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O lugar da ginástica e do esporte na Escola Normal de 

Porteirinha, MG: um estudo histórico da Educação Física

El lugar de la gimnasia y del deporte en la Escuela Normal de Porteirinha, MG: un estudio histórica sobre la Educación Física

The place of the gymnastics and of the sport in the Normal 

School of Porteirinha, MG: a historical study of the Physical Education

 

Mestre em Educação, UIT, MG

Especialista em Treinamento de Força e Personal Training, Unimontes

Professor no Centro Universitário de Caratinga, UNEC,

curso de Educação Física, campus Janaúba, Minas Gerais

e na Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC)

Porteirinha, Minas Gerais

Wilney Fernando Silva

wilneyfernando@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo desse trabalho é fazer um levantamento do surgimento das práticas corporais estruturadas na Escola Normal de Porteirinha, Norte de Minas Gerais, sobretudo as do esporte e da ginástica, nas décadas de 1960/70. Utilizaram-se como técnicas a análise documental e entrevista semi-estruturada. Foram utilizados, para a tecitura do texto, artigos e livros de Castellani Filho (2006), Soares et al (2005) e Germano (1994). Concluiu-se que a Educação Física atingiu os objetivos propostos pela legislação da época e beneficiou os alunos por meio do esporte sistematizado.

          Unitermos: Educação Física. Esporte. Ginástica.

 

Abstract

          The purpose of this study is to survey the emergence of practices structured body of the Normal School Porteirinha, north of Minas Gerais, particularly in sports and gymnastics, in the decades of 1960/70. It was used as a technical document analysis and semi-structured interview. They were used for the writing of the work, articles and books of Castellani Filho (2006), Soares (2005) and Germano (1994). Concluded that physical education has reached the objectives proposed by the legislation of the time and enjoyed the students through sports systematized.

          Keywords: Physical Education. Sports. Gymnastics.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 146 - Julio de 2010

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Introdução

    O período pós-64 foi um retrocesso sob muitos aspectos. O período pode ser caracterizado pelo tecnicismo de suas propostas e pela ruptura autoritária em relação ao período escolanovista. Algumas regulamentações nesta época promoveram reformas que tinham como objetivo alinhar o sistema educacional aos objetivos do Governo Militar, como exemplo, a Lei nº 5692/71, que direcionou a disciplina Educação Física, em especial, ao projeto da classe dominante. Dentro desta disciplina ocorreu a introdução do Método Desportivo Generalizado, ou Movimento de Esportivização, que se contrapôs aos antigos métodos de ginástica tradicional, representando, pois, a incorporação do esporte dentro destas aulas. Concomitante a isto, a tendência tecnicista voltou-se para formar alunos, futuros trabalhadores, com finalidade de compor a mão-de-obra qualificada destinada ao desenvolvimento do País.

    Nesse sentido, este trabalho buscará descrever as principais práticas corporais estruturadas e organizadas dentro da Escola Normal de Porteirinha, durante as décadas de 1960 e 1970, sobretudo as utilizadas nas aulas de Educação Física.

    Declaramos que esta pesquisa não provoca conflito de interesse por parte da comunidade acadêmica.

Metodologia

    O presente trabalho enquadra-se no tipo de pesquisa qualitativa e histórica. Para isso, foram utilizados como principais teóricos para a tecitura do texto, artigos e livros de Lino Castellani Filho (2006), Carmem Lúcia Soares (2005) e José Wellington Germano (1994). Como técnicas de coletas de dados, utilizaram-se a entrevista semi-dirigida, análise iconográfica e análise documental. Neste sentido, foi entrevista uma professora aposentada de Educação Física. Na análise documental, foram estudadas leis, decretos, além do Regimento Interno da Escola. Na análise iconográfica, estudamos fotografias de momentos esportivos, como campeonatos, desfiles cívicos etc. Todos os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento livre e esclarecido e aceitaram a publicação de seus nomes.

    Nas falas dos entrevistados, notam-se as práticas pedagógicas do modelo de esportivização dentro do recinto escolar, a euforia dos estudantes frente aos inúmeros campeonatos regionais e estaduais e o incentivo e a preocupação da diretora desencadeados pelos decretos que obrigavam a valorização esportiva nas escolas.

