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Composição corporal, coronariopatia e reabilitação cardíaca: 

uma inter-relação com as características do estilo 

de vida e dos aspectos psicomotores

Composición corporal, enfermedades coronarias y rehabilitación cardiaca: una 

interrelación con las características de estilo de vida y de los aspectos psicomotores

 

*Mestre em Ciências do Movimento Humano

Professor do Centro de Ciências da Saúde e do Esporte

Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC

**Professor Doutor Coordenador do Laboratório de

Psicologia do Esporte e do Exercício Físico (LAPE)

Professor do Programa de Mestrado em Ciências do Movimento Humano do

Centro de Ciências da Saúde e do Esporte, UDESC

***Mestranda/o em Ciências do Movimento Humano (UDESC)

Mário César Nascimento*

Alexandro Andrade**

Carla Maria de Liz***

Diego Itibere Cunha Vasconcellos***

marionascimento@udesc.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste estudo foi identificar o histórico da composição corporal, da coronariopatia e da reabilitação cardíaca e suas relações com as características do estilo de vida e dos aspectos psicomotores de pessoas acometidas de infarto agudo do miocárdio associando-os com a aderência e a desistência da reabilitação cardíaca. Caracterizou-se como uma pesquisa descritiva de campo com abordagem qualitativa. Os participantes da pesquisa foram dezesseis homens (onze aderentes (A) e cinco desistentes (D) da prática regular de exercícios físicos) que ingressaram no programa de reabilitação cardíaca do CEFID/UDESC, com diagnóstico de doença coronariana, IAM prévio e participação em programa estruturado de exercício físico por pelo menos seis meses. O instrumento utilizado para a coleta dos dados foi uma entrevista semi-estruturada aplicada individualmente e elaborada por tópicos. Os resultados indicaram que os dois grupos A e D possuíam média de 64,8 e 61 anos respectivamente. Na ocasião do primeiro infarto, os desistentes apresentaram idade menor do que os aderentes (D = 50,2 anos, s = 1,92; A = 52,27 anos, s = 9,35). Quanto ao tempo de permanência no programa ambos os grupos apresentaram médias semelhantes (A = 3,82 anos, s = 2,63 ; D = 3,2 anos, s = 1,48). Os aderentes iniciaram o hábito de fumar em média com 15 anos e os desistentes com 23,75 em média. O período de consumo do cigarro foi semelhante entre os dois grupos (A = 25,56 anos ; D = 28,75). A maior parte dos participantes era aposentada, havendo maior concentração das profissões no funcionamento público (27,3%). Os dados da renda e da escolaridade não permitem afirmar a influência que tiveram sobre a aderência ou a desistência entre os grupos. O AVC foi um fator importante para o abandono do programa de exercícios físicos. O IMC elevado ao longo da vida pareceu não influenciar na aderência/desistência dos grupos. Em relação aos fatores mais freqüentes associados ao desenvolvimento da doença arterial coronariana na história de vida dos participantes destacam-se os fatores psicossociais, como a pressão no trabalho, ansiedade, hábito de fumar e trabalho pouco ativo, presentes nos dois grupos. Valorizar a qualidade de vida e encarar a vida de modo diferente são características dos aderentes, não presentes entre os desistentes.

          Unitermos: Reabilitação cardíaca. Coronariopatia. Estilo de vida. Aspectos Psicomotores.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 146 - Julio de 2010

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Introdução

    As doenças cardiovasculares representam uma das maiores causas de mortalidade em todo o mundo e a alta incidência está, em parte, relacionada ao fato de encontrarmos em nossa população um estilo de vida que propicia o desenvolvimento dos fatores de risco (MILANI et al., 2007).

    O conhecimento dos principais fatores de risco para as doenças coronarianas, bem como os fatores responsáveis pela mortalidade precoce, podem ser determinantes na intervenção terapêutica do paciente que sofreu infarto do miocárdio (OPAS, 2003).

