efdeportes.com

A disciplina e a indisciplina na Educação Física escolar

La disciplina y la indisciplina en la Educación Física escolar

 

Licenciado em Educação Física, Universidade Estadual de Londrina

Mestre em Educação, Universidade Tuiuti do Paraná

Doutorando em Educação, Universidade Tuiuti do Paraná

Clovis da Silva Brito

crovao_8@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo apresenta uma investigação sobre a concepção de disciplina e indisciplina entre docentes de Educação Física. Com esse propósito buscou-se, primeiramente, compreender a questão da disciplina e do controle dos alunos no contexto da Educação Física, que utiliza basicamente os esportes como seu conteúdo principal. Para essa compreensão, utilizou-se um conjunto de conceitos desenvolvidos por Michel Foucault, que analisa como a manutenção do poder acontece no interior das escolas. A presente pesquisa inclui, também, um trabalho de campo, realizado sob um enfoque qualitativo, que englobou entrevistas semiestruturadas com seis professores de Educação Física. O conteúdo das entrevistas foi submetido a uma Análise de Conteúdo, através da qual concluiu-se que a Educação Física realiza a manutenção do poder, especificamente, mantém o esporte — e tudo que circula no universo esportivo — em um lugar de destaque. Podemos concluir que a disciplina na Educação Física é a manutenção de uma ordem determinada pelo contexto esportivo de alto nível e a indisciplina é vista como uma tentativa de romper com a circularidade da manutenção de esquemas de poder, derivados de práticas pedagógicas decorrentes de uma concepção da área esportiva e que se refletem como referências sobre as aulas dessa matéria.

          Unitermos: Educação Física. Disciplina. Indisciplina.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 148, Septiembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    O presente trabalho apresenta uma investigação sobre a concepção de disciplina e indisciplina entre um grupo de professores de Educação Física. A pesquisa – que originou tal artigo –, envolveu, além de um resgate teórico, um trabalho de campo junto a professores dos Ensinos Fundamental e Médio, que atuavam em escolas particulares e públicas — de âmbitos federal, estadual e municipal — na cidade de Curitiba, Paraná, Brasil.

    A questão central deste artigo — o que os professores de Educação Física consideram por disciplina e indisciplina escolar — surgiu da observação empírica que este pesquisador constatou ao longo de sua carreira docente. Durante as reuniões pedagógicas que participamos nas escolas de Educação Básica, sempre ouvimos as reclamações a respeito da indisciplina dos alunos, argumentação constante nas falas dos professores. Naquelas reuniões, pudemos perceber, nas falas de alguns professores, que os docentes — das diversas matérias — pareciam esperar que seus alunos tivessem atitudes padronizadas, que fossem obedientes o tempo todo e não manifestassem comportamentos usuais da infância e da adolescência — fase dos alunos que estudam na Educação Básica.

    Pareceu-nos, naquelas ocasiões, que a disciplina desejada pelos professores representava uma forma de doutrinamento, um modo de adestrar os alunos para melhor controlá-los. Ao refletir sobre as expectativas dos professores, percebemos uma contradição entre elas e aquilo que as tendências pedagógicas, então em voga, almejam para o sujeito educado e escolarizado — ou seja, pessoas questionadoras, atuantes e criativas. Além dessa contradição, constatamos que os professores gostariam de ver seus alunos como sujeitos estabilizados e formatados, segundo determinadas intenções sociais que visavam à conservação de uma ordem vigente. Os discentes, então, deveriam se comportar como alunos em posição passiva, e os professores teriam de se colocar como docentes em um pedestal acima do bem e do mal. Dessa maneira, a ordem, que esses professores almejavam, seria conservada.

    Especificamente na matéria de Educação Física, em diversas ocasiões, ouvimos relatos de colegas de profissão sobre alunos indisciplinados, fato que esteve presente em todas as escolas onde trabalhamos. Ao longo dos anos, conversando com professores de Educação Física e observando algumas de suas aulas, notamos que havia uma diversidade de entendimentos conceituais a respeito da indisciplina, fato que interferia e direcionava suas práticas pedagógicas, seus conteúdos, suas metodologias e, até mesmo, seus processos de avaliação. Para aqueles docentes, segundo o que foi percebido, os conceitos de indisciplina escolar, violência e vandalismo tinham o mesmo significado e, quando tais incidentes ocorriam, eram tratados, todos, como se fossem indisciplina escolar.

