efdeportes.com

O discurso dos docentes do primeiro segmento do ensino

fundamental sobre o bullying homofóbico na Educação Física escolar

El discurso de los docentes del primer ciclo de educación elemental sobre el bullying homofóbico en la Educación Física escolar

The teacher’s discourse of elementary school about the homophobic bullying in school physical education

 

*Licenciada e Bacharel em Educação Física, UNISUAM, RJ

**Doutor em Educação Física e Cultura

Professor da UNISUAM/RJ e do

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

em Ciências da Atividade Física, UNIVERSO, RJ

Morjana Britto Peçanha*

Fabiano Pries Devide**

fabianodevide@uol.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste estudo de caso foi investigar como os docentes de uma escola privada do município do Rio de Janeiro atuam para minimizar o bullying homofóbico nas aulas de Educação Física escolar (EFe). A pesquisa utilizou uma entrevista semi-estruturada para coleta de dados. O grupo de informantes foi constituído por cinco docentes licenciados em Educação Física (EF). Após a análise de conteúdo do discurso dos informantes, foram construídas quatro categorias: “linguagem discriminatória”, “Desconhecimento da expressão bullying”, “Habilidade motora e Identidade Sexual” e “Ações para minimizar o bullying”. Conclui-se que o grupo não conhece a expressão bullying, apesar de identificar ações discriminatórias nas aulas de EFe, utilizando ações para minimizar o bullying nas aulas.

          Unitermos: Bullying. Homofobia. Educação Física escolar. Gênero.

 

Abstract

          The objective of this study case was to investigate how teachers of an elementary private school in Rio de Janeiro manage the homophobic bullying in Physical Education classes. A structure interview was done with five physical education teachers. After the content analysis of the data, four categories were constructed: “discriminatory language”, “unfamiliarity with the expression bullying”, “motor skill and sexual identity”, and “actions to minimize the bullying”. We concluded that the teacher's discourse showed that they don't have knowledge about the expression bullying, but they identify the existence of discriminatory actions in Physical Education classes, using actions to minimize this situation in their classes.

          Keywords: Bullying. Homophobia. School Physical Education. Gender.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 146 - Julio de 2010

1 / 1

Introdução

    Ao se depararem com situações de desrespeito e violência, os docentes devem auxiliar os discentes de forma inclusiva, mostrando-lhes que agir de forma agressiva e desrespeitosa é inadequado. O docente deve ficar atento com os discentes agressivos e zombadores, pois o que por muitos é visto como uma “brincadeira” da idade pode trazer sofrimento e constrangimento para colegas mais tímidos e introvertidos (OLIVEIRA, VOTRE, 2006).

    Discentes com perfil introvertido tendem a não tomar nenhuma atitude, acatando tais ações, contribuindo para acarretar problemas na fase adulta, tais como: prejuízo na constituição familiar, problemas nas relações de socialização no trabalho, comprometimento da saúde física e mental, além de problemas de rendimento escolar, emocional, social e psíquico da criança e do adolescente (FANTE, 2005).

    Neste contexto, é papel do docente agir de forma mediadora, mostrando aos discentes que todos/as devem ser respeitados, tomando atitudes que façam com que os colegas reflitam de maneira a não agir de forma discriminatória, conscientizando o/a agressor/a, promovendo um ambiente escolar sadio e seguro (LOPES NETO, 2005).

    A identidade de gênero, por vezes, é um fator desencadeador de práticas discriminatórias. Na sociedade, a identidade de gênero (IG) pode ser vista como padrão ou regra estabelecida relacionada ao comportamento, às ações, aos modos de se relacionar, vestir e falar que definem o indivíduo como um cidadão (LOURO, 1997). Muitos discentes, por terem uma IG “diferente” da maioria, são rotulados com apelidos preconceituosos por colegas.