    Entende-se por fator de risco todas as situações que favorecem o surgimento de alguma doença. Os fatores de risco que predispõe as pessoas a tais doenças estão relacionados aos hábitos do estilo de vida, tais como o aumento da ingesta de gordura saturada, colesterol elevado, sedentarismo, tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemias, intolerância a glicose, resistência a insulina, história familiar de doença coronariana prematura, obesidade, alcoolismo e estresse (JACONODINO, 2007).

    Desta forma, é possível afirmar que se houverem modificações dos comportamentos não saudáveis presentes no estilo de vida, poderá se amenizar ou se controlar a intensidade dos fatores de risco, diminuindo a ocorrência de doenças do coração.

    Este estudo procurou identificar o histórico da composição corporal, da coronariopatia e da reabilitação cardíaca e suas relações com as características do estilo de vida e dos aspectos psicomotores de pessoas acometidas de infarto agudo do miocárdio associando-os com a aderência e a desistência da reabilitação cardíaca.

Método

    Esta é uma pesquisa descritiva de campo com abordagem qualitativa para analisar as características do estilo de vida e dos aspectos psicomotores associados ao histórico da composição corporal de portadores de doença coronariana, acometidos de infarto agudo do miocárdio (IAM) associando-os com a aderência e a desistência de um programa de reabilitação cardíaca.

    O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos da UDESC. Os participantes da pesquisa foram dezesseis homens que ingressaram no programa de reabilitação cardíaca (RC) do CEFID/UDESC com diagnóstico de doença coronariana, IAM prévio e participação em programa estruturado de exercício físico por pelo menos seis meses. Após o processo de caracterização dos participantes, estes foram subdivididos em dois grupos: aderentes (A) e desistentes (D). O subgrupo dos aderentes foi formado por onze participantes que continuaram à prática regular de exercícios físicos no programa de RC após passar pela fase crítica de aderência, estipulada em seis meses. O subgrupo dos desistentes incluiu cinco participantes da RC, mas que não continuaram a prática regular de exercícios físicos no programa.

    O instrumento utilizado neste estudo foi uma entrevista semi-estruturada aplicada individualmente e elaborada por tópicos (RUDIO, 1986). As entrevistas foram gravadas com a prévia autorização do participante para facilitar o rapport e a expressão do conteúdo. Outra estratégia utilizada foi o diário de campo que facilitou a remontagem da transcrição dos fatos, principalmente sobre os comportamentos dos participantes durante a coleta das informações.

    Buscou-se a individualidade a partir da percepção dos participantes da pesquisa. O discurso dos entrevistados trouxe significados das experiências vividas, história de vida e os valores e as emoções a ela atribuídas.

Resultados e discussão

    Os dois grupos, aderentes e desistentes, possuíam média de 64,8 e 61 anos respectivamente. Na ocasião do primeiro infarto observou-se que em média, os desistentes (50,2 anos, s = 1,92) apresentaram idade menor do que os aderentes (52,27 anos, s = 9,35). Verificou-se que o grupo dos aderentes apresentou uma amplitude maior tanto para o intervalo de idade do primeiro infarto (aderentes: -35 +65 anos; desistentes: -47 +52 anos) quanto para o tempo de permanência no programa de exercícios (aderentes: -1 +10 anos; desistentes: -1 +5 anos). Porém, quanto ao tempo de permanência, ambos os grupos apresentaram médias semelhantes (aderentes: 3,82 anos, s = 2,63; desistentes: 3,2 anos, s = 1,48). Essas características não encaminham para explicar a aderência ou abandono entre os grupos pesquisados (tabela 1).

    Existe uma diferenciação de idades mais acentuada quanto ao início do hábito de fumar. Os aderentes iniciaram, em média, com 15 anos (-7 +19 anos, s = 3,87,) e os desistentes com 23,75 anos (-17 +42 anos, s = 12,17). Mesmo que os aderentes tenham apresentado o hábito de fumar mais cedo quando comparados aos desistentes, o período do consumo de cigarro foi, em média, semelhante entre os dois grupos: 25,56 anos para os aderentes e 28,75 anos para os desistentes.

