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Projeto Colônia de Férias: um relato de experiência

Proyecto Colonia de Vacaciones: un relato de experiencia

 

*Mestranda Educação Física UFSC

**Graduanda Educação Física UNIVATES

(Brasil)

Verônica Werle*

Letícia Beatriz Birck**

Jaqueline da Silva**

vewerle@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O presente artigo apresenta o relato de experiência do Projeto Colônia de Férias desenvolvido com crianças e jovens de 7 a 14 anos de idade, na cidade de Estrela, Rio Grande do Sul, Brasil. Tendo a perspectiva do lazer educativo foram elaborados os objetivos do Projeto: a) estimular a criatividade e autonomia para a (re) criação de atividades de lazer nos diferentes aspectos: recreativo, esportivo, turístico e educativo; b) ressignificar o tempo de férias escolares com momentos de prazer e alegria por meio de novas referências e possibilidades lúdicas; c) exercitar a integração, a socialização e a criação de vínculos entre os colonistas. O artigo apresenta os elementos teóricos e organizacionais utilizados na elaboração e execução do Projeto, além de relatar os aspectos positivos e as questões que precisam ser revistas. Foram inscritos 150 participantes, quantidade maior que a prevista, no entanto quer se destacar o desenvolvimento da capacidade crítica e criativa das crianças e jovens estimulada durante as atividades, bem como a satisfação demonstrada durante as vivências e as novas amizades formadas.

          Unitermos: Colônia de Férias. Lazer. Políticas Públicas.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 146 - Julio de 2010

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Introdução

    O presente estudo apresenta o relato de experiência referente ao Projeto Colônia de Férias 2009. O Projeto desenvolvido é uma das atividades correspondentes à política pública de esporte e lazer que prioriza as crianças e jovens adotada pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SMEL) da Prefeitura de Estrela, cidade localizado no Rio Grande do Sul.

    A necessidade para o desenvolvimento do Projeto Colônia de Férias é justificada basicamente por duas problemáticas enfrentadas pela Secretaria e pelas políticas de esporte e lazer de um modo geral, trata-se da manutenção destes direitos constitucionais1 também no período de férias escolares e da ênfase à dimensão do esporte de rendimento, inclusive nos espaços educativos.

    Tomando como referência alguns autores (PINTO, 2003 e ZINGONI, 2003), entendemos as políticas públicas como estratégias e intervenções promovidas ou apoiadas pelo poder público com o objetivo de melhora da qualidade de vida e atendimento dos direitos sociais.

    O período de férias escolares mais prolongado, que acontecem no verão e pelas suas características climáticas torna-se uma estação convidativa para as atividades ao ar livre, torna-se especialmente favorável para o acesso e manutenção dos direitos ao esporte e ao lazer. No entanto, as experiências tem mostrado uma diminuição de tempo e das variedades, inclusive o próprio encerramento, das atividades vinculadas às políticas de esporte e lazer durante esta época. Adicionando ao pouco reconhecimento social atribuído ao lazer e ao esporte informal (MARCELLINO, 2001; DUMAZEDIER, 2001; MELO, 2005), as dificuldades aumentam no período por decorrência de maiores obstáculo com a divulgação, que durante o ano é facilitada pelo vínculo com a instituição escolar, a diminuição da frequência dos alunos, a falta de infra-estrutura própria, as férias de professores e estagiários e também pela mudança de foco para as atividades de maior projeção como os campeonatos das modalidades de verão. Dificuldades parecidas foram encontradas por Antunes e Hatje (2002) em pesquisa realizada sobre o lazer no Rio Grande do Sul tendo como resultado a ausência de espaço físico, a falta de manutenção ou programas específicos e a falta de oferta do poder público.

    Outro aspecto presente na sociedade em geral é a supervalorização da performance esportiva em detrimento ao esporte educativo e de lazer, sentido que também tem se reproduzido nas políticas públicas por meio da espetacularização e mercadorização.

    Para Bracht (2002) a mercadorização é a marca mais forte do esporte moderno. Para o autor o esporte passou de manifestação cultural à mercadoria, de esporte cidadão a esporte consumidor e segue com a compreensão de que “Oferecer equipamentos e programas de esporte deixa de ser tarefa do Estado para ser oportunidade de negócio para a iniciativa privada” (p.198).