    Outro fator que contribui para o surgimento de práticas discriminatórias são as diferenças de habilidades entre meninos e meninas, que culminam com conflitos de gênero na EFe (LOUZADA, DEVIDE, 2006). Na EFe, há diversos casos que exemplificam atitudes de preconceito1 e discriminação2, fazendo uso de metáforas discriminatórias sobre os discentes. Por exemplo, um aluno que tenha pouca habilidade motora para jogos com bola (futebol) tende a ser vítima de apelidos representados por metáforas discriminatórias, tais como “viadinho” e “menina”. Da mesma forma, a aluna que se destaca em atividades com bola pela habilidade motora tende a ser rotulada como “menino” (SILVA, DEVIDE, 2009).

    Sendo o futebol um esporte de reserva masculina (MELILLO, VOTRE, 2008), os alunos que têm dificuldades para jogá-lo tendem a ser rotulados e vitimados por agressões verbais e gestuais. O mesmo cabe às meninas que se sentem ameaçadas quando possuem habilidade em relação a um esporte de caráter predominantemente masculino.

    A identidade sexual (IS) está relacionada à como cada individuo vive sua sexualidade, seus desejos e prazeres corporais (GOELLNER, 2005). Logo, o fato da menina possuir uma boa habilidade motora para jogos com bola não faz com que sua IS seja homossexual, pois apenas possui características culturais e sociais resultantes do seu convívio com tais esportes, desenvolvendo o gosto por esportes com bola. Tal comportamento se refere à IG da menina e não à sua IS. O mesmo raciocínio cabe para os meninos.

    Sendo assim, tais apelidos não são cabíveis, pois “viadinho” no caso dos meninos; e “menino” no caso das meninas3, remetem a algo relacionado à IS dos alunos/as, e o fato de terem ou não habilidade motora para uma prática corporal não deve funcionar como fator determinante para determinar sua IS.

    Tais exemplos de agressões são caracterizados como um fenômeno denominado bullying, definido como qualquer comportamento repetitivo que tenha a intenção de causar danos físicos ou psicológicos em outro organismo ou objeto (RODRIGUES, ASSMAR, JABLONSKI, 2000). No caso do exemplo supracitado, temos um caso de bullying homofóbico.

    A homofobia pode ser interpretada como qualquer tipo de agressão física e verbal, ação de isolamento ou medo de ser homossexual. Diz respeito ao sentimento de ódio, repulsa e aversão ao homossexual, manifestando-se em forma de violência física ou simbólica (GROSSI, UZIEL, MELLO, 2007).

    Mediante este cenário recorrente nas aulas de EFe, formulamos o seguinte problema: Como os docentes do primeiro segmento do ensino fundamental gerenciam o bullying homofóbico nas aulas de EFe?

    Como objetivo geral, buscamos investigar como os docentes atuam para minimizar o bullying homofóbico nas aulas de EFe no primeiro segmento do ensino fundamental. A pesquisa possui os seguintes objetivos específicos: i) descrever quais são os procedimentos didáticos usados pelos docentes para minimizarem o bullying homofóbico nas aulas de EFe numa escola privada do município do Rio de Janeiro; e ii) verificar se a prática pedagógica utilizada pelos docentes nas aulas de EFe dessa instituição contribui para prevenir o bullying homofóbico.

    O estudo justifica-se por refletir sobre a relevância da ação docente para minimizar essas ações, inibindo práticas discriminatórias que caracterizem o Bullying, contribuindo para que os discentes respeitem e tolerem as diferenças entre eles/as, independentemente dos fatores que promovem tais diferenças, seja por habilidade motora, idade, identidade, raça, classe social ou religião.

Metodologia

    Esta pesquisa tem caráter qualitativo e descritivo, caracterizando-se como estudo de caso (POSSELON, 2004). Foi realizada em uma escola privada localizada no bairro de Bonsucesso, no município do Rio de Janeiro. O grupo de informantes foi composto por cinco docentes Licenciados em Educação Física, que ministram aulas de EFe para o primeiro segmento do ensino fundamental no período diurno na referida instituição.

