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A inclusão escolar de crianças com limitações por 

deficiência: políticas e discursos na sociedade contemporânea

La inclusión escolar de niños con limitaciones por discapacidad: políticas y discursos en la sociedad contemporánea

 

Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana - UERJ/RJ

Mestre em Educação Física – UNICAMP/SP

Integrante do grupo de pesquisa, estudos e trabalho

em historia do corpo em Goiânia - FEF/UFG

Cristina Borges de Oliveira

cb811@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este texto aborda a temática infância no Brasil enfocando as políticas públicas de atendimento educacional a infância, e a criança com limitações por deficiência, em particular. Neste contexto discorre sobre as concepções e representações sociais de infância e de criança com deficiência apontando a construção social da deficiência como anormalidade, incompetência, incapacidade.

          Unitermos: Infância no Brasil. Criança com deficiência. Política educacional inclusiva.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 148, Septiembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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    A divisão constante do normal e do anormal, a que todo indivíduo é submetido, leva até nós, e aplicando-os a objetos totalmente diversos, a marcação binária e o exílio dos leprosos; a existência de todo um conjunto de técnicas e de instituições que assumem como tarefa medir, controlar e corrigir os anormais faz funcionar os dispositivos disciplinares que o medo da peste chamava. Todos os mecanismos de poder que, ainda em nossos dias, são dispostos em torno do anormal, para marcá-lo como para modificá-lo, compõem essas duas formas que longinquamente derivam. (FOUCAULT, 2000: 165)

    Neste estudo o foco de análise, privilegia em particular as crianças com limitações por deficiência, e justifica-se pela consideração das dificuldades históricas de inserção sócio-educacional desses sujeitos, em geral, segregados em salas e escolas especialmente construídas para seu atendimento. Embora a perspectiva que ancore a inclusão seja ampla abrangendo, em tese, todos aqueles indivíduos que são historicamente excluídos dos processos sociais como, por exemplo: mulheres, negros, povos indígenas, homossexuais, pessoas com diferenças significativas, doenças degenerativas, entre outros grupos.

    Na sociedade contemporânea os sujeitos que possuem limitações por deficiência têm a seu favor uma legislação de amparo e regulação e a possibilidade, posta na letra da lei, de estudar em espaços pedagógicos regulares, de conviver e aprender com estudantes considerados ‘normais’.

    Nos últimos anos, é fato, os inúmeros apelos, de diferentes ordens, pela inclusão dessas crianças no sistema regular de ensino, em salas regulares. Assim, novas idéias e intenções atingem a educação brasileira, particularmente, os setores ligados a educação especial e a nova versão politicamente correta - educação inclusiva.

    Ainda há muito a ser discutido e esclarecido a respeito das diferentes conotações que a perspectiva da inclusão social pode assumir em distintos cenários. Problemática histórica, a educação institucional do grupo em tela, nos últimos 50 anos, apesar de avanços significativos, ainda não chega a ser uma inclusão sócio-educacional real. O que quer dizer que tais pessoas não são pensadas na sua dimensão cidadã, como detentoras de direitos sociais bem como de participação política, acesso aos bens culturais sejam eles simbólicos, sejam instrumentais e acessibilidade aos espaços construídos públicos e privados de utilização pública.

    Um importante ponto para reflexão é a forma como têm se constituído as atuais políticas públicas educacionais brasileiras, a partir de uma extensa reforma em vários níveis e instâncias do Estado, seguindo as orientações dos organismos financeiros internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Na reforma educacional encontram-se esboçados os princípios norteadores de uma educação que se pretende para todos, e na qual as crianças com necessidades educativas especiais deverão ser incluídas na educação regular, desde, o primeiro nível de escolarização, ou seja, desde a creche e a pré-escola. No Brasil a inclusão educacional é decretada por lei, na esteira de documentos e propostas internacionais que proclamam uma Educação Para Todos.

