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Lutando a saúde e a transcendência: experiências 

integrativas no Curso de Extensão em Karate da UFRGS

Luchando por la salud y la trascendencia: experiencias integrativas del Curso de Extensión de Karate de la UFRGS

Fighting health and transcendence: integrative experiences on the UFRGS Extension Karate Course

 

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Escola de Educação Física, Porto Alegre

(Brasil)

Tiago Oviedo Frosi

sensei_frosi@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O Curso de Extensão em Karate da UFRGS é realizado desde 2008, no Ginásio Bugre Lucena da Escola de Educação Física, atendendo gratuitamente alunos, professores e técnico-administrativos da Universidade interessados em praticar a modalidade. Os pilares que fundamentam a proposta do curso são a Transdisiplinaridade, Complexidade, Psicologia Integral e a Pedagogia da Autonomia, revisitadas na ótica da Ciência dentro da Consciência proposta nos últimos anos por proeminentes estudiosos. Neste relato de experiência apresentamos esta proposta e as sensibilidades do grupo de participantes das duas primeiras edições do curso. Os relatos e as observações realizadas apontam para melhoras no quadro geral de saúde levando em consideração aspectos nas esferas corporais, mentais, vitais, sociais, culturais, ambientais e espirituais dos participantes.

          Unitermos: Karate. Transdisciplinaridade. Psicologia integral. Estados ampliados de consciência. Qi Gong.

 

Abstract

          The UFRGS’ Extension Karate Course is realized since 2008 on ESEF’s Bugre Lucena Gymnasium, attending gratuitously UFRGS’s students, teachers and the staff, interested in Karate training. The pillars that fundaments the course proposal are Transdisciplinarity, Complexity, Integral Psychology and the Pedagogy of Autonomy, revisited under the Science on Consciousness , proposed by preeminent authors on the last years. This experience report presents the course proposal and the participants group sensibilities on the two first editions of Extension Karate Course. The declarations and observations made, appoints benefits on the general health state, considering the corporal, mental, vital, social, cultural, environmental and spiritual aspects of the participants.

          Keywords: Karate. Transdisciplinarity. Integral psychology. Amplified consciousness state. Qi Gong.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 146 - Julio de 2010

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1.     Considerações iniciais

    O presente estudo foi desenvolvido como objetivo de divulgar as ações de extensão relativas à modalidade Karate nos anos de 2008 e 2009 ocorridas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tratando-se de uma disciplina de luta formulada sob as matrizes culturais orientais e tratada pelos seus idealizadores como um caminho de vida, o Karate, dentro de um curso de extensão, mostrou-se uma forma interessante de desenvolver um programa que integrasse práticas para a saúde integral, para o desenvolvimento das diferentes dimensões do viver.

    O objetivo do projeto de extensão em Karate é difundir junto à comunidade acadêmica da UFRGS as práticas esportivas e culturais que envolvem a modalidade, oportunizando vivências nas técnicas de combate, defesa pessoal, exercícios respiratórios e de meditação, além de conhecimentos sobre a história, filosofia e espiritualidade dos povos orientais que contribuíram para a formulação das bases do Caminho das Mãos Vazias.

    A realização do projeto justifica-se por proporcionar a integração dos estudantes através do esporte, reunindo mais de 50 alunos de diversos cursos da Universidade nas duas edições do curso, sanando também a falta de professores da disciplina de Karate que desde 2005 não é mais oferecida aos estudantes dos cursos de licenciatura e bacharelado em Educação Física.

    Serão aqui analisados os diferentes papéis dos atores que participaram das primeiras duas edições do curso, levando em consideração aspectos importantes do processo de individuação a que os participantes são estimulados (GOSWAMI, 2008a, 2008b; JUNG, 2008; POZATTI, 2007; 2003; BLÓISE, 2000) e aspectos do processo educacional e de alcance da autonomia (MORIN, 2005; FREIRE, 1996), em um processo de ensino transdisciplinar (D’AMBRÓSIO, 1997) e Integral (WILBER, 2007; 2002) que viemos desenvolvendo em alguns projetos na UFRGS (FROSI, 2010).

    Após discorrer brevemente sobre o processo de construção histórico cultural que deu origem ao que hoje chamamos de Karate, adentraremos na proposta que embasa o curso de extensão e as percepções e sensibilidades geradas a partir da interação entre professores, praticantes e o processo de desenvolvimento de Inteireza que afeta mutuamente todos os participantes.

