Criança, corpo e escola: disciplina ou autonomia? Niños, cuerpo y escuela: ¿disciplina o autonomía? Children, body and school: discipline or autonomy? |
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*Escola EF e Faculdade de Educação **Escola de EF, Universidade Federal de Pelotas (Brasil) |
Dr. Márcio Xavier Bonorino Figueiredo* Dr. Luis Carlos Rigo** |
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Resumo Neste artigo fazemos uma reflexão sobre a corporeidade na escola, indagamos: Como a escola, através da educação sistemática, tem construído uma corporeidade (gestos, movimentos, ritmos, pensamentos, etc.)? Que corporeidade as crianças constroem e/ou expressam através de brincadeiras e jogos? Como a corporeidade construída e expressada nas brincadeiras e jogos das crianças poderá contribuir para a transformação da escola? Inspirando-nos na etnografia contemporânea (GEERTZ, 1989) e utilizando recursos oriundos das metodologias qualitativas, fomos registrando o cotidiano escolar a partir das marcas grafadas nas paredes, de documentos existentes na escola, de velhas fotografias e de conversamos com crianças de uma das 1ª série da escola. A análise dos registros empíricos mostrou que as experiências infantis veiculam valores e práticas que geralmente entram em conflito com as normas e com os padrões disciplinares da escolar. Unitermos: Corporeidade. Infâncias. Escola. Disciplina.
Resumen En este artículo reflexionamos corporeidad en la escuela, nos preguntamos: ¿Cómo la escuela, a través de la educación sistemática, ha construido una forma de realización (gestos, movimientos, ritmos, pensamientos, etc.)? ¿Qué corporeidad los niños construyen y/o expresan a través de los juegos? ¿Cómo la corporeidad construida y expresada en los juegos de los niños puede contribuir a la transformación de la escuela? Inspirándonos en la etnografía contemporánea (GEERTZ, 1989) y utilizando los recursos de las metodologías cualitativas, fuimos registrando el cotidiano escolar a partir de las marcas pintadas en las paredes, de documentos existentes en la escuela, fotografías antiguas y conversamos con los niños de uno de los primeros grados de la escuela. El análisis empírico de los registros mostró que las experiencias infantiles expresan los valores y prácticas que por lo general entran en conflicto con las normas y los estándares de la disciplina escolar. Palabras clave: Corporeidad. Niñez. Escuela. Disciplina.
Abstract In this article we reflect on the embodiment in school, we inquire: How does the school, through systematic education, has built an embodiment (gestures, movements, rhythms, thoughts, among others)? What kind of corporeality children construct and / or express through play and games? How the embodiment constructed and expressed in play and games of children may contribute to the transformation of school? Drawing on the ethnography contemporary (GEERTZ, 1989) and using resources from the qualitative methodologies, we were recording the school daily from brands spelled in the walls, from existing documents in school, old photographs and conversations with children of one of the first grade of school. The empirical analysis of records showed that the childhood experiences transmit values and practices that generally come into conflict with the standards and the protocols of school discipline. Keywords: Embodiment. Childhood. School. Discipline.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 148, Septiembre de 2010. http://www.efdeportes.com/ |
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Encontros com as “coisas” das crianças
Nosso propósito é dar voz ao corpo que a escola procura silenciar e, a partir de nossa escuta, apontar a possibilidade de uma educa-ação de liberdade.
Para isso, foi preciso um reencontro com as crianças no mundo das brincadeiras, jogos e desenhos a partir de nossas próprias experiências de guri - interrogamos: Quem de nós não brincou? Não criou seus próprios brinquedos e brincadeiras? Não participou de brincadeiras e jogos que possuíam a sua própria organização? Que significados e representações tinham esses momentos singulares? Que conhecimentos aí se desenvolviam? Como esses conhecimentos chegam à escola?
Nos dizeres de Figueiredo (2008), muitos dos brinquedos, brincadeiras e jogos que realizávamos quando crianças na zona rural se perderam; mas algumas lembranças ficaram porque foram experiências profundas. Os mais simples objetos se transformavam em brinquedos. Tinham como base os elementos predominantes da natureza - terra, água, animais, plantas. Os brinquedos e brincadeiras tinham origem nesses elementos maiores, ou a eles estavam relacionados. Os ossos de animais se transformavam em rebanhos de ovelhas, gado, tropas, boiadas, etc. Galhos secos, taquaras, capim se convertiam em cercas, mangueiras, galpões. As frutas verdes serviam de pelota para arremessos. Taquaras verdes cortadas entre dois nós e casca de laranja azeda ou fruta de cinamomo serviam de bala para as pistolas que daí surgiam para guerrear ou para acertar pássaros. Árvores com galhos horizontais e cordas davam um delicioso balanço. A terra e a água, um excelente barro para moldar mil e uma coisas. Ah! Duas varetas retas e finas, excelentes pernas-de-pau; muitas vezes até com dois degraus.
