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A influência das atividades lúdicas no desenvolvimento

 psicomotor de crianças com paralisia cerebral

La influencia de las actividades lúdicas en el desarrollo psicomotor de niños con parálisis cerebral

The playful activities’ influence in development psychomotor of children with cerebral paralysis

 

* Fisioterapeuta, Especialista em Neurofuncional

Mestranda em Pediatria pela Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

**Fisioterapeuta, Mestre em Educação. Professora Titular da

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Presidente Prudente, SP

Juliana Barbosa Goulardins*

Tânia Cristina Bofi**

julianagoulardins@ig.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Introdução: A Paralisia Cerebral (PC) é uma encefalopatia crônica não evolutiva, caracterizada primariamente por distúrbios da motricidade. A inadequação de movimentos e padrões posturais impede a criança com PC de explorar, experimentar e conhecer. O desenvolvimento do potencial psicomotor dessa criança vai ser prejudicado à medida que ela interage menos com seu ambiente. O uso de atividades lúdicas como recurso para estimular o desenvolvimento infantil, além de trazer oportunidades e satisfazer uma série de necessidades faz emergir valores como curiosidade, auto-aceitação e contatos sociais. Objetivo: Avaliar a influência das atividades lúdicas no desenvolvimento psicomotor de crianças com PC. Métodos: Participaram do estudo de caso duas crianças diparéticas. Foram realizadas avaliações segundo o Inventário Portage Operacionalizado e entrevistas com seus responsáveis antes e após o programa de intervenção lúdica, composto por 32 sessões. Resultados: Cada criança evoluiu uma faixa etária em pelo menos duas áreas avaliadas, dados estes confirmados na entrevista com os responsáveis. Conclusão: A atividade lúdica é um instrumento que promove e facilita o desenvolvimento psicomotor de crianças com PC, contando com situações adequadas de aprendizagem e experimentação, podendo minimizar o impacto da deficiência no desenvolvimento global dessas crianças.

          Unitermos: Paralisia cerebral. Desenvolvimento. Brincar.

 

Abstract

          Introduction: The Cerebral Palsy (CP) is a not progressive chronic encefalopatia, characterized first of all for riots of the motricity. The inadequation of movements and posturais standards hinders the child with PC to explore, to try and to know. The development of the psychomotor potential of this child goes to be wronged to the measure that it interacts less with its environment. The use of playful activities as resource to stimulate the infantile development, besides bringing chances and satisfying a series of necessities makes to emerge values as social curiosity, self-acceptance and contacts. Objective: To evaluate the influence of the playful activities in the psychomotor development of children with CP. Methods: Two diparetic children had participated to this case study. Inventory Portage Operacionalizado and interviews with the its responsible before and after program of playful intervention had been carried through evaluations according to, composed for 32 sessions. Results: Each child evolved a age band in at least two evaluated areas, data these confirmed in the interview with the responsible ones. Conclusion: The playful activity is an instrument that promotes and facilitates the psychomotor development of children with PC, counting on adequate situations of learning and experimentation, being able to minimize the impact of the deficiency in the global development of these children.

          Keywords: Cerebral palsy. Development. Play.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 148, Septiembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A Paralisia Cerebral (PC) pode ser associada a um grupo heterogêneo de indivíduos, mas que tem em comum um distúrbio motor (tônus e postura), não progressivo, mas freqüentemente mutável, secundário a lesão do encéfalo em desenvolvimento (1).

    A impossibilidade da ação corporal decorrente da lesão encefálica pode interferir negativamente no desenvolvimento e no crescimento infantil (2,3).

    O desenvolvimento é o processo pelo qual o indivíduo constrói ativamente suas características, por força de disposições interiores e pela influência de fatores ambientais (hereditariedade e meio). Por isso, considera-se que a carência de estimulação provoca uma diminuição no ritmo do desenvolvimento psicomotor(4).

    As dificuldades psicomotoras das crianças com PC interferem na vivência das situações próprias do mundo infantil. Dessa forma, o uso de atividades lúdicas é um recurso importante para a aprendizagem e para o desenvolvimento dessas crianças(5).

    O lúdico tem função motivadora: brincando, a criança descobre, experimenta, inventa, aprende e confere habilidades. Através da brincadeira a criança não só tem o estímulo à realização motora, como também descobre regras, socializa-se e desenvolve aptidões cognitivas. Medidas simples, mas que podem facilitar o desenvolvimento infantil quando uma deficiência se faz presente(5,6).

