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Influências do esporte espetáculo sobre as lutas e as 

artes marciais: reflexões sobre a educação dos mais jovens

Influencias del deporte espectáculo sobre las luchas y las artes marciales: reflexiones sobre la educación de los más jóvenes

 

Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas

Mestre em Ciências do Esporte pela Universidade Estadual de Campinas

(Brasil)

Fabiano Filier Cazetto

fabianocazetto@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          A Educação Física é uma área de conhecimentos multidisciplinar que lida com os conteúdos dos Jogos; das Ginásticas; do Esporte; das Danças; e das Lutas e das Artes Marciais. É necessário entender que as Lutas e as Artes Marciais se constituem enquanto um grupo que, apesar de ter inúmeras semelhanças, é extremamente heterogêneo e diversificado, envolvendo práticas orientais e ocidentais, esportivizadas ou não, espetacularizadas ou não. Dessa maneira é necessário promover um tratamento legítimo e específico a um conteúdo que historicamente foi pouco explorado no cenário escolar. Para tanto é necessário romper com a lógica pasteurizadora, entendo as influências que o Esportes Espetáculo tem sobre a educação dos mais jovens e promover um tratamento adequado que contemple não apenas a um único modelo, mas sim à múltiplos significados.

          Unitermos: Artes marciais. Esporte. Educação Física. Sociologia. Criança.

 

Resumen

          Las Educación Física es un área de conocimientos multidisciplinar que interviene con contenidos de los Juegos; de las Gimnasias; del Deporte; de las Danzas; de las Luchas y de las Artes Marciales. Es preciso comprender que las Luchas e las Artes Marciales son un grupo que, a pesar de muchas similitudes, es sumamente heterogéneo y diverso, comprendiendo prácticas orientales y occidentales, deportivas o no, de espectáculo o no. Así es necesario promover un tratamiento legítimo y específico para un contenido que históricamente ha sido poco explorado en el ámbito escolar. Para eso es necesario romper con la lógica pasteurizadora, entendiendo las influencias que el Deporte de Espectáculo tiene sobre la educación de los jóvenes y promover un tratamiento adecuado que contemple no solo un único modelo, pero si múltiples significados.

          Palabras clave: Artes marciales. Deportes. Educación Física. Sociología. Niños.

 

Abstract

          Physical Education is a multidisciplinary field, which handles Games; Sports; Dance; Gymnastics; and Martial Arts. Athol the martial arts compose a group that carry similarities, they are a heterogeneous group, involving eastern and western practices, sportive or no-sportive, spectacularized or not. This way it is needed to promote a genuine and specific treatment to this content that historically was under used at educational system. It is necessary to break the pasteurizer logical, understanding e influence of the spectacle model in the child education and contemplating not just a single model, bud several forms of human practices.

          Keywords: Martial arts. Sports. Physical Education. Sociology. Child.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 148, Septiembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Concepções

    A Educação Física enquanto uma área de conhecimentos multidisciplinar envolve conhecimentos relevantes de inúmeras áreas acadêmicas. Ao estudarmos seus elementos podemos lançar mão de inúmeros campos do conhecimento, utilizando ferramentas diferentes para entender o mundo. Um mesmo objeto ou fenômeno pode ser estudado pela Educação Física e ser “visto” de maneira muito diferente dependendo do “olhar” empregado.

    O estudo das influências do Esporte Espetáculo sobre as Lutas e as Artes Marciais poderia ser feito sobre as mais diversas perspectivas. Dessa maneira é necessário entender o referencial teórico sobre o qual são construídas as concepções fundamentais para o entendimento do fenômeno.

Concepção de Educação Física

    A Educação Física no Brasil passou historicamente por diversas linhas teóricas, por diversas tendências, como mostra Darido (2003). Um marco teórico na área é o COLETIVO DE AUTORES (1992), trazendo como conteúdos as ginásticas, o Esporte, o jogo, as danças e as lutas.

    A obra, que foi construída coletivamente, é uma importante referência para a área, marca um momento histórico em que as ciências humanas assumem um papel importante no cenário nacional da Educação Física.

    É importante ressaltar que a abordagem escolhida não tem o sentido de desmerecer qualquer outra linha teórica, mas sim destacar a contribuição específica dessa área para o assunto em questão.

    Os fenômenos e objetos envolvidos na área podem e devem ser analisados por diversos “olhares”. Por exemplo, pode-se olhar para uma criança jogando bola na rua e tentar compreender o sentido social dessa prática ou analisar quais são os músculos envolvidos em determinado movimento que o ocorre neste “cenário”. Cada abordagem terá sua importância específica.

    Dependendo da área em questão a discussão proposta por esse artigo pode tomar outros rumos ou mesmo nem existir. Se pensarmos em uma Educação Física esportivizada em quatro modalidades a discussão nem entraria em pauta. Partindo de uma abordagem ligada ao desenvolvimento motor com em Tani et. al. (1988) poder-se-ia defender a importância das Lutas e das Artes Marciais devido à sua contribuição no desenvolvimento motor, porém a discussão proposta neste artigo tomaria rumos completamente diferentes nesta perspectiva.

    Já em uma abordagem tomando como paradigma a sociedade e a cultura, pensando pelo menos nestes cinco conteúdos ou nessas cinco categorias de conteúdos podemos iniciar uma discussão sobre as lutas e as artes marciais como elementos sociais relevantes à educação.