2.     Metodologia

    Este estudo caracterizar-se-á como descritivo qualitativo, seguindo o veio da análise de conteúdo (BARDIN, 2009; VALA, 2003). Salientamos que não foi nossa preocupação usar qualquer meio que nos oferecesse algum dado quantitativo. Para realizar este estudo, observamos a prática pedagógica em uma turma de Karate de uma Universidade de Porto Alegre, cuja proposta estava pautada em uma abordagem transdisciplinar e integral que pretendia contemplar todos os aspectos do desenvolvimento dos participantes seguindo uma estrutura que pode ser mapeada através da seguinte formulação imagética:

Figura 1. Esquemático-resumo da proposta do Curso de Extensão em Karate UFRGS relacionando os estruturantes dos 

Quatro Quadrantes de Ken Wilber com os elementos das tradições e os conteúdos desenvolvidos com os praticantes.

Fonte: Arquivo pessoal do autor

    Optamos por utilizar a técnica da observação participativa. Para isto, foi utilizado um diário de campo onde todas as atividades ministradas e respectivas reações e atitudes subseqüentes da turma eram anotadas, além de confrontar esses dados com declarações voluntárias cedidas por escrito pelos participantes.

    As identidades dos depoentes foram mantidas em sigilo trocando-se o nome dos mesmos por uma letra escolhida arbitrariamente. Todos concederam autorização para uso dos depoimentos escritos.

    A prática da análise de conteúdo visa simplificar para potencializar a apreensão do conteúdo referente ao corpus dos documentos extraídos das observações realizadas com os praticantes de Karate. Neste sentido, consideramos, de acordo com Vala (2003, p.110) que a “categorização é uma tarefa que realizamos quotidianamente com vista a reduzir a complexidade do meio ambiente, estabilizá-lo, identificá-lo, ordená-lo ou atribuir-lhe sentido”. No princípio, identificaremos um quadro de categorias (e de subcategorias) e, depois da análise das entrevistas, esse quadro pode ser ampliado. Para Vala (2003, p.111) a “construção de um sistema de categorias pode ser feita a priori ou a posteriori, ou ainda, através da combinação destes dois processos”; o nosso sistema categorial deverá ser definido pela combinação dos dois processos: a priori e a posteriori.

    Os grupos que participaram deste estudo foram compostos por estudantes universitários da UFRGS, de ambos sexos, com idades entre 17 e 29 anos. A escolha dos sujeitos que compuseram o grupo estudado se deu por conveniência, por estarem matriculados na turma do Curso de Extensão em Karate das quais participaram os autores.

    Quanto ao processo de romanização a partir do Japonês, foi utilizado o sistema Hepburn (ヘボン) (Hebon Shiki Rōmaji). Além de ser o mais utilizado entre os três sistemas oficiais (Hepburn, Nippon e Kunrei), representa fielmente a fonética dos termos do idioma.

3.     A proposta de ensino

    Com um curso planejado para o período letivo de 2009, onde trabalharíamos os fundamentos (Kihon), exercícios formais (Kata) e suas aplicações (Bunkai) além das práticas de luta (Ippon Kumite, Jiyū Kumite e Shiai Kumite) e defesa pessoal (Goshin Jutsu) do estilo Shōtōkan de Karate, tínhamos o desafio de implementar os exercícios complementares (Tanren-ho) que seriam mais focados na parte respiratória (Ibuki) e de uso da vitalidade para aumento da capacidade defensiva e ampliação da consciência (Qi Gong). Como tínhamos nas mãos um grupo três vezes maior que o de 2008, que já havia vivenciado em um único treino noções dessas técnicas complementares, os riscos de insucesso eram grandes.

    Na literatura, obtivemos muitas ideias a partir dos estudos de Amit Goswami (2009; 2008a; 2008b; 2008c; 2006), Ervin Laszlo (2008), Rupert Sheldrake (1988; 1987a; 1987b) e George Leonard (1999) que nos propõe um novo paradigma que afeta as ciências que embasam a prática da Educação Física. Estes autores foram de especial importância para a construção de nossa proposta, pois em seus textos faziam muitas ligações com a cultura oriental, que era nosso foco. Pudemos assim, montar um cronograma de atividades levando em consideração os diferentes aspectos do ser integral, a cultura, a sociedade, a corporalidade e a consciência (WILBER, 2007) no curso, que ocorriam uma vez por semana, onde cada sessão de treinamento iniciava às 14h dos sábados e duravam três horas e meia.

