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Avaliação do nível de desenvolvimento moral de 

adolescentes frente a dilemas da vida diária e esportiva

Evaluación del nivel de desarrollo moral de adolescentes frente a los dilemas de la vida diaria y deportiva

 

*Especialista em Metodologia do Ensino dos Esportes (ESEF – UFRGS)

**Mestre em Ciências do Movimento Humano (ESEF- UFRGS)

***Mestrando em Ciências do Movimento Humano (ESEF – UFRGS)

(Brasil)

Claiton Henrique Lenz*

Eraldo dos Santos Pinheiro**

Rafael Abeche Generosi***

claitonlenz@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste estudo foi descrever como ocorre o desenvolvimento moral, para dilemas da vida diária e para dilemas da vida esportiva, de adolescentes praticantes e não praticantes de esportes. Utilizou-se a classificação de estágios de desenvolvimento moral de Kohlberg. A amostra foi composta por 50 alunos com idades entre 13 e 15 anos. Como resultado, observou-se que o grupo de praticantes encontra-se, em sua maioria, nos estágios 2 (42%) e 3 (26%) no dilema de vida diária. Já, no dilema de vida esportiva encontram-se distribuídos nos estágios 2 (46,67%), 3 (25,33%) e 4 (20,57%). A freqüência de ocorrência no grupo de não praticantes se encontra prioritariamente nos estágios 2 (42%) e 3 (28%) para o dilema de vida diária e nos estágios 2 (44,67%), 3 (28%) e 4 (24,67%) para o dilema de vida esportiva. Pudemos observar que os praticantes e não praticantes distribuem-se de forma semelhante, nos estágios de desenvolvimento moral, tanto para o dilema de vida diária quanto para o dilema de vida esportiva.

          Unitermos: Desenvolvimento moral. Esporte. Adolescentes.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 148, Septiembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Os programas de incentivo ao esporte para crianças e jovens como o Programa Segundo Tempo desenvolvido pelo Governo Federal e Ministério do Esporte (APARECIDO et al., 2008); e Educação pelo Esporte do Instituto Airton Senna (HASSEMPFLUG, 2004), citando alguns deles; abordam como prioridade o desenvolvimento de valores e princípios morais e éticos através do esporte. Isso se observa também em programas de menor abrangência como os programas propostos pelas prefeituras, escolas ou clubes. Pesquisas demonstram que entre a população a idéia de que o esporte contribui de forma positiva para o desenvolvimento de crianças e jovens também é bastante aceito (CCES, 2002).

    Para (ADELINO et. al., 2002 e BUCETA, 2000) os valores sociais relacionados à vivência esportiva são: comprometimento; perseverança; responsabilidades pessoais com o grupo; trabalho em equipe; respeito às regras; respeito aos outros e aprender a competir. Entretanto, compreender de que maneira o esporte contribui para a formação destes valores é de fundamental importância, entendendo que não é somente através do seu regramento que ele irá desenvolver estas características nos praticantes. Isto envolve todo o contexto que inclui além das regras e das ações sociais envolvidas; os professores, colegas, adversários, árbitros e etc.

    Neste sentido, alguns exemplos de valores no esporte são apresentados por DACOSTA (2007):

  • Respeitar as diferenças, respeitar regras e decisões dos árbitros;

  • Aceitar seu limite e o do outro;

  • Considerar as necessidades dos outros;

  • Assumir papéis e tomar decisões;

  • Encontrar respostas nos momentos difíceis;

  • Sentir orgulho de representar o time;

  • Trabalhar em grupo;

  • Aprender o que é vencer e o que é perder.

    Já, Bredemeier e Shields (1987) sugerem que a experiência esportiva só é efetiva para promover moralmente o indivíduo se apresenta três situações:

  • Ser interpessoal: relacionar-se com outras pessoas, como colegas de equipe, adversários, treinador, árbitros, torcida, etc.;

  • Ser interdependente: uma equipe precisa da outra para o jogo prosseguir, um atleta precisa dos companheiros de equipe para jogar, etc.;

  • Oportunizar diálogo e negociação: as relações interpessoais e interdependentes não têm sentido se não for possibilitado o diálogo, reflexão, discussão e negociação sobre as questões que surgem destas demandas.

    Alguns exemplos de situações que propiciam momentos de reflexão sobre os valores morais no esporte são apresentados também por DACOSTA (2007):

  • O diálogo sobre as experiências com o grupo, com os amigos e com a família;

  • O auto-diálogo;

  • Os diálogos entre os indivíduos do grupo;

  • Interação entre técnico e atleta.