    O texto será organizado em duas partes: na parte inicial, mostraremos alguns aspectos da história da Educação Física no ambiente escolar. Focaremos o surgimento desta disciplina nas grades escolares até chegarmos na década de 1970. Na segunda parte, focaremos documentos legais que regiam a metodologia do ensino da Educação Física do final da década de 1960 e 1970. Será problematizada como se deu a sistematização das atividades físicas organizadas no seio da Escola Normal de Porteirinha, principal instituição escolar da cidade e do extremo norte de Minas na época. Por fim, apresentaremos nossas considerações finais e referências.

Um pouco da história da Educação Física Escolar

    Para que se compreenda o momento selecionado da pesquisa – década de 1960 e 1970 – é necessário considerar suas origens no contexto brasileiro, abordando as principais influências que marcam e caracterizam esta disciplina. A construção teórica deste texto tem por base os aspectos históricos do Parâmetro Curricular Nacional de Educação Física (1997) (01).

    No século XIX, a Educação Física esteve estreitamente vinculada às instituições militares e à classe médica. Esses vínculos foram determinantes, tanto no que diz respeito à concepção da disciplina e suas finalidades quanto ao seu campo de atuação e à forma de ser ensinada (PCNs, 1997) (01). Visando melhorar a condição de vida, muitos médicos assumiram uma função higienista e buscaram modificar os hábitos de saúde e higiene da população.

    A Educação Física, então, favoreceria a educação do corpo, tendo como meta a constituição de um físico saudável e equilibrado organicamente, menos suscetível às doenças. Além disso havia no pensamento político e intelectual brasileiro da época uma forte preocupação com a eugenia. Como o contingente de escravos negros era muito grande, havia o temor de uma “mistura” que “desqualificasse” a raça branca (SOARES et al, 2005) (02). Dessa forma, a educação sexual associada à Educação Física deveriam incutir nos homens e mulheres a responsabilidade de manter a “pureza” e a “qualidade” da raça branca, afirma Soares et al (2005) (02).

    Embora a elite imperial estivesse de acordo com os pressupostos higiênicos, eugênicos e físicos, havia uma forte resistência na realização de atividades físicas por conta da associação entre o trabalho físico e o trabalho escravo (PCNs, 1997) (01). Qualquer ocupação que implicasse esforço físico era vista com maus olhos, considerada “menor”. Essa atitude dificultava que se tornasse obrigatória a prática de atividades físicas nas escolas, afirma os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) (01).

    Dentro dessa conjuntura, as instituições militares sofreram influência da filosofia positivista, o que favoreceu que tais instituições também pregassem a educação do físico. Almejando a ordem e o progresso, era de fundamental importância formar indivíduos fortes e saudáveis, que pudessem defender a pátria e seus ideais (COLETIVO DE AUTORES, 2005) (02).

    No ano de 1851 foi feita a Reforma Couto Ferraz, a qual tornou obrigatória a Educação Física nas escolas do município da Corte. De modo geral houve grande contrariedade por parte dos pais em ver seus filhos envolvidos em atividades que não tinham caráter intelectual. Em relação aos meninos, a tolerância era um pouco maior, já que a idéia de ginástica associava-se às instituições militares; mas, em relação às meninas, houve pais que proibiram a participação de suas filhas, afirma Soares et al (2005) (02).

    Em 1882, Rui Barbosa deu seu parecer sobre o Projeto 224 – Reforma Leôncio de Carvalho, Decreto nº. 7.247, de 19 de abril de 1879, da Instrução Pública –, no qual defendeu a inclusão da ginástica nas escolas e a equiparação dos professores de ginástica aos das outras disciplinas. Nesse parecer, ele destacou e explicitou sua idéia sobre a importância de se ter um corpo saudável para sustentar a atividade intelectual (SOARES et al, 2005) (02).

    O Coletivo de Autores (2005) (02), importante obra da área da Educação Física, mostra que no início do século passado, a Educação Física, ainda sob o nome de ginástica, foi incluída nos currículos dos Estados da Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo. Nessa mesma época a educação brasileira sofria uma forte influência do movimento escolanovista, que evidenciou a importância da Educação Física no desenvolvimento integral do ser humano. Essa conjuntura possibilitou que profissionais da educação na III Conferência Nacional de Educação, em 1929, discutissem os métodos, as práticas e os problemas relativos ao ensino da Educação Física.