    Houve semelhança também quando comparada a quantidade de cigarros consumidos por dia (aderentes: 45,56 cigarros/dia, desistentes: 45 cigarros/dia). A maior parte dos participantes relatou que iniciou o hábito de fumar por falta de informação, como relata A5: “A gente não tinha nenhuma informação, nenhuma pressão pra deixar de fumar. A gente não sabia que fazia mal.”

Tabela 1. Caracterização dos grupos aderentes (n = 11) e desistentes (n = 5)

  

Mínimo - Máximo

Média

Moda

Desvio padrão

Idade (anos)

Aderentes

50 – 74

64,82

59-67

7,26

Desistentes

51 – 70

61

-

7,07

Total

50 – 74

63,63

59-64-67

7,2

Idade do primeiro infarto

Aderentes

35 – 65

52,27

49

9,35

Desistentes

47 – 52

50,2

51

1,92

Total

35 – 65

51,6

49-51-52

7,76

Tempo de permanência no programa estruturado (anos)

Aderentes

1 – 10

3,82

5

2,63

Desistentes

1 – 5

3,2

3

1,48

Total

1 -10

3,63

5

2,30

Freqüência semanal ao exercício

Aderentes

3 – 5

4,36

5

0,92

Desistentes

-

-

-

-

Total

3 – 5

4,36

5

0,92

Tempo do hábito de fumar (anos) 1

Aderentes

11 – 40

25,56

20

9,83

Desistentes

10 – 40

28,75

40

14,36

Total

10 - 40

26,54

20-40

10,88

Idade em que começou a fumar (anos) 1

Aderentes

7 – 19

15

14-19

3,87

Desistentes

17 – 42

23,75

18

12,17

Total

7 – 42

17,69

18

8,04

Idade em que deixou de fumar (anos) 1

Aderentes

30 – 50

38,67

40

5,63

Desistentes

38 – 60

46,25

-

9,6

Total

30 – 60

41

38

7,58

Cigarros fumados por dia 1

Aderentes

24 – 72

45,56

24

22,31

Desistentes

30 – 72

45

30

19,9

Total

24 – 72

45,38

24-72

20,75

1. Dois aderentes e dois desistentes nunca fumaram

    No momento da pesquisa, não havia nenhum participante que mantinha o hábito de fumar e duas pessoas em cada grupo nunca fumaram. Essa situação não explica a desistência do grupo que deixou de fazer o exercício físico, pois a literatura apresenta que o hábito de fumar atual é que dificulta a participação em programas estruturados de exercícios físicos (McAULEY e COURNEYA, 1993). Alguns autores afirmam que o hábito de fumar influencia na aderência a programas de exercício físico de alta intensidade (KING et al. apud SABA, 2001).

    No entanto, o tabagismo pode explicar, em parte, o aparecimento do processo aterosclerótico, como colocado por Yugar-Toledo e Moreno Júnior (2002, p. 595): “A nicotina estimula a liberação de catecolaminas, estimula as lesões no endotélio arterial e promove a aterogênese. [...] Apresentam alteração tanto no balanço vascular biológico, propiciando a trombogênese, por meio de efeitos nas plaquetas e fatores de coagulação, como no balanço do tônus vascular, favorecendo a vasoconstrição”.

    O tabagismo está associado ao desenvolvimento da doença arterial coronariana e a eventos cardiovasculares. O estresse e a ansiedade, que são outros fatores associados à DAC e a eventos cardiovasculares, podem ser desencadeados se o abandono do hábito de fumar não for acompanhado de maneira adequada, como podemos perceber no depoimento de A2: “Mas eu já não fumava, só que desencadeou uma ansiedade e uma reação desgraçada; e em função de parar de fumar, eu acabei na comida e cheguei no peso de 104 Kg”.

    A maior parte dos participantes da pesquisa é aposentada e um indivíduo do grupo de aderentes exerce a profissão de mecânico. No grupo de aderentes, há uma concentração das profissões no funcionalismo público (27,3%).