    Os dados foram coletados através de entrevista semi-estruturada, buscando obter informações de questões concretas, dando liberdade ao entrevistado para abordar aspectos sobre o que pensam e acham ser relevantes sobre o tema (NETTO, TRIVIÑOS, 2004). Para a análise e tratamento dos dados, as entrevistas foram gravadas e transcritas, a fim de se compreender as falas dos atores sociais como ponto de partida para respondermos ao problema de estudo. Por fim, o discurso dos informantes foi interpretado com base na Análise de Conteúdo (BARDIN, 2008).

Revisão de literatura

Gênero, corpo e sexualidade na EFe

    A partir da década de 1970, após a segunda onda de feminismo, a expressão “gênero” passou a permitir uma ampliação de referências e análises teóricas, contemplando várias possibilidades de reflexão sobre as desigualdades entre homens e mulheres (GOELLNER, 2005). Na EF brasileira, os estudos sobre questões de gênero sofreram influências norte-americana e francesa e se desenvolveram a partir da década de 1980 (GOELLNER, 2001; LUZ JÚNIOR, 2003).

    Embora o sexo pareça imutável em termos biológicos, o gênero é culturalmente construído; não é resultado casual do sexo nem tão pouco aparentemente fixo como o mesmo. Sendo assim, não se pode afirmar que a construção da identidade “masculina” e “feminina” aplique-se, respectivamente, a corpos de homens e mulheres.

    Butler (2003) reflete sobre o determinismo no significado do gênero, ao pensar os corpos como sendo inscritos anatomicamente de forma distinta como recipientes passivos de uma lei cultural inexorável. Nessa perspectiva, o gênero tornar-se-ia tão fixo e determinado quanto o sexo é pela biologia.

    Louro (1997) diz ser necessário demonstrar que não são propriamente as características sexuais, mas a forma como estas características são representadas, que constitui o que se considera feminino e masculino. Assim, a distinção biológica (ou sexual), tem servido para compreender e justificar as desigualdades sociais entre homens e mulheres na sociedade.

    No contexto escolar, mais precisamente nas aulas de EF, podemos identificar a presença de práticas corporais construindo masculinidades e feminilidades de forma mais implícita e evidente (LOURO, 1997). O corpo é usado como instrumento ou um meio de um conjunto de significados culturais, para constituir o domínio do sujeito com marcas de gênero (BUTLER, 2003).

    Sendo assim, é preciso refletir as características físicas e comportamentais dos corpos que se movimentam na EFe, suas diferenciações da normatividade, e suas relações com as identidades de gênero e sexual, uma vez que as práticas de bullying homofóbico decorrem, por vez, da intolerância dos discentes em relação aos colegas considerados “diferentes” e desviantes da norma social heterossexista (LOURO, 1997).

    A EFe tem promovido reflexões sobre os mecanismos de inclusão e exclusão atravessados pelas questões de gênero (LOUZADA, DEVIDE, 2006). Para se colocar em prática as vivências e suprir os problemas referentes à essas questões, é necessário que os docentes estejam esclarecidos, pois têm um papel fundamental nesta construção (SARAIVA, 2002).

    O docente precisa de ferramentas teóricas para interpretar gênero e sexualidade como conceitos construídos e não naturalmente dados (MEYER, SOARES, 2004), percebendo as desigualdades de gênero e reconhecendo a pluralidade entre as fronteiras entre o masculino e o feminino, transgredindo a norma socialmente imposta pelo heterossexismo (BUTLER, 2003; LOURO, 2004).

    Com o argumento de desconstruir os estereótipos sexuais e promover o ensino dos conteúdos para ambos os sexos de forma igualitária (LOUZADA, DEVIDE, 2006), aulas mistas e co-educativas são apresentadas como alternativas para minimizar o desinteresse dos discentes pelas atividades e o bullying homofóbico na EFe.