    Para Soares et al (2005) (02), a Educação Física que se ensinava nesse período era baseada nos métodos europeus – o sueco, o alemão e, posteriormente, o francês –, que se firmavam em princípios biológicos. Faziam parte de um movimento mais amplo, de natureza cultural, política e científica, conhecido como Movimento Ginástico Europeu, e foi a primeira sistematização científica da Educação Física no Ocidente.

    Conforme o Parâmetro Curricular Nacional de Educação Física (1997) (01), na década de 1930, no Brasil, dentro de um contexto histórico e político mundial, com a ascensão das ideologias nazistas e fascistas, ganham força novamente as idéias que associam a eugenização da raça à Educação Física. O exército passou a ser a principal instituição a comandar um movimento em prol do “ideal” da Educação Física que se mesclava aos objetivos patrióticos e de preparação pré-militar.

    O discurso eugênico logo cedeu lugar aos objetivos higiênicos e de prevenção de doenças, estes sim, passíveis de serem trabalhados dentro de um contexto educacional. A finalidade higiênica foi duradoura, pois instituições militares, religiosas, educadores da “Escola Nova” e Estado compartilhavam de muitos de seus pressupostos. Mas a inclusão da Educação Física nos currículos não havia garantido a sua implementação prática, principalmente nas escolas primárias. Embora a legislação visasse tal inclusão, a falta de recursos humanos capacitados para o trabalho com Educação Física escolar era muito grande (PCNs, 1997) (01).

    Apenas em 1937, na elaboração da Constituição, é que se fez a primeira referência explícita à Educação Física em textos constitucionais federais, incluindo-a no currículo como prática educativa obrigatória (e não como disciplina curricular), junto com o ensino cívico e os trabalhos manuais, em todas as escolas brasileiras. Também havia um artigo naquela Constituição que citava o adestramento físico como maneira de preparar a juventude para a defesa da nação e para o cumprimento dos deveres com a economia (PCNs, 1997, p. 20) (01).

    Segundo o Coletivo de Autores (2005) (02), os anos 1930 tiveram ainda por característica uma mudança conjuntural bastante significativa no País: o processo de industrialização e urbanização e o estabelecimento do Estado Novo. Nesse contexto, a Educação Física ganhou novas atribuições: fortalecer o trabalhador, melhorando sua capacidade produtiva, e desenvolver o espírito de cooperação em benefício da coletividade.

    Do final do Estado Novo até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, houve um amplo debate sobre o sistema de ensino brasileiro. Nessa lei ficou determinada a obrigatoriedade da Educação Física para o ensino primário e médio. A partir daí, o esporte passou a ocupar cada vez mais espaço nas aulas de Educação Física (COLETIVO DE AUTORES, 2005) (02).

    Soares et al (2005) (02) afirma que o processo de esportivização da Educação Física escolar iniciou com a introdução do Método Desportivo Generalizado, que significou uma contraposição aos antigos métodos de ginástica tradicional e uma tentativa de incorporar esporte, que já era uma instituição bastante independente, adequando-o a objetivos e práticas pedagógicas.

    Após 1964, a educação, de modo geral, sofreu as influências da tendência tecnicista. O ensino era visto como uma maneira de se formar mão-de-obra qualificada. Era a época da difusão dos cursos técnicos profissionalizantes. Nesse quadro, em 1968, com a Lei nº. 5.540, e, em 1971, com a 5.692, a Educação Física teve seu caráter instrumental reforçado: era considerada uma atividade prática, voltada para o desempenho técnico e físico do aluno, afirma Soares et al (2005) (02).

    Conforme o Parâmetro Curricular Nacional de Educação Física (1997) (01), na década de 70, a Educação Física ganhou, mais uma vez, funções importantes para a manutenção da ordem e do progresso. O Governo Militar investiu na Educação Física em função de diretrizes pautadas no nacionalismo, na integração nacional (entre os Estados) e na segurança nacional, tanto na formação de um exército composto por uma juventude forte e saudável como na tentativa de desmobilização das forças políticas oposicionistas. As atividades esportivas também foram consideradas como fatores que poderiam colaborar na melhoria da força de trabalho para o “milagre econômico brasileiro”. Nesse período estreitaram-se os vínculos entre esporte e nacionalismo. Um bom exemplo é o uso que se fez da campanha da seleção brasileira de futebol, na Copa do Mundo de 1970.