    A consequência do conjunto destes aspectos muitas vezes vem se configurando pelo negligenciamento do direito ao esporte e lazer no momento de maior ociosidade das crianças e jovens deixando-se de usufruir um tempo privilegiado para inserí-las na cultura de movimento. Foi a partir destas constatações, na tentativa de superar as dificuldades impostas que a SMEL planejou e desenvolveu o Projeto Colônia de Férias, que teve sua primeira edição no ano de 2007, ampliando-se nos anos seguintes e alcançando expressivo avanço em 2009.

    Com o objetivo de garantir e democratizar o direito ao esporte e lazer a partir de uma concepção de educação para e pelo lazer (MARCELLINO, 2004 e 2006) o Projeto teve os seguintes objetivos específicos em 2009: a) estimular a criatividade e autonomia para a (re) criação de atividades de lazer nos diferentes aspectos: recreativo, esportivo, turístico e educativo; b) ressignificar o tempo de férias escolares com momentos de prazer e alegria por meio de novas referências e possibilidades lúdicas; c) exercitar a integração, socialização e a criação de vínculos entre os colonistas.

Referencial teórico

    Apesar da conquista do esporte e lazer como direitos sociais desde a Constituição de 1988, as tentativas de organização e regulamentação nacional de políticas de esporte e lazer são recentes. Foi somente no ano 2003 a criação de um ministério próprio para o esporte através da Medida Provisória 103 que estabelece sua missão de “formular e implementar políticas públicas inclusivas e de afirmação do esporte e do lazer como direitos sociais dos cidadãos, colaborando para o desenvolvimento nacional e humano”. No entanto ainda faltam diretrizes, princípios e objetivos nacionais, tal como ocorre na educação, para efetivação destes direitos, o que faz com que governos locais estabeleçam diretrizes próprias e muitas vezes de forma frágil (MENICUCCI, 2008).

    Por isso, a criação da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer de Estrela no ano de 1985, através da lei Nº 1890, aponta um avanço significativo do município, inclusive porque a própria capital estadual transforma o seu setor de Esporte Recreação e Lazer em Secretaria somente no ano de 1994. O fato da criação de uma Secretaria específica, apesar das mudanças admistrativas e de concepções, contribuiu para desenvolvimento e reconhecimento da área no Município. Apesar de ainda ter muito a se fazer pela área no município, principalmente em relação a desmistificação do esporte e do lazer como atividades utilitárias (MARCELLINO, 2001), já é predominante a idéia que discutir políticas de esporte, lazer, cultura e educação significa discutir desenvolvimento humano (RODRIGUES, 2001). Ainda compartilha-se com o pensamento da autora ao explicar que quando alcançarmos os objetivos mais gerais destas áreas como a garantia do acesso, a qualidade e a universalidade, certamente teremos contribuído significativamente para o desenvolvimento do cidadão brasileiro.

    Tendo esta dimensão humana em mente, desenvolveu-se a proposta da Colônia de Férias a partir da compreensão crítica do lazer, inclusive em relação aos conteúdos esportivos, como uma forma de intervenção social para emancipação do sujeito.

    Assim, entendemos o lazer como uma:

    “Atividade de escolha individual, praticada no tempo disponível e que proporciona determinados efeitos, como o descanso físico ou mental, o divertimento e o desenvolvimento da personalidade e da sociabilidade, abrangendo assim interesses variados de lazer” (MARCELLINO, 2004, p.31)

    Um aspecto importante que vem sendo discutido nos estudos de lazer e outros direitos sociais é a força com que tornam-se produtos da indústria cultural. A transição do Estado Social para o Estado Neoliberal abriu espaço para o mercado organizar e direcionar os direitos conforme seu interesse, provocando alguns efeitos, tal como explica Dumazedier (2001):

    A exploração comercial dos grandes meio de divertimento e informação, procura sempre no homem um cliente fácil e ao oferecer-lhe a fruição de um mundo limitado, desvirtuado e falso, tornar-se-a não só um empecilho para o desenvolvimento humano, como também contribuirá para a sua estagnação e regreção (p.91).

