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Prática educativa dos educadores do 

‘Projeto Vivências em Atividades Diversificadas de Lazer’

Práctica educativa de los docentes del ‘Proyecto Vivencias en Actividades Diversificadas de Tiempo Libre’

 

UFSCar / SEE-SP

UFSCar

(Brasil)

Clayton da Silva Carmo*

Luiz Gonçalves Junior**

spina002@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Práticas sociais estão inseridas em culturas e se concretizam nas organizações sociais que permitem, tanto ao indivíduo quanto à coletividade, sua construção, podem se constituir em ações que visam tanto a transformação quanto a manutenção da realidade de opressão. Os atores destas práticas se formam em todas as experiências de que participam, em contextos diversos, ao longo de sua existência, interconectando o aprendido em uma situação com o que aprendem em outra, dessa maneira, o aprendido em casa, na rua, nos bares e demais lugares onde transitam, serve como referência para novos aprendizados. Diante do exposto, dedicamos este estudo a compreensão dos processos educativos envolvidos na prática educativa desenvolvida por educadores no contexto do projeto “Vivências em Atividades Diversificadas de Lazer”. Adotamos a metodologia qualitativa inspirada na fenomenologia, modalidade fenômeno situado, com utilização de entrevistas, que após identificação das unidades de significado e redução fenomenológica possibilitaram a emersão de três categorias, a saber: Educação não-escolar; Processos Educativos Dialógicos; Afetividade nas Relações. Estas apontam a importância dada por educadores em seus depoimentos ao que aprenderam durante a prática educativa desenvolvida no VADL, evidenciando a necessidade e ao mesmo tempo a dificuldade de praticar uma educação pelo diálogo.

          Unitermos: Práticas sociais. Prática educativa. Processos educativos.

 

Abstract

          Social practices are inserted in cultures and are realized in social organizations that allow both the individual and the collectivity, its construction, can be constituted through actions that both the transformation and the maintenance of the reality of oppression. The actors of these practices are formed in each life experience, in different contexts, throughout its existence, connecting the learned in a situation with what they are learning in another, so what is learned at home, in the street, in bars and elsewhere, serves as a reference for new learning. Given the above, we dedicate this study to understand the educational processes involved in the educational practices developed by educators in the context of the project “Vivências em Atividades Diversificadas de Lazer”. We adopted a qualitative methodology inspired by phenomenology, using interviews, that after identifying the meaning units and phenomenological reduction made possible the emergence of three categories: Non-school Education, Educational Processes Dialogues; Affection in Relationships. These indicate the importance given by teachers in their testimonies to what they learned during the educational practice developed in VADL, highlighting the need and the difficulty in the same time of practice an education through dialogue.

          Keywords: Social practices. Educational practice. Educational processes.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 148, Septiembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Compreendendo práticas sociais e processos educativos

    Não posso entender os homens e as mulheres, a não ser mais do que simplesmente vivendo, histórica, cultural e socialmente existindo, como seres fazedores de seu caminho que, ao fazê-lo, se expõem ou se entregam ao caminho que estão fazendo e que assim os refaz também (FREIRE, 2005b, p.97).

    Parto do fragmento citado a fim de apresentar nossa compreensão sobre prática social que identificamos como exercício da existência humana, como práxis, aqui entendida como ação no mundo, mundo este que é histórico, social e culturalmente produzido, reproduzido e transformado por homens e mulheres, que inconclusos, são ao mundo em busca de ser mais.

    Oliveira e col. (2009) contribuem para esta compreensão dizendo que:

    Práticas sociais decorrem de e geram interações entre os indivíduos e entre eles e os ambientes (...) em que vivem. Desenvolvem-se no interior de grupos, de instituições, com o propósito de produzir bens, transmitir valores, significados, ensinar a viver e a controlar o viver, enfim, manter a sobrevivência material e simbólica das sociedades humanas (p.4).

    Práticas sociais estão inseridas em culturas e se concretizam nas organizações sociais que permitem tanto ao indivíduo quanto à coletividade, sua construção, podem se constituir em ações que visam a transformação da realidade de opressão, ou em ações que busquem a manutenção do status quo, possibilitando desta forma tanto enraizamento como desenraizamento, ou a necessidade de um novo enraizar. Os atores destas práticas são participantes, compulsórios ou não, das relações sociais, etnicorraciais, de gênero, entre outras, permitindo a apropriação de valores e comportamentos de seu tempo e lugar, lutando por sua existência e humanidade (OLIVEIRA e col., 2009).