    O estudo teórico dos alunos através de polígrafos enviados através do meio digital em formato pdf, e a exibição de filmes em aula, também foram instrumentos utilizados e que apontamos como parte importante do processo, pela capacidade de sensibilizar outras esferas do Ser que talvez não fossem tocadas pelo treinamento no ginásio. Os estudos presentes na literatura que nos levam a perceber a importância do preparo psicológico de atletas, através de vídeos e palestras, foram especialmente levados em consideração no planejamento para que esse recurso também fosse explorado.

    As atividades foram ministradas por um grupo de alunos da UFRGS que possuíam vivências prévias em Karate, cujo ministrante principal foi o professor Tiago Oviedo Frosi (faixa-preta 1º Dan), auxiliado por Brandel Lopes Filho (faixa-marrom 2º Kyu), Guilherme Haupenthal (faixa-verde 3º Kyu) e Denise Marzec (faixa laranja, 4º Kyu), com auxílio do professor Gabriel Oliveira (faixa-preta 1º Dan formado em Educação Física pela PUCRS). O auxílio do bolsista do PET Educação Física Lucas Lopez da Cruz também foi indispensável para organização e operacionalização das atividades, espaços e materiais junto à Escola de Educação Física, bem como as ações administrativas dos professores Alberto Monteiro e Janice Mazo, coordenador e vice-coordenadora do projeto, respectivamente. Participaram do projeto, nas duas primeiras edições, 48 alunos de 24 cursos de graduação e pós graduação da UFRGS.

    Ao adotar a visão integrada da Nova Ciência (GOSWAMI 2009; 2008a; 2008b; 2008c), podemos unir conceitos das ciências exatas (como a física e a química) aos da psicologia, biologia e também das tradições sapienciais e da filosofia, permitindo que se enxerguem os benefícios de práticas para a saúde não apenas do corpo material como também do que os orientais chamam de corpos sutis (GOSWAMI, 2006). Assim, as práticas corporais de origem oriental, recentemente reconhecidas em sua dimensão terapêutica pelos Sistema Único de Saúde (SUS), através da Portaria 154 de 24/01/08, podem ser melhor compreendidas e temos a possibilidade de realizar atividades estruturadas em uma ideia de desenvolvimento integral dos aspectos adjacentes (ri, em japonês), ou sutis, do Ser (WILBER, 2007; 2002; KUSHNER, 1988). Nosso objetivo aqui é, portanto, entender como todas as disciplinas estão ligadas, pois na existência universal tudo não passa de possibilidades de existência da Consciência, que é não dual, autoconsciente e autossuficiente. Essa ideia nos permite fazer as ligações para uma Teoria Integral de Tudo da Nova Ciência (LASZLO, 2008) e aplicá-la ao ensino do Karate.

    Nossos sentidos físicos, interpretados pelo cérebro material causam uma ilusão de separatividade do todo (GOSWAMI, 2006), é o que chamamos de “medição clássica” da experiência da realidade, que cria o Ego. Além disso, esses sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar) são capazes de compreender apenas uma pequena parte dessa realidade existente no campo material. O mesmo ocorre com as ondas de informações mecânicas, olfativas, sonoras e gustativas. Na verdade estamos mergulhados em um mar de in-formação (LASZLO, 2008), que possui aspectos de onda e partícula ao mesmo tempo. Entendemos com isso que em determinados níveis, nossos corpos, uma mesa, um copo ou a tela do computador não são em nada diferentes (no plano material, ao menos).

    A educação básica continua a utilizar como paradigma uma biologia que, por sua vez, é baseada na física clássica e determinista, e assim acabamos vendo o ser humano como algo semelhante a uma máquina. O mesmo ocorre quando imaginamos que todos os fenômenos culturais e psíquicos são epifenômenos (fenômenos secundários, que emergem) de inter-relações neurais complexas, e que um dia, ao estudarmos as diferentes áreas do cérebro descobriremos no córtex ou em algum gene as informações que ditam as regras da dança dos átomos que gera, consequentemente, a vida (SATINOVER, 2007). Precisamos perceber os novos rumos que a Biologia está tomando e compreendê-la. Com o advento da Epigenética (LIPTON, 2007, p.61-89) compreendemos que o determinismo genético não é a lei que define as manifestações das características e o desenvolvimento a nível celular. Hoje sabemos que o ser humano possui o mesmo número de genes que os camundongos e os macacos, e que cerca de cem mil genes – previstos para todas as informações que são necessárias para formar um organismo complexo, como o corpo humano – simplesmente não existem. E como é possível que não existam? Onde estão as informações de cem mil genes que seriam necessárias se o corpo humano fosse uma máquina determinista e unidimensional? Parece que os físicos teóricos e os estudiosos do novo campo de pesquisa sobre a Consciência têm a resposta.