    Em virtude deste contexto, considera-se importante também o aspecto educativo, do lazer (MARCELLINO, 2004 e 2006). Concorda-se com o autor que é preciso educar pelo lazer, tendo-o como um veículo para promover o desenvolvimento pessoal e social dos envolvidos, e também educar para o lazer, sendo ele mesmo o objeto, visando estimular a diversificação de atividades sendo necessário:

    […] o aprendizado, o estímulo, a iniciação aos conteúdos culturais, que possibilitem a passagem de níveis menos elaborados, para níveis mais elaborados, complexos, procurando superar o conformismo, pela criticidade e pela criatividade (p.50).

    O sociólogo Renato Requixa já apontava para o alto potencial educativo do lazer, e em relação a educar para o lazer sua reflexão ainda é válida e atual ao explicar que “o próprio exercício do lazer será o melhor estímulo educativo para o próprio lazer” (REQUIXA, 1980, p. 81).

    A partir destas compreensões, uma colônia de férias mostra-se uma possibilidade ímpar para se materializar uma proposta de intervenção educativa para e pelo lazer, de forma que a população aproprie-se deste direito.

    Para contribuir teóricamente sobre as colônias de férias, o trabalho de Silva (2008) torna-se uma referência, visto que há pouca produção científica e específica desta temática. A autora explica que as colônias de férias surgiram no Brasil associadas ao ideal higienista do início do século XX para ocupar o tempo dos filhos dos militares no período de férias, e sob esta forte influência militar objetivavam formar cidadãos fortes e saudáveis para representar o país.

    Assim como todas as demais possibilidades de lazer, Silva (2008) entende que a colônia de férias deve ter como única finalidade a satisfação e portanto: “[…] deveria se configurar como tempo-espaço privilegiado para difundir os valores do lazer, proporcionando oportunidades ímpares de exercício da autonomia, criticidade e criatividade” (p.41).

    Assunção (2004) contribui com a discussão caracterizando as colônias de férias como “locais de produção, ampliação e ressignificação cultural, mediante vivência lúdica dos diferentes conteúdos construídos pelo homem através da história” (p. 47-48).

    As experiências do Município no campo de políticas públicas de esporte e lazer, bem como o reconhecimento da área pelos gestores e as contribuições teóricas do campo, formaram um conjunto de elementos que permitiu a elaboração e o desenvolvimento do Projeto Colônia de Férias em que foram elementos: o planejamento coletivo, a reflexão crítica, a construção de regras e o desenvolvimento de atividades através de áreas temáticas e do contexto do grupo como será relatado.

Desenvolvimento do Projeto

    Inicialmente foi organizada uma proposta de Projeto baseada nas avaliações das duas edições anteriores, sendo então definido que abrangeria crianças e jovens de 7 a 14 anos de idade em quatro núcleos/bairros em situação de maior risco social, são eles: Bairro Marmitt, Bairro Imigrante, Bairro Auxiliadora e Bairro Boa União. Os espaços físicos para o desenvolvimento do Projeto seriam solicitados gratuitamente em parcerias com a comunidade local como os ginásios comunitários, as associações de moradores, ou escolas municipais. As atividades aconteceriam simultaneamente nos quatro núcleos, de segunda a quinta-feira, com 30 crianças por núcleo, no período da tarde entre 13h30min e 17h. A sexta-feira seria reservada para o planejamento dos professores juntamente com a coordenação geral e organização do material e espaços.

    Tendo em vista o caráter diversificado e intersetorial do lazer, a idéia era que o projeto fosse desenvolvido em parceria com as outras Secretarias e Departamentos da Prefeitura Municipal. Pois conforme Melo (2004) “ao percorrer as diferentes motivações humanas, trabalhando com diversas linguagens, estaríamos ampliando o alcance de nossa intervenção” (p. 51). Portanto, a proposta foi apresentada e discutida com os responsáveis por estes órgãos, sendo estes estimulados a contribuir a partir de suas áreas e conhecimentos. Passada uma semana desta reunião inicial, alguns órgãos retornaram com propostas de atividades e outros foram novamente contactados, entre estes últimos, alguns solicitaram mais tempo para pensar em formas de participação e outros decidiram não participar.

