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A ressignificação do fato folclórico

La resignificación del hecho folklórico

 

Professor Assistente Substituto de Capoeira

do Departamento de Lutas da EEFD da UFRJ

(Brasil)

MSc. Ricardo Martins Porto Lussac

ricardolussac@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O fato folclórico, como manifestação expressiva e cultural do Homem pode sofrer modificações ressignificativas em sua ordem de existência. Tais modificações não podem ser entendidas como quebra de identidade ou de tradição. Pelo contrário, a ressignificação deve ser considerada um fator essencialmente de preservação, pois conduz à uma adaptação evolutiva do fato folclórico, justamente para a sua manutenção ou adequação à uma nova realidade à que o Homem e a sua respectiva comunidade estão submetidos e inseridos. A dinâmica do fato folclórico e as nuances das ressignificações das expressões artísticas tradicionais são imprescindíveis para a salva-guarda e sobrevivência destas manifestações e as respectivas elaborações de mecanismos para a manutenção de seus significados fundamentais para sua prática e existência sem rupturas com o passado.

          Unitermos: Cultura, Fato Folclórico, Folclore.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 146 - Julio de 2010

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Introdução

    O ser humano é eminentemente um ser criativo e em permanente estado de evolução adaptativa (TUBINO; LUSSAC, 2008). Dentro desta perspectiva e aliado ao fator da dinamicidade da cultura, o fato folclórico, como manifestação expressiva do Homem, portanto, como expressão de sua cultura, pois o Homem é um ser cultural (ibidem, 2008) – ele produz cultura – pode sofrer modificações ressignificativas em sua ordem de existência.

    Estas modificações ressignificativas não podem ser entendidas como quebra de identidade ou de tradição. Pelo contrário, a ressignificação conduz à uma adaptação evolutiva do fato folclórico, justamente para a sua manutenção ou adequação à uma nova realidade à que o Homem e a sua respectiva comunidade estão submetidos e inseridos. Pode ser, então, considerada um fator essencialmente de preservação.

    Houve tempo em que a antigüidade e a intocabilidade – idéia que também pode ser compreendida com a noção de imutalidade – eram condições e fatores determinantes para a definição de um fato folclórico. Segundo Roberto Benjamim, Presidente da Comissão Pernambucana de Folclore, o Folclore não pode ser visto como uma sobrevivência do passado (BENJAMIM, 2010). Sob o manto da dinamicidade o conceito de tradicionalidade é entendido como uma continuidade, onde fatos novos são inseridos sem uma ruptura do passado, sendo construídos sobre e com o passado. A criação popular contemporânea sempre introduz fatos novos que merecem a aceitação coletiva. E, neste caso, sendo a aceitação coletiva um dos fatores de identificação da manifestação folclórica, a criação pode ser entendida como um dos processos inerentes à práxis das expressões culturais do Homem.

    Em seu artigo “Entendendo o Folclore”, a Dra. Maura Laura Cavalcanti (2002) afirma que a noção de folclore é construída historicamente e varia ao longo do tempo. Atualmente já é aceito o termo “Folclore Nascente”, como afirma Benjamim (2010), em uma clara oposição ao conceito metodologicamente ultrapassado em que somente práticas antigas e referenciadas como ‘tradicionais’ poderiam ser interpretadas como práticas folclóricas. Como analisa Cavalcanti (2002), o folclore é dinâmico e deve ser compreendido dentro do contexto de relações em que se situa, sendo um objeto veículo de relações humanas, de criação, de produção de cultura. A pesquisadora supra-citada não entende a cultura como um conjunto de comportamentos concretos, mas sim, de significados permanentemente atribuídos.

    A importância destes significados está fundada e norteada em fatores de identidade e de funcionalidade e, sobretudo, de valores. O valor, como qualidade metafísica estrutural – segundo Heron Beresford (1999) – preenche um estado de carência, privação ou vacuidade do Ser Humano. Entendendo o Homem como um Ser com capacidade de atribuir valor, de valorizar, de possuir uma consciência intencional operante que atua de acordo com as suas necessidades, transformando o mundo da natureza no mundo da cultura, no mundo dos valores, interpreta-se logicamente um Homem em que a sua condição existencial necessita da manutenção de seus pilares simbólicos e identitários para a sua significação e explicação de existência e vivência. Deste modo, ressignificações tornam-se não só explicáveis, mas extremamente legítimas.

    Dentro desse contexto da dinâmica do fato folclórico pode-se encontrar exemplos de ressignificação de expressões artísticas tradicionais. Somente para se ater à algumas manifestações que hoje se encontram registradas como patrimônios culturais brasileiros, pode-se citar as mudanças sofridas pelas expressões carnavalescas na cidade do Rio de Janeiro (FERNANDES, 2001; KESSEL, 2001), desde o entrudo, perpassando pelos ranchos e pelos cordões carnavalescos, as marchas, até chegar ao desfile das escolas de samba, ritmadas por um samba-enredo acelerado, em compasso com a vida agitada da sociedade moderna hodierna. Quantos aspectos musicais, gestuais, indumentários, entre outros foram ressignificados através dos tempos e assim continuam sendo na sociedade contemporânea.