    Pensando em ginástica, Esporte, jogo, lutas e danças observa-se que em um olhar histórico alguns conteúdos tiveram papel de maior status no cenário escolar, enquanto que outros não tiveram tratamento legítimo e ficaram renegados ao segundo plano. Podemos perceber que a ginástica, o esporte e o jogo tiveram momentos de destaque em maior ou menor proporção na história da Educação Física no Brasil.

    Soares (1996) afirma que o movimento ginástico com raízes européias chegou ao Brasil e serviu de modelo nacional. Este movimento que não teve raízes nas instituições escolares foi predominante no século XIX e início do século XX. Em 1851 a Lei no630, de 17 de setembro de incluiu a ginástica no currículo das escolas primárias (PEREIRA, 2009).

    Logo após a ginástica temos cronologicamente o Esporte como conteúdo hegemônico. Betti (1999) defende que o esporte é o veiculo mais utilizado como difusão do movimento humano nas escolas de primeiro e segundo grau, ela completa ainda que apenas algumas modalidade são contempladas, provavelmente se referindo ao futebol, basquete, voleibol e handebol. Soares (1996) discute que esse movimento afirma-se a partir de 1940, enquanto que Darido (2003) defende que os governos militares que assumiram o poder em 1964 passam a investir no esporte para fazer da Educação Física um sustentáculo ideológico através do êxito em competições de alto nível.

    Muitas críticas são feitas ao modelo esportivista, porém ele é presente até os dias atuais. Essas chegam até a formação do profissional, Betti e Betti (1996) defendem que no currículo tradicional-esportivo constitui eixo principal de problemas e limitações que afetam os currículos dos professores, particularmente centrada em disciplinas de práticas esportivas.

    Embora não tenha sido tão hegemônico quanto a ginástica e o Esporte, o conteúdo Jogo é intensamente presente na educação física, Darido (2009) afirma que ele é o conteúdo predominante nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Cazetto et. al. (2006) critica a visão do Jogo como um meio para o ensino, destacando o seu papel como um fim (conteúdo), especificamente no caso do Judô.

    Podemos perceber que dos cinco conteúdos, descritos como clássicos por Soares (1996), apenas três tiveram papel de destaque na Educação Física, dois deles, a ginástica e o esporte tiveram destaque nas legislações, enquanto que o Jogo acaba sendo muitas vezes instrumentalizado, porém se faz presente. Já as lutas e as danças foram conteúdos renegados ao segundo plano historicamente, se restringindo à eventos festivos ou mesmo sendo negadas enquanto possibilidades educativas.

    Cazetto (2009) mostra as Lutas e as Artes Marciais tomando um papel de destaque no cenário das discussões acadêmicas sobre Educação Física Escola. Sanches Neto e Betti1 (2009) e Betti (2009) afirmam que o momento atual é de convergência para as questões da cultura e que existe um processo de expansão para além dos conteúdos clássicos.

    Pensando em uma Educação Física que de conta de inúmeros fenômenos de nossa sociedade, que lide com pessoas que jogam, que dançam, que se apresentam, que treinam, que se exercitam, que participam de atividades de lazer, etc. Ou seja, uma Educação Física em uma perspectiva de cultura, ou de cultura corporal de movimento como propõe os PCNs (BRASIL, 1998) podemos pensar em uma discussão de Educação Física que leve em consideração a problemática das Lutas e das Artes Marciais.

    É a partir do referencial das ciências humanas, levando-se em consideração que a Educação Física se restringiu a três conteúdos, o que excluíam as possibilidades das Lutas e das Artes Marciais, que podemos começar a pensar em uma concepção para este fenômeno no cenário educacional. Para isso é necessário levar em consideração as demandas sociais que vem sendo deixadas de lado.

Concepção de Lutas e Artes Marciais

    Partindo de uma concepção de Educação Física diversificada e abrangente, particularmente pautados pela contribuição das ciências humanas é que será discutido a concepção sobre Lutas e Artes Marciais.

    Daólio (2004) acredita que a utilização de um conceito simbólico de cultura corporal de movimento propiciará à educação física a capacidade de convivência com a diversidade de manifestações corporais humanas e o reconhecimento das diferenças a elas inerentes.

    Assim como nesta perspectiva antropológica proposta a partir da idéia da interpretação de significados públicos baseada em Geertz2 a perspectiva sociológica baseada em Bourdieu3 e Elias4 proposta por Cazetto e Montagner (2009) contém a preocupação em tratar de todas e cada uma das manifestações sociais que fazem parte de nosso patrimônio cultural.

    A hegemonia de qualquer um dos conteúdos, ou a monocultura de apenas uma modalidade criticada por Oliveira (1988) não contempla os princípios e os objetivos de uma Educação Física na perspectiva de cultura. Da mesma maneira o tratamento generalista que não leva em consideração as diferenças sociais e históricas deixa de lado a importância simbólica de cada um dos elementos da cultura.

    A perspectiva social e cultural que quer-se destacar neste artigo iniciou-se em 2001 através de um projeto de iniciação científica que mais tarde foi financiado em duas oportunidades pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)5. Antes disso indagações sobre o significado do Judô começavam a ser feitas devido a diversificação da atuação profissional na área que era vivenciada pelo autor, particularmente sobre a educação infantil e sobre os projetos de extensão universitária.6

    O pensamento cristalizado no Judô, e nas demais lutas e artes marciais, enquanto um de um só formato e de um só significado precisa ser desfeito. Cazetto e Paes (2004, 2005) colocam que o esporte é apenas um dos significados que pode ser atribuído socialmente ao Judô, enquanto que Cazetto e Montagner (2009) mostram como o significado atribuído ao Judô varia principalmente entre dois pólos: o Esporte e a filosofia de vida.