    A participação de meninos e meninas nas aulas em determinadas atividades generificadas, como o esporte, tende a diminuir os conflitos de gênero entre os sexos se forem combinadas com discussões construídas de forma dialógica entre as figuras do docente e dos discentes. Isso proporciona a problematização sobre a construção cultural das diferenças de gênero (LOUZADA e DEVIDE, 2006).

    Neste sentido, as aulas co-educativas, com os alunos e alunas participando das atividades, buscam problematizar as questões de gênero inerentes às atividades oferecidas na EFe, contribuindo para que os alunos/as reflitam e compreendam o outro de maneira respeitosa, buscando a união e a minimização de práticas discriminatórias.

    Cabe ao docente saber lidar com questões padronizadas impostas pela sociedade, que incluem estereótipos e preconceitos relacionados a quem deve ou pode participar de qual(is) práticas corporais. Tais questões devem ser problematizadas junto aos discentes para que a abordagem co-educativa não encontre resistências por parte do grupo de discentes (SARAIVA 2002).

Bullying na Educação Física Escolar

    As pesquisas sobre bullying ainda são recentes, ganhando destaque a partir de 1990 (LOPES NETO, 2005). O fenômeno bullying, ainda é pouco estudado no Brasil e na EF a produção acadêmica sobre o assunto ainda é escassa (OLIVEIRA, VOTRE, 2006). Segundo Lopes Neto (2005, p. 165):

    “o bullying compreende todas as atitudes agressivas, intencionais e repetidas que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outros (as) causando dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder”.

    O bullying pode ser classificado como direto e indireto. O bullying direto, mais utilizado entre os meninos, é representado por apelidos, agressões físicas, roubos, ameaças e gestos que geram mal-estar aos alvos; enquanto o bullying indireto, mais comum sendo praticado contra as meninas, é representado por casos de isolamento, indiferença, difamação e negação aos desejos (LOPES NETO, 2005; SILVA, 2010).

    Outra forma de bullying que vem se manifestando nas escolas é o cyber-bullying. Esse formato é representado por mensagens de celular, pager, sites de relacionamentos e blogs, onde são usadas tecnologias da informação e comunicação para o uso de comportamentos repetitivos e hostis.

    Geralmente as vítimas de bullying são alunos inseguros, desesperançados, que possuem baixa auto-estima e um comportamento estereotipado, interpretado como diferente da maioria. De forma geral, as alunas se enquadram mais do que os alunos nessas características (LOPES NETO, 2005). Entretanto, segundo estudos de e Lopes Neto (2005), em sua maioria são meninos que têm algum tipo de problema familiar ou emocional os que agem de maneira discriminatória com os colegas.

    Nas aulas de EFe se observam muitos apelidos de caráter discriminatório, quando alunos/as são vitimas de preconceito de gênero e passam a sofrer com piadas maliciosas. Essas vítimas de bullying sofrem com problemas emocionais e de socialização. Neste contexto, características relacionadas às habilidades motoras são questionadas por colegas de forma errada. Daí os colegas chamarem uma menina que joga futebol de ”sapatão” e um menino que tem pouca habilidade para jogos coletivos de “viadinho”.

    O bullying homofóbico, ocorre geralmente contra alunos/as que cruzam fronteiras de gênero, ou seja, que através de suas características comportamentais são rotulados por não atenderem ao padrão imposto como norma social, sendo confundidos e julgados de forma incorreta sobre sua IS. Cabe ao educador traçar alternativas para que não ocorra este tipo de atitude por parte dos discentes, pois a prática do bullying deixa marcas nas vítimas para o resto de suas vidas.

Resultados

    A análise do conteúdo das entrevistas do grupo de informantes permitiu a construção de quatro categorias: “linguagem discriminatória”, “Desconhecimento da expressão bullying”, “Habilidade motora e Identidade Sexual” e “Ações para minimizar o bullying”.