    A caracterização da profissão é importante, haja vista que situações marcantes da vida das pessoas possuem relação direta com a profissão exercida. As profissões podem influenciar tanto para o desenvolvimento da doença arterial coronariana como para eventos cardiovasculares. O estresse laboral, portanto, é um fator crítico.

    Em um levantamento realizado por Andrade (2001), o autor afirma que nos Estados Unidos, algumas profissões são claramente reconhecidas como mais estressantes e susceptíveis aos problemas decorrentes da ação do estresse, entre elas, estão os professores, os policiais e os bancários.

    Para Muto et al. (2007) que estudaram professores da educação infantil no Japão, os professores empenhados efetivamente com a educação, tinham um nível de estresse significativamente maior em comparação com os não tão empenhados no processo educacional.

    O estresse laboral pode ser verificado nos depoimentos de:

    A7: “[...] O trabalho é que é eu fui chefe por 17 anos de uma turma, eu acho que aquilo ali me desgastou muito, porque eu gostava de tudo certinho, direitinho [...]”.

    A11: [...] É, mas eu me vi mal do nervo emocional... Eu tava com tanta raiva do tesoureiro... Todos têm medo dele lá, gerente, todos têm medo do tesoureiro.

    O grupo de aderentes apresenta uma maior amplitude no nível de escolarização, havendo uma concentração no ensino médio (54,6%). Os desistentes concentram-se no ensino médio (60%) e no ensino superior (40%).

    Em relação à situação financeira observou-se que cinco aderentes (45%) e dois desistentes (40%) já passaram por dificuldades financeiras importantes. No entanto, todos até o encerramento da pesquisa conseguiram manter um equilíbrio financeiro, além de sustentar outras pessoas com a sua renda. Todos possuem casa própria e carro. A renda familiar per capita média dos desistentes é maior e mais heterogênea que a dos aderentes. Um dos desistentes relatou que o lazer é prejudicado pela queda do poder aquisitivo. No grupo de aderentes, 27% (3) das pessoas afirmaram que o meio de condução próprio facilita a freqüência ao programa.

    Sobre a renda e a escolarização não houve informações condizentes com a literatura. Um estudo realizado no Brasil (Datafolha, 1997) apontou que as pessoas com curso superior e com maior renda tendem a realizar mais atividade física. Por outro lado, um estudo realizado por Rodrigues (1999), verificou que, dos participantes do programa, 39,57% possuíam ensino fundamental (completo ou incompleto), 33,32% ensino médio (completo ou incompleto) e 24,99% ensino superior (completo ou incompleto), ou seja, as pessoas que tinham maior nível de escolarização eram as que praticavam menos atividades físicas.

Tabela 2. Renda dos grupos aderentes e desistentes em reais (R$)

 

 

Mínimo – Máximo

Média

Moda

Percentis

Desvio padrão

25

50

75

Renda

Aderentes a

700 – 10000

2850

1000-2000

950

1600

3850

3130,2

Desistentes

750 – 7000

2812,5

937

1750

5750

2838,5

Total

700 – 10000

2839,3

2000

950

1750

3850

2939,9

Renda familiar

per capita

Aderentes a

200 – 3333

1088,2

500

462

633

1633

1007,5

Desistentes

375 – 3500

1260,4

406

583

2792

1497,8

Total

200 – 3500

1137,4

500

469

633

1633

1107,7

Nota: a. Um aderente não respondeu.

    Em outro estudo realizado em um programa público estruturado de exercícios físicos na grande Florianópolis (Amorim, 2001) os praticantes regulares (mais de três meses de participação) possuíam a escolaridade diversificada: 31,3% possuíam séries iniciais da 1ª à 4ª série; mesmo percentual para o ensino médio; 14,6% possuíam ensino superior incompleto; 12,5% ensino superior completo; e 10,5% ensino fundamental.

    Song e Lee (2001) colocam que os programas de reabilitação cardíaca proporcionam uma melhora da motivação independentemente das variáveis: educação, renda, comportamento e qualidade de vida.