    No ano de 2006 foi fundado na Universidade Estadual de Campinas um grupo de estudos de lutas, naquele momento havia a preocupação em definir o que era o fenômeno. Porém por entender que definir, por fins, era um processo mais limitador do que multiplicador optou-se aqui por caracterizar o fenômeno.

    Existia um grande anseio semântico com relação ao que significava o fenômeno, assim como escolher ou justificar a utilização de determinado termo. Discutia-se palavras como luta, arte marcial, esportes de combate, etc.

    Em um primeiro momento é necessário estender a perspectiva dado ao Judô por Cazetto e Paes (2004) como um elemento polissêmico para que então possa-se caracterizar as lutas e as artes marciais como um elemento polissêmico e polimórfico e entender a perspectiva dado por Cazetto e Montagner (2009) ao fenômeno.

    Estendendo o sentido simbólico do Judô para as Lutas e as Artes Marciais pode-se identificar diversos símbolos: luta; arte marcial; esporte; ginástica; terapia; arte.

    O primeiro, mas popular e também o mais ingênuo é entender o fenômeno como uma luta no sentido restrito do combate. Ou seja, a primeira “imagem” que surge ao se falar em judô, jiu-jitsu, caratê ou capoeira é a idéia do combate entre pessoas. A idéia é tão forte que muitos resumiriam a prática social a esse momento específico que acontece em diversos fenômenos ligados às lutas e as artes marciais, particularmente a imagem hegemônica é a da luta de um contra um desarmada.

    Algumas imagens precisam ser desfeitas para entender o fenômeno mais profundamente. Entre eles a idéia de que as lutas e as artes marciais são: atividades de um contra um; a segunda é de que são atividades eminentemente contra (oposição); e a terceira é de que nesse ambiente tudo que se faz e por, pelo e para lutar.

    As raízes das práticas que conhecemos hoje como lutas e artes marciais não têm uma ligação tão restrita às lutas de um contra um que vemos na TV no Judô em uma olimpíada ou em um espetáculo de vale-tudo.7

    Grande parte dessas práticas é originária de situações de guerra em que se têm vantagens ou desvantagens numéricas, assim como vantagens e desvantagens da utilização de armas.

    Neste sentido a construção gestual simbólica tem uma raiz muito diferente das práticas que podemos presenciar atualmente. Mauss (1974) entende que todo movimento humano é dotado de significado, possuí em si uma eficácia simbólica, tradicional e específica. É necessário entender que o movimento humano (gesto) que acontece nas lutas e nas artes marciais não é simplesmente de determinada forma somente por questões ligadas a eficiência, mas sim ligados a uma construção de signos inerentes a cada sociedade, inclusive a nossa.

    Ingênuo também é pensar que essas construções gestuais são frutos apenas das regras, inclusive por que essas dependem e são construídas em cada ambiente social. Particularmente é necessário destacar que a gênese desses gestos se apresentou para situações de sobrevivência, para técnicas letais, para isso foram “inventados” métodos de aperfeiçoamento (treinos) que pela natureza letal dessas situações tinham que ser altamente reformulados e pensados de maneira que a situação original (guerra) não gerasse seu objetivo (morte), são criadas então artes que envolvem alto grau de comprometimento e colaboração coletiva com objetivo de sobrevivência e auto-aperfeiçoamento: as artes marciais.

    Gracie, Gracie e Danahan (2001) afirmam que o sucesso de seu método nos torneios de MMA se deu por seu método de treinamento, este era feito com dedicação profissional, envolvendo técnicas que podiam ser treinadas e, sobretudo, utilizadas em situações reais. Kano (1986) também teve grandes méritos com relação aos sistemas de treinamento, particularmente com relação ao handori (treino livre).

    As práticas sociais ligadas a esse fenômeno tomam um caráter eminentemente “com” e não “contra” um adversário. Pensar em uma aula de lutas e artes marciais, por exemplo, o boxe, através do paradigma da oposição é um engano. Existe nessas práticas sociais um patrimônio cultural intrinsecamente ligado as práticas coletivas feitas em parceria com um ou mais colegas.

    Reside nesses elementos culturais um conjunto de atividades coletivas e não individuais que são praticadas eminentemente com a colaboração de um ou mais indivíduos e que não necessariamente visam lutar ou mesmo envolvem o lutar. Embora a luta (combate) seja o principal símbolo social ligado ao fenômeno ele não é o único e não deve limitar ou ser atributo definidor das práticas educativas dos mais jovens.

    O segundo símbolo é o da arte marcial, este muito vinculado às questões de sobrevivência individual ou do Estado, tais como as práticas de auto-defesa ou às raízes marciais das atuais práticas esportivizadas. Embora esse seja o significado mais ligado à gênese dessas diversas práticas ele é muitas vezes deixado em segundo plano ou mesmo esquecido. Não apenas na educação física, em que esses elementos foram praticamente ignorados, mas também nas práticas específicas dos especialistas em cada uma dessas artes.

    O terceiro símbolo é o esporte, o sentido da luta enquanto uma prática institucionalizada, regrada, internacionalizada e moldada segundo símbolos ocidentais ligadas ao olimpismo recebe e vem recebendo especial destaque em nossa sociedade e particularmente na educação física.