    Sendo assim, a partir do que pudemos observar, empiricamente, a disciplina e a indisciplina teria uma grande importância para aqueles profissionais da Educação Física. Mas nunca conseguimos ter claro, afinal, o que aquela classe de docentes, na qual estamos inseridos, que trabalha conteúdos que abordam, por exemplo, esportes presentes no cotidiano dos alunos, entendem por indisciplina escolar. Se esse fenômeno é tão importante e influencia as práticas pedagógicas desses docentes, o que eles consideram, então, como disciplina e indisciplina? Essa foi a pergunta que, biograficamente, motivou-nos a investigar essa questão tão complexa.

    O conceito tradicional de indisciplina — e, segundo Garcia (2001, p. 376), “arcaico”, que faz com que os professores entendam esse fenômeno apenas como um “problema comportamental”, do qual somente os alunos são os culpados — deve ser revisto, estudado e melhor compreendido dentro da escola. Esse tema, para uma grande parcela da comunidade escolar, é motivo de preocupação, visto que a ocorrência de problemas classificados como indisciplina causa, como afirma Garcia (1999, p. 101), estresse nas relações interpessoais, principalmente quando associada a situações de conflito em sala de aula.

    Os professores de Educação Física também vivenciam situações de apreensão, incerteza, insegurança e conflito, que envolvem indisciplina e se apresentam no cotidiano da escola, fazendo com que repensem suas práticas educativas e questionem velhos conceitos.

    Na Educação Física parece estar ainda muito presente, na percepção da comunidade escolar, conceitos e esquemas das tendências Higienista, Militarista e Tecnicista, de décadas passadas, que tinham como objetivo a formação de jovens sadios e a premiação dos fisicamente mais fortes. Essa visão determinava, entre outros itens, uma disciplina exacerbada, que valorizava a obediência tácita e o adestramento corporal. Será que é isso que a educação atual almeja? Se os tempos são outros e os alunos também, entendemos que a visão sobre disciplina e indisciplina, nesta matéria escolar, deveria ter evoluído juntamente com os outros conceitos educacionais.

    Neste momento de renovar as práticas pedagógicas e a formação dos professores e, mais especificamente, a dos professores de Educação Física, que buscam superar a noção de esporte-espetáculo, tão enraizada e presente nessa matéria, percebe-se que alguns docentes ainda atuam nas aulas como técnicos e, como tais, buscam, por exemplo, disciplinar seus alunos servindo-se de metodologias que controlam a participação e impõem uma receptividade passiva. Ou seja, o aluno deve receber as instruções de maneira obediente executando aquilo que lhe foi ordenado fazer. A Educação Física é parte da formação do aluno, e as vivências corporais devem propiciar a ele, entre outros itens, bases para o desenvolvimento de sua capacidade de criação, questionamento, releitura de situações vivenciadas etc., sem enfatizar apenas o adestramento que visa ao esporte, seja formando praticantes ou espectadores.

    Para a continuidade deste artigo apresentamos, na seqüência, alguns conceitos desenvolvidos por Michel Foucault para pensar a escola, local onde está inserido a Educação Física. Na continuidade, desenvolvemos um tópico apresentando os corpos dóceis almejados nas aulas de Educação Física. Em seguida será apresentada a metodologia da pesquisa de campo e concluiremos o artigo analisando como os docentes de Educação Física, da pesquisa utilizada, compreendem a disciplina e a indisciplina escolar.

A escola sob uma perspectiva de Foucault

    Ao pensar a escola enquanto instituição de seqüestro (FOUCAULT, 1996, p. 114), responsável por disciplinar os indivíduos, também é possível compreendê-la como uma espécie de poder judiciário, onde a todo o momento se pune, se recompensa, se avalia, se classifica, se diz quem é o melhor, quem é o pior, quem será punido e quem será libertado (FOUCAULT, 2004, p. 149). Enfim, olhar a escola sob a visão de Foucault é entender que essa instituição é responsável por enformar os indivíduos, preparando-os para exercer a relação do poder e do saber pensado para uma sociedade disciplinar.