Antes de aprender a escrever em folha de papel, escrevíamos no chão, nas paredes, no barro, usando carvão, gravetos secos ou o próprio dedo, quando a terra era solta e macia. Brincando, realizávamos a leitura do mundo que Paulo Freire diz anteceder a leitura da palavra. Líamos o tempo, que poderia ser para a chuva, seca, frio, calor... Marcávamos as horas pelo sol e sombra. Conhecíamos quando as frutas estavam no ponto para serem colhidas e comidas. Fazíamos a leitura de nossa realidade concreta através dos conhecimentos cotidianos aprendidos.
Caminhos, descobertas, vivências dos tempos...
Neste artigo fazemos uma reflexão sobre a corporeidade na escola, indagamos: Como a escola, através da educação sistemática, tem construído uma corporeidade - gestos, movimentos, ritmos, pensamentos, etc.? Que corporeidade as crianças constroem e/ou expressam através de brincadeiras e jogos? Como a corporeidade construída e expressada nas brincadeiras e jogos das crianças poderá contribuir para a transformação da escola?
Inspirando-nos na etnografia contemporânea (GEERTZ, 1989) e utilizando recursos originários das metodologias qualitativas, fomos registrando o cotidiano escolar a partir das marcas grafadas nas paredes, de documentos existentes na escola, de velhas fotografias e de conversas com crianças de uma das 1ª série da escola. Além disso, observamos as aulas e propomos que fizessem desenhos de suas brincadeiras vividas dentro e fora da escola. Adentramos as ruelas da comunidade, fomos percebendo as manifestações dos corpos, suas expressões, seus olhares, seus jeitos, o mundo expresso por uma multiplicidade de expressões. Posteriormente, tecemos uma teia de relações com alguns autores para compreendermos a vida desse espaço.
Uma cena se destaca em um cartaz na parede com a Declaração dos Direitos das Crianças, onde se lê:
(...) os direitos enunciados nesta declaração serão reconhecidos a todas as crianças sem exceção alguma, nem distinção ou discriminação por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra índole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou outra condição seja ela própria da criança, seja de sua família (...). A criança deve ser protegida contra as práticas que possam fomentar a discriminação racial ou de qualquer índole (Anônimo).
Percebe-se uma grande distância entre o que está escrito nessa declaração e as práticas concretas desenvolvidas na escola. Fala-se em proteção contra qualquer prática discriminatória, mas as crianças são proibidas de movimentarem-se em determinados espaços, e não têm asseguradas as possibilidades de expressar e manifestar a própria corporeidade, os ritmos, os gestos, os movimentos, as brincadeiras e jogos. Outra cena que observamos nos ajuda a refletir sobre as manifestações nesse espaço:
Uma manhã estava muito fria, as crianças estavam com poucas roupas. Procuravam locais mais abrigados. O sinal já havia tocado há uns dez minutos e a professora ainda não havia chegado. Provavelmente, mais um dia sem aula. As crianças, no prédio da administração, estavam à procura de alguém que lhes explicasse a falta da professora. Antes que as crianças falassem, uma professora da secretaria perguntou: “O que vocês querem aqui?” Uma criança do grupo respondeu que estavam à espera da professora. Imediatamente, veio uma resposta curta e seca: “Esperem lá fora”. Como as crianças não reagiram, a professora, com ares de ofendida, insistiu “Será que vou ter que ensinar vocês?! Esperem lá fora” (Anônimo).
Além de episódios como esse, observa-se o espaço permitido às crianças: salas de aulas são identificadas por números, em contraposição à identificação das salas da administração, dos diversos setores, bem como a sala dos professores, que são nominalmente designados. Essa prática indica o quanto a organização do espaço escolar vai fazendo com que as crianças percam a sua própria identidade. Enquanto os professores são nomeados, os alunos, numerados. Os nomes são substituídos por apelidos que caricaturam os seus corpos, surgindo assim os rótulos: gordo, baixinho, girafa, negrão, tição, carvão, ferrugem, e outros nomes. Muitas são as crianças que perdem o nome e passam a ser conhecidas só pelo apelido.
