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Tematizando as lutas dos desenhos animados: 

uma leitura critica através da abordagem cultural

Analizando las luchas en los dibujos animados: una lectura crítica a través de la mirada cultural

 

Professora de Educação Física Efetiva do Município de São Paulo

Especialista em Pedagogia do Movimento pela UNICAMP

Membro efetivo do Grupo de Pesquisa

em Educação Física Escolar da FEUSP – USP

Natalia Gonçalves

nataliag_73@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho relata a pratica que realizei ao notar que as lutas fazem parte da vida de meus alunos tanto no que diz respeito a pratica de algumas modalidades específicas como taekondô, judô e capoeira oferecidas em alguns espaços, comandados por ONGs no bairro e academias particulares como nos desenhos animados assistidos por elas. O trabalho realizado visou o debate e aprofundamento critico de temas como: consumo, gênero e violência e as crianças tiveram a oportunidade de vivenciar movimentos técnicas de lutas diversas além criar seus próprios movimentos.

          Unitermos: Educação Física. Lutas. Desenhos animados.

 

Trabalho realizado na EMEF Prof. Roberto Plínio Colacioppo, São Paulo, Brasil, durante o segundo semestre de 2009 com os alunos do 4°ano do Ens. Fund. I

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 147, Agosto de 2010

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Desenvolvimento do projeto

    Ao retornar do recesso de julho iniciei o mapeamento das manifestações corporais dos alunos, Neira (2007) afirma que “a linguagem corporal é um dos aspectos da cultura e, para problematizar suas temáticas, é preciso ter claro que não basta eleger os saberes produzidos pelos diversos grupos sociais: o desafio se apresenta na leitura critica da própria prática e da realidade [..], para tanto, o educador deve permanecer atento aos processos hegemônicos que insistem em permear o fazer social”, sendo assim, iniciei o processo deste mapeamento afixando uma folha de papel pardo na lousa e questionando os alunos a respeito de todos os locais que eles conheciam, nos arredores da escola onde se praticavam algum tipo de esporte, danças, brincadeiras etc. Todos queriam falar ao mesmo tempo e surgiram muitos locais como o próprio quintal de suas casas, academias de natação, de lutas e ginástica, Jardim Botânico onde se pratica caminhada, corridas; Zoológico onde há o passeio noturno (muito caro e nenhum deles fez até hoje), Parque do Ibirapuera (eles tem fácil acesso já que existe um ônibus que os leva até lá, gratuitamente, aos finais de semana), lá eles andam de bicicleta, skate, patins, patinete, caminham e jogam futebol, Centro Cultural próximo a escola onde são oferecidas gratuitamente aulas de judô, capoeira, ballet, boxe, foi citada a balada que ocorre na escola em alguns sábados do ano, no período da tarde, onde eles dançam bastante alguns ritmos como Psy, Funk, Axé e pagode, Festa Junina da escola citando a quadrilha (temos em cada festa 3 quadrilhas muito grandes, os alunos gostam muito), citaram também 2 quadras, 2 parquinhos e 1 pista de skate que não é muito utilizada nos arredores da escola.

    Nesta fase os alunos colaboraram bastante, ficaram agitados, porém, alguns constantemente indagavam se iríamos para a quadra. Percebi que muitos não sabiam os nomes corretos dos locais onde praticavam algumas atividades. Muitos já praticam alguma atividade física e pude observar que além da insistência pelo futebol, nenhum aluno pratica esse esporte fora da escola.

    Após a finalização desta fase, virei a folha e fizemos uma lista das atividades que estes alunos praticam ou gostariam de praticar fora da escola, além das danças, brincadeiras e outras manifestações corporais mais freqüentes nesta comunidade. É muito importante dizer que as lutas foram citadas diversas vezes e percebi um interesse muito grande por parte dos alunos nesta manifestação. A classe pegou fogo quando iniciamos essa temática, todos queriam falar e citaram muitas coisas: Filmes do Bruce Lee, desenhos animados, academias e locais onde ONGs ofereciam cursos gratuitamente.

    Como leciono nesta escola ha 5 anos e conheço um pouco a comunidade e os alunos, observo no trajeto muitas pessoas com quimonos, roupas específicas para a prática da capoeira e academias de luta.

    Definida a temática, iniciei algumas atividades: novamente fixei uma folha de papel pardo na lousa e pedi para que os alunos completassem a sentença: Luta é...