    Ainda de acordo com as autoras e o autor do texto pessoas se formam em todas as experiências de que participam, em contextos diversos, ao longo de sua existência, interconectando o aprendido em uma situação com o que aprendem em outra, significando e dando sentido ao processo de aprendizagem. Dessa maneira, o aprendido em casa, na rua, nos bares assim como em todo e qualquer lugar por onde transitam, serve como referência para novos aprendizados, incluindo aqueles que o ensino escolarizado visa proporcionar. Porém, é comum o entendimento de que nas práticas sociais que ocorrem em ambientes não-escolares ou não institucionalizados, nada se aprende ou que se aprendem apenas valores negativos ou coisas sem importância, não sendo reconhecidos como conhecimentos academicamente qualificados.

    Entendendo a valorização do saber de experiência feito como fundamental para o ato de educar-se, Freire (2005b) nos aponta:

    [...] não podemos deixar de lado, desprezado como algo imprestável, o que educandos, sejam crianças chegando à escola ou jovens e adultos a centros de educação popular, trazem consigo de compreensão do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática na prática social de que fazem parte. Sua fala, sua forma de contar, de calcular, seus saberes em torno do chamado outro mundo, sua religiosidade, seus saberes em torno da saúde, do corpo, da sexualidade, da vida, da morte, da força dos santos, dos conjuntos (p.85).

    Partindo da premissa de que a formação de homens e mulheres ocorre no convívio com outras pessoas nos mais variados ambientes, e que este convívio desencadeia processos educativos, concordamos com Oliveira e col. (2009) de que pesquisar processos educativos em práticas sociais favorece o aprendizado de posturas, atitudes e valores construídos, aceitos e ensinados em dado grupo ou comunidade, possibilitando compreender como e porque as pessoas se educam ao longo da vida e a influência destes processos educativos nas aprendizagens escolares.

    É no convívio social que se realiza o diálogo:

    [...] algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. Isto é, o diálogo é uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente comunicativos. O diálogo é o momento em que os humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e re-fazem. Outra coisa: na medida em que (...) nos comunicamos uns com os outros (...) nos tornamos mais capazes de transformar nossa realidade, somos capazes de saber que sabemos, que é algo mais do que só saber (...) sabemos que sabemos, e sabemos também que não sabemos. Através do diálogo, refletindo juntos sobre o que sabemos e não sabemos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transformar a realidade (FREIRE; SHOR, 1986, p.65).

    Desta forma o indivíduo educa e se educa enquanto realiza práticas sociais, pois, conforme Fiori (1986):

    A educação é, pois, processo histórico no qual o homem se re-produz, produzindo seu mundo. Todos que colaboram na produção deste, deveriam reencontrar-se, no processo, como sujeitos de sua própria existência (p.10).

    Segundo Saviani (2001) a origem da educação se confunde com a do próprio ser humano, que desde que nasce necessita aprender a produzir sua própria existência. Para o autor, o ser humano “[...] aprende a produzir, produzindo, ou seja, agindo sobre a natureza e transformando-a. Eis como ele se educa, isto é, se forma (...). É por esse caminho que a educação institui a humanidade no homem” (p.23).

    Neste sentido, entendemos prática educativa em acordo com Freire (1997), como:

    [...] algo muito sério. Lida-mos com gente, com crianças, adolescentes ou adultos. Participamos de sua formação. Ajudamo-los ou os prejudicamos nesta busca. Estamos intrinsecamente a eles ligados no seu processo de conhecimento. Podemos concorrer com nossa incompetência, má preparação, irresponsabilidade, para o seu fracasso. Mas podemos, também, com nossa responsabilidade, preparo científico e gosto do ensino, com nossa seriedade e testemunho de luta contra as injustiças, contribuir para que os educandos vão se tornando presenças marcantes no mundo (p.32).