    Para entender tal relação, é preciso compreender que a escola é um lugar onde o poder produz saber, ou seja, onde ele se mantém, sendo aceito e praticado por todos os membros da instituição, desde a figura do diretor até a dos alunos. A escola produz esse saber por meio de mecanismos específicos e o instaura num âmbito coletivo, realizando, assim, a manutenção do poder. O próprio Foucault se referiu a esse item, afirmando:

    São instrumentos efetivos de formação e de acúmulo de saber, são métodos efetivos de observação, técnicas de registro, procedimentos de investigação e de pesquisa, são aparelhos de verificação. Isto quer dizer que o poder, quando se exerce em seus mecanismos finos, não pode fazê-lo sem a formação, a organização e sem pôr em circulação um saber, ou melhor, aparelhos de saber [...]. (FOUCAULT, 1999, p. 40).

    A escola foi, junto com a sociedade disciplinar, solicitada a abandonar os castigos ou punições ao corpo. Esses fatores estavam bastante presentes na sociedade de soberania — em que os soberanos tinham o direito de causar a morte, deixar viver ou determinar diversas punições corporais para seus súditos (ARTUSO, 2005, p. 117) — que antecedeu a sociedade disciplinar. A sociedade que estava emergindo não mais aceitava que o castigo fosse usado direta e publicamente no indivíduo. A vigilância passava a ser o objeto desse momento — disciplinar era a meta. O cárcere cumpria essa função na prisão. Na escola, eliminava-se aos poucos a palmatória, substituindo-a por um conjunto de práticas em que a punição fizesse as vezes, exatamente, da restrição ao movimento e à comunicação com os demais (GUIRADO, 1996, p. 63).

    Foucault chamava as escolas — assim como os hospitais, as prisões, os asilos e as fábricas — de “instituições de seqüestro” (FOUCAULT, 1996, p. 114). Elas tinham como finalidade não excluir, mas, ao contrário, fixar os indivíduos em um grupo, e tinham como prioridade implicar o controle e a responsabilidade sobre a totalidade ou a quase totalidade do tempo dos indivíduos. As indústrias ligavam-nos, por exemplo, a um aparelho de produção e a escola a um aparelho de transmissão do saber. Essas instituições tinham basicamente três funções: a primeira era fixar os indivíduos em um aparelho de normalização dos homens; a segunda, controlar os corpos desses indivíduos, transformando-os em força de trabalho; e a terceira função consistia na produção de um poder que mantivesse a ordem social.

    Pensando na questão do controle disciplinar exercido nas escolas, buscamos Foucault (2004, p. 121-127), que apresenta a arte das distribuições para o controle disciplinar, demonstrando como diferentes técnicas eram, em épocas passadas, utilizadas também na escola para vigiar e punir os alunos: a primeira técnica é a da cerca, na qual a idéia do enclausuramento de si próprio, dentro de uma organização física, demonstrava a disciplina da instituição; uma outra arte de controle era a da localização imediata, com cada indivíduo em seu lugar e, em cada lugar, um indivíduo; para finalizar a questão do controle, cito a organização seqüencial das carteiras nas salas de aula. Essa organização fez com que o espaço escolar funcionasse como uma máquina de ensinar e também de vigiar, de hierarquizar e de recompensar.

    O funcionamento de uma escola deveria ser regido por normas e regras que valorizassem não apenas a interação de cada membro na sala, mas também a convivência social dele com as outras turmas e com a instituição como um todo. É isso que acontece nas escolas? Ou será que elas estão preocupadas em vigiar, controlar e disciplinar os alunos, utilizando algumas técnicas específicas de controle? Os métodos de controle identificados por Foucault foram pensados dentro daquele momento histórico — sociedade disciplinar do final do século XVIII e começo do século XIX — mas, em pleno século XXI pode-se observar que algumas escolas ainda utilizam tais procedimentos, até mesmo inconscientemente, por eles já estarem normalizados dentro das instituições de ensino.