    Em relação ao âmbito escolar, a partir do Decreto nº. 69.450, de 1971, considerou-se a Educação Física como “a atividade que, por seus meios, processos e técnicas, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando”. A falta de especificidade do decreto manteve a ênfase na aptidão física, tanto na organização das atividades como no seu controle e avaliação. A iniciação esportiva, a partir da quinta série, tornou-se um dos eixos fundamentais de ensino; buscava-se a descoberta de novos talentos que pudessem participar de competições internacionais, representando a pátria (PCNs, 1997, p. 22) (01).

    Nesse período, o chamado “modelo piramidal” norteou as diretrizes políticas para a Educação Física: a Educação Física escolar, a melhoria da aptidão física da população urbana e o empreendimento da iniciativa privada na organização desportiva para a comunidade comporiam o desporto de massa que se desenvolveria, tornando-se um desporto de elite, com a seleção de indivíduos aptos para competir dentro e fora do País (SOARES et al, 2005) (02).

    Na próxima seção, mostraremos a sistematização das atividades físicas organizadas no seio da Escola Normal de Porteirinha, principal instituição escolar da cidade e do extremo norte de Minas na época, bem como a discussão dos itens problematizados.

Resultados e discussão

O papel da Educação Física na Escola Normal de Porteirinha/MG

    A Educação Física, exercendo uma função ideológica forte de Estado, começou na ditadura de Getúlio Vargas, ainda na década de 1930, afirma Peixoto (2000) (03). Vargas fez da escola um elemento de fortalecimento dos laços de união nacional. Convocavam-se os estudantes para as paradas militares comemorativas do Dia da Pátria e do aniversário do Estado Novo. Promoviam-se torneios e grandes festividades em homenagem ao Dia da Criança, ao Dia da Juventude Estudantil. Havia a emissão de mensagens alusivas ao Dia do Professor e realizavam-se cerimônias coletivas para a entrega de diplomas de conclusão do Curso Primário, afirma Peixoto (2000) (03).

    Na década de 1960 esta concepção reaparece nas regulamentações da lei 4024/61(14). Nos currículos escolares, a Educação Física teve, fundamentalmente, o papel de reforçar e sustentar a visão ideológica da classe dominante, afirma Germano (1994) (04).

    Na Escola Normal de Porteirinha, um documento importante, o Regimento Interno, apresenta a Educação Física: “como Prática Educativa era obrigatória para todos os alunos até a idade de 18 anos, sendo a freqüência levada em conta separada das demais disciplinas” (GINÁSIO NORMAL OFICIAL, 1967-68, p. 07) (16). O Artigo 22 da lei nº. 4024/61 (14), que tratava da obrigatoriedade da Educação Física dentro das escolas, foi regulamentado pelo decreto número 58.130 de 31 de março de 1966.

    Este decreto justificava-se pela importância do desenvolvimento integral da personalidade do homem e no argumento de que a educação do povo brasileiro estava intimamente ligada aos interesses da defesa nacional, para a qual a Educação Física muito contribuía (BRASIL, 1966, p. 95) (11). O decreto também definia que ela tinha por objetivo “aproveitar e dirigir as forças do indivíduo – físicas, morais, intelectuais e sociais – de maneira a utilizá-las na sua totalidade, e neutralizar, na medida do possível, as condições negativas do educando e do meio”. De acordo com os grifos, a Educação Física era um meio de controle do estudante, um meio de enquadrá-lo nas regras ditatoriais, uma forma de disciplinar o jovem, bem como as futuras crianças, movendo o ciclo de reprodução. O termo reprodução refere-se às funções escolares enquanto responsáveis pela reprodução cultural e pela conservação social, mantendo o status quo à classe hegemônica (BOURDIEU, 1992) (05).

    Segundo Soares (2001) (06), a introdução do Método Desportivo Generalizado representou a incorporação do esporte dentro das aulas de Educação Física. O conteúdo esporte expandia-se, ocupando cada vez mais espaço nas aulas de Educação Física nas escolas brasileiras (SOARES, 2001) (06). Segundo Castellani Filho (2006) (07), ao mesmo tempo, a tendência tecnicista voltava-se para formar alunos, futuros trabalhadores, com mão-de-obra qualificada para o desenvolvimento do País. Foi nesse momento que se atrelaram esporte e tecnicismo. Dessa mistura pedagógica, “resultaram aulas voltadas para o desempenho técnico e físico do aluno, para formar futuros atletas, para compor, através de severas seleções, o desporto de alto nível do Brasil” (CASTELLANI FILHO, 2006, p. 100) (07).