    Com isso, o presente estudo teve como objetivo avaliar a influência das atividades lúdicas no desenvolvimento psicomotor de crianças com PC.

Métodos

    Esta pesquisa constituiu-se de um estudo de caso, de abordagem qualitativa, realizada no Laboratório de Atividades Lúdico-Recreativas (LAR) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus de Presidente Prudente.

    Para a seleção dos sujeitos foram consultados os prontuários do Setor de Neurologia Infantil, do Ambulatório de Fisioterapia da UNESP, Campus de Presidente Prudente, a fim de verificar o número de crianças, as doenças mais freqüentes e, dentre estas, aqueles pacientes com disfunções semelhantes.

    A doença de maior incidência encontrada foi a PC, por isso a selecionamos para esse estudo. Em seguida, foram analisados os diagnósticos fisioterapêuticos dos indivíduos com PC, pôde-se perceber que a diplegia / diparesia apresentou o maior número de crianças numa mesma faixa etária (5 a 6 anos), sendo por este motivo escolhida para este estudo.

    Porém, pela falta de disponibilidade dos participantes o critério de inclusão acabou se baseando na aceitação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e na possibilidade de participação das sessões, perfazendo uma amostra com duas crianças.

    A avaliação utilizada foi o Inventário Portage Operacionalizado – IPO, com o intuito de colher informações sobre o desenvolvimento psicomotor de cada criança (7).

    Esse guia é composto por um inventário comportamental, com 580 itens e enfatiza o ensino de habilidades para crianças de zero até os seis anos de idade, divididas em cinco grandes áreas, todas avaliadas neste estudo: socialização, cognição, linguagem, desenvolvimento motor e auto-cuidados. Os critérios adotados para a avaliação consistiram em vários desempenhos segundo a faixa etária da criança(7).

    Foram realizadas também entrevistas pré e pós-intervenção com as mães das crianças a fim de investigar o histórico de desenvolvimento, sociabilidade, entre outros. As Fichas de Entrevistas seguiram um roteiro adaptado, com informações a respeito dos seguintes dados: identificação da família, caracterização dos membros da família, atividades de vida diária e rotina da criança em casa e na escola(8).

    Foram realizadas 32 sessões de intervenção monitoradas com cada criança, com a aplicação de atividades lúdico-recreativas, a fim de estimular o desenvolvimento psicomotor, enfatizando principalmente as dificuldades constatadas na avaliação inicial.

    As sessões foram individuais, com duração de aproximadamente 50 minutos, duas vezes por semana. A sessão era iniciada informalmente, a pesquisadora conversava com a criança e a convidava a brincar. Na maior parte das vezes a atividade era proposta e direcionada pela terapeuta, seguindo os desempenhos de desenvolvimento sugeridos pelo IPO referentes a faixa etária em que a criança se encontrava. Outras vezes a criança tinha livre escolha das atividades. A escolha de uma atividade lúdica pela criança relaciona-se com seu interesse, para satisfazer seus desejos e necessidades.

    A estratégia de atuação foi a de demonstrar o prazer de participar da brincadeira, estimulando as crianças com elogios, ao mesmo tempo em que eram orientados e observados detalhes importantes de seus comportamentos.

    Houve a preocupação de se associar às atividades lúdicas alguns objetivos fisioterapêuticos tais como: inibir reflexos patológicos; adequar o tônus muscular; estimular as reações de equilíbrio, endireitamento e proteção; estimular trocas posturais; treino de marcha (também em terrenos variados); trabalhar a coordenação motora fina e grossa; realizar estimulação sensorial.

    Após a intervenção, cada sujeito foi reavaliado pelo IPO para verificação da influência das atividades lúdicas no seu desenvolvimento psicomotor, seja por aquisições e/ou atrasos após esse período de estimulação.

Resultados

    Os resultados foram analisados de forma descritiva, comparando-se os resultados das avaliações e entrevistas pré e pós o programa de intervenção. Cada sujeito foi descrito individualmente.

Criança 1

    A criança 1 do sexo feminino, com idade cronológica de três anos e oito meses, apresentava marcha independente e funcional. Na avaliação inicial encontrava-se na faixa etária esperada para quase todas as áreas avaliadas, exceto desenvolvimento motor e socialização.