    Os dados da renda e da escolaridade não permitem afirmar a influência que tiveram sobre a aderência ou a desistência entre os grupos. O grupo de aderentes possuiu um “n” maior em relação ao dos desistentes, indicando a necessidade de estudos futuros para um melhor esclarecimento.

    O grupo de aderentes possui maior amplitude no índice de massa corporal (de 20,5 a 35,25 Kg/m2, s = 3,95), porém a média entre os grupos dos aderentes e dos desistentes é semelhante e acima do que recomenda a Organização Mundial de Saúde (OMS) (de 18,5 a 24,9 Kg/m2). Ambos os grupos são caracterizados com sobrepeso (de 25 a 29,9 Kg/m2) (tabela 3).

    Outros estudos, na mesma população, apresentaram dados semelhantes para o IMC. Rodrigues (1999) (n = 48) apontou que 52% dos pacientes estavam na classe de sobrepeso e 21,73% na classe de obesidade. Ao analisar o IMC ao longo da vida (gráficos 1 e 2), foi observado que os desistentes possuíam valores recomendados até os vinte anos de idade e os aderentes até os trinta anos, ambos oscilando na classificação de sobrepeso desde então.

Tabela 3. Massa corporal dos grupos aderentes (n = 11) e desistentes (n = 5) atualmente

  

Mínimo – Máximo

Média

Moda

Desvio padrão

Estatura (cm)

Aderentes

162 – 181

171,2

-

5,49

Desistentes

175 – 180

176,6

175

2,3

Total

162 – 181

172,91

175

5,3

Massa corporal (kg)

Aderentes

60,3 – 99,6

80,92

-

12,7

Desistentes

74,7 – 89,6

84,66

-

6,93

Total

60,3 – 99,6

82,09

-

11,12

Índice de massa corporal (Kg/m2)

Aderentes

20,5 – 35,25

27,78

-

3,95

Desistentes

24,4 – 29,3

27,22

-

2,47

Total

20,5–35,25

27,6

-

3,48

    Para Dishman (1990), as pessoas com sobrepeso e obesidade tendem a não participarem em programas de exercício físico e respondem menos à intervenção pública. A desistência para essa população está entre 60% a 70% nos seis a 12 meses de participação.

    Sherwood e Jeffery (2000) também corroboram dessa premissa, e acrescentam que pessoas obesas tornam-se mais ativas proporcionalmente ao peso que reduzem. Porém, ainda não está claro até que ponto o estado do peso é uma barreira para a prática, conseqüência desta, ou um fator motivador. A atividade física é menos aprazível para as pessoas obesas, em parte, pelos constrangimentos sociais proporcionados em público, como por exemplo, serem vistas em roupas de ginástica.

Gráfico 1. Evolução do índice de massa corporal (IMC), ao longo da vida, entre os grupos aderentes e desistentes

 

Gráfico 2. Evolução do índice de massa corporal (IMC) médio, ao longo da vida, dos participantes da pesquisa

    O aumento da massa corporal foi atribuído pelos participantes, ao casamento e estabilidade emocional, aliados ao trabalho sedentário, que juntos ocasionaram a diminuição da atividade física e o aumento da ingestão calórica como podemos observar pelos depoimentos a seguir:

  • A1: “Depois que casei, não vou culpar o casamento, mas a vida acomodou um pouco, mais confortável, não financeiramente, mas confortável psicologicamente, espiritualmente. Aí eu parti pros 100 quilos”.

  • A2: “Depois que eu casei, que comecei a viajar, comecei a viajar com 24 anos, aí praticamente parei com atividade física”.

  • A8: “Sei que quando eu tinha 22 anos, eu era magrinho. Depois deu uma enchida, depois que eu casei com uns 24 pra cima”.

  • A10: “É, ai parei com as atividades, o senhor sabe como é... Só comendo, sentado, trabalhando [...]”.

  • D3: “[...] Depois parei. Casamento, trabalho, não tinha tempo pra fazer isso. Era só correria, obra aqui, outra obra lá, é só trabalho”.