    A mídia também não ficou de fora. “Intensificou-se a utilização de propaganda para veicular a força do povo brasileiro e a necessidade de se acreditar no País”, afirmam Soares et al (2005, p. 14) (02). O exemplo mais concreto disso aconteceu com a Seleção Brasileira de Futebol de 1970, na Copa do México e com os atletas medalhistas em olimpíadas, que ajudavam a disseminar o mito do Milagre Econômico Brasileiro.

    Portanto, é notório um investimento pelo Governo Militar no esporte. Os principais objetivos desse apoio foram: aposta no nacionalismo, que fazia o povo torcer com os times que representavam o País no exterior; integração nacional, que se traduziam em competições entre Estados, Municípios, e que ajudavam a disseminar a multiplicidade e a grandiosidade da Nação; segurança nacional era um item importante, pois, o desenvolvimento não conseguia se manter sem a ajuda da segurança – a Educação Física tinha o objetivo de modelar os corpos dos futuros trabalhadores, dentre eles, o das forças militares –; e a desmobilização de forças políticas oposicionistas (SOARES et al, 2005) (02).

    Segundo Castellani Filho (2006) (07), na prática escolar, o Decreto nº. 69.450 de 1971 colocou a iniciação esportiva na 5a série, e com ela a seleção de alunos/atletas com um dos objetivos de representar a Pátria e a força da Nação. No entanto, a Educação Física na Escola Normal de Porteirinha tinha dois lados: atingir os objetivos propostos pela legislação e, também, beneficiar os alunos com o esporte sistematizado.

    Não existia, pois, esporte sistematizado e organizado até então, segundo o depoimento de Dona Sêlva Lima, primeira professora habilitada em nível superior, que atuou na Escola Normal e no município. No depoimento da ex-professora/diretora Sêlva Lima Faria, conta como funcionavam as aulas de Educação Física:

    Quem era a diretora na época era Dona Lucy, uma pessoa muito competente, gostava das coisas muito certas, e foi uma boa diretora, apesar de ter sido no período do regime militar. Ela tinha uma visão boa da educação, ela queria o melhor para a Escola Normal, eu tinha um relacionamento bom com ela, porque naquela época eu saí de Belo Horizonte com tudo moderno de material: bolas, trampolim, Ginástica de Solo; então, ela tentou me dar, me proporcionar esses materiais.

    [...] Ela me pediu a relação de materiais que eu queria, de que eu precisava. E a gente sentia muita dificuldade para compra de bolas, o pessoal não tinha costume com esporte [...]. Então dava um trabalho danado!

    Mas aí eu fazia os alunos gostarem de Educação Física [...]. Incentivava, fazia jogos, competições e tudo mais. Foi ótimo! (Dona Sêlva Lima).

    A professora ainda descreve como desenvolvia sua prática pedagógica dentro do modelo de esportivização, em voga nos anos 1960 e 1970:

    Eu gostava muito de vôlei, então nós tivemos times de vôlei muito bons aqui e que eram referência até em Montes Claros, onde aconteciam Jogos Estudantis. A gente ganhava dos montesclarense e de Janaúba, a gente perdia... Tínhamos um bom relacionamento esportivo com outras cidades. Houve dias em que eu me levantava 4 horas da madrugada para treinar os que tinham habilidade, para não atrapalhar as aulas. Nem tomavam café direito, treinava, voltava de novo pra casa e, novamente, para a escola para começar a aula às 7 horas. Mas era muito bom. E os meninos levantavam! Eles iam na maior farra na rua. Eu chegava lá e estava todo mundo para treinar [...].

    Eu dava medalha. Fazia corrida, atletismo, fazia campeonato de atletismo, de futsal (Dona Sêlva Faria).