    Em outra obra, Freire (2001) complementa que:

    Enquanto prática social a prática educativa, em sua riqueza, em sua complexidade, é fenômeno típico da existência, por isso mesmo fenômeno exclusivamente humano. Daí, também, que a prática educativa seja histórica e tenha historicidade. A existência humana não tem o ponto determinante de sua caminhada fixado na espécie. Ao inventar a existência, com os “materiais” que a vida lhes ofereceu, os homens e as mulheres inventaram ou descobriram a possibilidade que implica necessariamente a liberdade que não receberam mas que tiveram de criar na briga por ela (p.34).

    Em suma, prática educativa, em acordo com Freire (2001), é caracterizada pelos seguintes componentes fundamentais: Objetivo a que se destina ou se orienta; Conteúdos; Métodos, Técnicas e processos de ensino coerente com os objetivos; Presença de sujeitos como o educador que, ensinando, aprende e o educando que, aprendendo, ensina.

    Diante do exposto, identificamos neste estudo nossa prática social como sendo a prática educativa desenvolvida por educadores e educadora no contexto do projeto Vivências em Atividades Diversificadas de Lazer (VADL).

Conhecendo o projeto

    O projeto VADL, que é realizado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em parceria com a Prefeitura Municipal de São Carlos (PMSC) e desenvolve ações educativas na perspectiva da pedagogia dialógica.

    Assim, voltamo-nos para a compreensão da prática educativa dos educadores e educadora no contexto do projeto VADL. A permanência desta prática é garantida pelos participantes: as crianças e familiares que frequentam o projeto desde 2002 e dos educadores/as (professores/as da UFSCar e da PMSC, estudantes bolsistas e voluntários/as de distintos cursos de graduação da UFSCar e estudantes de pós-graduação em Educação da UFSCar).

    Quanto aos objetivos do projeto VADL, segundo o relatório parcial encaminhado a organização não-governamental (ONG) “Alfabetização Solidária” (AlfaSol), já que em 2009 o projeto conquistou o prêmio “Nike Esporte Pela Mudança Social”, organizado pela citada ONG, são:

OBJETIVO GERAL

  • Desenvolver educação para e pelo lazer com a comunidade do Jardim Gonzaga e bairros adjacentes.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  • Realizar atividades diversificadas de lazer: jogos, organização/representação e peças teatrais, debate de filmes, confecção de “jornalzinhos”, leituras de livros e gibis, passeios em trilhas e em pontos culturais diversos dos bairros em que se realiza o projeto e da cidade;

  • Conhecer, refletir e dialogar sobre as transformações dos espaços públicos do Jardim Gonzaga e da cidade de São Carlos;

  • Promover processos educativos voltados a cidadania, principalmente às crianças e jovens de comunidades carentes do ponto de vista econômico ou com insuficiente apoio governamental, tendo como eixo comum a prática social do lazer e do esporte. (GONÇALVES JUNIOR e col., 2009, p.1).

    Ainda de acordo com o relatório o projeto VADL é vinculado ao Programa “Esporte Para Cidadania” do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana (DEFMH) da UFSCar tem atuação junto às crianças e jovens de 3 a 17 anos, que prioritariamente pertencem a grupos desfavorecidos social e economicamente. Sua ação é voltada ao Jardim Gonzaga e bairros adjacentes (Monte Carlo, Cruzeiro do Sul e Pacaembu), localizados na cidade de São Carlos/SP.

    O projeto teve início em 1999 na UFSCar e, em 2002, decorrente de transformações urbanísticas ocorridas no Jardim Gonzaga e adjacências, foi convidado pela PMSC para que fosse desenvolvido na região do Jardim Gonzaga, em parceria com o projeto “Campeões na Rua” da PMSC (CAMPOS e col.., 2003).

    As atividades do projeto se desenvolvem diariamente, basicamente, na Estação Comunitária do Jardim Gonzaga (ECO) com atividades diversificadas que envolvem educadores relacionados às áreas de Pedagogia, Educação Física, Música e Biblioteconomia. Em 2009 o projeto conquistou o Prêmio Nike Esporte Pela Mudança Social, organizado pela AlfaSol, o que possibilitou ampliar as atividades do projeto devido ao premio em dinheiro ofertado aos projetos selecionados, que permitiu pagamentos de bolsas para educadores e compra de novos materiais (GONÇALVES JUNIOR e col., 2009).