    Aquelas técnicas disciplinares, acrescidas de outras tantas de aprisionamento, representam os instrumentos, identificados por Foucault, para o adestramento, para a subordinação dos corpos. A educação escolar de hoje, trabalhando com essas técnicas, desempenha um importante papel que culmina, no contexto social, na subordinação, dominação e alienação dos alunos. Tais técnicas foram identificadas para o momento ao qual Foucault estava se referindo — o da sociedade disciplinar — mas, mesmo após tanto tempo, algumas escolas ainda utilizam esses procedimentos, talvez não em sua plenitude, mas com o mesmo objetivo: o controle disciplinar.

    Bedoya, Marin e Mena (2005, p. 95), apontam que a Educação Física, dentro de uma visão tradicional – que é caracterizada por uma relação pedagógica na qual o professor assume por geral um papel dominante e vertical com relação aos alunos, que, por sua vez, executam um papel passivo e receptivo durante as aulas –, reproduz toda uma teia de relações de poder entre professor e aluno, caracterizando-as pelo disciplinamento e normalização, que privilegiam uma lógica assimétrica nas relações escolares e reproduzem a lógica dos conflitos pelos quais a sociedade padece em seu conjunto. Tal afirmação pode ser pensada para toda a escola e não somente para a Educação Física.

Os corpos dóceis desenvolvidos pela Educação Física

    Analisando a história da Educação Física no Brasil, entendemos que essa matéria esteve desenvolvendo, consciente ou inconscientemente a submissão de seus alunos a um sistema de regras bem definidas e determinadas pela sociedade (BRACHT, 1992, p. 22; TASSA, 2001, p. 44; e OLIVEIRA, 1994, p. 22). Isso é aceitável, visto que a escola trabalha com aquilo que a sociedade lhe dá permissão para desenvolver.

    A Educação Física com enfoque Higienista seguiu as regras da área médica, por meio das quais a sociedade esperava, talvez ainda espere, que essa matéria educasse os alunos para garantir a aquisição e a manutenção da saúde individual, regularizando as práticas de exercícios físicos e auxiliando na melhoria da qualidade de vida da população. Já a Educação Física com enfoque Militarista pretendeu impor aos alunos comportamentos estereotipados, frutos das condutas disciplinares do regime militar. A Educação Física que utiliza basicamente as práticas de determinado(s) esporte(s), seguiu e ainda segue as regras e os objetivos de comportamento das modalidades de esporte de alto nível em um local — a escola — que não tem as mesmas condições físicas e materiais para esse fim. Esses enfoques estão presentes nas práticas dos professores, não são ruins ou bons, mas existem e pensamos que influenciam na maneira dos professores tratarem seus alunos, planejarem suas aulas e fazerem suas avaliações.

    Quando os docentes fazem uso didático da prática do esporte sem a devida reflexão, mesmo sem saber, acabam adaptando seus conteúdos para os moldes e valores de uma pedagogia que privilegia o fazer por fazer. Pedagogia esta que tem como finalidade preparar o indivíduo para assumir e desempenhar funções ou papéis previamente marcados na estrutura de classes da sociedade, adaptando-o a normas e valores estabelecidos e não questionáveis (BRACHT, 1992, p. 45).

    Com relação ao controle disciplinar exercido pela Educação Física, resgatamos a pesquisa de Oliveira (2004a) que, trabalhando com essa matéria, desenvolveu três projetos junto aos 50 alunos considerados mais indisciplinados de uma escola pública da cidade de Ribeirão Preto, São Paulo. O autor relata que, em função da grande aceitação da Educação Física no meio escolar e entre os “indisciplinados”, ela passou a se tornar “uma importante ferramenta pedagógica na minimização da indisciplina escolar” (OLIVEIRA, 2004a, p. 102), pois é nessa aula que os alunos têm oportunidade de experenciar diversas atividades, tais como brincar, correr, jogar, gritar, conversar, cooperar e aprender a respeitar as regras e a “figura de uma autoridade, seja a do professor ou de um árbitro”. Esse estudo verificou que a Educação Física foi usada como ferramenta de controle disciplinar, porque buscava domesticar os alunos, através da popularidade que essa matéria tinha entre eles, para transformar os indisciplinados em disciplinados.