  • D5: “Depois que eu casei parei com tudo. Eu até jogava um futebolzinho uma vez ou outra, mas fui parando e parei totalmente”.

    Segundo a Associação Médica do Paraná (AMP, [199-]), metade das pessoas que casam, ganham aproximadamente 20% do seu peso nos primeiros cinco anos de casamento. Esse aumento do peso ocorre entre homens e mulheres, com certa predominância para os homens. Para Bianchi (2004), o casamento pode desencadear a obesidade de origem comportamental, em que ocorre erro de comportamentos preventivos em saúde. Nessa fase da vida, são reduzidas as atividades físicas e incorporados hábitos inadequados na maneira de alimentar-se.

    De acordo com Coutinho (2003), isso se deve às importantes mudanças de estilo de vida que o casal passa. Às vezes, nem é necessário o casamento para produzir essas mudanças. Qualquer relacionamento afetivo estável pode ocasionar mudanças de hábitos que favorecem o ganho de peso. Para Lemgruber (2003), é como se os casais já não precisassem mais se cuidar e se produzir tanto para sair em busca de novas conquistas. A mudança na rotina envolvendo a redução de atividade física também pode contribuir para o ganho de peso.

    Os desistentes apresentaram valores de IMC superiores até o momento do evento cardiovascular. Depois por motivos não identificados passaram a ter um índice de massa corporal menor que os aderentes. A queda do IMC após o evento cardiovascular se explica na recorrência de eventos cardiovasculares: 4 (80%) dos desistentes tiveram acidente vascular cerebral (AVC), o que implica em alterações neuromusculares. Destes 4, 3 desistentes possuem como doença associada (ao AVC) a hipertensão arterial sistêmica. Somente um dos aderentes apresentou AVC.

    Os grupos de aderentes e de desistentes apresentaram entre um e três infarto agudo do miocárdio recorrente (média de 1,55 e 1,60, respectivamente).

    No grupo de desistentes, o AVC foi um fator importante para o abandono do programa de exercícios físicos: 80% (4) tiveram este evento. As seqüelas apresentadas por ambos os grupos não impedia a participação no programa estruturado. No caso dos desistentes, eles realizam tarefas diárias, como dirigir, ir ao mercado e fazer alguns deslocamentos a pé.

    Um estudo realizado por Sgrott (2001), na mesma população, verificou que a desistência foi de 80% para as pessoas que tiveram AVC e 79% para aquelas que tiveram IAM. Neste mesmo estudo, foi verificado que a desistência por doença foi a seguinte: DCA (72,9%), hipertensão arterial (67,3%), insuficiência cardíaca (66,6%), diabetes mellitus (64,2%), dislipidemias (52,9%) e obesidade (50%).

    O IMC elevado ao longo da vida não parece influenciar na aderência/desistência dos grupos. Mesmo os desistentes possuindo valores maiores de IMC se comparados aos dos aderentes, até o momento do evento cardiovascular, ambos permaneceram na mesma classificação (sobrepeso), e ainda a literatura não apresenta conclusão a respeito da relação obesidade e aderência.

    Em relação aos fatores mais freqüentes associados ao desenvolvimento da doença arterial coronariana na história de vida dos participantes destacam-se os fatores psicossociais, como pressão no trabalho, ansiedade, hábito de fumar e trabalho pouco ativo, presentes nos dois grupos.

    Palma (2000) coloca que os fatores de risco individuais não conseguem explicar a morbidade e a mortalidade na sociedade atual, avançando o conhecimento nas ciências da saúde coletiva.

    O estresse e a ansiedade, desencadeados principalmente pela pressão no trabalho, são exemplos de fatores psicossociais. Para Krantz e McCeney (2002), os resultados deles, sejam hemodinâmicos, endócrinos ou imunológicos podem plausivelmente afetar o desenvolvimento, a progressão, ou os sintomas clínicos da DAC. É interessante notar que algumas ou todas as respostas fisiológicas, mesmo as com aspectos notadamente específicos, como a angina, são resultado de ações gerais ao organismo. Variam de indivíduo para indivíduo, além de serem desencadeadas por fatores externos a elas, porém a partir da sua percepção. O estresse, por exemplo, possui uma ativação autonômica que possivelmente predispõe diversas alterações, como disfunção endotelial ou arritmias cardíacas causadas por transmissão neural cardíaca (KRANTZ e McCENEY, 2002).