    Essas descobertas desconcertantes e aparentemente bizarras dos últimos anos vêm confirmando as suposições de teóricos como o biólogo Ruppert Sheldrake, conhecido por estudar os fenômenos telepáticos entre humanos, entre humanos e cães e entre humanos e papagaios africanos através de sua teoria dos campos morfogenéticos (SHELDRAKE, 1988; 1987a; 1987b), relacionando suas pesquisas a toda uma linha de psicólogos que sucederam a Carl Gustav Jung. Não obstante, a Mecânica Quântica e a Cosmologia vêm trabalhando com a Teoria das Supercordas, chegou a um limite matemático de demonstrações a partir de cálculos complexos, chegando a suposição de que há 11 universos paralelos, ou seja dez outros universos além do nosso, existindo coerentemente e superpostos, permeados por hologramas que formam a realidade (LASZLO, 2008; WILBER, 2007).

    As proposições aqui apresentadas, pautadas no trabalho de vários autores que desenvolvem estudos na vanguarda da ciência, nos obrigam a refletir sobre uma nova visão de mundo, mas mais do que isso, nos apontam a possibilidade de integrar as diversas áreas do conhecimento humano. Ao abrir essa janela transdisciplinar esses novos estudos nos levam a pensar: como aplicar isto à prática da Educação Física, ao ensino dos esportes e, em nosso caso, das lutas? Integremos, portanto, Tradições e Ciência e vejamos o que teremos.

4.     Percepções e sensibilidades dos praticantes acerca da proposta desenvolvida

    O sentir é fundamental para o autoconhecimento e o encontro com a própria energia da vida. Entender a existência do Ki, a energia vital para os japoneses, implica em aceitar e ter consciência dos diferentes níveis (ou corpos) a que denominamos material, vital, mental, supramental e de beatitude na interpretação idealista da mecânica quântica, que juntos nos tornam um Ser Integral. Podemos relacionar assim, os campos, os elementos, as funções da Consciência e os arquétipos na seguinte estrutura:

Figura 2. O quadro representativo com os corpos quânticos, os quatro elementos, os arquétipos e as funções da Consciência.

Fonte: Arquivo pessoal do autor

    A falta de sensibilidade ocorre quando nos condicionamos a valorizar apenas as sensações dos nossos cinco sentidos, provenientes dos receptores (eletromagnéticos, mecânicos, etc) mais grosseiros do corpo material, e nos esquecemos de que através deles percebemos apenas uma pequena faixa de informações dentre as inúmeras existentes no Universo (POZATTI, 2003). Quando qualquer um dos corpos (ou campos) está abalado, os outros sofrem consequências. Não conhecer, não exercitar e/ou deixar de cuidar do Ki (ou seja, da energia do corpo vital, de seus movimentos propriedades e emoções) pode ser a causa de diversas doenças mentais ou físicas. Assim procurar pelo controle do próprio Ki é uma busca diária que beneficia o ser humano. É a porta de entrada para compreensão de como nos tornamos um ser inteiro e uno. Nosso condicionamento cultural, que afeta diretamente o funcionamento do corpo mental, portanto, é essencialmente o revés que implica na depressão do funcionamento, movimento e consciência do corpo vital, em virtude do que viemos nos atrofiando em um processo de evolução desenfreada em busca de tecnologia e bens de consumo, em especial nos últimos quatrocentos anos.

    Funakoshi (1999; 1973) chama a atenção para que os aspectos Shorin (Shǎolín, a escola ou vertente externa, yin) e Shorei (a escola ou vertente interna, yang) sejam desenvolvidos de forma equilibrada. Shorei Kan é, portanto, a vertente interna do Karate-Dō que se aproxima em objetivos e técnicas às práticas corporais internas chinesas como o Xíng-Yí Quán (形意拳), Bā Guà Zhang (八卦掌) e Tàijí Quán (太極拳). Shorin, por sua vez, é a vertente externa do Karate-Dō que se aproxima em objetivos e técnicas às práticas corporais externas chinesas como o Shǎolín Quán (少林拳) e o Hong Gar Kuen (洪家拳). Portanto, quando afirma isto, o mestre Gichin Funakoshi nos adverte que devemos desenvolver nosso treinamento integrando nossa natureza material ou densa (yin) à nossa natureza vital, mental e arquetípica (yang), a exemplo do que os velhos sábios budistas e daoistas (antes do decreto de 1958 da República Popular da China, que oficializa o uso do sistema Hànyǔ Pīnyīn, daoismo, Dào e Dé eram grafados taoismo, Tao e Te, respectivamente.) faziam quando buscavam a iluminação ou a imortalidade.