    Para Moreira (1993, p. 15), é importante “refletir sobre o conceito de Educação Física que tradicionalmente esteve, e ainda está, vinculado aos valores: ordem, disciplina e imutabilidade”. As formas, historicamente conhecidas por essa matéria, de disciplinar o corpo ainda estão presentes nas concepções de muitos professores, influenciando o conceito que eles têm sobre indisciplina.

    Analisando as tendências consideradas neste tópico, identifica-se dentro delas uma intenção, uma disposição para utilizar a Educação Física como uma ferramenta, um instrumento de controle, de preparo e transformação dos corpos despreparados dos alunos em corpos úteis, produtivos, obedientes e disciplinados. Essas tendências estariam enformando os educandos para uma obediência coletiva, com o objetivo de manter o sistema funcionando — o poder funcionando.

Desenvolvimento da pesquisa de campo

    A pesquisa que originou o presente artigo, englobou uma investigação de campo de caráter qualitativo, por meio da qual se buscou as concepções de disciplina e indisciplina de um grupo de professores de Educação Física.

    Para o desenvolvimento da pesquisa, primeiramente foi definido qual seria o objeto de estudo e realizado um levantamento bibliográfico relacionado ao assunto. Ao longo da revisão da literatura, constatou-se que conceber indisciplina dentro do contexto escolar é uma tarefa difícil. Pesquisando o assunto em literatura especifica, encontramos o conceito de indisciplina associado a uma variedade de sentidos, questão esta que também foi observada por Oliveira (2004b, p.11) e Alves (2002, p.15). Tal variedade conceitual parece refletir a complexidade desse fenômeno nas escolas, conforme é apontado por De La Taille (1996, p.10) e Garcia (1999, p.102). O entendimento do que seja indisciplina no contexto escolar pode variar de acordo com a situação, com o tipo de aula a ser dada e até mesmo com o perfil do professor (LOPES, 2005, p. 46). Enfim, conceber o que é indisciplina escolar não é tão simples, pois seu conceito pode ser influenciado por diversas variáveis.

    A fim de começar o desenvolvimento do trabalho de campo, primeiramente foram localizados os seis professores de Educação Física — três homens e três mulheres — que fizeram parte desse estudo, depois foi iniciada a coleta de dados. Para a coleta de dados, utilizou-se uma entrevista semiestruturada composta por dez questões e, para a análise dos depoimentos, recorreu-se aos procedimentos da Análise de Conteúdo na perspectiva de Bardin (2004), alternativa que possibilitou compreender de modo mais amplo as visões dos professores pesquisados, sem restringi-las aos sentidos que eles explicitaram, mas relacionando-as também aos que ficaram latentes nas respostas.

    A população investigada foi constituída por professores de Educação Física dos Ensinos Fundamental e Médio, que lecionavam em escolas das redes particular e pública — nos âmbitos federal, estadual e municipal — na cidade de Curitiba, estado do Paraná, Brasil. A seleção da amostra foi intencional, o que é compatível com uma pesquisa do tipo qualitativa. Segundo Patton (1990, p. 169), um dos itens que diferencia uma pesquisa qualitativa de uma quantitativa é a abordagem da amostra, pois, no caso da qualitativa, os participantes são escolhidos propositadamente, visando a selecionar casos específicos cujo estudo iluminará as questões investigadas. Casos específicos — information-rich cases — são aqueles pelos quais se pode aprender muito sobre um assunto que seja de importância central para o propósito da pesquisa, por isso o termo “amostra intencional” ou, como escreve Patton (1990, p. 169), purposeful sampling.

    Em seguida, foi elaborado o roteiro de entrevistas para posteriormente realizá-las. Tais procedimentos estão de acordo com o desenho de uma pesquisa qualitativa, pois envolvem segundo Lüdke e André (1986, p. 15), três etapas: exploração, decisão e descoberta.

