leitura de textos referentes á reforma psiquiátrica, psicopatologias, avaliando também o comportamento, alterações e o discurso dos pacientes durante as atividades propostas, possibilitando a construção de atividades que melhores se adéquam ao grupo de usuários.
A prática da atividade física com os pacientes visa não somente trabalhar puramente o exercício físico, como também trabalhar a auto-estima dos usuários, o bem estar, a ludicidade, expressão corporal e socialização, propor alternativas para a melhoria da qualidade de vida e das relações estabelecidas com a comunidade, atuar na possibilidade de diminuição de sintomas impresumíveis da doença mental, possibilitar ao futuro profissional de Educação Física o contato e a prática com pacientes de transtornos mentais, enfocando alternativas de trabalho com esta clientela.
Diante disso, pretende-se contribuir na melhoria da qualidade de vida destes pacientes, bem como promover a inserção social através de ações que possibilitem o acesso ao esporte e lazer. Este programa conta com propostas de atividades físicas diversas que fazem parte do projeto terapêutico dos pacientes, dentre elas: musculação, hidroginástica e natação, atletismo e atividades de estimulação sensório-motoras. Os encontros são realizados duas vezes por semana por um período aproximadamente de duas horas,
O projeto “AFISAM – Atividade Física e Saúde Mental” iniciou-se em outubro de 2006 e consiste em uma proposta de interlocução do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) com o Curso de Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) que tem sido desenvolvido tanto no Campus da Educação Física, quanto no CAPS ou ainda, em locais do território de abrangência do Distrito Sul. Este é organizado e coordenado pela equipe multidisciplinar do CAPS e pelos profissionais do Núcleo NIAFS (núcleo interdisciplinar de estudos e pesquisas em atividade física e saúde) do curso de educação física da Universidade Federal de Uberlândia.
Metodologia
Atividade física, saúde mental e qualidade de vida são expressões que foram consideradas neste estudo pela sua interdependência, conceitos que se imbricam e fazem parte da proposta deste trabalho que é coordenado por um grupo de profissionais da área da saúde, sendo os participantes um grupo de usuários de saúde mental.
A abordagem metodológica qualitativa foi adotada como estratégia de investigação para iniciar os processos de coleta de dados da pesquisa em questão. Este estudo se caracteriza como um estudo descritivo do tipo exploratório, pois faz a descrição das características, propriedades e relações existentes no meio social. É exploratório em função de se levantar dados iniciais sobre as potencialidades de trabalho nessa área. Os dados foram obtidos através de relatos dos próprios participantes do estudo que se encontram descritos no texto. Inicialmente participaram deste estudo 10 usuários de saúde mental, de ambos os gêneros com idade entre 25 e 50 anos. A escolha dos participantes teve como critério questões de estudo e condições de acesso, permanência no campo e disponibilidade dos participantes17.
Resultados e discussão
Em dois anos de desenvolvimento deste projeto podem-se apontar algumas considerações. Inicialmente foi convidado um grupo de dez pacientes para participar deste projeto, ao mesmo tempo em que foram selecionados quatro estagiários, graduandos do curso de educação Física interessados em trabalhar com esta clientela.
Nas primeiras vezes, os técnicos do CAPS acompanharam os pacientes de ônibus para auxiliá-los na aprendizagem do caminho, considerando que o grupo de usuários pouco circulava pela cidade e quando saíam de suas residências eram somente para irem ao CAPS.
Após este primeiro momento, os pacientes começaram a ir sozinhos ou com familiares e sempre um dos técnicos do Centro de Atenção Psicossocial estava no Campus da Universidade para acompanhar as atividades. O projeto iniciou-se (três primeiros meses) uma vez por semana e depois ampliou-se para duas vezes a pedido dos próprios usuários e também sendo percebido a necessidade pelos técnicos.
Neste projeto participam pacientes com diversos transtornos mentais, dentro das neuroses, os transtornos ansiosos, histeria e depressão e na psicose, a esquizofrenia e o transtorno bipolar. É interessante ressaltar que para os técnicos do CAPS, acreditou-se que o maior número de pacientes que poderiam aderir a esta atividade seriam os neuróticos, porém os números mostraram o contrário, atualmente têm-se vinte pacientes inscritos no projeto, sendo 70% de usuários com transtorno psicótico. A equipe considera que pela complexidade do quadro clínico destes pacientes, o trabalho com o corpo e a expressão deste possibilitou ir ao encontro de suas necessidades, como a percepção de seu próprio corpo, podendo identificar seus limites e possibilidades.