    No Curso de Extensão em Karate da UFRGS a conscientização dos praticantes acerca de suas outras possibilidades da Consciência foram elaboradas a partir de vivências pessoais oriundas das tradições orientais ligadas historicamente ao Karate. Além do trabalho de respiração energética, que engloba respiração abdominal, respiração inversa e técnicas de condicionamento das fáscias dos músculos (CHIA, 2005), foram feitas inúmeras práticas envolvendo a respiração, ibuki.

    Pozatti (2003) nos chama atenção de que o ritmo respiratório está intimamente ligado a mudanças nos estados de consciência, facilitando que o praticante atinja o que Goswami (2008a) define como estados Alfa Meditativos. Para as tradições orientais, a respiração traz ao indivíduo não apenas as moléculas formadas pelos elementos químicos presentes na atmosfera, mas também Ki, energia vital, que estabiliza e harmoniza a energia interna de cada indivíduo (CHIA, 2005; KUSHNER, 1988). Essa afirmativa das tradições, cruzada com os saberes da física quântica e das neurociências nos ajuda a entender porque ocorre esta mudança de estado de consciência de forma tão eficiente pelo uso de exercícios respiratórios. Sobre isto, alguns alunos do curso declaram:

Gostei da última aula, aquelas técnicas possibilitam atingir um estágio de concentração incrível não só no Karate, mas também no dia a dia.

Aluno R, 31/10/08

O Karate me traz paz de espírito a cada Kihon, a cada Kata, tão reconfortante quanto uma meditação.

Aluno R, 27/11/09

O Karate ajudou no desenvolvimento da minha concentração. Preciso forçar minha energia corporal para diversos sentidos e afazeres do dia a dia e esse treino desenvolve essa capacidade trazendo maior serenidade para minha vida.

Aluno B, 27/11/09

O Karate-Dō contribui na minha vida, principalmente, melhorando minha concentração, consigo agora manter um foco quando exerço outras atividades.

Aluna M, 27/11/09

Hoje o Karate é a minha fonte principal de saúde mental. Todas as minhas atitudes estão muito ligadas aos quesitos de hombridade e perseverança que a arte marcial prega. Adequei muitos dos meus valores a essa prática e quero levá-la comigo daqui para frente.

Aluno L, 27/11/09

O Karate-Dō se tornou uma base onde busco forças para vencer minhas limitações não só físicas, mas principalmente psicológicas, permitindo que eu encare meus medos.

Aluna S, 27/11/09

    Podemos perceber nitidamente o efeito do treinamento e das vivências citadas anteriormente no desenvolvimento mental dos praticantes. Melhoras perceptíveis na capacidade de focar numa atividade, evitando a mente dispersiva, que Jung chamava de energia masculina (JUNG, 1983), e da tranquilidade são importantes indicadores. A melhoria do controle respiratório nos revela também o autocontrole sobre o sentimento de medo e angústia citado pelos participantes, um aspecto que pode ser compreendido na teoria exposta neste estudo como a superação de um quadro onde, a energia vital em movimentos desarmônicos, foi superado. Assim, a in-formação emocional de medo deixou de ser predominante nos campos morfogenéticos, ou corpo vital/emocional, dos alunos que deram os depoimentos voluntários acima.

    Outro tópico importante para o estudo das artes marciais é o desenvolvimento do caráter, através de ações éticas. Para a Ciência Idealista, há ligações entre o desenvolvimento da Consciência e o pensamento de Immanuel Kant. Portanto, agir de forma ética é reconhecer as conexões entre os seres humanos, entre as pessoas e os outros seres vivos, entre estes e o planeta, podendo extrapolar esse conceito para o Universo como um todo, para a Totalidade (GOSWAMI, 2008b). Partindo desse fundamento, percebemos como essa consciência ética de Totalidade foi desenvolvida nos participantes a partir de alguns relatos:

O Karate-Dō me fez melhorar a minha autoestima, autoconfiança e elevar acima meu nível de concentração e acima de tudo respeitar os outros.