    Aprovada a proposta inicial em relação ao caráter organizacional do projeto e o apoio de outros setores, iniciou-se o planejamento coletivo das atividades que finalizou no seguinte programa:

Quadro 01. Demosntrativo do programa por Secretaria/Departamento

Secretaria/Departamento

Atividades

Secretaria Municipal de Esportes e Lazer

(SMEL)

Recreação

Jogos cooperativos; caça ao tesouro; brincadeiras tradicionais modificadas; mini gincana; brincadeiras com música e dança

Esportes

adaptados

Esportes tradicionais modificados com regras e materiais alternativos: vassourobol; volêi gigante; volei cego; handebol por zona e golfe adaptado.

Artes

Contrução de maquetes, livros e cartazes; mini cinema; oficinas argila e massa de modelar.

Passeios

Visitas a

Agroindústrias, Indústrias, passeio pelo roteiro turístico do município,

Secretaria Municipal da Saúde e Assistência Social

Palestra interativa sobre educação bucal, doenças sexualmente transmissíveis e narcóticos

Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento Básico

Caminhada ecológica pela cascata;

Palestras sobre flora e fauna brasileira e apresentação em vídeo de um documentário sobre a Mata Atlântica.

Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Turismo

Empréstimo de professores de música e teatro.

Secretaria Municipal de Agricultura

Visita a Agroindústria familiar de melado e rapadura

Departamento de Segurança do Trabalho

Palestras interativas sobre segurança no trabalho e doméstica, trazendo exemplos do cotidiano dos colunistas.

    Apesar do apoio dos outros setores municipais, a coordenação e acompanhamento de todas as atividades era da coordenação e dos professores de núcleo da SMEL. É importante destacar a participação da Secretaria no planejamento das atividades dos outros setores, principalmente em relação as questões didáticas e pedagógicas que eram dificuldades para os profissionais de outras áreas. As atividades da SMEL foram divididas em 4 grandes temas, conforme quadro 01, numa tentativa de diversificar ao máximo as atividades culturais e as vivências de lazer como indica Silva (2008) par este tipo de atividade.

    As inscrições dos participantes foram realizadas nas escolas dos bairros, nas últimas semanas de aula, visto que nas experiências anteriores houve dificuldade de realizar as inscrições após este período e em locais mais afastados. Apesar da mudança de estratégia, ainda foi preciso “buscar” inscrições de “porta em porta” para preencher as vagas antes do início do projeto. Acreditamos que a não completude do total de vagas nas escolas deveu-se a pouca divulgação da Escola e da diminuição da frequência neste período. Sobre esta questão, observou-se que após iniciado o Projeto as crianças e jovens apareciam para inscrever-se e na medida do possível eram aceitos pelos professores, apesar de terem núcleos onde a procura foi muito maior e infelizmente algumas crianças não puderam particpar. Este fenômeno configurou-se numa estratégia para as próximas edições, onde farse-á apenas metada das inscrições antecipadamente, deixando as vagas restantes para as inscrições no início das atividades.

    O Projeto Colônia de Férias aconteceu no período de 12 de janeiro de 2009 a 13 de fevereiro de 2009. Cada núcleo contava com dois professores estagiários, respectivamente orientados por um professor coordenador geral, que dava suporte ao trabalho pedagógico e mantinha a articulação entre os núcleos através de reuniões e atividades internúcleos.

    Apesar de uma programação prévia, o projeto desenvolveu-se respeitando as diferenças de cada comunidade e as características das crianças, levando em consideração além dos conteúdos, os aspectos de atitude e tempo, fundamentais para o desenvolvimento do lazer (MARCELLINO, 2006). A atitude caracteriza-se “pelo tipo de relação verificada entre o sujeito e a experiência vivida, basicamente a satisfação provocada pela atividade” (MARCELLINO, 2006, p. 8), enquanto que o tempo refere-se a um tempo livre das obrigações cotidianas.

    Assim em alguns núcleos foi possível desenvolver todas as atividades previstas, em outros precisavam ser modificadas ou mesmo reformuladas. A orientação dada aos professores e estagiários era de tentar explorar o lúdico e a criatividade nas brincadeiras, com vistas a desenvolver um sujeito criador do seu lazer, mesmo em momentos em que não participava de Projetos específicos. Desta forma o Projeto buscou superar a perspectiva assistencialista e conformista, conhecidas da história das políticas públicas de esporte e lazer.