    A referência às necessidades educativas especiais, acompanhando tendência internacional que se fortalece principalmente com a Declaração de Salamanca de 1994, merece maior atenção a fim de confrontar as leituras e discutir implicações de uma eventual revisão das próprias noções de aluno e educação especiais. É o desafio de conhecimento e práticas desenvolvidos nos espaços identificados com a educação especial, integrar, contribuindo para a educação geral, sem criar novos espaços para acomodar mais uma vez procedimentos de segregação em nome da necessidade de um ensino especializado e, de outra parte, sem reduzir a problemática da deficiência à dimensão do ensino. (FERREIRA, 1998:03)

    A Conferência Mundial sobre Educação Para Todos realizada na Tailândia em 1990 pode ser considerada, à primeira vista, o marco definidor das ações e políticas públicas mundiais que tomam como ponto de partida o direito de toda pessoa à educação. Contudo o que orienta essa estrutura inclusiva encontra-se anunciado na Declaração de Salamanca (1994:04) sob a forma de principio

    (as) escolas deveriam acomodar todas as crianças independente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas, étnicas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e super dotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minoria lingüísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos de desvantajados e marginalizados.

    Uma discussão ampla sobre a inclusão não pode deixar de reconhecer que a mesma não se constitui, essencialmente, em uma novidade uma vez que os princípios norteadores de uma educação inclusiva já estão delineados, pelo menos desde 1948, com a aprovação das grandes legendas da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desde então, conforme relatam alguns autores - Staimback & Staimback (1999); Batista (2000); Santos (1997) entre outros - em distintos países capitalistas foram desenvolvidas diferentes estratégias de inclusão educacional. As buscas e tentativas pela construção de um sistema escolar inclusivo existem, nos EUA e em alguns países da Europa, desde a década de 1970. Nesses países as experiências de inclusão de estudantes com limitações por deficiência em salas e escolas regulares permitem uma melhor compreensão de alguns pressupostos e princípios necessários às possibilidades inclusivas.

    Na América do Norte já foram desenvolvidas várias experiências que possibilitam discutir as razões da educação inclusiva quanto aos benefícios para os estudantes, os docentes, e para a sociedade, delineando estratégias objetivas para a concretização da inclusão de todos. Tais experiências apontam a existência de três componentes práticos interdependentes na educação inclusiva que, não limitados às questões do ensino, indicam a importância do trabalho integrado dos aspectos administrativos, interdisciplinares e pedagógicos. Desta forma, a perspectiva da inclusão sócio-educacional não é sustentada apenas e tão somente pelo trabalho docente nas salas de aula, mas envolvem tanto uma ampla rede de equipes e pessoas da instituição escolar quanto todos os estudantes.

    O primeiro deles é a rede de apoio, o componente organizacional, que envolvem a coordenação de equipes e de indivíduos que apóiam uns aos outros através de conexões formais e informais [...] O segundo componente é a consulta cooperativa e o trabalho em equipe, o componente do procedimento, que envolve indivíduos de várias especialidades trabalhando juntos para planejar e implementar programas para diferentes alunos em ambientes integrados.O terceiro componente é a aprendizagem cooperativa, o componente do ensino que está relacionado à criação de uma atmosfera de aprendizagem em sala de aula em que alunos com vários interesses e habilidades podem atingir o seu potencial. (STAINBACK e STAINBACK 1999: 21) grifos nossos

    Em se tratando de proposições políticas que abarquem a educação pública inclusiva, no Brasil, vê-se a olhos nus, uma inegável influência norte-americana e, agregado a tal, os perigos existentes na adoção desse modelo educacional. Estar atento a tais perigos pode provocar nos indivíduos envolvidos a percepção do movimento histórico e da dialética existente entre as categorias inclusão e exclusão. Nesse sentido, é interessante pensar nos índices crescentes de exclusão que se delineiam na sociedade norte-americana com relação aos árabes, aos descendentes de latinos americanos, afro-americanos, a diferentes culturas étnicas, sobre quem, não por acaso, pesam o fracasso escolar.

    A reflexão de algumas categorias dialéticas como contradição, movimento e historicidade, estimula a descoberta de novos rumos em direção ao desmascaramento do preconceito que imobiliza ações políticas e educacionais afirmativas. Deste mote, reconhecer experiências mais avançadas, referentes à inclusão, pode ser uma possibilidade de se construir novos conceitos que se contraponham à lógica excludente e funcionalista presente nas propostas de inclusão social. Como também, pode ampliar o leque de conhecimento que fundamentando o papel social do professor/pesquisador, permite a ele encontrar/construir proposições que oportunize, aos estudantes, a compreensão da riqueza presente na diversidade humana.