    E assim os alunos foram completando a frase e formando uma enorme lista com os mais variados adjetivos e todos os alunos participaram. Observei que os adjetivos com conotação “negativa” foram citados no início e ao longo do processo iam surgindo adjetivos mais “positivos”. Como por exemplo: ...fazer pagar pelo que fez, ...defesa pessoal, ...descontar raiva, ...provocação, ...violência, ...agressividade, ...muito louco, ...perigosa, ...legal, ...divertida, ...dolorida, ...desestressante, ...selvagem, ...batalha, ...morte, ...sangue, ...briga, ...UTI, ...estranha, ...raiva, ...Bruce Lee, ...bruta, ...inimigos, ...masculina, ...esporte. Fiz alguns questionamentos com a turma a respeito de algumas colocações, como por exemplo na que diz respeito ao gênero “masculina”, neste momento as alunas se mostraram muito insatisfeitas e como são muito participativas, se colocaram dizendo que nos desenhos animados as meninas que lutam são muitas: Meninas Superpoderosas, Três espiãs demais, etc.

    A partir daí propus que citassem exemplos de lutas, surgiram: Boxe, Kung Fu, Capoeira, Vale tudo, Judô, Sumo, Jiu Jitsu, Karatê, Luta livre, Cabo de Guerra, Queda de braço ou Braço de Ferro, Briga de Galo, Briga de rua, Luta Livre, Briga de dedos (DWF), POKÉMON e Digimon.

    Iniciamos assim vivências de algumas atividades propostas pelos alunos: cabo de guerra, queda de braço, luta de dedos e sumô. A partir da prática do Sumô, foram surgindo, durante a aula, alguns exercícios de desequilíbrio propostos pelos alunos e por mim, sendo que esta foi a parte mais divertida da aula, pois neste momento, eles puderam criar e testar novos movimentos e situações.

    Após este trabalho, pesquisei na internet algumas figuras de várias lutas, imprimi e criei cartões para que os alunos, divididos em duplas, realizassem a imitação do gesto impresso na ficha. A imitação do golpe deveria se dar em posição estática. Algumas figuras continham movimentos individuais, outras e dupla e até mesmo uma sequência de movimentos. Nesta etapa os alunos foram fotografados em suas posições.

    A próxima atividade consistiu em “dar vida” ao movimento, realizando o golpe como eles imaginavam que deveria ser. Os alunos gostaram muito desta atividade e mesmo os que não estavam muito empolgados com a temática, neste momento começaram a se interessar e a participar com entusiasmo. A finalização da aula se deu com uma roda onde os alunos apresentaram seus movimentos para o grupo.

    Durante os “ensaios” dos grupos, observei que os alunos começaram a extrapolar o que havia pedido, criando movimentos a partir das figuras. Sendo assim orientei para que criassem em duplas, movimentos de ataque e defesa, de qualquer natureza, da forma que quisessem. Durante a apresentação observei que os alunos reproduziam movimentos diferentes daqueles golpes tradicionais de artes marciais, capoeira, boxe. Na verdade era mais uma mistura desses golpes com um “toque” deles, utilizando inclusive, armas ”imaginárias” com efeitos sonoros. Ao serem questionados sobre a origem desses golpes e armas eles citaram alguns desenhos animados, filmes e games. Tentei identificar qual era a maior influencia para eles propondo uma atividade onde eles deveriam escolher um desenho, filme ou game para imitar uma luta. Ao apresentar os trabalhos identifiquei que os desenhos exercem uma influencia muito grande, principalmente o desenho “Três espiãs demais”. Questionei se esse desenho era assistido por todos e eles responderam com muita empolgação que sim, tanto pelos meninos quanto pelas meninas. Pedi para os alunos que me explicassem com riqueza de detalhes como era esse desenho. Os alunos explicaram que neste desenho havia 3 garotas (heroínas) que lutavam para salvar o mundo, e principalmente os shoppings, porém, são “controladas” por um homem, e suas armas são relacionadas a itens de embelezamento pessoal: secadores de cabelo, batons, mochilas a jato (usadas como transporte), sprays de cabelo etc.

    Inácio, explicando a influencia dos desenhos animados ressalta: “Os desenhos, assim como outras programações da televisão, balizam, através da ressonância dos seus discursos tidos como “verdades”, o que é natural, normal, lógico e desejável, delimitando e constituindo os conceitos que são adotados como padrão em nossa sociedade. Esse movimento, ao apontar os sujeitos aceitáveis, ou seja, os que fazem parte do que se pode considerar dentro da norma, demarca também os inaceitáveis, e determina os possíveis lugares que devem ou não ser ocupados pelos sujeitos.” (2008, p.2).