    Todas as áreas e seus respectivos resultados nas avaliações inicial e final encontram-se na Tabela 1.

    Todos os avanços obtidos foram confirmados pelas respostas dadas pela responsável das crianças nas entrevistas pré e pós-intervenção.

Criança 2

    A criança 2, do sexo feminino, com idade de seis anos e sete meses, cadeirante, fazia uso de órteses suropodálicas, deambulava com auxílio com acentuação do padrão em tesoura (adução e rotação interna de quadril, com flexão dos joelhos).

    Na avaliação inicial foi constatado comprometimento de todas as áreas avaliadas, com atrasos em média de duas faixas etárias.

    Os resultados das avaliações inicial e final da criança 2 foram organizados na Tabela 2. Os dados obtidos nas entrevistas com a responsável corresponderam às melhoras em seu desenvolvimento psicomotor.

Discussão

    Mesmo com uma amostra reduzida, foi possível verificar que o lúdico influenciou positivamente o desenvolvimento psicomotor dos sujeitos: a criança 1 apresentou evolução em todas as áreas e mesmo naquelas em que não havia o atraso inicial pôde-se aumentar os percentuais, ou seja, desenvolver novos comportamentos; a criança 2 atingiu percentuais maiores na reavaliação em todas as áreas, exceto na linguagem, entretanto neste quesito não havia atraso inicial.

    Para alcançar os propósitos desse estudo, foi necessário um instrumento de avaliação sistemática que abrangesse todas as áreas do desenvolvimento humano, como o IPO. A utilização da versão operacionalizada deste guia tornou a observação fidedigna, já que esta traz definições, critérios, especificação das condições de avaliação e a descrição do material a ser utilizado, especificando exatamente o que e como observar. Além disso, Williams e Aiello(7) afirmam que tal operacionalização pode ser útil a projetos de intervenção e pesquisa. Contudo, o IPO mostrou-se uma ferramenta eficaz para a avaliação do desenvolvimento psicomotor e um roteiro de estimulação útil a programas de intervenção e a orientações domiciliares com a criança com PC.

    A partir do IPO pode-se fazer inferências a respeito da relação do brincar no desenvolvimento psicomotor de crianças com PC. Verificou-se, nesse estudo, que as atividades lúdicas influenciam positivamente o desenvolvimento global dessas crianças.

    O brincar foi um recurso que promove a motivação das crianças, que fez com que elas aceitassem e integrassem as habilidades, aprendidas através das brincadeiras, ao seu repertório motor. No atendimento de crianças com PC devemos então, usar e criar situações para que ela possa vivenciar e experimentar atividades semelhantes ao desenvolvimento motor normal(9).

    O brincar é uma oportunidade de desenvolvimento. As brincadeiras, os brinquedos e os jogos são considerados como alguns dos maiores potenciais de estimulação da criança, que proporcionam experiências ricas e variadas(5).

    Este estudo, assim como os trabalhos de Lorenzini (5) e Peres (10), verificaram que o lúdico promove a interação com o outro, seja terapeuta ou familiar, adulto ou criança, de maneira eficaz na criança com PC. Brincando, ela pode manter um envolvimento efetivo na atividade e se torna mais receptiva ao aprendizado, aumentando seu potencial de exploração. No início deste trabalho as crianças apresentaram dificuldades na interação com a pesquisadora, passando por um período de adaptação. O contato foi facilitado pelas brincadeiras, que promoveram a conquista da confiança na pesquisadora.

    A interação do adulto com a criança constituiu uma rica fonte de experiência e de aprendizagem para a criança (6). Assim, no processo de reabilitação, o fisioterapeuta assume papel importante como mediador das aquisições psicomotoras e da interação da criança com o meio. Ele deve incorporar o lúdico à terapia a fim de motivar a criança e envolvê-la na atividade proposta.

    No entanto, o trabalho de Fujisawa(11) verificou que durante os atendimentos fisioterapêuticos os jogos e as brincadeiras, em sua grande maioria, eram utilizados apenas como atividades – meio para o alcance de objetivos pré-estabelecidos, o que não constitui o brincar terapêutico. Tal fato demonstra que existe a utilização das atividades lúdicas nos atendimentos, mas não há a devida exploração do potencial desses recursos para o desenvolvimento global da criança.