    A realidade européia apresenta-se variável e complexa, não apenas no âmbito educacional sendo que a educação inclusiva não se encontra no mesmo patamar em todos os países. Por isso, este estudo objetiva exemplificar algumas estratégias desenvolvidas no eixo França/Itália para efetivar a integração/inclusão do aluno com deficiência, com o intuito de contribuir para esta reflexão, e apresentar alguns aspectos da pedagogia inclusiva desenvolvida nestes países, a saber: a contextualização, as bases teóricas que dão suporte ao projeto educacional inclusivo, a prática pedagógica e os efeitos e mudanças decorrentes ou que podem evoluir a partir de tais pressupostos.

    No contexto europeu são priorizadas as situações de inclusão independente do grau de deficiência, contemplando os vários níveis educacionais, garantido um professor de apoio, que é designado para a classe na qual está inserida a criança com deficiência. Nesta ótica, o apoio deste professor significa suporte para o grupo inteiro e não apenas para o estudante que desencadeou a sua presença, ou seja, desencadeou a ação afirmativa. Sublinha-se que nestas experiências as salas inclusivas possuem limitações numéricas de inserção de estudantes com deficiência possuem, no máximo (02) dois casos por classe, onde apenas (20) vinte estudantes, que não apresentem deficiências, podem ser matriculados.

    Em se tratando do contexto europeu pode-se perceber um amplo espaço social da escola e grande valorização da educação pública em todos os níveis educacionais, contrapondo-se à pequena representação numérica da escola privada. Dessa forma facilita-se muito o processo de inclusão, pois a grande maioria das escolas está submetida aos mesmos valores, critérios e normas. A perspectiva teórica que dá sustentação para tal projeto inclusivo denomina-se ‘pedagogia institucional’, movimento que se desenvolveu no eixo França/Itália a partir das indagações feitas às estruturas assistenciais ligadas à psiquiatria, à educação e suas práticas de atendimento nos anos 1960.

    Reconhecendo que este termo é pouco difundido no Brasil, Baptista (2000:04) conceitua que

    A palavra institucional - através dos trabalhos desenvolvidos nessa perspectiva - adquire um significado que privilegia a dialética caracterizada pela relação entre os dois elementos que são primordiais para a existência de uma instituição: o grupo e as regras. Nesse sentido, a referência ao termo ‘institucional’ não diz respeito à burocratização, e nem mesmo a análise institucional de maneira exclusiva. Trabalha-se na identificação das dimensões: instituída (portanto estabelecida com a maior rigidez) e instituinte (que oferece para estruturação de novas regras).

    Os objetivos dessa pedagogia são favorecer as inter-relações através da mediação entre indivíduos e os grupos, diminuir a alienação, possibilitando a organização, a circulação de informações e o gerenciamento coletivo. A proposta européia entende a escola como um laboratório. Baseando sua prática pedagógica na experimentação busca melhor qualidade para que todos aprendam com as diferenças e, entende que a inclusão de crianças com limitações por deficiência, na escola, traz possibilidade para que as dificuldades e limites - gerem novos processos e buscas de soluções para o grupo.

    Grupo, coletivo, trocas/relações/reciprocidade, papéis, utilização dos conflitos, dimensão histórica, vínculo com o contexto, dimensão temporal ampla, articulação de diferentes fontes de recursos, reconhecimento dos planos: imaginaria e simbólica expressão livre: jornal, correspondência, estudo do ambiente, cooperação, mediação, ambiente educativo. A simples leitura desses termos sugere uma articulação intensa entre eles. (BAPTISTA 2000: 06)

    Pode-se notar que a experiência cubana, eminentemente socialista, ao tomar como base os pressupostos de Vygotsky inaugura uma perspectiva de educação especial na qual as escolas que atendem pessoas com limitações por deficiência encontram-se vinculados à comunidade bem como à vida e a prática social. O pressuposto básico para essa perspectiva considera que