    Para muitos ao se pensar em lutas e artes marciais significa pensar em campeonatos de judô, de jiu-jitsu ou boxe. Automaticamente pensa-se em competição, em pontos, em vitórias, derrotas, medalhas e pódios. Essa concepção recebe especial destaque em uma educação física com tradições esportivizadas que apenas aprendeu a “enxergar” seus fenômenos através daqueles elementos que já conhecia.

    Partindo desses três símbolos hegemônicos, principalmente da luta e do esporte pode-se começar a ampliar as concepções sobre essas práticas sociais. Para muitos praticar lutas e artes marciais não significa estritamente lutar, competir ou se aperfeiçoar nas habilidades de sobrevivência.

    O cenário das academias de ginástica sendo invadido por esses “alienígenas” atribui um novo universo de significados a essas práticas. Em oposição aos símbolos hegemônicos muitos procurarão essas atividades devido à vontade de fazer um exercício, de praticar uma atividade física de fazer uma ginástica.

    As dúvidas e as questões se transfiguram neste “cenário”, as indagações não são mais qual luta é mais eficiente, ou qual golpe é mais letal, mas sim qual aula de luta se “queima” mais calorias ou qual movimento deixa o corpo mais bonito.

    Outro símbolo bastante presente em nossa sociedade é a idéia da terapia, no sentido de tratamento, no sentido de amadurecimento emocional. Não raro em nossa sociedade pais recebem indicações profissionais de colocarem seu filho, muito tímido ou muito agressivo, em uma arte marcial.

    Não raro, o treinamento de boxe em sacos de pancada é visto e praticado como uma maneira de extravasar tensões ou até de canalizar energias adquiridas de raivas e frustrações do dia a dia. Muitas vezes quem compra um saco e um par de luvas não quer ser lutador de Boxe, seja olímpico ou profissional, às vezes nem mesmo deseja-se tão intensamente aprender a arte de boxear, um significado comum desse cenário é de um exercício que ajude a lidar com certas questões emocionais.

    Existe uma crença social de que as lutas e as artes marciais sejam promotoras de certas habilidades psicológicas e emocionais socialmente desejáveis. Tais como paciência, serenidade, concentração, auto-controle, determinação, etc.

    Pensando em arte, até mesmo o sentido da arte toma diversas perspectivas nessas inúmeras atividades. Enquanto os Katis e Katas vieram em rotinas de treinamento, hoje temos diversas apresentações com um fundo estético evidente. Este também é o caso das fantásticas acrobacias vistas na capoeira.

    Estes são apenas alguns dos muitos símbolos que são atribuídos em sociedade para essas práticas. Inspirados por Elias (1993) devemos entender que o que muda é a maneira que as pessoas se conectam uma às outras, as práticas sociais que estamos chamando aqui de lutas e artes marciais são diferente por que elas são maneiras sociais diferentes que as pessoas acharam socialmente de se ligar umas às outras. Com o passar dos anos essas maneiras mudam, mudam também as práticas, seus formatos, seus símbolos.

    Entendendo essa diversidade podemos ter como pressuposto que ensinar essas práticas passa por aprender a lidar com esses inúmeros símbolos. Usando a analogia de Max Weber8 entendemos que ao “mexermos” com um desses elementos influenciamos todos os outros.

Figura 1. Palavras e Símbolos no universo diverso das lutas e das artes marciais

    Dessa maneira caracterizamos as lutas e as artes marciais com um conjunto de práticas sociais com múltiplos significados e múltiplas formas. Esse grupo de práticas sociais tem características semelhantes entre si apesar de ser extremamente heterogêneo e diversificado. Consiste, ainda, de conteúdo legitimo da educação física necessitando de tratamento pedagógico apropriado e específico.

    Na mesma perspectiva de publicações anteriores (CAZETTO e MONTAGNER, 2009) entendemos que o termo Lutas e Artes Marciais seja adequado por incluir práticas ocidentais, orientais e brasileiras. Destacando sua diversidade ao afirmá-las no plural e suas diferenças ao ligá-las pelo “e”. Pensando não somente nas versões atuais de suas práticas, mas também em todo o valor histórico de cada uma delas.

Sociogenese das Lutas e das Artes Marciais

    Discutir a sociogenese desse fenômeno é intrinsecamente complexo devido à magnitude e idade dessas práticas sociais. Oliveira (1983) afirma que na pré-história condenados a uma condição de nomadismo ou semi-nomadismo o homem dependiam de diversas habilidades físicas para sobreviver, durante suas constantes migrações eles corriam, saltavam e lutavam para sobreviver. O autor discute ainda que foi sua habilidade de construir ferramentas para suas práticas que lhe garantiu supremacia no reino animal.

    O discurso atual de algumas federações corrobora com a idéia de que a história dessas práticas ligadas à sobrevivência seja muito antiga. Por exemplo, a Confederação Brasileira de Jiu-Jitsu Esportivo (2009) afirma que:

    A origem do Jiu-Jitsu se perde na noite dos tempos, acredita-se que no primeiro ataque ou defesa de um ser humano - estaria caracterizado - “A luta em si”.