    Para analisar como ocorre o desenvolvimento moral dos indivíduos alguns autores encontram na teoria de desenvolvimento moral de Piaget (1932) e Kohlberg (1981) a base para os seus estudos. Segundo estes autores o desenvolvimento moral pelo qual uma pessoa passa é invariante e universal, ou seja, qualquer indivíduo, das mais diferentes populações, se desenvolvem através de uma mesma seqüência de estágios e na mesma ordem, mesmo que não atinjam os estágios mais elevados.

    Segundo Kohlberg (1981), existem três níveis de desenvolvimento moral com dois estágios dentro de cada nível, totalizando seis estágios e sendo o último o mais elevado. Para Kohlberg a pré-adolescência seria um período crítico para o desenvolvimento moral. Isto pode ser observado também em Papalia e Olds (1981) segundo os quais os adolescentes somente atingem níveis mais avançados de desenvolvimento moral depois que atingem determinado estágio de abstração das operações formais, ou seja, se desenvolvem cognitivamente.

    Para medir os estágios de desenvolvimento moral, Kohlberg propõe modelos de avaliação através de dilemas morais, onde os entrevistados atribuem graus máximos de importância para determinadas respostas frente aos dilemas expostos. De acordo com as respostas o indivíduo é classificado dentro de um estágio de desenvolvimento moral. Kohlberg (1981) propõe esta avaliação para dilemas da vida diária; já Romance (1984) apud Vieira (1993) e Bredemeier e Shields (1987) adaptaram esta avaliação para os dilemas da vida esportiva, possibilitando avaliar o nível de desenvolvimento moral através de dilemas esportivos.

    No Brasil, existe uma escassez de estudos investigando o nível de desenvolvimento moral de crianças e jovens, principalmente aqueles que participam de programas esportivos. Estes estudos são de grande importância tendo em vista que podem possibilitar um avanço no conhecimento científico em relação a como ocorre o desenvolvimento moral das crianças e adolescentes nos mais diferentes âmbitos desportivos; ampliando esta questão também para as crianças e adolescentes que não tem nenhuma pratica desportiva fora do ambiente escolar.

    Neste sentido, este estudo propõe como objetivo descrever a frequência de ocorrência de crianças e adolescentes praticantes e não praticantes de esportes, nos estágios de desenvolvimento moral de Kohlberg avaliado pelas propostas dos dilemas da vida diária de Kohlber e da vida esportiva de Romance e Bredemeier e Shields.

Metodologia

Sujeitos

    Os sujeitos deste estudo, escolhidos de forma intencional, são alunos de 7ª e 8ª séries da Rede Municipal de Ensino de Lajeado (RS). As escolas que eles estudam possuem um projeto social de prática esportiva no contra-turno escolar oferecida pela Prefeitura. Os sujeitos portanto foram divididos em dois grupos. O grupo de alunos que participam destas atividades desportivas no contra-turno escolar oferecidas pela Prefeitura e que serão caracterizados como alunos participantes de prática desportiva. Este grupo foi formado por 25 alunos. Outro grupo formado por alunos que não estão engajados nestas práticas desportivas mencionadas será caracterizado como o grupo de alunos não participante de práticas desportivas e também foi formado por 25 alunos. A faixa etária dos alunos de ambos os grupos (praticantes e não praticantes) é de 13 a 15 anos.

Procedimentos metodológicos

    O problema de pesquisa que resultou no nosso objetivo de estudo foi: qual a freqüência de ocorrência nos estágios de desenvolvimento moral dos adolescentes escolares que praticam atividades esportivas regulares e dos adolescentes que não tem a mesma prática desportiva? Este estudo caracteriza-se como descritivo exploratório e tem como instrumento de medida os dilemas de moralidade da vida diária e os dilemas de moralidade da vida esportiva. Um terceiro instrumento foi utilizado para coletar informações de controle interno da pesquisa como: sexo, idade, série de estudo e tempo de prática esportiva.

    Os dilemas morais da vida diária utilizados foram propostos por Kohlberg e validados para a população brasileira por Biagio e Barreto (1991). Os dilemas morais da vida esportiva foram propostos por Romance (1984) apud Vieira (1993) e Bredemeier e Shields (1987); e foram validados para a população brasileira por Vieira (1993).