    Los niños deben educarse de la forma más semejante a los niños normales e, incluso, a educarse conjuntamente, lo qual ayuda AL desarrollo psíquico, físico y a La compensación y correccion de los defectos. (VYGOTSKY, 1989: apresentação do editor)

    As escolas são organizadas como qualquer outra instituição quanto à estrutura e o encaminhamento do trabalho, fazendo parte do Sistema Nacional de Educação cubano. Evidencia-se aqui a valorização das relações e interações que podem acontecer entre crianças com limitações, caudadas por deficiência e, crianças que não possuem deficiências e, nas inter-relações e interaprendizagens proporcionadas pela organização de diversas atividades culturais, ludo-recreativas, desportivas, cognitivas entre outras que representem as relações sociais concretas não excludentes, dando conta da inclusão plena dos sujeitos em foco na escola.

    Das experiências citadas o referencial vigotskyano é bastante coerente com o principio de uma sociedade igualitária, onde todos participam efetivamente da vida social e têm oportunidades para o desenvolvimento de suas potencialidades. A ótica da educação para todos no modelo socialista acaba por se contrapor à visão neoliberal, pois a criança não é pensada como cliente/consumidor de um serviço que venha a capacitá-lo, unicamente, para ocupar um lugar no sistema econômico produtivo. Ao contrario, a experiência - socialista - cubana tem como objetivo maior à elevação intelectual e moral do sujeito com vistas a sua inserção e participação plena nos aspectos políticos, econômicos e culturais da sociedade onde se insere.

    Atualmente é importante compreender-se que o privilégio dado exclusivamente ao desenvolvimento econômico constrói a degradação humana, social e ambiental. Tais degradações produzem vários tipos e níveis de deficiências - a curto, médio e logo prazo - e, embora o processo de inclusão já esteja sendo operacionalizada em vários países dando a parecer que comungam os mesmos ideais e objetivos, há de se considerar que os projetos de sociedade que orientam as diferentes experiências apresentam-se como distintos e impares.

    Por sua vez, o sistema educacional brasileiro apresenta-se ainda sem respostas mais efetivas para dar conta dessa questão. Gestores, professores, orientadores e psicólogos educacionais, envolvidos no processo não têm conhecimento de como enfrentar e superar o desafio que se constitui a educação inclusiva e que encontra neste processo instituinte, além das barreiras arquitetônicas, os inúmeros problemas de ordem pedagógica e cultural.

    Determinar, por força da lei, que crianças com necessidades especiais sejam absorvidas pelo nosso sistema regular de ensino que não consegue dar conta atualmente sequer das crianças ditas normais é pretender uma solução fácil e ilusória para os problemas da educação especial. Os professores de ensino não têm sido preparados para a tarefa de lidar com este tipo de criança e sem este preparo, por melhor que seja o método utilizado pelo professor, as chances de sucesso serão muito limitadas. (SCHWARTZMAN 1997:65)

    Se a educação brasileira – que se pretende inclusiva - deve atender a todos que estiverem, ou estão, à margem do sistema escolar, e no caso específico as crianças com deficiência, será que tal processo requer transformações no ambiente escolar? Sim obviamente, mas tais metamorfoses devem ser de ordem atitudinal e valorativa, com criação de sistemas de suporte pedagógicos – inclusive do que se refere ao material e aos métodos didáticos e não somente adaptações arquitetônicas. Sublinha-se aqui que também não se pode deixar de refletir sobre a problemática dos estudantes que apresentem limitações classificadas como severas.

    Teremos que discutir a possibilidade e, oportunidade de uma integração caso a caso, pois, mesmo dentro de um mesmo grupo, digamos, dos portadores de deficiências motoras, é claro que na dependência do grau de comprometimento funcional, será impossível a freqüência a uma classe regular. Alguns destes indivíduos necessitam de adaptações tão complexas e individualizadas que, por vezes, o programa escolar oferecido terá que ser montado de acordo com suas necessidades particulares. (SCHWARTZMAN 1997:65)

    As deficiências que impõem limitações mais severas exigem um amplo sistema de apoio que permita ao sujeito que possui necessidades educativas especiais participar ativamente, independente do nível e grau da limitação causada pela deficiência. Destaca-se que a referência vygotskyana utilizada na educação cubana respalda a inserção de todos os sujeitos, por entender que por mais severa que seja a deficiência existirão sempre ganhos relativos ás trocas de conhecimentos, experiências, afetividades, alternativas e soluções benéficas para todas as pessoas envolvidas.