    Ainda segundo Gonçalves Junior e col.. (2009), o foco central da ação deste projeto se pauta no referencial da ciência da motricidade humana, da fenomenologia existencial e da pedagogia dialógica.

    Esta pesquisa teve como objetivo compreender os processos educativos envolvidos na prática educativa desenvolvida por educadores e educadora no contexto do projeto VADL.

Caminho metodológico

    A inserção iniciou-se em uma conversa com o professor coordenador do projeto Vivências em Atividades Diversificadas de Lazer, quando solicitamos, após esclarecer os objetivos da pesquisa, permissão para acompanhar as reuniões de planejamento e a realização das atividades no projeto nas terças-feiras no período da tarde. Com a permissão concedida, comparecemos à primeira reunião do projeto, na qual conversei com os educadores e educadoras presentes, solicitando, após esclarecer os objetivos, procedimentos da pesquisa, a participação dos mesmos como colaboradores do estudo. Com anuência de todos/as foi solicitado, posteriormente, que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

    Em busca de uma compreensão sobre os processos educativos envolvidos na prática educativa desenvolvida no contexto do projeto VADL, a metodologia adotada neste estudo foi a qualitativa, inspirada na fenomenologia (MERLEAU-PONTY, 1996), modalidade fenômeno situado (MARTINS; BICUDO, 1989), e orienta-se pela seguinte questão: Qual o significado, para você, do projeto Vivências em Atividades Diversificadas de Lazer?

    Foram entrevistados 3 educadores e 1 educadora. As entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas em aparelho digital, sendo duas realizadas na UFSCar e as outras duas na ECO.

    Para análise dos dados foram realizadas as seguintes fases, descritas por Martins e Bicudo (1989) e Gonçalves Junior (2008): Identificação das Unidades de Significado e Redução Fenomenológica, Organização das Categorias e Construção dos Resultados.

    Redução fenomenológica é feita após realizar a leitura e releitura das transcrições das entrevistas, levantando-se asserções significativas com vistas à interrogação empreendida para o estudo. A mesma foi realizada com rigor de não distorcer as idéias expressas nos discursos dos entrevistados e entrevistada, ao perceber convergências são construídas categorias que agrupam as unidades de significado objetivando a essência dos discursos dos participantes.

    Após a identificação das unidades de significado, a partir das convergências, divergências e idiossincrasias, e emersão das categorias, os dados foram organizados em uma matriz nomotética.

    Matriz Nomotética: possibilita uma análise do geral, pois permite uma visualização da distribuição total das unidades de significado por categorias e sujeitos.

    Construção dos Resultados: fase final da pesquisa em que busca-se uma compreensão do fenômeno, baseando-se diretamente nos dados da matriz nomotética.

    Independente da saturação ou não das categorias, todas as proposições foram consideradas, pois, ainda que estas categorias, que revelam perspectivas do fenômeno, não estejam saturadas, ou seja, não tenham muitas asserções, dão existência ao mesmo e as suas diversas perspectivas, devido a inesgotável abrangência.

Apresentação e análise dos dados

Matriz Nomotética

(A) Educação não-escolar

    Esta categoria reúne asserções referentes a compreensão da educadora e dos educadores, a respeito do projeto VADL enquanto espaço de educação não-escolar.

    Ainda não tinha idéia de como era, porque até então eu tinha estagiado só na escola, educação infantil, não tinha experiência com lazer e ia ser meio diferente [...] (EDUCADOR FAMOSO, 1).

    Esta categoria também evidencia, na comparação entre ensino escolar e não–escolar, como o ensino escolar é compreendido por um dos colaboradores:

    Acho que, tipo, lidar com as crianças de conversar, de ver como que elas reagem, te respeitam. Não é uma coisa que você esta impondo que nem o âmbito escolar, é uma coisa ali que você tem que conquistar diariamente. Na escola você chega na aula e fala: “oh, hoje vai ter isso e vai ser assim”, lá se elas não querem, não te respeitam, você não... consegue nada (EDUCADOR FAMOSO, 3).