    Os discentes do ensino fundamental experimentam as aulas de EFe com muito prazer e ansiedade, mais dos que no ensino médio (DARIDO, 2001). Segundo os informantes, há consenso de que os discentes participam de forma ativa da EFe, quando realizada na perspectiva do princípio da inclusão, conforme as falas abaixo:

    “Nós partimos do princípio da inclusão, de forma muito homogênea com a participação efetiva dos alunos” (Info 3).

    “É uma participação ativa, eles gostam muito principalmente os alunos de ensino fundamental...” (Info 5).

Linguagem discriminatória

    Essa categoria refere-se às práticas discriminatórias utilizadas pelos discentes via linguagem e percebidas pelos docentes informantes desse estudo. Esse tipo de agressão é denominada “bullying hostil”, sendo usada para salientar algum tipo deficiência, onde a criança é apelidada a partir de um traço físico ou de performance (OLIVEIRA, VOTRE, 2006). Todos os docentes presenciaram esse tipo de comportamento, conforme os recortes a seguir:

    “De chamar: ‘-Aquele gordinho (...). Aquela coisa. Ah! O gordinho, o quatro olho’ Isso rola.” (Info 1)

    “Gordinho, fofinho, lezado (...) ‘-Não quero ele no meu time!’” (Info 4)

    “Ah já! ‘-Cabeça de pirulito, mulher melancia, homem pepino’ E por ai vai. (...) coisa comum nesta fase de desenvolvimento da personalidade da criança”. (Info 3, grifo nosso)

    É relevante ressaltar que apesar de um dos informantes abordar tal prática discriminatória como “coisa comum”, o docente não deve tratar como comum esse tipo de ação entre os discentes, uma vez que a mesma traz conseqüências prejuízos sociais e psicológicos à vítima do bullying. Da mesma forma, é relevante ressaltar que os informantes 1 e 2 ressaltam a presença de preconceito ancorado em características corporais, como “gordinho”; ou comportamentais, como “lezado”, não apontando práticas discriminatórias relacionadas a outras questões.

Desconhecimento da expressão bullying

    A maioria dos informantes desconhece o termo “bullying”, apesar de relacioná-lo ao preconceito e à discriminação, como identificamos em algumas falas:

    “Não [conheço]. Mas acredito que seja algo relacionado a preconceito (...)” (Info 1)

    “Não [conheço]. Mas eu acredito que seja algo relacionado a preconceito, discriminação.” (Info 4)

    “Não. Esta expressão eu não conheço.” (Info 5)

    O desconhecimento deve-se ao fato da expressão “bullying” chegar ao Brasil com os primeiros livros e trabalhos acadêmicos somente em 2000 (BOTELHO, CAPINUSSÚ, 2007). Dessa forma, a discussão sobre a temática nos cursos de formação profissional ainda é escassa, necessitando de reflexão e discussão nos fóruns acadêmicos, com vistas a oferecer ferramentas aos profissionais de Ef para que saibam lidar com o bullying no ensino desse componente curricular.

    Ações referentes ao bullying ocorrem há muitos anos, inclusive sendo abordadas pela mídia, pois há casos notórios de bullying que culminam com o suicídio das suas vítimas. Nesse contexto, o docente deve estar informado para lidar com o tema, minimizando tal problema.

Habilidade motora e identidade sexual

    Práticas discriminatórias associadas à habilidade motora ou à identidade sexual dos colegas são comuns. De acordo com a fala dos informantes, é possível presenciar os discentes falando frases do tipo:

    “´-Olha lá! Está jogando igual a um gay! Não tem que jogar futebol não...´” (Info 4).

    “´-Tá jogando bola parece uma menininha´” (Info 1)”.

    Os discentes relacionam o fato do aluno do sexo masculino não possuir uma boa habilidade motora com sua IS, considerada “desviante” (LOURO, 1997). Assim, usam apelidos discriminatórios tais como: “viadinhoemenina para justificarem o bullying. Esses apelidos podem ser interpretados como etnométodos usados pelos discentes que caracterizam um processo de discriminação pautado na homofobia (SILVA, DEVIDE, 2009).