    A idéia que toma a criança, com limitações por deficiência, como incapaz de realizar aprendizagem intelectual - defendida em alguns estudos - pode acabar por construir uma pré-concepção pessimista acerca das possibilidades de aprendizagem, desenvolvimento, socialização e trocas positivas entre sujeito com deficiência e os que não possuem deficiência. Pré-conceito este que Vygotsky tenta combater em seus escritos defectológicos sobre a importância das relações sociais para o desenvolvimento das crianças em tela.

    Nessa perspectiva, das orientações internacionais que norteiam o reordenamento legal, adotado no Brasil e efetivado na forma de políticas públicas, fundamentada pelo paradigma da Educação Para Todos, faz-se necessário refletir sobre a criança deficiente (concreta) incluída na sala regular. Sua presença, por si só, não garante a inclusão, já que incluir a heterogeneidade - no espaço escolar - pressupõe mudanças atitudinais e valorativas, tanto dos profissionais quanto do projeto político pedagógico da escola. São, na verdade, profundas transformações na prática escolar e não somente adaptações dos padrões curriculares que, convencionalmente, tendem a reificar os estigmas associados às pessoas com deficiência.

    A inclusão supõe praticas pedagógicas diferenciadas, baseadas na noção de que ao educador cabe desenvolver o seu trabalho a partir das condições efetivamente existentes na clientela atendida. A concepção de práticas pedagógica diferenciada e inclusiva, por outro lado, está ancorada na tese de que a heterogeneidade dos alunos deve ser respeitada e, portanto, os alunos com necessidades educativas especiais têm direito de participar e de serem considerados membros ativos no interior da comunidade escolar. (MAGALHAES, 2000:03)

    Apesar da crescente produção teórica emergente sobre o tema, a marca característica dessa produção é a realização de análises que ocorrem à revelia da historia e, portanto, a desconsideração de seu movimento, reportando a discussão para tempo e lugar abstratos. Isto é, a reflexão e a proposição de alternativas ocorrem sem que se considerem os interesses e os determinantes político-econômicos que permeiam o contexto brasileiro. Neste sentido, destaca-se que duas tendências têm predominado nos embates teórico.

    A primeira que passa [...] a ser denominada inclusivista, onde podem ser agrupados aqueles que respaldam a inclusão em bases legalistas do ‘direito de todos’ e dever do Estado, e a segunda na qual a inclusão está atrelada a adaptação da escola em seu caráter aparente e que, na ausência de uma melhor designação, poderiam ser denominados de ‘adaptadores’ sociais ou restauradores escolares ou da educação. (CARMO 2001: 43)

    Quanto ao primeiro grupo, os inclusivistas, ao realizar a defesa da inclusão somente em bases legais desconsideram, entre outras questões, que as políticas públicas são expressões dos interesses de uma minoria que, na maior parte das vezes, não tem a intenção de oportunizar qualquer transformação na prática social. As pessoas e grupos que têm feito a defesa da inclusão com base apenas no direito legal têm deixado à parte da discussão a natureza social da educação escolar reduzindo-a a uma questão meramente legal.

    Nesse caso, a existência de um texto legal, além de não garantir a efetivação das propostas, contribui para a transferência da problemática em questão para espaços que imobilizam a articulação entre os sujeitos envolvidos no processo através de justificativas como inoperância jurídica, morosidade da justiça e outros. É comum ouvirmos então a velha justificativa: o direito de inclusão esta previsto nas leis, mas essas não são cumpridas. Mas como podemos visualizar as ações perpetuadas pelos inclusivistas? Carmo (2001:44) Sublinha a ação de “muitas secretarias estaduais de educação que, por meio da normalização, vêm simplificando o processo de inclusão nos municípios sob sua jurisdição”.