    Foi utilizada no desenvolvimento da pesquisa uma entrevista semiestruturada, principalmente pelas vantagens que essa técnica possibilita aos estudos qualitativos. De acordo com Triviños (1987, p. 145), a entrevista é um importante meio para realizar a coleta de dados, pois, ao mesmo tempo em que valoriza a presença do investigado, possibilita que o informante alcance a espontaneidade, enriquecendo a investigação.

Considerações finais

    Amparado na Análise de Conteúdo das falas dos professores e nas categorias criadas para interpretar as respostas fornecidas nas entrevistas, podemos afirmar que os sujeitos investigados buscaram a formação em Educação Física por terem sido influenciados diretamente pelo esporte com o qual mantinham contato antes da vida acadêmica.

    Os sujeitos deste estudo apontaram que a Educação Física é uma aula que trabalha com atividades corporais, com a predominância dos esportes, e que tem como alguns de seus objetivos preparar o aluno para a sociedade, bem como descobrir e encaminhar atletas para o meio esportivo. A Educação Física realiza a manutenção do poder, assim como as outras matérias escolares, sendo que ela, especificamente, mantém o esporte — e tudo que circula no universo esportivo — em um lugar de destaque, onde a sociedade espera que ele esteja.

    Também foi visualizado na fala de alguns professores como eles valorizam o momento da avaliação, o momento do exame. Foucault afirma que o exame, enquanto um dispositivo disciplinador é altamente ritualizado. Para esse filósofo, o exame “é um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir” (FOUCAULT, 2004, p. 154). Os professores utilizam a sua avaliação como uma cerimônia de poder — com a demonstração da força e o estabelecimento da verdade. É o momento em que o aluno será qualificado, pois terá de demonstrar se sabe ou não determinado gesto técnico, classificado dentro do grupo de alunos que fizeram a avaliação e punido através da nota.

    Para os docentes investigados, a indisciplina na Educação Física está relacionada com as atitudes dos alunos, que podem ser manifestadas por meio da displicência e da recusa (resistência) à atividade proposta, bem como da afronta ao professor. Em outras palavras, a indisciplina é representada por atitudes dos alunos que não estejam de acordo com o proposto inicialmente pelo professor ou pelo grupo.

    Pelas categorias que foram determinadas, concluí que a indisciplina nas aulas de Educação Física é uma expressão de poder. Os alunos transgressores são aqueles que afrontam, recusam ou se ausentam das aulas, demonstrando resistência à manutenção do poder que circula no momento da aula. Os professores, por sua vez, utilizam diversas ferramentas, objetivando a docilização dos corpos dos alunos, a subordinação e a disciplina. A resistência dos discentes demonstra sua insatisfação com relação ao processo pedagógico presente nas aulas de Educação Física. Sendo assim, será que a metodologia utilizada é apropriada? Será que os alunos querem continuar com a manutenção do esporte, tal como ele é transmitido nas aulas? Os professores deveriam refletir sobre tais questões buscando entendê-las. Dessa maneira, além de diminuir a indisciplina nessa matéria, poderiam propiciar melhores situações de aprendizagem para seus alunos.

    Também foi constatado que a maneira como os professores de Educação Física entrevistados pensam em tal matéria influencia no modo como vêem a indisciplina e, conseqüentemente, na maneira como disciplinam seus alunos. Tal constatação foi depreendida da fala dos seis docentes pesquisados, indiferentemente do tempo de formação que tinham.

    Utilizando o esporte como conteúdo predominante em suas aulas, os professores buscam a valorização e a conservação daquilo que a sociedade espera da Educação Física — a manutenção dos esportes de alto nível. Dessa forma, os educadores determinam o comportamento almejado para os discentes — comportamento próximo do que é apresentado por atletas, não com relação ao domínio técnico, mas sim a subordinação e obediência que os atletas demonstram nos treinamentos.