Grafamos no diário de campo o que acontece no cotidiano de uma professora quando retorna do refeitório para a sala de aula, eis o que vimos:
... Ao chegar à porta da sala de aula, as crianças querem entrar todas ao mesmo tempo. A professora determina que façam duas filas: de um lado, os meninos; de outro, as meninas. Todas as crianças, com exceção de um menino, que é grande, obedecem à professora. Ele está bagunçando; ela repreende-o: “Olha o teu tamanho, não tem vergonha no meio dos pequenos?” Como castigo, ela lhe destina o último lugar na fila.
Mas o mais inquietante para o olhar do educador e da educadora curiosos é que ao lado da Declaração dos Direitos das Crianças há cartazes que determinam posturas e atitudes que as crianças devem seguir. Em alguns deles lemos expressões como:
As palavras “desculpe-me”, “por favor”, “obrigado”, “com licença” são tão lindas, que vou usar sempre. Que vergonha! Fui tão grosseiro na aula. É! Nós não vamos mais brigar, só brincar.
Vamos dar as mãos? Vamos ser amigos! (Anônimos).
Os cartazes procuram incutir nas crianças uma visão de mundo que elas não vivem no espaço escolar. O primeiro e o segundo dizem que devemos ser gentis e usar palavras de cortesia; no entanto, como vimos nos exemplos acima, os professores, não procedem dessa maneira: são grosseiros e até mesmo ofensivos nas relações com os alunos e alunas. Já o terceiro e o quarto cartazes procuram passar ideias de harmonia e amizade. Porém, cabe perguntar: Que harmonia é possível em um ambiente onde as crianças são constantemente impedidas de se expressar e manifestar? Que tipo de amizade pode ser construído entre professores, e alunos, se eles devem circular por espaços distintos?
A discriminação não se restringe ao controle do espaço. Também as chamadas normas disciplinares não são as mesmas para alunos, alunas e professores e professoras. Também as chamadas normas disciplinares são diferentes para alunos e professores. Exemplo disso é a norma estabelecida para o horário de chagada à escola. Há uma tolerância de 10 minutos de atraso após o início das aulas. Além desse prazo, os alunos e alunas só podem entrar em aula no segundo período e, assim mesmo, dependendo da licença por escrito da secretaria e da justificativa apresentada. A mesma regra não é válida para os professores e professoras que frequentemente se atrasam, sem passarem por nenhum tipo de sanção. Eis aqui uma pequena mostra dos desmandos vigentes em todos os níveis em nosso país, os quais são, em grande parte, originados pelos legisladores que não se submetem às leis por eles mesmos criadas.
Mas a pretensão de normatizar a vida das crianças na escola não para por aí. Os professores criam normas de como os alunos, devem agir nos espaços, já restritos, que lhes são destinados.
Quanto ao horário de recreio, as normas da escola determinam que: “Na escola os alunos poderão demonstrar apenas manifestações de afeto compatíveis com o ambiente, reservando as demais para os ambientes apropriados” é o que estava escrito num cartaz já desbotado pelo tempo e carcomido pelas intempéries.
E mais adiante está expresso que:
Na hora do recreio os alunos devem brincar, conversar, lanchar, rir, alegrarem-se, evitando empurrões, brincadeiras perigosas, principalmente perto do prédio antigo que está muito perigoso. É proibido sair das imediações da escola na hora do recreio, sem autorização da professora coordenadora de turno (Anônimo).
As “regras” nas brincadeiras e nos jogos também estão regulamentadas. O exemplo, que consta no Regimento da Escola estabelece que: “Os jogos de bola são permitidos apenas na cancha da escola - fora do horário das aulas de Educação Física. Em outros locais, o professor de Educação Física será o responsável, com a turma, pelos possíveis danos”.
Observa-se que há uma preocupação em determinar, controlar a corporeidade das crianças através da normatização dos movimentos e dos ritmos.
Apesar disso, o pátio é vivido pelas crianças como um espaço de liberdades, visto que, na sala de aula elas permanecem grande parte do tempo presas às cadeiras, imobilizadas, à espera da ordem do professor, para levantarem-se, falarem, escreverem e, enfim, manifestarem-se dentro das normas permitidas.
Esses fatos, longe estão da harmonia idealizada pelos autores daqueles cartazes que vimos na parede quando entramos na escola. Talvez eles possam dizer algo sobre o porquê de professores, e alunos dirigirem-se lentamente para as salas de aula, deixando a impressão de que estão retardando ao máximo a sua chegada, enquanto que, ao final do turno de trabalho, seus corpos se movem com rapidez e desembaraço. Quando soa o último sinal, muitos já deixaram a escola.