    Em outra passagem no seu depoimento, percebe-se a euforia dos estudantes frente aos inúmeros campeonatos regionais e estaduais, nos quais a Escola Normal participava. É notório, também, o incentivo e a preocupação da diretora – desencadeada pelos decretos que obrigava a valorização esportiva nas escolas – que se consubstanciavam na aquisição do material esportivo, como bolas e materiais de ginástica:

    Foi uma alavancada! O pessoal ficou louco com a Educação Física, e às vezes ficava entusiasmado para fazer, eu “endoidava” os meninos, eles perguntavam: “vai ter em qual dia?”, “que hora nós vamos treinar?”, e aquela confusão. Todo mundo queria ser Baliza nos desfiles de 7 de setembro. Até hoje eu tenho alunas que falam: “Ô, Dona Sêlva, mas eu queria tanto ser Baliza, e quando eu olhava assim e não me chamava, eu fiquei tão triste”. Mas na época tinha que chamar as pessoas que tinham mais coordenação, mais habilidade, que tinham jeito para a Ginástica de Solo, porque na realidade não era Baliza, era Ginástica de Solo, eles que não sabiam que era isso [...].O material foi Dona Lucy que comprou, era de primeira linha mesmo para Porteirinha (Dona Sêlva Faria).

    A construção, sistematização e fixação das práticas esportivas no interior e fora da Escola são apresentadas na fala da docente. Essas práticas, apesar de terem tido um começo tímido, em virtude da falta de sistematização, ou, possivelmente, pelo não conhecimento dos esportes pelos estudantes, encontraram terras firmes para seu fortalecimento na Escola Normal de Porteirinha. O esporte era, pois, objeto da Educação Física na escola e um conteúdo importante que suscitava talentos esportivos para participação em competições externas.

    A Educação Moral e Cívica, outra disciplina ideológica de Estado, era obrigatória para os estabelecimentos educacionais oficiais. Sendo fixada pelo artigo 7º e seu parágrafo único, do Decreto-Lei 869/69, e, juntamente com a Organização Social e Política Brasileira (OSPB), “articulavam-se como complemento forçoso da geografia, da história, das noções de direito social e direito pátrio, subjugando e forjando a estrutura social vigente” (BRASIL, 1969, p. 02) (13).

    A Educação Moral e Cívica, como estabelecia a própria lei que regulamentou o seu ensino,

    [era] tratada como disciplina, se se tem em mira a aquisição do conhecimento sistematizado, como principal intenção; e como atividade se a intenção fundamental for a aquisição de valores, o desenvolvimento de atitudes, ou seja, modificações dos comportamentos emocionais ou afetivos, mediante vivências em situações concretas (grifos meus) (BRASIL, 1969, p. 03) (13).

    Então, esta atividade, tinha uma finalidade ideológica explícita, provocar no indivíduo uma modificação no seu modo de pensar e agir. A intenção era fazer uma “lavagem cerebral”, permitindo, dessa maneira, a anulação das forças oposicionistas e a conseqüente sedimentação da ordem social desigual vigente.

    No calendário da Escola Normal do ano de 1971 (17), constavam as comemorações cívicas obrigatórias, que ficavam a cargo dos professores de Educação Física, Educação Moral e Cívica e OSPB. Algumas dessas datas, às quais a política educacional do Governo Militar reforçou e obrigava “comemorar”, e que, de forma mais ou menos explícita, provocavam aquelas modificações de comportamentos:

  • 31/03 Revolução 31 de março

  • 13/05 Dia da Escravatura

  • 25/08 Dia do Soldado

  • 12/10 Descobrimento da América

  • 24/10 Dia das Nações Unidas.

    Constavam, também, as Semanas Cívico-Sociais, neste calendário escolar (1971) (17):

  • 14 a 21/04 Semana da Independência

  • 01 a 07/09 Semana da Pátria

  • 17 a 23/10 Semana da Asa.

    O calendário apresentado expressava o pensamento político da época: um misto de culto às figuras militares; ideologia de alguns elementos que camuflavam a enorme dependência do Brasil com outras nações; comemoração do Brasil enquanto potência que recebe o desenvolvimento; além da harmonia e sintonia entre as Américas, expressavam-se, fortemente, no currículo e nas práticas docentes.