    Na Capoeira, outro patrimônio cultural imaterial brasileiro, verifica-se diversas ressignificações, pois o jogo-luta sempre dialogou com diferentes culturas regionais ao longo da história. Em fins do século XIX, enquanto no Rio de Janeiro esta assumia um caráter mais focado no contexto da luta, imbricada aos poderes políticos da época, aos conflitos sócio-territoriais e de grupos, em Belém do Pará ela mantinha estreitos laços com o Boi Bumbá. No Recife, a Capoeira estava incorporada em grupos de maltas e as bandas marciais regavam as sementes dos passos do Frevo. Na Bahia, em sua região metropolitana, com suas manifestações afro-brasileiras que perfaziam um conjunto de práticas em que a Capoeira estava inserida e viria ser o laboratório dos aspectos lúdicos e musicais do jogo-luta, ocorreria ainda outras grandes ressignificações na Capoeira que, repercutiriam em todo o mundo (LUSSAC; TUBINO, 2009).

    Em um cenário onde a modernidade começava a impactar as culturas locais, a Capoeira começava adentrar em um processo de esportivização e inexorável institucionalização. Estimulado por uma das faces do jogo-luta nominada Luta Nacional, a Capoeira luta-esporte que habitava o Rio de Janeiro na terceira década do século XX, Mestre Bimba cria a Luta Regional Baiana, que posteriormente seria conhecida e denominada como Capoeira Regional. Em contra-partida, liderados pelo Mestre Pastinha, outros capoeiristas criam em 1941 o CECA, Centro Esportivo de Capoeira Angola, em resposta à todas as modificações que Mestre Bimba havia realizado em sua Capoeira. Com discursos identitários bipolarizados e com funções recíprocas, estes dois tipos de Capoeira vêm até hoje se ressignificando de todos os modos.

    O caso da Capoeira faz os pesquisadores voltarem seus olhares para a questão da dinamicidade da cultura que dialoga com a sua necessidade de salva-guarda. Questões importantes inerentes ao século XXI devem ser levantadas: de que modo os patrimônios culturais brasileiros, como o ofício das Paneleiras de Goiabeiras, ou o modo de fazer Violo-de-Cocho irão sobreviver se os recursos naturais para a manutenção dos mesmos estiverem escassos? O quê seria mais importante: a preservação de um bioma ou de um Patrimônio Cultural de Ofício?

    Ou ainda, se por ventura, o modo artesanal de fazer Queijo de Minas das Regiões do Serro e das Serras da Canastra e do Salitre fosse acometido por um tipo de contaminação sanitária permanente, a ponto de desfazer toda a cadeia deste modo de produção, como seria possível adaptar e ressignificar tal cultura?

Considerações finais

    É necessário compreender que, assim como culturas e expressões nascem, elas também morrem. Portanto, entender a dinâmica do fato folclórico e as nuances das ressignificações das expressões artísticas tradicionais são imprescindíveis para a salva-guarda e sobrevivência destas manifestações e as respectivas elaborações de mecanismos para a manutenção de seus significados fundamentais para sua prática e existência.

Referências

  • CAVALCANTI, M. L. Entendendo o folclore. 2002. Disponível em: http://www.museudofolclore.com.br. Acesso em: 23 de outubro de 2006.

  • BENJAMIM, R. Conceito de folclore. In: http://www.unicamp.br/folclore/Material/extra_conceito.pdf. Acesso em: 18 de maio de 2010.

  • BERESFORD, Heron. Valor: saiba o que é. Rio de Janeiro: Shape, 1999.

  • FERNANDES, Nelson da Nóbrega. Escolas de samba: sujeitos celebrantes e objetos celebrados – Rio de Janeiro 1928-1949. Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Cultura. 2001. v. 3. Coleção Memória Carioca.

  • KESSEL, Carlos. A vitrine e o espelho: o Rio de Janeiro de Carlos Sampaio. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 2001. v. 2, Memória Carioca.

  • LUSSAC, Ricardo Martins Porto; TUBINO, Manoel José Gomes. Capoeira: a história e trajetória de um patrimônio cultural do Brasil. Revista da Educação Física/UEM, Maringá, v. 20, n. 1, p. 7-16, 1. trim. 2009.

  • TUBINO, Manoel José Gomes; LUSSAC, Ricardo Martins Porto. Pesquisando a capoeira sob a perspectiva da ciência da motricidade humana. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, v. 13, n. 124, sept. 2008. http://www.efdeportes.com/efd124/pesquisando-a-capoeira-sob-a-perspectiva-da-ciencia-da-motricidade-humana.htm

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