    As conseqüências de ações deste tipo são a desarticulação e o descompromisso dos envolvidos com a realidade objetiva das escolas, dos professores e das crianças – com deficiência ou não- que frequentam as escolas. Aqui se pode fazer referência crítica ao fracasso que permeiam essas iniciativas, principalmente, na dimensão da criança com deficiência inclusa. Sem as condições necessárias à sua aprendizagem e ao seu desenvolvimento na escolarização, essa se vê incapaz de atender às exigências da escola regular sendo colocado em segundo plano no interior do grupo de estudantes e, pouco a pouco, excluída do sistema educacional.

    Na segunda tendência, onde predomina também a defesa da inclusão escolar da criança com deficiência, encontram-se os reformadores ou adaptadores sociais que podem ser compreendidos sob a ótica do utilitarismo que contempla, somente, a busca de adaptações arquitetônicas que viabilizem a inserção das crianças com tais características. Essa perspectiva neutraliza e miniminiza as históricas incompatibilidades existentes entre a organização e a função social de escolas especiais e escolas regulares. De fato, o discurso da adaptação coloca à margem da discussão, sobre a inclusão, os elementos conceituais que podem permitir a concretização real das políticas públicas.

    Por trás de ambos os grupos –(inclusivistas e adaptadores) - pode-se perceber a igualdade de oportunidades advogada como principio básico. Contudo se faz necessário refletir e buscar compreender a distinção entre diferença e desigualdade, considerando que a primeira diz respeito à nossa condição biológica enquanto que a segunda refere-se à natureza social do ser humano e é construída no contexto das relações homem/homem e homem/natureza. Pode ser um equivoco advogar a inclusão com base apenas na evidência e concreticidade das diferenças biológicas, supostamente oferecendo uma igualdade de oportunidades para os diferentes. O que sobressai, nessa ótica, é a idéia da classe e/ou escola regular como local de agrupamento de diferentes que têm oportunidades iguais, desconsiderando

    Que o fato de um aluno [...] deficiente se coloca em uma escola regular [...] não implica que tenha se tornado igual os demais, pois como os outros, possui necessidades, potencialidades e limitações específicas de sua natureza biológica, que muitas vezes vão muito além dos muros da escola. (CARMO, (2001: 45)

    Por outro lado, a idéia da igualdade de oportunidades também leva a uma falsa compreensão que a desigualdade social dos alunos, que resulta de um processo historicamente determinado, desapareceu ou desaparecerá no momento em que crianças e adultos que possuem deficiência estiverem frequentando escolas regulares e tendo oportunidades iguais de escolarização. Não se leva em conta que a escola – regular e especial – tem cumprido historicamente o papel de reprodução e perpetuação das desigualdades sociais oferecendo uma educação para a submissão e não uma educação emancipatória.

    Outro ponto fundamental diz respeito à diferença biológica presente em estudantes socialmente desiguais e que pode traduzir-se em possibilidades e limites altamente distintos para cada um deles. Assim, o principio de igualdade de oportunidades que sustenta a produção e a intervenção dos defensores da inclusão da inclusão escolar não apenas disfarça as desigualdades sociais como também as diferenças biológicas.

    Na medida em que ao ser colocado na escola regular o aluno passa a ser responsável pelo seu próprio fracasso ou sucesso, porque tudo agora dependerá dele, de sua capacidade e potencialidade já que as oportunidades se tornam ‘iguais’. (CARMO, 2001:45)

    Tem-se, dessa forma, o ocultamento das desigualdades sociais servindo como escudo protetor para o discurso neoliberal. Neste contexto, a escola, as políticas públicas e os governantes não são responsabilizados pelo fracasso escolar dos estudantes que possuem deficiência e nem pela sua exclusão do sistema educacional. É necessário, pois, avançar na compreensão das intenções e interesses que se encontram em jogo quando se faz a apologia da inclusão escolar de crianças que possuem necessidades educativas especiais.

    Como ponto de partida para essa compreensão, é importante refletir sobre as possibilidades da inclusão educacional destes sujeitos em tela a partir da direção assumida pelas atuais políticas públicas educacionais no Brasil buscando compreender sua gênese e sentido no contexto de uma sociedade globalizada sob a égide do neoliberalismo. Tal análise só pode ser feita a partir da compreensão do que quer dizer o que é anunciado como (novo) paradigma de inclusão no contexto da promessa de educação para todos, presente na totalidade das orientações internacionais que sustenta a criação das atuais políticas públicas sociais brasileiras.