    No contexto das aulas, por exemplo, sendo o futebol um esporte generificado como masculino (MELILLO, VOTRE, 2008), os alunos que possuem pouca habilidade sofrem com a imposição dos colegas, que os excluem contribuindo para que pratiquem outras atividades, por vezes, com as alunas, conforme a fala abaixo, que reproduz o discurso de um discente:

    “´-Ah, você tem que jogar queimado, não tem que jogar futebol não´” (Info 4).

    A partir das entrevistas com os docentes, identificamos uma interdição em relação ao uso de termos relacionados à sexualidade dos discentes. Na entrevista, então, utilizou-se métodos para motivar os informantes a descreverem o que os discentes dizem uns aos outros quando assumem práticas caracterizadas como bullying homofóbico. Segundo o informante 4, alguns discentes produzem discursos como:

    “´-Ele é gay, viadinho´. “´-Ah tia, mas olha só como ele é!´” (Info 4)

    O mesmo informante relata presenciar episódios recorrentes na escola, que retratam como questões de gênero e identidade sexual circulam no ambiente escolar, relatados a seguir:

    “(...) uma vez levaram o `José` para a direção porque ele estava passando batom no banheiro (...) Neste dia escreveram na agenda dele e chamaram o responsável na escola. (...) O João brigava com a Maria. Ele era do quarto ano... E ele jogava o cabelo pra um lado, jogava o cabelo para o outro e falava assim: `-Ah, eu sou mais eu`”.

    A maioria dos informantes disse que já presenciou tais práticas, mas ao oferecerem exemplos não descrevem realmente o que os discentes fazem, deixando interditado qualquer termo que indique a presença de questões referentes à sexualidade, conforme fala abaixo:

    “-Sim. Pela menina que tem uma maior habilidade motora e características físicas e musculares desenvolvidas, eles utilizam isso...” (Info 3).

    No recorte acima, o informante não explicita como realmente os meninos chamam as meninas mais habilidosas. Ao dizer “-eles utilizam isso...”, o informante torna invisível a dimensão da sexualidade no âmbito escolar, fato que contribui para que tais práticas se reproduzam, uma vez que os próprios docentes sentem-se despreparados para abordar essas questões entre os discentes.

Ações para minimizar o bullying

    Os informantes interferem de forma diferenciada para minimizar o bullying, mas todos citaram que a ferramenta principal deve ser o respeito entre os discentes.

    “Uma intervenção pedagógica seria as aulas co-educativas e mistas sem nenhum tipo de preconceito e assim respeitando os colegas.” (Info 2)

    “Inclusão dos alunos, mostrando o respeito entre os colegas. Ou então a conversa. Se não resolver, manda para a supervisão, que escreve bilhetinho na agenda.” (Info 4)

    As aulas co-educativas podem auxiliar, pois os discentes de ambos os sexos participam das atividades propostas juntos, a partir de problematizações promovidas pelo docente a respeito das questões de gênero inerentes às atividades (LOUZADA, DEVIDE, 2006). Segundo Saraiva (1999):

    “Torna-se importante trazer para o campo das discussões e possibilidades pedagógicas as questões [...] como: os papéis sexuais estereotipados, os anseios irracionais de dominação dos homens, a opressão tradicional da mulher [...]” (p.181).

    No âmbito de práticas pedagógicas inclusivas, todos/as devem ser respeitados/as e as diferenças devem discutidas em termos de como se constroem, para que haja tolerância em relação às mesmas. Nesse âmbito, a discussão sobre diversidade sexual e heteronormatividade como causa da discriminação contra pessoas que fogem à norma heterossexual é necessária (RIBEIRO, 2007).

    Apenas um informante menciona o termo transversal “Ética” como recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) para resolver possíveis problemas relacionados com bullying. Porém, ao mencionar o tema “Ética” manteve à margem outro tema transversal relevante: “Orientação sexual e gênero”.