    O lazer pouco ativo figura entre as características mais freqüentes no grupo de desistentes e menos freqüentes no grupo de aderentes. A diferenciação entre os grupos no lazer pouco ativo pode ser uma influência motora facilitadora para a aderência ao programa de exercícios físicos, principalmente pela influência na auto-eficácia. Por outro lado, as pessoas que conseguem permanecer por seis meses em um programa estruturado (caso dos participantes da pesquisa) têm possibilidade de permanecer ativas por mais um ou dois anos. Isso se caracterizou pelo tempo médio de permanência no programa (aderentes: 3,82 anos; desistentes: 3,63). No entanto, a literatura não trata desse ciclo de permanência em programas estruturados de exercícios físicos.

    A prevenção do infarto agudo do miocárdio (IAM) relaciona-se com a identificação e o controle dos fatores de risco (FR) presentes no estilo de vida das pessoas, assim, deve-se conhecer a interconexão do indivíduo com o ambiente, a família e a sociedade (MILANI et al., 2007).

Conclusão

    A massa corporal, mesmo sendo representada e valorizada de acordo com a capacidade motora para o desenvolvimento de tarefas da vida diária dos participantes da pesquisa, parece não influenciar na aderência/desistência do programa de exercícios físicos.

    Entre os fatores pessoais dos aderentes, não ficaram evidenciados, a influência ou ausência do acidente vascular cerebral, da renda e do nível de escolarização sobre a aderência desse grupo ao programa estruturado de exercícios físicos.

    Os fatores psicossociais mais importantes associados ao desenvolvimento da doença arterial coronariana foram em ambos os grupos: a pressão no trabalho, a ansiedade, o hábito de fumar e o trabalho pouco ativo.

    Valorizar a qualidade de vida e encarar a vida de modo diferente são características dos aderentes, não presentes entre os desistentes. O infarto representa um momento de reflexão na vida dessas pessoas, que a partir de então reformulam seus valores. Entre as situações reformuladas está uma diminuição na valorização dos bens materiais, no poder aquisitivo e uma diminuição do trabalho excessivo. O trabalho excessivo é utilizado como forma para a aquisição de bens materiais e como forma de fuga ao estresse. O “repensar a vida” tem como base o medo do sofrimento em decorrência da doença e do medo da morte.

    A importância de conhecimento, tanto de fatores quanto dos marcadores de risco, é fundamental para estabelecer estratégias de prevenção de doenças cardiovasculares, pois o risco de desenvolver patologias crônico-degenerativas é avaliado com base na análise conjunta de caracteres que aumentam a probabilidade de um indivíduo a vir apresentar doença.

    Cabe destacar a necessidade de implementação de medidas preventivas que alcancem grande número de indivíduos de risco e a complementação de programas já existentes. Em um país com escassez de recursos como é o caso do Brasil, a prevenção e o tratamento de fatores de risco poderão ter grande impacto na diminuição da incidência e mortalidade de pessoas vítimas de doenças cardíacas.

Referências

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  • ASSOCIAÇÃO MÉDICA DO PARANÁ (AMP). Comportamento e obesidade: presente de casamento – quilinhos a mais. Revista Medicina & Cia, n. 17. [199-]

  • BIANCHI, J. R. Motivação: tipos de obesidade. 2004. Disponível em: www1.uol.com.br/cyberdiet/colunas/030214_mtr_tiposobesidade.htm. Acessado em: 22 de ago de 2004.

  • BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Síntese de Indicadores Sociais 2003. 2004. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home /estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2003/indic_sociais2003.pdf. Acessado em: 9 nov de 2004.

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