Aluno A, 27/11/09

O Karate-Dō contribui com o desenvolvimento do caráter, saúde e superação das próprias dificuldades.

Aluno C, 27/11/09

O Karate-Dō contribui para a disciplina e concentração, além da formação do caráter.

Aluna Z, 27/11/09

Ele (o Karate) contribui para a minha tranquilidade, no respeito aos outros (até aos adversários); uma filosofia que deve ser seguida por toda a vida.

Aluno U, 27/11/09

Eu considero a maior contribuição os ensinamentos do mestre Gichin Funakoshi, que a maioria deles podem ser aplicada em nossa vida cotidiana, fazendo-nos encarar os desafios com força e determinação de modo a respeitar todas as pessoas sempre.

Aluno T, 27/11/09

O aprendizado de me esforçar sempre ao máximo, conter a raiva e a agressão, respeitar. Tudo o que aprendo eu posso usar no dia a dia.

Aluno K, 27/11/09

    Por fim, destacamos a superação de alguns traumas relacionados à incredulidade na própria capacidade física ou mental, item importante no processo de Individuação a que os praticantes são sujeitos a partir do autoconhecimento promovido pelo programa do Curso de Extensão em Karate. Pelo menos em alguns casos, podemos perceber que o contexto proporcionou insights criativos e de desenvolvimento pessoal:

Bah, vou te dizer que a pupila aqui saiu do treino mega emocionada com a superação de hoje! Nunca um rolinho foi tão comemorado. hehehe!

Aluna P, 01/11/09

Eu pude perceber que não me conheço direito, não conseguia visualizar o exercício. Agora sei por onde ir pra me conhecer...

Aluno K, 14/11/09

O Karate contribuiu na minha vida me fazendo perceber que com concentração e vontade consegui superar os limites físicos que achava que iriam me impedir.

Aluna P, 27/11/09

    Identificamos ainda, como determinante o papel do grupo no processo. Sem o apoio mútuo, sem a “cola”, as pessoas não conseguiriam compartilhar suas sensibilidades e seguir com o desenvolvimento interior. Essa ligação interpessoal vem se mostrando importante em diversos grupos onde interviemos com a proposta transdisciplinar, ou seja, se mostrou importante para os jovens do projeto de Karate e igualmente para praticantes de terceira idade observados em outro estudo (FROSI, 2010).

5.     Considerações finais

    Buscamos na literatura os subsídios para a execução do plano deste curso, obtendo no Grupo Transdisciplinar de Pesquisa em Educação e Saúde, um grupo em formação na UFRGS, e na disciplina de Pedagogia do Esporte dos cursos de Educação Física, o apoio que precisávamos. A experiência das pessoas que nos orientaram, testaram ou deram opiniões nesses dois meios foi indispensável. Uma nova proposta, que saiu da experiência positiva de 2008 foi então formulada e os resultados com os participantes foram muito recompensadores, sendo que muitos dos feedbacks favoráveis foram apresentados ao longo deste trabalho.

    Consideramos que os objetivos gerais desta proposta foram atingidos, pois além do sucesso dos participantes no exame de graduação do final do ano, a pedagogia iniciática formulada, que se fundamentou pelos estágios de preparação (treinamento técnico e estudos teóricos), incubação (vivência em um rito de passagem que proporcionou o contexto para a criatividade) e manifestação (a consolidação do conhecimento através do exame de graduação que forçou os limites físico, emocional, mental e exigiu insights criativos), produziu relatos de transformações pessoais que podem ser entendidos como o início de um processo de Individuação.

    Desenvolver toda a experiência relatada neste artigo foi transformador, também, para os ministrantes. Executar uma proposta de atividade física que buscasse o desenvolvimento integral e iniciasse o processo de Individuação, partindo de ideias do Pensamento Complexo de Edgar Morin e distinguindo em nossa postura tópicos como o “ensinar pelo exemplo”, abordados por Paulo Freire, causaram uma revolução no olhar sobre como lidar com o ensinar. Essa inter-relação, essa conectividade entre todos que vivenciaram o Curso de Extensão em Karate em suas primeiras duas edições foi especialmente gratificante e modificou definitivamente nossa maneira de pensar a prática da Educação Física, do ser professor. Afinal, como evocou no séc. IV a.C., o brilhante poeta, contemporâneo de Píndaro, Simônides: “é difícil tornar-se, de verdade, um homem de bem, de mãos e pés e espírito, obra lapidada sem falha” (PLATÃO, 1999, p.339b).

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