    Os desfiles na cidade em comemoração ao dia 7 de setembro, por exemplo, representavam o ápice das práticas patriotistas, de exaltação à disciplina e à ordem. Este dispositivo normatizava, padronizava e homogeneizava os alunos. Segundo Nunes (2002, p. 52) (08), “as festas cívicas, de grande importância na República, criavam e difundiam sentimentos, valores e sentidos sociais junto aos estudantes, as suas famílias e a toda comunidade do entorno da escola”. Segundo esta autora,

    Sua ação pedagógica era formar o povo, construir uma identidade nacional, embora elas não possam ser reduzidas a esse caráter funcional já que para além dos seus objetivos políticos, constituíam (e ainda constituem) momentos em que uma coletividade investe de sentido o mundo em que vive (NUNES, 2002, p. 54) (08).

    Comumente desenvolvido no feriado nacional, os desfiles do 7 de setembro eram uma “febre” no Brasil na década de 1970, afirma Monacorda (2002) (09). Em Porteirinha, além de ter obrigação legal, todos funcionários da Escola Normal tinham que se envolver no evento. Dona Delcy Pereira, ex-secretária, e Dona Sêlva Lima, ex-professora, contam como era o período de preparação:

    A escola toda se envolvia três meses antes, todos os professores. Eram formadas as comissões. Se um não queria arrumar o carro alegórico, mas ele já estava em outra comissão, que tinha que providenciar o carro, ou tinha que providenciar os cavalos. Então, formavam-se comissões e todos participavam. [...]

    Era uma festividade que chamava a atenção da comunidade, das pessoas da rua. Os desfiles eram envolventes, todo mundo queria participar. Vendo as fotos você vê quanta gente ia lá prestigiar. A comunidade toda se envolvia (Dona Delcy Pereira).

    Eram muito bem celebrados, Hino Nacional, com Dr. Arnaldo que tinha um vozeirão e ele falava: “Fulano!”, e a pessoa olhava para o lado, quando chamava o nome, a pessoa quase morria de vergonha. Era levada muito a sério essa parte do civismo, do respeito (Dona Sêlva Lima).

    Conforme análise iconográfica, realizada por meio de fotografias localizadas nos acervos históricos da Escola Normal, os desfiles constavam de pelotões de alunos que executavam marchas militares sincronizados com o ritmo forte e marcante da fanfarra. Esta última se apresentava sempre de forma impecável: com integrantes sempre arrumados, alinhados e bem treinados, a fanfarra da Escola Normal passava pelas ruas e deixava os corações dos expectadores palpitando. As porta-bandeiras vinham sempre à frente. Havia pelotões que desfilavam a cavalo. Havia carros alegóricos que exaltavam personagens como Santos Dumont, Princesa Isabel, esportistas famosos como Pelé, dentre outros.

    Mas uma figura muito querida nos desfiles eram as “balizas”, grupo de alunas selecionadas e que faziam apresentações de ginástica de solo. Selecionadas dentre as mais flexíveis e habilidosas, faziam piruetas, cambalhotas, demonstravam suas habilidades motoras com bastões, arcos e bolas. Deixavam registradas por onde passavam sua graciosidade, plasticidade e leveza, encantando todos.

    Então, o conjunto que misturava força, disciplina e espírito cívico dos pelotões de alunos, juntamente com a graciosidade, habilidade e leveza das balizas, marchava rumo ao “progresso” de Porteirinha. Nesse conjunto, todos tinham algo a oferecer: força, habilidade, destreza, assim,

    O poder de regulamentação obriga à homogeneidade; mas individualiza, permitindo medir os desvios, determinar os níveis, fixar as especificidades e tornar úteis as diferenças, ajustando-as umas as outras [...] dentro de uma homogeneidade que é regra, ele [o poder da norma] introduz como um imperativo útil e resultado de uma medida, toda a graduação das diferenças (FOUCAULT, 1996, p. 164) (10).

    Era, portanto, o poder da homogeneização, do disciplinamento, da ordem materializados nas práticas da Escola Normal de Porteirinha, nas décadas de 1960 e 1970. Estas eram nítidas nos corpos dos alunos, em suas posturas. Este diagrama do poder, conforme Foucault (2007, p. 17) (11):

    trabalha no corpo dos homens, manipula seus elementos, produz comportamento, enfim, fabrica o tipo de homem necessário ao funcionamento e manutenção da sociedade industrial, capitalista. Ligada à explosão demográfica do século XVIII e ao crescimento do aparelho de produção, a dominação política do corpo que ela realiza responde à necessidade de sua utilização racional, intensa, máxima, em termos econômicos. Mas, por outro lado – e isso é um aspecto bastante importante da análise – o corpo só se torna força de trabalho quando trabalhado pelo sistema político de dominação característico do poder disciplinar (FOUCAULT, 2007, p. 17) (11).