É uma sexta-feira, fim de tarde... Todos saem tão depressa que não percebem o cartaz amarelado pelo tempo, onde se lê uma frase de Paulo Freire retirada do livro Pedagogia do Oprimido:
O educador já não é apenas o que educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogos com o educando, também educa. Ambos, assim se tomam sujeitos aos processos em que crescem juntos, em que os argumentos da autoridade já não valem. Em que, para ser-se, fundamentalmente, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas.
Os portões da escola se fecham com cadeados que só reabrirão na segunda-feira, quando reiniciam as aulas. Os espaços da escola, a quadra esportiva, que é a única na vila, permanece inacessível à comunidade.
Desnecessário seria dizer que uma educação transformadora não se faz só com palavras, mas também com ações concretas e articuladas com compromisso político com aqueles que compõem a comunidade.
Fechando as cortinas
Como observamos nessa escola no seu dia-a-dia, verificamos que tanto no pátio, lugar de relativa liberdade, quanto na sala de aula, onde o controle disciplinar é evidente, apesar das aparentes mudanças, o corpo das crianças vai sendo modelado para atender ao toque da sineta, para ser apenas um número entre muitos outros, para não expressar sentimentos e emoções, para responder com cortesia mesmo quando se sentir ofendido, para seguir normas que não são válidas para todos, etc.
Diante dessas constatações o mais preocupante é que muitas vezes os educadores, não percebem em suas ações pedagógicas como sua própria criatividade vai sendo paulatinamente cerceada, seu corpo, movimentos, ritmos se tornam desfigurados, silenciados, normatizados. Talvez devamos lembrar Foucault (1989) que fala dos “esquadrinhados” dos corpos, vividos a nosso ver também pelos educadores e educadoras. Com esse panorama, perguntamos: o que fica para as crianças?
Assim como Freitas (1989), observamos nesse espaço vários mecanismos do controle disciplinar analisados por Foucault (1984): a divisão do tempo, o quadriculamento do espaço, a distribuição dos corpos em fila, a constante vigilância, as sanções normatizadoras.
A organização da sala de aula foi aparentemente modificada, passando das filas de carteiras a classes aglutinadas, de tal forma que, sentando-se em círculo, as crianças se dispõem como se trabalhassem em grupo. No entanto, a idéia de que algo mudou não resiste além da primeira impressão, pois as relações sociais estabelecidas na sala de aula não se alteraram em sua essência. Cada aluno possui um lugar e um grupo fixos, determinados pela professora. Os critérios de disposição das crianças prolongam as discriminações existentes em nossa sociedade: as brancas separadas das pretas; as crianças do morro não andam com as da vila. Embora as crianças estejam divididas especialmente em grupos, o trabalho coletivo não existe. Até mesmo a ajuda mútua entre as crianças não é permitida, como fica evidenciado na advertência da professora: “Cuida do teu nariz, senão ele cresce”.
Quando as crianças saem dos seus lugares, a professora, às vezes de maneira sutil, outras veemente, chama a atenção para que elas permaneçam sentadas. Uma das formas de controle observadas num episódio: Uma criança está caminhando pela sala. A professora pergunta elevando a voz: “Já fizeste o tema?!” Se a criança responder que fez, ela então diz: “Me traz aqui para eu ver”. Se responder que não, ela diz: “Então senta para fazer”.
A mesa da professora está em uma posição espacial, de tal forma que, através de um único olhar, ela possa manter o controle de todas as crianças. Este é o olhar do aparelho disciplinar, descrito por Foulcault (1984, p. 156) que diz: “(...) olho perfeito a que nada escapa e centro aos quais todos os olhares convergem”.
Outra expressão, também muito usada pela professora para controlar a espontaneidade das crianças, é: “Agora não, só depois”. O depois, geralmente, não acontece, porque não há tempo. O presente é sempre jogado para o futuro. A prioridade é sempre dada às tarefas escolares, e aquilo que as crianças querem realizar é permanentemente postergado: “Gente! Olhem aqui! Primeiro façam o tema para depois conversar”.