    Enquanto que a Federação Paulista de Kung-Fu – Wushu (2009) discute que:

    Kung Fu - É um sistema de luta desenvolvida na China. Surgiu das observações dos animais. Porém, ninguém sabe ao certo quando surgiu. Embora já tenha mais de 2.000 anos, a verdade nele continua novinha porque, vai se adaptando de tempos em tempos como uma arte tradicional. Existem mais de 360 estilos catalogados na China.

    Neste sentido o “discurso oficial” das atuais modalidades de lutas e artes marciais parece defender uma origem longínqua para essas práticas. Camacho (2009) defende uma origem indiana das artes marciais, particularmente aquelas ligadas ao Budô, citando clássicos do hinduísmo como o Mahabhárata 9 de origem histórica longínqua que segundo o autor teriam influenciado a China e o Japão nas concepções filosóficas que arquitetaram suas artes marciais. Outra obra clássica é a Arte da Guerra de Sun Tzu, escrita aproximadamente em 500 a.C. no qual são descritos os princípios estratégicos da arte da guerra.10

    Gueertz (1989) afirma que a evolução humana está intrinsecamente ligada à sua condição de “ser social” e relacionada à capacidade simbólica. Oliveira (1983) discute que o polegar em oposição ajudou inclusive no aperfeiçoamento da habilidade de lançar. Em um documentário artístico11 criticando a miséria gerada pela opressão do homem pelo próprio homem Furtado (1989) define o ser humano como sendo um animal mamífero e bípede, que se distingue de outros animais por ter um polegar e oposição e um tele-encéfalo altamente desenvolvido e por ser livre.

    As lutas e as artes marciais como atividades humana estão assim desde o início de sua existência ligadas às condições sociais e à capacidade simbólica do ser humano. Para Furtado (1989) a liberdade como característica humana é algo que a alma humana alimenta, que não há ninguém que explique, mas que também não há ninguém que não entenda.

    O termo artes marciais e seu conceito é pouco utilizado na Educação Física, particularmente na escolar, porém o conceito oriental pode ser importante para o entendimento do fenômeno em uma perspectiva de cultura:

    a guerra é de vital importância para o Estado; é o domínio da vida ou da morte, o caminho para a sobrevivência ou a perda do Império: é preciso saber manejá-la bem. Não refletir seriamente sobre tudo o que lhe diz respeito é dar prova de uma culpável indiferença no que se refere à conservação ou à perda do que nos é mais querido; e isso não deve ocorrer entre nós. (TZU, 1983, grifo meu)

    Algumas hipóteses podem ser levantadas a respeito da pouca utilização do termo:

  • talvez muitas práticas ocidentais como o Boxe ou a Capoeira tenham sido hegemônicas no imaginário dos autores da Educação Física;

  • provavelmente o passado militar recente do Brasil e a instrumentalização decorrente da Educação Física como mecanismo ideológico ainda aflita muitos provocando receios sobre tudo que seja relativo a exército;

  • a inserção recente desses novos paradigmas pode resultar em um olhar simplista, limitado e ingênuo que veja apenas como o combate;

  • todos aqueles que não tiveram uma formação tradicional em artes marciais podem não ter um conceito formado de arte marcial ou até mesmo ter um conceito bastante negativo sobre o assunto;

    De qualquer forma, quais quer que sejam os motivos que tenham levado a esse quadro, é necessário entender que provavelmente todas as práticas que temos atualmente que são reconhecidas como sendo “modalidades” de lutas tiveram raízes em processo de busca da sobrevivência,12 seja ela individual ou coletiva. Mais do que isso o conceito de arte marcial deve trazer elementos educacionais educativos para a educação física escolar.

    Para entendermos a sociogenese desses fenômenos precisamos recorrer a Elias (1993) e sua e sua caracterização da sociologia, para ele a sociologia consiste em uma interpretação pos facto na qual tenta-se juntar o descontínuo lhe dando um sentido, achando uma direção . A análise que faço desses significados é no sentido sociológico uma junção de fatos que não são a priori unidos. Interpreto que existe um processo de universalização de um formato específico, o que do ponto de vista educativo pode empobrecer as possibilidades e os princípios de diversidade e inclusão em uma educação democrática que vise educar a todos.

    Volto a afirmar assim que o fenômeno deve ser visto como algo polissêmico e polimórfico, uma junção de práticas que a priori são diferentes por suas raízes históricas e condições sociais atuais.

    A Arte Marcial que é diferente da guerra em si precisa ser entendida como na citação de Sun Tzu (1983) como uma prática social que visa da manutenção da vida. Como prática educativa ela deve ensinar o aluno sua função de protagonista ao invés de coadjuvante na construção de sua própria história.

    A arte marcial que é uma atividade coletiva praticada em meio a amigos particularmente em tempos de paz que exige de seus praticantes colaboração e não oposição pura e simples. Suas raízes filosóficas estão pautadas por processos de autoconhecimento (CAMACHO, 2009) e seu ensino pode ajudar no processo de desenvolvimento de autonomia, objetivo da educação descrito por Paulo Freire (2008).13

    Cazetto e Montagner (2009) traçam um desenvolvimento hipotético desde a guerra até os combates espetacularizados, estudando o caso específico do Judô. O Judô atualmente é a segunda modalidade com maior número de federados e a maior modalidade olímpica em número de federados no Brasil (DACOSTA, 2006), isso se deu, em muito, pelo se processo de esportivização, porém podemos ver que mesmo no Judô que se encontra em um quadro avançado desse processo essas modificações são muito recentes.