    Percebe-se, portanto, que a disciplina compunha um tipo de organização do espaço. Era uma técnica de distribuição dos indivíduos por meio da inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório, combinatório. Ela isolava em um espaço fechado, esquadrinhado, hierarquizado, capaz de desempenhar funções diferentes segundo o objetivo específico que dele se exigisse.

Considerações finais

    Pelos depoimentos e documentos analisados, não existia, antes da instalação da Escola Normal de Porteirinha, esporte sistematizado e organizado no município. Após a chegada desta instituição, percebe-se que a Educação Física atingiu os objetivos propostos pela legislação da época e também beneficiou os alunos por meio do esporte e ginástica sistematizados, com o intuito de suscitar possíveis talentos esportivos.

    A prática pedagógica do docente de Educação Física pautava-se no modelo de esportivização. Na pesquisa, nota-se a euforia dos estudantes frente aos inúmeros campeonatos regionais e estaduais, nos quais a Escola Normal participava. É notório, também, o incentivo e a preocupação da diretora com a Educação Física – desencadeada pelos decretos que obrigava a valorização esportiva nas escolas – que se consubstanciavam na aquisição do material esportivo, como bolas e materiais de ginástica.

    A construção, sistematização e fixação das práticas esportivas no interior e fora da Escola, apesar de terem tido um começo tímido, em virtude da falta de sistematização, ou, possivelmente, pelo não conhecimento dos esportes pelos estudantes, encontraram terras firmes para seu fortalecimento na Escola Normal de Porteirinha. O esporte era, pois, objeto da Educação Física na Escola e um conteúdo importante que suscitava talentos esportivos para participação em competições externas.

    O poder do disciplinamento e da ordem, materializados nas práticas utilizadas na disciplina Educação Física da Escola Normal de Porteirinha, nas décadas de 1960 e 1970, eram nítidas nos corpos dos alunos e nas suas posturas.

Referências bibliográficas

  1. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1997.

  2. SOARES, Carmem Lúcia et al. Metodologia do Ensino da Educação Física (Coletivo de Autores). São Paulo: Cortez, 2005.

  3. PEIXOTO, Ana Maria Casasanta. Magistério: idas-e-vindas de uma profissão – Minas Gerais (1889-1970). In: PEIXOTO, Ana Maria Casasanta; PASSOS, Mauro (orgs.). A escola e seus atores: educação e profissão docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

  4. GERMANO, José Wellington. Estado Militar e Educação no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1994.

  5. BOURDIEU, Pierre. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

  6. SOARES, Carmem Lúcia. Educação Física: raízes européias e Brasil. 2. ed. revista. Campinas: Autores. Associados, 2001.

  7. CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: A história que não se conta. 12. ed. Campinas: Papirus, 2006.

  8. NUNES, Clarice. Ensino normal – formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

  9. MONACORDA, Mario Alighiero. História da Educação – da Antiguidade aos nossos dias. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

  10. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

  11. _______________. Microfísica do poder. Tradução Roberto Machado. 24. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2007.

Documentos Originais

  1. BRASIL. Decreto 58.130, de 31 de março de 1966. Regulamenta o art.22 de dezembro de 1961, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In: Documento n. 50. Rio de Janeiro, abr.1966.

  2. ________. Decreto-Lei 869, de 12 de setembro de 1969. Dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País, e dá outras providências. In: Legislação brasileira do ensino de 2º grau: coletânea de atos federais. Brasília: DEM, 1978.

  3. ________. Decreto 68.065, de 14 de janeiro de 1971. Regulamenta o Decreto-Lei n. 869, de 12 de setembro de 1969, que dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades dos sistemas de ensino do país, e dá outras providências. In: Documento n. 122. Rio de Janeiro, jan.1971.

  4. ________. Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

  5. ________. Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus.

  6. GINÁSIO NORMAL OFICIAL. Regimento Interno (1968). Porteirinha/MG, 1967.

Entrevistas

  • Delcy Pereira dos Santos – 30/07/2007.

  • Sêlva Lima Faria – 02/01/2008.

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