    Informações de como são realizadas as ações educativas no projeto VADL também foram freqüentes nesta categoria, como podemos notar nos trechos que seguem:

    Eu comecei no projeto ano passado e no começo eu tinha uma visão. Que eu fui mesmo, primeiramente para conhecer, para ver o quê que era trabalhado lá. E o que eu tinha entendido que era para ser feito lá, era de trabalhar através do diálogo com as crianças, tentando sempre nunca oprimir elas, dando nossa opinião, mas nunca direcionando, sabe? Deixando elas mais à vontade para decidir o que elas queriam (EDUCADORA TATÁ, 1).

    Nesse projeto [...] a gente tenta contemplar [...] a cultura e o lazer numa amplitude um pouco maior. Então, muitas vezes nos deparamos com elementos da arte [...] a dramatização, pinturas, confecções, dinâmicas, coisas que não são tão específicas. Então ai até o nome do projeto já da uma esplanada interessante, que é: vivências diversificadas [...] (EDUCADOR CAVALINHO, 3).

    A gente tem uma proposta que é... Que é partir do diálogo, né? E a gente sempre trabalhou muito pautado é... Nos escritos, nos livros de Paulo Freire, e nos ideais. E isso a gente vai tentando aos poucos é... maleando, por quê? Para que esse encontro entre projeto, entre universidade, entre os professores não seja algo... algo imposto, né? Não seja algo... Digamos assim... é... pensar como se fosse: ‘ah, eles são os salvadores e são as pessoas que sabem, e quem é o público em si não sabe, e deveriam só aprender o que nós temos a dizer.’ Isso não, não... Não é o que acontece é... nos dias de projeto Vivências, né? Tanto é que as nossas práticas, é... sempre são dialogadas, a gente tenta manter uma postura coletiva, a gente tenta promover sempre é... a auto-afirmação tanto do indivíduo como do grupo. (EDUCADOR CAVALINHO, 4).

    Asserções sobre o objetivo do projeto:

    O significado pra mim do projeto é esse, tentar fazer uma mudança só que a longo prazo, uma mudança que eles entendam o porquê desta mudança, não só a gente obrigando eles a mudar. (EDUCADORA TATÁ, 4).

    Muitas vezes nós nos deparamos com questões que são questões que não são atividades, são questões de valores, é... alguns aspectos da cidadania, né?, os direitos. Então isso como um todo acredito que é o que de significado maior para o projeto, é o projeto de vivências né? Que não é um projeto que quer apenas é... promover atividades por atividades. São atividades de cunho educativo e através... focando um pouco mais a questão dos valores, da família, da coletividade, do diálogo, da inserção do bairro e da comunidade como um todo, e isso a gente vai construindo em conjunto. Nunca um para o outro e sempre um com o outro né? Uns com os outros. (EDUCADOR CAVALINHO, 4).

(B) Processos Educativos Dialógicos

    Aqui estão expressas compreensões dos educadores e educadora do projeto VADL, no que se refere a processos de ensino e aprendizagem relacionados à pratica social da ação educativa desenvolvida, na perspectiva dialógica, por eles e ela.

    Com o tempo passando eu vi que era muito difícil trabalhar nessa base do diálogo, e é difícil mesmo. É muito mais fácil você falar: “oh, faz isso e pronto. (EDUCADORA TATÁ, 2)

    A gente percebe que, conforme a gente vai trabalhando dessa forma, muitas crianças já mudaram, mudaram no sentido positivo assim. Que antes elas só brigavam, só batiam e agora elas até vêm conversar com a gente. Essa semana mesmo aconteceu com o... (cita o nome de um garoto do projeto), período da manhã. Tinha alguém enchendo o saco dele, e invés dele ir lá e bater na criança ele veio me falar, falou: “oh, ele ta me enchendo o saco”. Ai eu..., ai eu falei: nossa! Por que você veio me falar? Até achei estranho”. Ai ele falou: “Não, porque você me falou uma vez, que se eu for lá e bater nele eu tô sem razão. E se eu não bater eu tenho razão.”(risos) “Então vai lá e fala com ele.” Falei: “então ta”. Ai eu fui lá e conversei. Achei muito legal, você vê essa diferença. Se eu tivesse falado: “oh, não bate, não bate, não bate”, talvez ele não ia bater, mas não ia saber porquê não estava batendo. Agora ele deu uma justificativa e eu achei muito legal ele ter dado essa justificativa. (EDUCADORA TATÁ, 3)

    O Vivências me proporcionou bastante esse ato de dialogar com as crianças, convencer, colocar suas idéias, uma nova visão da Educação Física. É esse o sentido. (EDUCADOR FAMOSO, 4).