    Calleja (1981) descreve as modificações ocorridas no judô desde lutas de desafio realizadas por intermédio da Federação de Pugilismo, passando pelas primeiras regras internacionais estabelecidas em 1967, até as grandes modificações ocorridas em 1973, analisando suas implicações até o ano de defesa da tese. Ele afirma que:

    A fim de procurar transformar o judô numa luta moderna e atraente, a Federação Internacional de judô, após acurados estudos, fez com que as regras sofressem inusitadas modificações, particularmente a partir de 1973.(CALLEJA, 1981, p. 1).

    Retomando a idéia do quadro social, percebemos na obra de Calleja (1981) como o judô e o jiu-jitsu tinham suas lutas ligadas aos ringues nas lutas de desafio realizadas em eventos de espetáculo. Depois disso, o judô passa muitos anos longe desse tipo de disputa: hoje o quadro atual sugere que já há uma esportivização das lutas vale-tudo, começando a haver o retorno de judocas nestas lutas de ringue, principalmente no Japão.

    Pode-se entender o processo acontecido nas lutas de vale-tudo através do estudo de Jean Marie Brohn (1982), no qual é descrito o processo de institucionalização do esporte, particularmente criticando sua instrumentalização pelo estado com fins ideológicos. Esse processo ocorre nas diversas práticas sociais e no caso das lutas e artes marciais é notório o estabelecimento de dois modelos: o profissional e o olímpico. Para Elias (1993), ao analisar o processo de formação dos estados, existe uma tendência ao monopólio que vai atingindo territórios cada vez maiores.

    Cazetto e Montagner (2009) inspirados por Elias (1993) entendem que o processo acontecido nas lutas e nas artes marciais tem sofrido o mesmo processo, ou seja, o significado, ou o modelo tem se universalizado. Seja através do modelo olímpico, seja através do modelo profissional espetacularizado. Dessa maneira as práticas sócias vão se modificando, se modificam por que muda-se a maneira que as pessoas se ligam umas as outras.

    Em cada uma das práticas sociais reconhecidas atualmente como uma luta ou como uma arte marcial essa ligação foi diferente, por exemplo, Para Mello e Silva (2008) a história da capoeira se divide em antes e depois de mestre Bimba, o “criador” da capoeira regional, para os autores as raízes históricas da capoeira estão ligadas a valores, como a busca da liberdade, que se transfiguraram no contexto do Estado Novo,14 uma sociedade do trabalho. Para se adequar a sociedade em que se inseria ela foi “modernizada”, foi civilizada como diria Elias (1993), passou por um processo de sistematização e pedagogização para que pudesse ser então reconhecida como patrimônio nacional (MELLO E SILVA, 2008).

    Papel semelhante teve o idealizador do Judô, “Jigoro Kano”, segundo Cordeiro Junior, Ferreira e Rodrigues (1999) Kano foi um homem que marcou o seu tempo, porém essa prática social proveniente do Jiu-Jitsu não teve sua origem em uma geração espontânea nas idéias de um único homem, mas sim dependeu de um quadro social específico.

    Mais uma vez recorrendo à “história oficial”: o Judô teve sua origem em um momento de grandes transformações sociais e políticas chamado era Meiji (FEDERAÇÃO PAULISTA DE JUDÔ, 2006). Se adaptou assim ao quadro social do Japão na época. Mais tarde, quando chega ao Brasil, passa por inúmeras dificuldades, por exemplo, as restrições impostas aos imigrantes japoneses15 pelo governo Brasileiro na segunda guerra mundial (MARTA, 2008) ou a proibição das lutas para as mulheres no período militar (MOURÃO E SOUZA, 2008).

    Da mesma maneira que o processo de civilização e modernização da capoeira permitiu que uma prática escrava e marginalizada se estabelece-se ou, da mesma maneira que o Judô evolui na era Meiji e se adaptou às condições políticas no Brasil no período militar permitindo que uma arte oriental se difundi-se no Brasil, o Jiu-Jitsu teve em sua grande difusão muito ligada ao processo de espetacularização e globalização em que se inserem as lutas de vale-tudo.

    Segundo Gracie, Gracie e Danaher (2001) os eventos de vale-tudo ou MMA16 mostraram a eficiência e a importância das lutas agarradas (grappiling), o que foi uma surpresa para muitos. Este arte teve origem de intensos estudos no Brasil pela família Gracie17 da arte ensinada por Mitsuyo Maeda.18

    O Jiu-Jitsu Brasileiro representou um divisor de águas para as lutas de espetáculo, é fácil de notar a influência da televisão no processo de formação e difusão dessa arte que ficou mundialmente conhecida. A influência dos meios de comunicação de massa a muito também é marcante em outra prática social: o Boxe.

    O Boxe, assim como conhecemos (com regras escritas, etiqueta civilizada, luvas, rounds, árbitros, sistema de pontos) tem uma tênue ligação com sua prática anterior: o pugilismo (PRONI, 1998). Melo e Vaz (2006) afirmam que o pugilismo é um curioso elo, mesmo que pasteurizado ainda hoje é considerado muito violento, sendo marcante as imagens de suor e sangue. Os autores lembram ainda que na Antiguidade Grega as provas de pancrácio só se enceravam com a desistência completa de um dos combatentes, não raro ocorria a morte.