    Há uma diferença entre brincar estimulando e brincar para estimular. No primeiro caso, partindo de uma determinada necessidade da criança, tentamos despertar o seu interesse com um brinquedo ou uma brincadeira e, no segundo, com uma visão holística, suprimos suas necessidades, colocando seu interesse em primeiro lugar (5).

    O valor terapêutico do brincar poderia ser explorado nas sessões de fisioterapia, mas para isso seria necessário o conhecimento do lúdico na infância e do seu papel no desenvolvimento psicomotor. Por isso, nossos resultados levam à necessidade da continuidade das investigações acerca da utilização das atividades lúdicas e seu valor terapêutico no desenvolvimento infantil.

    O contato com a família é fundamental ao processo de reabilitação, por isso deve estar envolvida com o trabalho, contribuindo para o desenvolvimento da criança(9). A troca de informações entre família e terapeuta, seja pelas entrevistas ou por conversas informais ao final de cada sessão, contribuiu para a definição de objetivos funcionais possíveis à realidade motora, cognitiva e social de cada criança, além de ajudar nas dificuldades cotidianas em casa.

    Nossos resultados indicaram que os jogos e as brincadeiras podem facilitar o desenvolvimento psicomotor. O lúdico proporciona uma aprendizagem diferente, que ajuda os participantes a desenvolver confiança em si mesmos e em suas capacidades, leva as crianças a desenvolverem percepções sobre outras pessoas e a compreender as exigências bidirecionais de expectativa e tolerância, além de oportunidades para explorar conceitos como liberdade, existentes implicitamente em muitas situações lúdicas, o que eventualmente levam a pontos de transposição no desenvolvimento da independência.

    Esse tipo de interação permite que a criança aprenda podendo apresentar evolução em suas capacidades psicomotoras. Porém não é qualquer tipo de interação que é válida, no sentido de ajudar a provocar o desenvolvimento pessoal. Afinal a criança é um ser único e deve ser respeitada com suas limitações e características próprias. Há que se valorizar todo seu potencial, além das sensações captadas pela criança e a motivação que se estabelece para a interação com o ambiente. Essas medidas podem possibilitar um desenvolvimento infantil quando uma deficiência se faz presente.

Conclusão

    Concluímos que as atividades lúdicas podem influenciar positivamente o desenvolvimento psicomotor das crianças com PC, contando com situações adequadas de aprendizagem e experimentação, minimizando o impacto da deficiência no desenvolvimento global dessas crianças.

Referências bibliográficas

  1. Bobath K. Uma base neurofisiológica para o tratamento da paralisia cerebral. São Paulo: Manole, 1990.

  2. Lent R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais da neurociência. São Paulo: Atheneu, 2002.

  3. Lundy-Eckman L. Neurociência: fundamentos para a Reabilitação. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

  4. Gesell A. Gesell e Amatruda - Psicologia do desenvolvimento do lactente e da criança pequena: bases neurofisiológicas e controversas. São Paulo: Atheneu, 2000.

  5. Lorenzini, MV. Brincando a brincadeira com a criança deficiente: novos rumos terapêuticos. Barueri: Manole, 2002.

  6. Fujisawa DS. Atendimento fisioterapêutico de crianças: uma análise na perspectiva da teoria histórico-cultural. Temas sobre desenvolvimento: 2002, 11(63): 37-44.

  7. Williams LCA, Aiello ALR. O inventário Portage Operacionalizado: intervenção com famílias. São Paulo: Memnon, 2001.

  8. Oliveira GC. Avaliação psicomotora à luz da psicologia e da psicopedagogia. Petrópolis: Vozes, 2003.

  9. Moura EW; Silva PAC. Fisioterapia: Aspectos Clínicos e Práticos da Reabilitação. São Paulo: Artes Médicas, 2005.

  10. Peres RCNC. O lúdico no desenvolvimento da criança com paralisia cerebral espástica. 2003, 289 p. Tese de doutorado no curso de Pós-graduação em Educação, área de concentração – Educação Especial da Universidade de São Paulo.

  11. Fujisawa DS. Formação Acadêmica do Fisioterapeuta: A utilização de jogos e brincadeiras nos atendimentos de crianças. 2003, 194 p. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília.

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