    Seguindo esse raciocínio, e respondendo ao objetivo desta investigação, consideramos que, para os sujeitos investigados, a disciplina na Educação Física é a manutenção de uma ordem determinada pelo contexto esportivo de alto nível e a indisciplina seria uma tentativa de romper com a circularidade da manutenção de esquemas de poder, que são derivados das práticas pedagógicas decorrentes de uma concepção da área esportiva e que se refletem como referências em suas aulas. Tais professores concebem a indisciplina como uma resistência ou mesmo ruptura, por parte dos alunos, da circularidade da manutenção do poder dos ideais esportivos. Ideais nos quais os docentes foram enformados e que direcionam suas práticas pedagógicas, suas aulas. Para essa conservação, além de usarem esquemas padronizados de adestramento oriundos da área esportiva, também utilizam ferramentas disciplinares que buscam a docilização dos corpos, a subordinação e o disciplinamento dos educandos.

    Se os professores estão disciplinando seus alunos no sentido de empreender a manutenção mencionada acima, a indisciplina representaria uma ruptura desse empreendimento. Em toda situação que não seja permitida essa continuidade, e na qual o professor não consiga realizar uma seqüência que mantivesse a circularidade, as ações dos alunos serão rotuladas como atos de indisciplina.

Referências

  • ALVES, C. M. S. D. (In) disciplina na escola: cenas da complexidade de um cotidiano escolar. 2002. 176 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, 2002.

  • ARTUSO, A. R. Subjetivação e a educação através da internet. Educar, Curitiba, n. 26, p. 115-129, 2005.

  • BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições 70, 2004.

  • BEDOYA, V. A. M.; MARÍN, E. J. V.; MENA, M. B. Los estilos directivos y la violencia escolar – las prácticas de la educación física. Revista Iberoamericana de Educación, Bogotá, n. 38, p. 87-103, 2005.

  • BRACHT, V. Educação Física: a aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.

  • DE LA TAILLE, Y. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: AQUINO, J. G. (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. 11. ed. São Paulo: Summus, 1996. p. 9-23.

  • FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 1996.

  • FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975/1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.

  • FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

  • GARCIA, J. Indisciplina na Escola: uma reflexão sobre a dimensão preventiva. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n. 95, p. 101-108, jan./abr. 1999.

  • GARCIA, J. A gestão da indisciplina na escola. In: COLÓQUIO DA SECÇÃO PORTUGUESA DA AFIRSE/AIPELF. 11, Lisboa. Atas. Lisboa: Estrela e Ferreira. 2001. p. 375-381.

  • GUIRADO, M. Poder indisciplina: os surpreendentes rumos da relação de poder. In: AQUINO, J. G. (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. 11. ed. São Paulo: Summus, 1996. p. 57-71.

  • LOPES, A. Disciplina: é mais fácil para os alunos seguir regras que eles ajudam a criar. Nova Escola, São Paulo, n. 183, p.45-49, jun./jul. 2005.

  • LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo, EPU: 1986.

  • MOREIRA, W. W. Educação Física Escolar: a busca da relevância. In: PICCOLO, V. L. N. (Org.). Educação Física Escolar: ser... ou não ter? Campinas: Unicamp, 1993. p. 15-25.

  • OLIVEIRA, J. E. C. O papel da disciplina de educação física na minimização da indisciplina escolar. 2004. 103 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro Universitário Moura Lacerda, programa de pós-graduação em Educação, Ribeirão Preto, 2004a.

  • OLIVEIRA, R. L. G. As atitudes dos professores relacionadas à indisciplina escolar. 2004. 186 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Tuiuti do Paraná, Programa de Pós-Graduação, Curitiba, 2004b.

  • OLIVEIRA, V. M. Consenso e conflito da educação física brasileira. Campinas: Papirus, 1994.

  • PATTON, M. Q. Qualitative evaluation and research methods. 2. ed. Newbury Park: Sage Publications, 1990.

  • TASSA, K. O. M. A educação física e o trabalho pedagógico: um estudo na secretaria municipal de educação de Ponta grossa/Pr. 2001. 144 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Tuiuti do Paraná, Programa de Pós-Graduação, Curitiba, 2001.

  • TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 15 · N° 148 | Buenos Aires, Septiembre de 2010
© 1997-2010 Derechos reservados