    “Nós trabalhamos em cima dos PCNs, (...) nós temos a ética. (...) o professor tem de tentar captar estes problemas, estes preconceitos da aula de EF de forma prática e teórica”. (Info 3)

    A informante 5 ressalta a falta de apoio da direção da escola na resolução de questões relacionadas ao bullying homofóbico:

    “Por ser uma escola particular, a direção pede pra que a gente não levante bandeira de ninguém (...). A gente tem que tentar ser o mais natural possível e não dar muita ênfase ao assunto. Esta é a questão. Esta, infelizmente, é a verdade...”. (Info 5).

    A escola não deve agir de forma obscura, reforçando a invisibilidade da sexualidade entre os discentes. Atitudes que desconsideram práticas discriminatórias, como o bullying homofóbico, contribuem para encobrir e potencializar o problema, agravando-o. Ribeiro (2007) afirma que a escola deve garantir a segurança dos discentes, reprimindo os mesmos para que não provoquem o bullying. Além disso, o autor reforça a responsabilidade dos pais em reportarem qualquer suspeita de que seus filhos são autores ou vítimas de bullying.

Considerações finais

    A análise do conteúdo do discurso dos informantes permitiu a construção de quatro categorias: “linguagem discriminatória”, “desconhecimento da expressão bullying”, “habilidade motora e Identidade Sexual” e “ações para minimizar o bullying”.

    Após a análise dos dados, verificou-se que, embora a maioria diga que desconhece a expressão bullying, todos responderam que em suas aulas já presenciaram o fenômeno. Na maioria dos casos o bullying ocorre via linguagem a partir da circulação de apelidos e práticas discriminatórias entre os discentes, presenciadas pelos docentes, conforme estudos já realizados (SILVA, DEVIDE, 2009).

    Os docentes entrevistados identificam que entre as práticas de bullying, muitas se dão a partir da relação que os discentes estabelecem entre sexo biológico-habilidade motora-identidade sexual dos colegas, ou seja, se um aluno não possui habilidade motora para participar de um jogo de futebol, tende a receber um apelido que o rotula como desviante da norma heterossexista, tal como “viadinho” ou “menina”. A maioria dos docentes utiliza ações para minimizar o bullying, tais como práticas inclusivas, o diálogo com os discentes e o uso de uma abordagem co-educativa.

    Importante ressaltar que há dificuldade por parte dos informantes em abordar explicitamente o tema da sexualidade no seu discurso, contribuindo para dificultar o combate às práticas de bullying homofóbico na EFe e na escola de forma ampliada.

    Há de haver mudanças na formação profissional em EF que ofereçam ferramentas que preparem o docente para que possa agir de forma objetiva e     cautelosa com as questões da sexualidade na escola, afim de problematizar tais questões, combatendo a exclusão por práticas discriminatórias pautadas na intolerância às diferenças de qualquer natureza: raça, sexualidade, classe social, religião, entre outras.

    O Bullying é um tema atual e recorrente no âmbito escolar. Deve ser amplamente debatido nesse cenário, pois em casos extremos, pode acarretar a morte de sua vítima.

Notas

  1. Preconceito é uma atitude negativa, desfavorável para com um grupo ou seus componentes individuais, sendo caracterizado por crenças estereotipadas (SILVA, 1987).

  2. Discriminação refere-se aos processos de controle social que servem para manter a distância social entre determinados grupos, através de um conjunto de práticas, mais ou menos institucionalizadas, que favorecem a atribuição arbitrária de traços de inferioridade por motivos, em geral, independentes do comportamento real das pessoas que são objeto da discriminação (CANDAU, 2003).

  3. No caso das aulas de EFe, dentre os termos citados – “viadinho’ e “menino” - referem-se à linguagem discriminatória e aos etnométodos de exclusão construídos pelos alunos/as (SILVA, DEVIDE, 2009).