Outro dado pertinente é a questão da freqüência dos usuários, nestes dois anos tem-se uma participação assídua deles e poucas faltas. A questão do vínculo com o grupo pode estar ligada ao desejo das pessoas em não deixar de comparecer ao projeto. Um momento importante e que demonstra a forma em que isso é trabalhado, diz respeito ao grupo de “diálogo” que é feito após as atividades físicas. Neste, as pessoas podem relatar como foi a atividade, se gostaram ou não, do que gostaram, do que não gostaram e como se sentiram realizando a atividade. A equipe avalia que essa interlocução é essencial porque o grupo compartilha sentimentos, sensações, ouve o colega, diz de sua percepção e também os coordenadores podem obter dados como quais atividades são mais receptivas ao grupo, em que podem trabalhar, além de poder aproximar as pessoas e fortalecer o grupo. Esse aspecto pode ser constatado na fala de um dos usuários, “Me sinto bem neste lugar, somos ouvidos e gosto de estar perto dos professores” (paciente com transtorno bipolar).
Em alguns pacientes, constatou-se que após a entrada no projeto houve diminuição de reincidências de crise, porém considera-se a participação neste projeto e também o tratamento oferecido no CAPS como um conjunto de procedimentos que podem ter favorecido essa melhora no quadro clínico desses pacientes. Como retrata uma usuária, “Antes de entrar no projeto ficava em casa, muito sozinha e não tinha ânimo pra nada, não conversava com as pessoas, agora tenho amigas e sinto melhor” (paciente com transtorno depressivo).
No discurso dos participantes do projeto há muitos relatos da sensação de bem estar em relação ao corpo e à disposição para as atividades diárias, bem como a satisfação de estar em local no qual podem estar com outras pessoas, conviver e conversar. Os profissionais do CAPS e os estagiários em Educação Física percebem a cumplicidade do grupo, isso fica claro quando durante as atividades o grupo vai realizando um movimento em que um pode ajudar o outro, como por exemplo, nas atividades de piscina, aquele que sabe mais vai auxiliar o colega, ou mesmo poder compreender o paciente que não está bem naquele dia, quando um está mais agitado e os outros componentes vão tentando adaptar no sentido de acolher as dificuldades daquele que está em um momento difícil e ao mesmo tempo auxiliar os professores durante as atividades.
Com relação ao corpo, os pacientes dizem de mudanças de hábitos, sendo a inserção da atividade física como algo que não pode deixar de existir em seu cotidiano. Em suas palavras, “Não posso deixar de fazer exercício físico, estou melhor e até emagreci” (paciente com transtorno depressivo); “O projeto faz bem para o ser humano, alivia o corpo, a angústia e a depressão” (paciente com transtorno bipolar); “Procuro fazer exercícios também fora daqui, faço caminhada, não vou ficar parada, vejo pessoas e também me sinto bem” (paciente com transtorno de ansiedade);” Chego em casa e fico mais animada, vou lavar louça, fazer um bolo” (paciente com transtorno de esquizofrênico).
Nesta perspectiva, a prática de exercícios físicos pode influenciar positivamente como complemento terapêutico no tratamento de pessoas em sofrimento psíquico, demonstrando ser uma atividade que contribui e que reforça a interdisciplinaridade e a importância da confluência de várias áreas no tratamento e reabilitação psicossoacial nos transtornos mentais. Como ressalta Matsudo18, a atividade física apresenta efeitos benéficos nos aspectos psicológicos, sociais e cognitivos, sendo assim um aspecto fundamental para o estilo de vida saudável e que conseqüentemente melhora a qualidade de vida das pessoas.
Nota
O WHOQOL foi desenvolvido utilizando um enfoque transcultural original. Primeiro, por envolver a criação de um único instrumento de forma colaborativa simultaneamente em diferentes centros. Desta forma, vários centros com culturas diversas participaram da operacionalização dos domínios de avaliação de qualidade de vida, da redação e seleção de questões, da derivação da escala de respostas e do teste de campo nos países envolvidos nesta etapa.
Referências
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