    Enquanto que Cazetto e Montagner (2009) demonstram inúmeras alterações no modelo de competição, particularmente dos mais jovens, influenciadas pelo modelo espetacularizado da televisão, Melo e Vaz (2006) mostram como Esporte, em particular o Boxe, influenciaram o cinema. Dessa maneira os exemplos citados, sinteticamente, demonstram como diversas artes, ocidentais e orientais, esportivizadas e não esportivizadas, espetacularizadas e não espetacularizadas, tiveram origem e evolução social de maneira diferentes, se adaptando aos fatores sociais vigentes em cada situação.

    Pode se compreender assim como essas práticas como essas práticas que estavam ligadas à busca da sobrevivência e da liberdade tiveram significados e formas completamente distintos, ainda que possam ser agrupadas e que tenham certa evolução em comum. Os símbolos produzidos em cada uma dessas práticas é diferente, inclusive o significado de termos comuns não é igual, por exemplo, arte marcial não terá o mesmo significado para um boxeador e para um judoca, nem mesmo luta terá a mesma conotação para um capoeirista ou para um lutador de jiu-jitsu.

    Em síntese devemos entender que as lutas e as artes marciais por sua sociogenese, formam um grupo extremamente vasto e heterogêneo, com práticas recentes e milenares, por isso mesmo tem grande potencial educativo. Importante notar que apesar de existir um romantismo ao se “contar” as histórias de todas ou de cada uma das artes marciais existe certo eufemismo, mesmo sendo elas por inúmeras vezes ferramentas de liberdade e sobrevivência, é verdade também que foram instrumentos de opressão e crueldade, o que na maioria das vezes é ignorado, omitido ou eufemizado. Dessa maneira ao lidar com esse tema não pode-se pensar em um ser humano desconectado de sua sociedade e de seu tempo.

Esporte Espetáculo

    Parece indiscutível que a passagem do jogo para o esporte propriamente dito tenha ocorrido nas grandes escolas reservadas às “elites” da sociedade burguesa, nas quais os filhos das classes mais favorecidas modificaram práticas populares lhe atribuindo função completamente nova (BOURDIEU, 1983). Ainda que algumas práticas presentes no Brasil atualmente possam ter história diferente, como mostra Marchi Jr (2001), corroborando com essa idéia Proni (1998) afirma que muitos dos esportes que hoje são praticados de maneira padronizada na maioria dos países tiveram sua origem na Inglaterra com um caráter claramente elitista.

    Brohm (1982) descreve o processo de institucionalização do esporte, no qual as práticas vão se organizando em associações, clubes, etc. Faz pesadas críticas ao seu funcionamento político, o qual caracteriza como a lei da selva (BROHM, 2000), particularmente se referindo ao esporte espetáculo, que segundo o autor tornou-se um dos vetores da globalização disfarçando seu caráter político através de sua ideologia (BROHM, 2004).

    Proni (1998) argumenta que o esporte na sociedade de massa formada após a Segunda Guerra Mundial se transfigurou devido a mercatilização da cultura e a mudança nas estruturas sociais e econômicas. Silva (1991) descreve o esporte espetáculo como a mercatilização do movimento humano através de uma ótica marxista, possibilitando o entendimento do “casamento” perfeito entre esporte e mídia na sociedade do capital.

    Proni (1998) cita o “advento” do esporte espetáculo como o divórcio entre a prática e o consumo, possibilitando assim o consumo passivo. Silva (1991) descreve características do esporte que possibilitaram essa união:

  • característica não-material: o esporte ao contrário de outros “produtos” não é algo estocável, algo papável ou transportável.

  • consumido ao mesmo tempo em que é fabricado: para consumir esporte, seja ativa ou passivamente, é necessário efetivamente estar em seu local de “fabricação” no momento em que isso acontece;

    Esses fatores limitantes no consumo possibilitaram uma enorme expansão de possibilidades ao permitir que o esporte pudesse ser transmitido para outros locais ou eternizados e estocado através de mídias.

    Através dessa junção houve modificações nesses fenômenos sociais, não somente no esporte, mas também na mídia: Melo e Vaz (2006) citam exemplos de como as técnicas de filmagem tiveram que se adequar as necessidades esportivas. Além disso, Bourdieu (1997) demonstra sobre que condições sociais se constrói a TV, desfazendo a idéia de entidade neutra ou mesmo de malévola.

    A TV sofre pressões dos campos econômicos e políticos através da audiência (quantos assistem e quem assiste), os bastidores se constituem com limitação de tempo, com tema não modificável e da necessidade de compreensão por todo o público (BOURDIEU, 1997).

    Corroborando para essa idéia Silva (1991) descreve as necessidades da mídia:

  • velocidade: é necessário produzir informação de maneira muito rápida, todos os dias, por vezes várias vezes por dia é necessário veicular informações recentes;

  • escassez de informação: as fontes são limitadas, muitas vezes difíceis de acessar;

  • grande demanda: é necessário preencher vários horários com uma grande quantidade de informações;

  • generalidade: existe uma necessidade de atender a muitos públicos, a muitos gostos de pessoas com características muito diversas.

    A conseqüência disso tudo é uma produção de informação que tem certo caráter superficial, por precisar ser produzida de maneira muito rápida e muita quantidade e atendendo a muitas pessoas.

    Em uma sociedade de consumo, extremamente vinculada aos meios de comunicação de massa o esporte que se configura atende às necessidades da mídia. O resultado é algo fantástico, fascinante a olhos o esporte espetáculo atrai aos mais diversos públicos. Independente de ser ou não atleta, ou mesmo de ter qualquer conhecimento específico sobre as modalidades o espetáculo produzido agrada em escala global.