    Em um momento histórico no qual se nota o aprofundamento da exclusão de pessoas, grupos e até nações do acesso e usufruto das conquistas sócio-culturais, é essencial que se possa avançar rumo ao entendimento dos discursos legais que se tem disseminado por quase toda a extensão do planeta em favor da inclusão. Somente dessa forma pode-se entender qual é a lógica presente e quais as intenções e interesses têm prevalecido? Especialmente quando os países centrais do capitalismo mundial, ‘pleiteando uma suposta inclusão de todos’, impõem, através de organizações internacionais, profundas reformas políticas, econômicas e sociais à aqueles países em desenvolvimento.

    A busca de respostas que possam avançar para além do óbvio é de extrema importância para aqueles que, como pessoas comprometidas com a construção de uma sociedade igualitária, querem encontrar meios de contraposição ao que, ora desenrola-se no cenário mundial. No caso brasileiro, é evidente que a ditadura do mercado como regulador máximo da vida social vem renovar as velhas formas de exploração de uns sobre os outros e que tem garantido, ao longo do processo modernizador, os privilégios de uma elite conservadora e cruel. Considerando que o Estado brasileiro pode ser historicamente identificado por sua aliança com os setores abastados da sociedade brasileira, para os quais tem mantido os privilégios à custa da exploração de pessoas, grupos e classes sociais, é essencial que se possa avançar questionando as motivações e interesses desse Estado na definição de políticas educacionais que anunciem a pretensão de uma educação para todos.

Notas

  1. A crescente procura das famílias, dessas crianças, por vagas em instituições regulares, o apelo dos movimentos sociais organizados em prol do cumprimento da legislação em vigor, entre outras ações.

  2. Neste artigo os termos – criança com limitações por deficiência, criança com deficiência, criança com necessidades especiais, podem ser tomados como sinônimos. Não existe aqui a intenção de difundir preconceito e sim de explicitar os sujeitos que são tomados como objeto de investigação.

  3. Constituição Federal do Brasil de 1988, LDB9394/1996, Estatuto da criança e do adolescente (1990), entre os mais expressivos para este artigo.

  4. Cf. Magalhães (2000).

  5. Cf. Schwartzman (1997:65).

  6. Tal princípio esta presente nos textos legais da atual política educacional inclusiva no BR. Tal principio é derivado da orientação de vários documentos internacionais, dentre os mais expressivos: O programa de Ação Mundial pela pessoa deficiente (1982); a Declaração Mundial de Educação Para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994).

Referência

  • BRASIL. Declaração Mundial de Educação Para Todos e Plano de Ação Mundial para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Brasilia: Unicef, 1991.

  • _______. Declaração de Salamanca e Linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasilia/DF: CORDE, 1994

  • _______.Estatuto da Criança e do adolescente. Brasilia/DF: 1990

  • _______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasilia/DF: 1996

  • CARMO, A.A. Inclusão escolar roupa nova em corpo velho. In: Revista Integração, n 23. MEC/Seesp, 2001, pp. 43-48.

  • FERREIRA, J.R. A nova LDB e as necessidades educativas especiais. In: Cadernos CEDES, vol. 19, n. 46, Campinas/SP, setembro, 1998:03

  • FOUCALT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo. Ed. Martins Fontes, 2000.

  • MAGALHAES, R. de C.B.P. Construindo um olhar multicultural sobre a educação inclusiva: primeiras aproximações. In: anais 24ª. ANPED Caxambu/MG, 2000.

  • STAINBACK, S. & STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre, RS: Artes Médicas Sul, 1996.

  • SCHWARTZMAN, J.S. Integração: do que e de quem estamos falando. In: A integração de pessoas com deficiência: Contribuições para reflexão sobre o tema. São Paulo/SP: Mennon Ed. Senae, 1997.

  • VIGOTSKY, L.S. Obras completas. Tomo cinco. Fundamentos da Defectologia. Habana/Cuba: Pueblo y Educacion, 1997.

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