Referências

  • BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2008.

  • BUTLER, J. Problemas de Gênero e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2003.

  • CANDAU, V. M. Somos todos iguais? Escola, discriminação e educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

  • DARIDO, S, C. Educação Física de 1a. à 4a. Série: quadro atual e as implicações para a formação profissional em educação física. Motriz, Rio Claro, v. 4, n. 4, p. 61-72, 2001.

  • FANTE C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência e educar para a paz. São Paulo: Verus, 2005.

  • GOELLNER, S. V. Gênero, Educação Física e esportes. In: VOTRE, S. B. (Org.). Imaginário e representações sociais em Educação Física, esporte e lazer. Rio de Janeiro: UGF, p. 215-227, 2001.

  • GOELLNER, S. V. Gênero. In: GONZÁLEZ, J. M.; FENSTERSEIFER, P. E. (Orgs.). Dicionário Crítico de Educação Física. Ijuí: Unijuí, p. 207-209, 2005.

  • GROSSI, M; UZIEL, A. P; MELLO, L. Conjugalidades, Parentalidades e Identidades Lésbicas, Gays e Travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.

  • LOURO; G. L. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.

  • LOPES, M, J de S. Diversidade Etnocultural na Escola. Minas Gerais, Universidade do Leste de Minas Gerais, 2002.

  • LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria, v. 8, n. 5, p. 164-172, 2005.

  • LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica: 2004.

  • LOUZADA, M.; DEVIDE, F. Educação Física escolar, co-educação e gênero: mapeando representações de discentes. Movimento, Porto Alegre, v. 12, n. 3, p. 123-140, 2006.

  • LUZ JÚNIOR, A. A. Educação Física e Gênero: olhares em cena. São Luis: Imprensa Universitária UFMA/CORSUP, 2003.

  • MELILLO, C; VOTRE, S. Futebol feminino: motivações para a prática, por mulheres de classe alta. Fazendo Gênero 8 – Corpo, Violência e Poder, Florianópolis, 2008.

  • MEYER, D. E. ; SOARES, R. de F. R. Corpo, gênero e sexualidade nas práticas escolares: um início de reflexão. In.: MEYER, D. E.; SOARES, R. de F. R. (Orgs.) Corpo, gênero e sexualidade. Porto Alegre: Mediação, 2004. p. 5-16.

  • NETTO, V. M; TRIVIÑOS, A. N. S. A Pesquisa Qualitativa na Educação Física: Alternativas e Métodos. Porto Alegre, UFRGS, 1999.

  • OLIVEIRA, F. F; VOTRE, S. J. Bullying nas aulas de Educação Física. Movimento, Porto Alegre, v.12, n. 02, p. 173-197, 2006

  • POSSELON, M. O estudo de caso na investigação em educação física na pesquisa qualitativa. In: CANDURO, M. T. (Org.). Investigação em educação, Feevale, 2004.

  • RIBEIRO, D. Diretrizes para uma Educação Sem Homofobia. IGLYO, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p.3-4, 2007.

  • RODRIGUES, A; ASSMAR, E. M. L; JABLONSKI, B. Psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2000.

  • SARAIVA, M. do C. Co-educação Física e Esportes: quando a diferença é mito. Ijuí: Unijuí, 1999.

  • SARAIVA M. do C. Por que investigar as questões de gênero no âmbito da Educação Física, Esporte e Lazer? Motrivivência, Florianópolis, v.13, n. 19, p. 79-85, 2002.

  • SILVA, B. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1987.

  • SILVA, A. B. B. Mentes perigosas nas escolas: bullying. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

  • SILVA, C. A. F; DEVIDE, F.P. Linguagem discriminatória e etnométodos de exclusão nas aulas de educação física escolar. RBCE, Campinas, p. 181-197, 2009.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, N° 146, Julio de 2010
© 1997-2010 Derechos reservados