    Além da programação exposta no Quadro 01, foi organizada a abertura oficial e um evento de encerramento. Na abertura, realizada uma semana após o início das atividades, cada núcleo apresentou-se conforme o tema que havia escolhido, cantaram, dançaram, leram poesias e por fim exclamaram um “Grito de Paz”. O encerramento foi realizado em um parque da cidade, novamente os núcleos foram reunidos para divertirem-se com atividades especiais como futebol de sabão, brinquedos infláveis, cama elástica, tirolesa, entre outros.

    No desenvolvimento do Projeto foram observados aspectos positivos e algumas dificuldades que permearam todos os núcleos e que serão apresentadas a seguir.

    As reuniões semanais foram destacadas positivamente pelos professores como um momento de trocas de experiências sobre alternativas pedagógicas em relação a modificações nas atividades e indisciplinas, além de ser um espaço para resolução de problemas organizacionais, manter contato com os pais e planejar os trabalhos da semana seguinte. As reuniões serviam portanto também como parte do processo avaliativo que, de acordo com Silva (2008) permite tanto retomar os objetivos quanto contribuir para elaboração das próximas temporadas.

    Os professores também perceberam como a participação dos outros setores no desenvolvimento de atividades causava curiosidade e interesses de muitas crianças. A caminhada ecológica guiada por um biólogo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento Básico foi sem dúvida um ponto alto do Projeto. Além de conhecer um ponto turístico do município, a Cascata Santa Rita, as crianças aprenderam sobre a fauna e a flora local (Mata Atlântica) e tiveram lições sobre como ajudar a proteger a vegetação, a água e o solo.

    Entre as atividades organizadas pela SMEL, a caça ao tesouro e os passeios provocaram maior euforia nos colonistas em virtude de serem ao ar livre e possibilitarem uma grande liberdade de movimentos. Estas atividades se destacam também por permitirem a participação de todos ao mesmo tempo, independente da idade. Ressalta-se ainda o desenvolvimento de jogos cooperativos e competitivos, que estimularam os participantes a refletirem e identificarem quais as características de cada uma das atividades e também quais as posturas mais adequadas para cada uma delas. Ao final do Projeto, as crianças e jovens participantes adquiriram mais autonomia, e um maior nível organizacional referente às atividades de lazer. Por exemplo, em pequenos grupos, os colonistas criavam novas atividades que eram apresentadas e aplicadas no grande grupo, demonstrando um comportamento crítico e inclusivo. Neste sentido, Silva (2008) entende que o trabalho do professor deve ser feito no sentido de sua extinção, pois indica uma situação ideal onde as crianças tivessem autonomia na descoberta e na fruição do lazer.

    Apesar de haver atividades onde a diferença de idade entre os participantes não comprometia o seu desenvolvimento, este ponto foi destacado para ser repensado nas próximas edições. Houveram muitos conflitos entre as crianças pequenas e os jovens, e estes se davam em virtude das diferenças nas habilidades, experiências e interesses no jogo, necessitando de estratégias constantes por parte dos professores. A tentativa de separar as crianças em dois grupos, ficando cada um dos professores sob a responsabilidade de um, foi promissora inicialmente, porém, o excesso de colonistas nos núcleos, devido ao grande número de pedidos de participação realizadas na hora, acabou gerando outras dificuldades. São aspectos que certamente serão considerados para a elaboração dos projetos seguintes, principalmente em relação a sua ampliação.

    Na reunião final de avaliação, os professores relataram as suas próprias aprendizagens, após um mês de intensa atividade. A convivência com os alunos em um espaço e em um tempo de lazer educativo requisitou a busca de novas alternativas pedagógicas e possibilitou uma maior aproximação e cumplicidade entre professores e alunos. Por outro lado, também solicitou novas formas de mediar conflitos e solucionar possíveis problemas, visto que apesar das combinações estabelecidas inicialmente, nem sempre eram reconhecidas e incorporadas, tal como se apresentam aquelas instituídas pela escola. O estímulo para a recriação de atividades conhecidas e criação de novas permitiu uma parendizagem mútua, tanto para professores como alunos.