    Enquanto pessoa posso analisar que eu aprendi muito, mesmo porque eu estou vinculado, sou extensionista, sou um aluno graduando que vim com intento de... muito mais, inicialmente, de tentar ensinar e... por não ter antes vivenciado uma realidade tão peculiar quanto aqui no Gonzaga, eu tive que aprender, e até hoje aprendo muito[...] (EDUACDOR GORPO, 1)

    Achei que eu ia chegar aqui e as pessoas não tinham felicidade. Todos aqueles pré-conceitos mesmo, né? A felicidade é meio restrita, mas uma das coisas que eu aprendi é que, enfim, as pessoas acabam lidando como podem nas situações adversas. (EDUACDOR GORPO, 2)

(C) Afetividade nas Relações

    Na categoria em questão aparecem discursos de dois educadores que enfatizaram a importância da afetividade nas relações com os participantes do projeto VADL.

    O primeiro ficou impressionado com a forma carinhosa como foi recebido pelas crianças do projeto em sua primeira visita a ECO.

    Fiquei impressionado com a com a recepção das crianças. Quando você chega lá todo mundo vem te abraçar, mesmo sem nem te Conhecer ainda, na primeira vez que te vê. E o que me surpreendeu é que eu fui uma vez, teve..., parou para as férias, né? Daí assim que a gente voltou, a primeira vez que eu fui lá, que era a segunda vez que estava indo no projeto, todo mundo veio me abraçar como se eu... ‘ah, e ai Famoso?’ Lembrava o nome e tal. (EDUCADOR FAMOSO, 2).

    O outro caso citado refere-se à relevância ressaltada por outro educador sobre o que a afetividade nas relações e as contribuições desta experiência para sua vida pessoal.

    [...] Vivências para mim é aprendizagem, pra mim, né? É a minha aprendizagem, é relação porque acabo me envolvendo também afetivamente com algumas famílias e algumas crianças. Então, para além do... de toda possibilidade que eu tenho curricular, enquanto graduando de aprender, aplicar, eu também acabo me enriquecendo pessoalmente também, então eu aprendo com esse viés ai, aprendizagem pessoal. (EDUCADOR GORPO, 3)

Considerações

    A educação é esforço permanente do homem por constituir-se e reconstituir-se, buscando a forma histórica na qual possa re-encontrar-se consigo mesmo, em plenitude de vida humana, que é, substancialmente, comunhão social. Esse re-encontro que, no horizonte do respectivo momento histórico, coloca o homem em seu lugar próprio, tem um nome adequado: autonomia e liberdade. O movimento em direção à liberdade, assim entendida, define o sentido do processo educativo como libertação. A educação, pois, é libertadora ou não é educação (FIORI, 1991, p.85).

    Realizar esta pesquisa proporcionou-me muitas sensações, dentre elas a de vivenciar a forma carinhosa, tão bem descrita por Famoso em seu depoimento, que os educadores e educadoras, são recebidos pelas crianças do projeto e funcionários da ECO.

    O convívio neste espaço, também possibilitou conhecer pessoas, estreitando relações com as que eu já tinha algum contato, e construindo novas com os que conheci no processo de inserção da pesquisa. Esse ser-com-os-outros, essas relações, possibilitaram-me viver os processos educativos da prática do pesquisar, que teve como componentes fundantes os diálogos, as reflexões, as ações, o aprender e também o ensinar, permitindo um re-encontrar-me na comunhão, com todos e todas participantes do projeto Vivências em Atividades Diversificadas de Lazer, permitindo-me dar mais um passo adiante em meu caminho existencial em busca da liberdade.

    A emersão da categoria “processos educativos dialógicos” nos aponta que este movimento em busca da liberdade, da existencialidade humana, está presente no depoimento das pessoas que colaboraram com o desenvolvimento da pesquisa, se considerarmos como Fiori (1991) o sentido dos processos educativos, por elas apresentados, como de libertação, ou seja, processo de libertação.