    A partir dessas idéias tentei relacionar o desenho com a temática de consumo excessivo, a surpresa ficou por conta da fala de uma das alunas que prontamente disse que esse tipo de consumo é prejudicial e que o desenho incentivava muito as garotas a “terem o que não podem”, pois na história elas possuem um cartão de crédito que aparentemente não tem limite de compra e que as meninas do nosso “nível” não tem. Questionei a respeito do “poder” de quem tem dinheiro, o debate foi ótimo e algumas crianças disseram que quem tem dinheiro “tem sim” maior poder, e que o ideal era lutar para ter também, ao passo em que outras disseram que isso não tinha importância. Expliquei que tudo o que eles assistem tem o objetivo de passar uma mensagem, pedi para que refletissem a respeito e as respostas foram: “fazer com que a gente seja vaidosa”, “fazer a gente ir para o shopping”, “mostrar que devemos defender as pessoas mais fracas”.

    Utilizei-me de uma afirmação de Green & Bigum: “[...] Antes de mais nada, parece evidente que está sendo construída, atualmente, uma nova relação entre a escolarização e a mídia. É que não se trata apenas da crescente penetração da mídia no processo de escolarização, mas também, de forma mais geral, da importância da mídia e da cultura de informação pra a escolarização e para as formas cambiantes de currículo e de alfabetismo, com todos os problemas e possibilidades daí decorrentes.” (1995, p.214), para fazer uma relação entre as vivências e saberes dos alunos a partir de sua cultura e os saberes produzidos nos meios “formais” de educação.

    Fazendo uma relação com as lutas praticadas na “vida real”, pedi para que fizessem uma reflexão a respeito dos pontos em comum com as praticadas nos desenhos e fui registrando na lousa: em ambas se usa um tipo de roupa próprio para a prática, em ambas se utilizam armas, alguns movimentos, faixas e cores de roupa diferentes para indicar os mais habilidosos. Lembro que pedi para que os alunos fizessem uma relação com lutas em geral, não se prendendo a uma modalidade em particular.

    Continuando com a reflexão, pedi para que os alunos me dissessem quais eram os objetivos de quem lutava nos desenhos animados e a resposta foi “salvar o mundo”, “salvar o shopping”, “salvar uma pessoa”, ao passo de que nas lutas da “vida real” os objetivos são ganhar medalhas, participar de campeonatos, ganhar dinheiro, se defender etc.

    Pedi para que me dissessem o que havia de diferente nas lutas dos desenhos, foi difícil, percebi que alguns tinham dificuldade para separar a realidade do mundo dos desenhos, mas as respostas foram: “não tem vilões na vida real”, nos desenhos não tem um lugar próprio para lutar, no Dragon Bol Z os personagens lutam até morrer e quando morrem continuam lutando com uma aréola na cabeça, algumas armas e apetrechos não existem na vida real.

    Para realizar um “fechamento” do projeto, pedi para que os alunos se organizassem em duplas ou trios, e se preparassem para uma apresentação de luta na semana seguinte com as seguintes orientações:

  • Criação de um personagem

  • Criação de um nome para o personagem

  • Criação de uma roupa para caracterizar um personagem

  • Criação de um golpe especial

  • Elaboração de uma arma com material reciclável.

    Os alunos e alunas se dedicaram bastante para realizar a atividade proposta e o resultado foi muito bom. Nenhum aluno ficou de fora, com exceção de um aluno que estava com um problema de saúde e mesmo assim representou sua luta com dois bonequinhos de plástico.

    Para a mostra cultural solicitei aos alunos que elaborassem um relato onde deveriam dizer o que acharam das atividades desenvolvidas no projeto. Juntei as fotos e os relatos e confeccionei um mural expositivo.

    O resultado deste trabalho me surpreendeu bastante, principalmente em relação a participação e a seriedade com que realizaram cada atividade. Não tive dificuldades nos momentos de reflexão e também observei que não houve aqueles tipos de problemas com os quais estamos acostumados a lidar como a insistência para se jogar bola (futsal).

Registros fotográficos

Referências bibliográficas

  • GREEN, Bill & BIGUM, Chris. Praticando estudos culturais nas faculdades de educação. In: SILVA, Tomaz T. da, (org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. p. 208 a 240.

  • INÁCIO, P. Três espiãs demais ensinando um jeito de ser jovem menina. Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder, Florianópolis, 2008.

  • NEIRA, M. G. Ensino de Educação Física. São Paulo: Thomson, 2007.

  • NEIRA, Marcos G.; NUNES, M. L. F. Pedagogia da cultura corporal: crítica e alternativas. São Paulo: Phorte, 2006.

  • SÃO PAULO (Cidade). Secretaria de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Caderno de orientação didática: referencial de expectativas para o desenvolvimento da competência leitora e escritora no ciclo II do Ensino Fundamental da área de Educação Física. São Paulo: SME/DOT, 2007.

  • SÃO PAULO (Cidade). Secretaria de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para o Ensino Fundamental II - Educação Física. São Paulo: SME/DOT, 2007.

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