Mas quais seriam os genuínos desejos das crianças? As crianças, na sala de aula, enquanto realizam as tarefas escolares, falam de seu cotidiano, de suas brincadeiras. Poucas vezes se referem ao que estão fazendo; pelo contrário, geralmente, contam o que fizeram no dia anterior ou planejam o que farão após saírem da escola. O brincar está no centro de seus desejos. Sempre que podem, transformam uma situação da sala de aula em brincadeira. Nas sacolas e nos bolsos carregam pequenos brinquedos... Além disso, elas criam comportamentos de resistência ao controle da professora. Um deles é pedir para ir ao banheiro ainda que sob reclamos dela: “Por que não foram antes?” É lógico que as crianças querem se levantar, caminhar, brincar. Quando saem da sala de aula eles ficam brincando de escorregar no corrimão da escada. Em outras palavras, podemos dizer que o brincar é a atividade que, para a criança, tem significação, a tal ponto que um menino chegou a dizer: “Na escola fico sem fazê nada, só escrevo. Para ser melhor teria que escrever e brincar de escrever em aula, depois eu ia para o recreio” (Anônimo).
Assim, o ato de escrever está tão distante de seu mundo infantil que equivale a nada fazer. Com isso não estamos querendo dizer que a escola não deva ensinar as crianças a escrever e deixá-las em seu mundo do faz-de-conta. O que estranhamos - e nos perguntamos por que - é a forma como a escola introduz as tarefas escolares na vida das crianças. Nas salas de aula, a brincadeira não entra; é o lugar das coisas sérias. No que diz respeito especialmente à escrita, vemos a criança, quando fora da escola, rabiscando no papel, riscando o chão com gravetos, pedras, etc. - riscos e rabiscos cheios de significados; na sala em que são propostos exercícios mecânicos e repetitivos de traçar sobre linhas pontilhadas que não lhe dizem nada. São os chamados exercícios preparatórios. Mas preparatórios para quê? Certamente não é para aprender a ler e escrever, sobretudo tendo em vista as páginas e páginas escritas por diversos autores a respeito do assunto, onde afirmam que não é o treinamento de habilidades que levam as crianças a assimilarem esse objeto social, que é a língua escrita.
O registro e a análise sistemática das brincadeiras, jogos e desenhos das crianças na escola nos mostravam que estes veiculam valores e experiências opostos aos das práticas escolares.
Possibilitar um processo educativo que gere contradições na busca de conscientização de todos os participantes terá que ser um princípio a ser buscado pelos educadores nas escolas. Neste caso, já não há lugar para os conhecimentos em forma de pacotes, onde o poder de decisão fica centrado no professor, sendo as crianças seres passivos que executam ordens, onde as regras, técnicas, táticas, organização e outros materiais vêm todos elaborados. Às crianças resta como alternativa, jogar, brincar, desenhar, obedecendo às determinações do professor, da professora conforme as exigências por ele, professor conforme as exigências por estes julgadas pertinentes. Neste processo a ser instaurado, o professor, terá que possuir a sensibilidade para estar atento o professor terá que possuir a sensibilidade para estarem atentos às iniciativas das crianças e, sempre que possível, desenvolver ações que possibilitem que elas tenham uma multiplicidade de conhecimentos que permitam um viver digno. Terá que facilitar as discussões, fazer perguntas, fornecer pistas que ajudem no encaminhamento de soluções para os problemas surgidos, mas sempre, como propõe João Batista Freire (1989), o ponto de partida deve ser o conhecimento das crianças. A nosso ver, deve-se partir da cultura das infâncias, para fazer uma re-leitura frente às transformações que a escola e a sociedade devem acompanhar, de outros tempos, outros saberes necessários à compreensão da vida.
Porém, para partir do conhecimento das crianças, o professor deverá transformar a sua relação com as crianças e com o conhecimento; já não mais será o detentor de um saber pronto e acabado, mas deverá estar atento à multiplicidade de conhecimentos que circulam no cotidiano das crianças e que precisam adentrar os espaços das escolas, romper com as “cercas” que separam os conhecimentos, romper com a dicotomia corpo-mente. / Porém, para partir do conhecimento das crianças, os professores deverão transformar suas relações com as crianças e com o conhecimento; já não mais serão detentores de um saber pronto e acabado, mas deverão estar atentos à multiplicidade de conhecimento que circulam no cotidiano das crianças e que precisam adentrar os espaços das escolas, romper com as “cercas” que separam os conhecimentos, romper com a dicotomia corpo-mente.
Referências
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1984.
FIGUEIREDO, M. X. B. A corporeidade na escola: análise de brincadeiras, jogos e desenhos. 5ª ed. Pelotas: Editora da UFPel, 2008.
FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro. São Paulo: Scipione, 1989.
FREIRE, P. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 35 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
FREITAS, L. B. L. A produção de ignorância na escola. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1992.d
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1989.
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Digital · Año 15 · N° 148 | Buenos Aires,
Septiembre de 2010 |