Considerações finais

    Como resultado quantitativos do trabalho desenvolvido pode-se salientar o maior número de inscrições, total de 150, perante as 120 vagas disponibilizadas, mostrando a adesão da população e a necessidade de ampliação do número de núcleos e vagas para as próximas edições do Projeto. O reconhecimento da importância do Projeto foi observado pelas conversas com pais, com os outros setores da prefeitura, inclusive os que não se envolveram ativamente e, em especial, pelo Conselho Tutelar Municipal que registrou uma diminuição dos casos de atendimento naquele período. No entanto, quer se enfatizar o esforço e a crença no cumprimento, pelo menos em parte, dos objetivos do Projeto. O desenvolvimento da capacidade crítica e criativa das crianças e jovens nas atividades, bem como a satisfação demonstrada durante as vivências e as novas amizades formadas puderam ser observados pelos professores, coordenação e demais profissionais envolvidos.

    Apesar da lógica neoliberal e o próprio senso comum desvalorizarem o lazer, a sua prática é inerente ao ser humano e um direito social conquistado. O desenvolvimento de projetos como este apresentado, são uma possibilidade de ensinar/aprender a usufruir um tempo de lazer criado, conduzido, inventado, imaginado, fruto do próprio sujeito, de forma espontânea, em detrimento a uma necessidade imposta de consumi-lo como mercadoria, reforçando o entendimento de que as políticas de esporte e lazer são possíveis para além da concepção hegemônica.

Nota

  1. O lazer e o esporte são direitos garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, respctivamente nos artigos 6º e 217º, desde a sua promulgação em 1988.

Referências

  • ANTUNES, Sheila e HATJE, Marli. Lazer no RS: resgatando sua história no contexto urbano e rural. Santa Maria: Revista Kinesis, n° 26, p. 122-166, mai 2002.

  • ASSUNÇÃO, Cristiane Queiroz de Souza. Colônia de Férias. In: Dicionário Crítico do Lazer. GOMES, Christianne Luce (org.). Belo Horizonte: Autentica Editora, 2004, p. 47-48.

  • BRACHT, Valter. Esporte, história e cultura. In: Esporte, história e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2002.

  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil - artigos 6° e 217°, 1988.

  • DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 2001.

  • MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do Lazer – uma introdução. 4. ed., Campinas: Autores Associados, 2006.

  • _____________. Lazer e Educação. 11.ed. Campinas: Papirus, 2004.

  • _____________ (Org.). Lazer e esporte: políticas públicas. Campinas: Autores Associados, 2001.

  • MELO, Vitor Andrade. Conteúdos Culturais. In: Dicionário Crítico do Lazer. GOMES, Christianne Luce (org.). Belo Horizonte: Autentica Editora, 2004.

  • MELO, Marcelo P. A Vila Olímpica de Maré e as Políticas Públicas de Esporte no Rio de Janeiro: um debate sobre a relação lazer, esporte e escola. Porto Alegre: Movimento, Vol 11, nº 03, p.89-106, set/dez 2005.

  • MENICUCCI, Telma. Políticas de esporte e lazer: o estado da arte e um objeto em construção. In: ISAYAMA, Hélder e LINHALES, Meily (org). Avaliação de políticas e políticas de avaliação: questões para o esporte e o lazer. Belo horizonte: Ed UFMG, 2008

  • PINTO, Leila M. S. M. Inovação e avaliação: desafios para as políticas públicas de esporte e lazer. In WERNECK, Christianne L. G. e ISAYAMA, Hélder F. Lazer, Recreação e Educação Física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

  • REQUIXA, Renato. Sugestões de diretrizes para uma política nacional de lazer. São Paulo: SESC, 1980.

  • RODRIGUES, Rejane Penna. Secretaria Municipal de Esportes, Recreação e Lazer de Porto Alegre. In: MARCELLINO, Nelson Carvalho (Org.) Lazer e esporte: políticas públicas. Campinas: Autores Associados, 2001.

  • SILVA. Débora Alice Machado. Colônia de Férias Temática: fundamentando a ação a partir das contribuições de Paulo Freire. Universidade Metodista de Piracicaba, Faculdade de Ciências da Saúde, Mestrado em Educação Física. Piracicaba, 2008.

  • ZINGONI, Patrícia. Descentralização e participação em gestões municipais de esporte e lazer. In WERNECK, Christianne L. G. e ISAYAMA, Hélder F. Lazer, Recreação e Educação Física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

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