    Para a análise das freqüências das respostas para os dilemas morais nos questionário usamos o referencial da teoria de desenvolvimento moral de Kohlberg (1981). As respostas foram analisadas de acordo com os estágios propostos pelo autor, sendo:

  • Estágio 1: Orientação para a punição e a obediência;

  • Estágio 2: Hedonismo instrumental relativista;

  • Estágio 3: Moralidade do bom garoto, de aprovação social e relações interpessoais;

  • Estágio 4: Orientação para a lei e a ordem;

  • Estágio 5: A orientação para o contrato social;

  • Estágio 6: Princípios universais de consciência.

    Após a classificação das respostas de acordo com os estágios foram analisados os percentuais de freqüência de ocorrência dos sujeitos nas classificações atribuídas pelos dilemas da vida diária e vida esportiva. Os dados foram tabulados e tratados no programa Microsoft Office Excel 2003 onde também foram gerados os respectivos gráficos.

Resultados

    Como resultados apresentamos as figuras que retratam as freqüências de ocorrências dos sujeitos de acordo com o seu estágio de desenvolvimento moral, no grupo de praticantes e não praticantes, nos dilemas morais da vida esportiva e da vida diária. A Figura 01 apresenta as freqüências nos estágios de desenvolvimento moral dos praticantes, nos dilemas de vida esportiva e vida diária. Pode-se observar que os praticantes encontram-se, em sua maioria, nos estágios 2 e 3 e alguns nos estágios 4 e 5 no dilema de vida diária, sendo 42,00% no estágio 2. Já no dilema de vida esportiva encontram-se nos níveis 2 e 3, sendo 46,67% no estágio 2 e 25,33% no estágio 3.

Figura 01. Freqüência de Ocorrência apresentada pelos praticantes em cada um dos estágios para o dilema de Vida Diária (VD) e dilema de Vida Esportiva (VE).

    A Figura 02 apresenta as freqüências nos estágios de desenvolvimento moral dos não praticantes, nos dilemas da vida esportiva e da vida diária. Observa-se que a maior freqüência dos não praticantes ocorre nos estágios 2 e 3 para os dilemas da vida diária, sendo 42% no estágio 2. Para o dilema da vida esportiva a freqüência maior ocorre também nos estágios 2 e 3 com 44,67% no estágio 2.

Figura 02. Freqüência de Ocorrência apresentada pelos não praticantes em cada um dos estágios para o dilema de Vida Diária (VD) e dilema de Vida Esportiva (VE)

    Na Figura 03 apresentamos as freqüências nos estágios de desenvolvimento moral dos praticantes e dos não praticantes, apenas para os dilemas da vida diária. Nesta figura pode-se observar a semelhança na distribuição da freqüência de ocorrência em todos os estágios, para os dois grupos.

Figura 03. Freqüências de ocorrências apresentadas pelos praticantes e não praticantes em cada um dos estágios para o dilema de Vida Diária (VD)

    Na Figura 04 apresentamos as freqüências nos estágios de desenvolvimento moral dos praticantes e dos não praticantes, apenas para os dilemas da vida esportiva. Nesta figura pode-se observar, assim como na figura 3, a semelhança na distribuição da freqüência de ocorrência em todos os estágios, para os dois grupos.

Figura 04. Freqüências de ocorrências apresentadas pelos praticantes e não praticantes em cada um dos estágios para o dilema de Vida Esportiva (VE)

Discussão

    Com base nos resultados apresentados podemos observar que o grupo de alunos praticantes de atividades desportivas e o grupo de alunos não praticantes encontram-se distribuídos de maneira semelhante nos estágios de desenvolvimento moral tanto para o dilema da vida diária quanto para o dilema da vida esportiva. Para os dois dilemas ambos os grupos apresentaram um maior percentual de freqüência de ocorrência no estágio 2. O estágio 2 refere-se ao estágio de raciocínio egocêntrico e voltado para si próprio. O segundo maior percentual de freqüência de ocorrência, para ambos os grupos, deu-se no estágio 3. O estágio 3 representa o estágio onde o raciocínio esta voltado aos “outros” que constituem o ambiente social do indivíduo como por exemplo: a família, o grupo de amigos, os colegas, o professor, o técnico ou alguém significante.

    Quando comparamos estes resultados encontrados em nosso estudo com as pesquisas sobre desenvolvimento moral de Kohlberg (BIAGIO, 2002) percebemos que uma grande parcela dos indivíduos por nós estudados encontram-se abaixo do nível de desenvolvimento moral esperado para a sua idade; porque aqueles indivíduos com idades entre 13 e 15 anos deveriam encontrar-se entre os estágios 3 e 4 de desenvolvimento moral. A teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg (1981) pode nos apontar alguns caminhos para o entendimento desta realidade encontrada em nossa população estudada. Segundo Kohlberg, para que ocorra o desenvolvimento moral da criança e do adolescente são essenciais durante os processos de aprendizado seja na escola ou no ambiente extra escolar, que o aluno assuma papéis diversos em uma prática como assumir diferentes tomadas de decisões perante uma determinada situação ocorrida. Ainda, são necessárias diferentes formas de intervenção com o objetivo de desenvolver estes estágios morais. Para isso, os diálogos sobre as questões de ética e moral são fundamentais, inclusive dentro do âmbito esportivo.