    A importância dada por educadores e educadora em seus depoimentos ao que aprenderam durante a prática educativa desenvolvida no VADL, evidenciando a necessidade e ao mesmo tempo a dificuldade de praticar uma educação pelo diálogo, mostra a relevância da perspectiva de trabalho dialógica adotada no projeto, que favorecendo relações entre educador(a)-educando(a) e educando(a)-educador(a) permite a todos e todas aprenderem em comunhão.

    O entendimento sobre a educação escolar apresentado pelo educador Famoso, nos convida a refletir, como as instituições escolares vêm tratando os corpos de educandos/as desconsiderando toda a existência humana, negando ao individuo o seu processo de libertar-se, não permitindo que sua vida, sua existência, que é humanização, adentre aos portões das escolas. Afirmações como essa legitimam a necessidade de pesquisas em práticas sociais, como citado no início deste estudo, que servirão como referência para realização de transformações necessárias nas relações, e nos processos de ensino e de aprendizagem proporcionadas no interior das instituições escolares.

    É necessário que a escola aprenda a valorizar o conhecimento que as pessoas adquirem em outros espaços, pois no verdadeiro processo de aprendizagem, ou seja, aquele em que a pessoa partindo do que já conhece significa e encontra sentido no novo conteúdo que está a aprender, a motivação deve estar no próprio processo. E a pesquisa em práticas sociais, com o desvelar dos processos educativos nelas envolvidos, permite compreender como e porque as pessoas se educam ao longo de suas vidas, e saber o que motiva o aprendizado das pessoas em diferentes contextos e espaços, e traz subsídios para o desenvolvimento de metodologias e estratégias de ensino que, pautadas na aprendizagem, superem as que vêm sendo utilizadas atualmente nas instituições escolares.

    A afetividade nas relações, tão evidenciada na categoria (C), me faz lembrar a amorosidade, a afetividade que, segundo Freire (2006), não podemos ter medo de expressar, já que a mesma não se acha excluída da cognoscibilidade, o que torna ensinar e aprender impossíveis fora da boniteza e da alegria.

    Finalizando estas considerações, porém, não negando e nem esgotando as possibilidades, infinitas, de compreensões acerca do fenômeno interrogado, recordo o discurso do educador Gorpo: [...] posso analisar que eu aprendi muito, mesmo porque eu estou vinculado, sou extensionista, sou um aluno graduando que vim com intento de... muito mais, inicialmente, de tentar ensinar e... por não ter antes vivenciado uma realidade tão peculiar quanto aqui no Gonzaga, eu tive que aprender, e até hoje aprendo muito [...](1B)

    O temo extensionista que o educador utiliza tem origem no Programa de Extensão Universitária da UFSCar (PROEX), ao qual o projeto VADL está vinculado, assim como esteve o educador quando ingressou no projeto enquanto bolsista. Esse termo, amplamente discutido por Freire (1979) em “comunicação ou extensão?” traz algumas compreensões como: transmissão, messianismo, manipulação, mecanicismo, entrega, doação, superioridade e invasão cultural, que refletem a visão de ampla parcela da comunidade universitária, segundo a qual apenas os estudiosos ou intelectuais tem coisas a ensinar. Os programas de extensão se originam com a idéia de levar o conhecimento universitário/acadêmico a população, e não são raras as vezes que o fazem imaginando que a vida fora das instituições de ensino não ensina nada, ou pelo menos nada de realmente útil.

    O projeto vivências busca trabalhar em outra perspectiva, porém a fala do mostra o choque entre estas realidades: da cultura universitária da qual ele fazia parte e da cultura popular na qual ele se inseriu. A cultura popular, como nos alerta Fiori (1991), [...] não pode ser uma extensão da cultura erudita. [...] Não se pode pretender levar ao povo uma educação separada da produção que ele próprio protagoniza (p.90).

    Não se pode negar a homens e mulheres do povo a produção da cultura, a práxis, a existência, o processo de libertação que é a própria humanidade.

Referências

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 15 · N° 148 | Buenos Aires, Septiembre de 2010
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