    As lutas e as artes marciais não ficam de fora desse contexto. Assim como o esporte que não nasceu assim como ele é hoje: espetacularizado, institucionalizado, mundializado; As lutas e as artes marciais vão se esportivizando e depois disso, ou concomitante a isso vão se espetacularizando se tornando um produto que maravilha a “todos” os olhos.

    Atualmente existem canais de TV especializados somente nas lutas e artes marciais, existem sites, revistas, desenhos. O Universo das mídias é repleto de sons e imagens que remetem a esse fenômeno.

    Igualmente ao esporte o que temos é uma produção tão especial e fantástica que possa fascinar todos os públicos, ser produzida com velocidade e atender a toda a demanda de gostos da sociedade de consumo.

    É particularmente nesse ponto que se constitui o grande dilema pedagógico. Embora toda a primeira parte desse artigo tenha trabalhado a importância da diversidade da educação física e das lutas e artes marciais nos deparamos com um fenômeno específico que exerce enorme atração, a tal ponto que pode se esquecer por completo todo o universo de possibilidades culturalmente construídas existentes nesse universo.

    Neste sentido a análise de Silva (1991) é fundamental para entender como se arquiteta o ensino dos gestos, das regras, das táticas e dos sistemas de treinamento dos mais jovens. Entendendo que estes não podem apenas ser uma transcrição do modelo espetacularizado.

    Ao se ensinar lutas e artes marciais, em qualquer contexto, mas principalmente na Escola, não podemos nos restringir a um único modelo, como critica Cazetto e Montagner (2009) descrevendo conseqüências desse modelo sobre as competições dos mais jovens. Deve-se assim partir então do pressuposto dos múltiplos significados e das múltiplas formas para o ensino dessas práticas.

Notas

  1. Na ocorrência do CONPEFE de 2009 (Congresso Paulistano de Educação Física Escolar) Mauro Betti (palestrante) defendeu essa perspectiva e tomou o artigo citado como referência.

  2. Referência à Clifford Geertz, antropólogo estatunidense do século XX.

  3. Referência à Pierre Bourdieu, sociólogo francês do século XX.

  4. Referência à Norbert Elias, sociólogo alemão do século XX

  5. As pesquisas citadas contaram com a orientação do Prof. Dr. Roberto Paes e estão disponíveis em...

  6. Referência ao projeto de Judô desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas entre os anos de 2000 e 2003 sob orientação do Prof. Dr. Júlio Gavião de Almeida.

  7. Atualmente também conhecido como MMA (Mixed Martial Arts).

  8. Referência à analogia citada por Geertz (1989) em seu livro A interpretação das culturas em que ele defende o conceito um conceito de cultura essencialmente semiótico no qual o homem é um animal amarrado à teia que ele mesmo teceu.

  9. Referência ao épico Hindu que segundo Laborde e Calloni (2007) é a história de uma disputa dinástica que culmina em numa aterradora batalha entre dois ramos de um mesmo grupo familiar dirigente na Índia. Apresenta o relato da luta entre os Kurus e os Pandavas pela disputa das terras férteis e ricas da confluência do Ganges e do Yamuna, perto de Délhi, é realçado também, por histórias paralelas que fornecem uma base social, moral e cosmológica ao clímax da guerra.

  10. Supõem-se que a obra foi escrita na época dos estados em guerra na China. Contém a descrição do funcionamento da guerra, principalmente suas questões estratégicas, pode-se ser transcendido para o funcionamento das atuais “modalidade” existentes, apesar de grande repercussão atual em outras áreas, como a militar ou até mesmo o marketing, a obra é pouco citada na Educação Física no Brasil ao lidar com o conteúdo de Lutas e Artes Marciais.

  11. Referência ao documentário A Ilha das Flores produzido por Jorge Furtado em 1989, o filme de caráter artístico explica algumas lógicas de nossa sociedade, particularmente sobre a obtenção do lucro e do valor decorrente dado ao ser humano livre e pobre.

  12. A afirmação, embora fundamentada pelo estudo de diversas práticas, é de difícil conclusão, existem muitos manifestações culturais reconhecidas com lutas e como artes marciais, seria necessário estudar a origem de cada uma delas para verificar a hipótese levantada.

  13. Referência ao professor Paulo Freire, brasileiro cujas obras sobre pedagogia tiveram repercussão mundial.

  14. Período compreendido entre os anos de 1937 e 1945, fundado por Getúlio Vargas.

  15. Cidadãos comuns sem nenhuma atividade política simplesmente da noite para o dia viraram inimigos, isso por que seu país de origem estava do outro lado da guerra, a história dos campos de concentração no Brasil, normalmente ignorada nos livros de história, omite que esses estrangeiros tiveram seus bens confiscados, foram isolados e submetidos a trabalhos forçados (DIETRICH,2009).

  16. MMA – Mixed Marcial Arts.

  17. Referência à família Gracie, inicialmente formada no Brasil por migrantes escoceses eles se tornaram famosos ao difundir pelo mundo uma arte marcial que ficou conhecida como Jiu-Jitsu brasileiro. Notadamente reconhecida pela qualidade na luta de solo.

  18. Referência a um lutador Japonês tido como um dos melhores discípulos de Jigoro Kano que viajou o mundo mostrando e ensinando Judô e Jiu-Jitsu.

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