    Em outro estudo realizado por HALL apud VIEIRA (1993), encontraram-se resultados similares ao do presente estudo. Contudo, segundo o autor como os programas esportivos deveriam oportunizar vivências sobre as demandas provenientes do esporte, como os diálogos sobre as experiências com o grupo, o auto-diálogo, os diálogos entre os indivíduos do grupo e a interação entre técnico e atleta; os resultados deveriam estar “a favor” daqueles indivíduos que tem engajamento em alguma prática desportiva.

    Nos estudos de VIEIRA (1993), assim como no nosso estudo, houveram também semelhanças no nível de desenvolvimento moral dos praticantes de atividades desportivas para ambos os dilemas da vida diária e da vida esportiva. Contudo, diferentemente do que ocorreu no nosso estudo, o autor observou uma divergência para os não praticantes entre os dilemas morais, que apresentaram menores freqüências de ocorrências nos estágios mais avançados em relação aos dilemas da vida esportiva, que apresentaram percentuais mais elevados de ocorrência nos estágios mais avançados para os dilemas. Quando comparados os dois grupos os praticantes apresentaram um desenvolvimento moral maior no dilema de vida esportiva do que para os dilemas da vida diária. Para VIEIRA (1993), esta diferença pode ter ocorrido devido à maneira como são caracterizados os códigos de normas, regras e disciplinas nos programas esportivos que foram realizados pelos indivíduos da sua amostra.

    Gostaríamos de ressalvar que as diferentes maneiras como os indivíduos são tratados pelos treinadores e professores, bem como os métodos de ensino deles; as experiências de conflito cognitivo e moral dos praticantes e dos não praticantes de atividades desportivas; os diferentes aspectos culturais e sociais, podem ser consideradas variáveis intervenientes deste estudo, gerando certa limitação nas análises.

Conclusões

    De acordo com os resultados observados tiramos como conclusão que o grupo de adolescentes praticantes de atividades esportivas e o grupo dos não praticantes distribuiram-se de forma semelhante nos seis estágios de desenvolvimento moral proposto por Kohlberg, tanto para os dilemas da vida esportiva quanto os dilemas da vida diária. Outra conclusão é que a maior ocorrência de sujeitos praticantes e não praticantes, tanto para os dilemas da vida diária quanto da vida esportiva, deu-se no estágio 2. Sugerimos a realização de novos estudos que analisem a ocorrência de crianças e adolescentes nos estágios de desenvolvimento moral, possibilitando a compreensão de como ocorre o desenvolvimento moral da criança e do adolescente, nos mais variados ambientes que elas freqüentam como as escolas, os clubes desportivos, os projetos sociais de incentivo ao esporte, os programas de treinamento físico.

Referências bibliográficas

  • ADELINO, J. et. al. Desporto Juvenil – Pressupostos para uma prática com sucesso. Lisboa: Centro de Estudos e Formação Desportiva, 2002.

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  • BIAGGIO, A. M. B. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São Paulo: Moderna, 2002.

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  • CANADIAN CENTER FOR ETHICS IN SPORT. 2002 Canadian Public Opinion Survey on Youth and Sport. Ottawa: CCES, 2002.

  • DACOSTA, L. et. al. Manual valores do Esporte - SESI: Fundamentos. SESI. Departamento Nacional. Brasília: SESI/DN, 2007.

  • HASSENPFLUG, W. N. Educação pelo Esporte - Educação para o Desenvolvimento Humano pelo Esporte. Instituto Airton Senna. Saraiva, 2004.

  • KOHLBERG, L. Essays on moral development. V. I: The philosophy of moral development. New York: Harper and Row, 1981.

  • PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W. O Mundo da Criança: da Infância à Adolescência. São Paulo: McGraw-Hill, 1981.

  • PIAGET, J. O Juízo Moral na criança. São Paulo: Summus, 1932.

  • VIEIRA, J. L. L. Avaliação do Desenvolvimento Moral de Adolescentes em Relação a Dilemas Morais da Vida Diária e da Prática Desportiva. Dissertação de Mestrado, UFSM, Santa Maria, 1993.

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