A produção de conhecimentos sobre o lazer: apontamentos históricos La producción de conocimiento sobre el tiempo libre: notas históricas |
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Licenciado em Educação Física e Mestre em Lazer Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG (Brasil) |
Marcos Filipe Guimarães Pinheiro |
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Resumo O lazer vem ocupando espaços significativos em jornais, revistas e publicações populares de uma forma geral. Além desses, se faz presente nas agendas e propostas políticas de governantes e candidatos. Seguindo esta tendência da sociedade, o lazer vem sendo estudado por diferentes áreas do conhecimento acadêmico em diversos cursos de graduação. Nesse sentido, se faz necessário abordar de que forma esse conhecimento acerca do lazer vem sendo produzido no contexto internacional, mas, sobretudo, no Brasil. O objetivo deste artigo é, numa perspectiva histórica, trazer à luz processos e personagens envolvidos na produção do conhecimento acadêmico sobre o lazer. Para se alcançar tal escopo foi realizada uma pesquisa bibliográfica. Unitermos: Lazer. Conhecimento. Autores.
Abstract Leisure has gained a significant newspapers, journals and magazines. Besides these, is present in the agendas of governments and policy proposals and candidates. Following this trend of society, leisure has been studied by different areas of academic knowledge in various undergraduate courses. In this sense, it is necessary to address how this knowledge about leisure is being produced in the international context, but especially in Brazil. This paper is a historical perspective, rescue procedures and characters involved in the production of academic knowledge about leisure. To reach this scope was performed a literature search. Keywords: Leisure. Knowledge. Authors.
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 146 - Julio de 2010 |
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Introdução
A produção de conhecimentos sobre o lazer atualmente vem ocorrendo em grande escala. Cada vez mais, cresce o número de áreas de conhecimento que se dedicam aos estudos sobre o lazer. Diversas áreas de conhecimento, entre elas, Ciências Humanas, Sociais, Econômicas, Ciências da Saúde, etc., vêm se dedicando com afinco à temática nos campos da pedagogia, da sociologia, filosofia, arquitetura, economia, administração, educação física, fisioterapia, terapia ocupacional, do turismo e muitos outros. Esses abordam o tema sob diferentes aspectos, oportunizando discussões interdisciplinares a respeito do lazer e suas relações dialéticas com as demais dimensões da vida humana como o trabalho, a religião, a educação, a família, a política, etc.
O desenvolvimento da produção do conhecimento no âmbito do lazer em nosso país é fomentado pela formação de grupos de estudos, com a produção de livros e periódicos que disseminam e compartilham os trabalhos produzidos, através de cursos de pós-graduação, tanto lato quanto estricto sensu, com cursos de formação profissional que buscam a qualificação dos profissionais que lidam com o lazer, por meio de eventos acadêmicos científicos tendo a temática do lazer como eixo central, e também, com a discussão e construção de políticas públicas nos âmbitos municipais, estaduais e federais.
Ainda, por todas essas razões, espera-se que a produção não só tenha ganhos quantitativos, mas também qualitativos, que não fique apenas no senso comum e relatos de experiência, uma vez que estes não apresentem consistência conceituais, mas, aprofundando em discussões e promovendo embates teóricos, (re)construa firmes bases epistemológicas.
Assim, esse trabalho objetiva apontar alguns autores e autoras que durante o percurso histórico da produção de conhecimento no campo do lazer contribuíram com seus estudos.
O desenrolar da produção
Apesar de ser relativamente recente, a produção de conhecimentos sobre o lazer, auspiciosa, tem início na segunda metade do século XIX. Sobretudo, concordando com Gomes (2004), o lazer como fenômeno cultural sempre existiu, sendo caracterizado diferentemente em diversos contextos históricos. Na Grécia antiga, por exemplo, filósofos como Platão e Aristóteles trataram do termo ócio em suas obras. Porém, as primeiras investigações sistematizadas sobre o assunto têm origem com a revolução industrial (WERNECK, 2000).
Com o surgimento das indústrias e de um intenso processo de urbanização na Europa, as relações de trabalho começam a ser problematizadas, assim como as relações que se davam em momentos após o trabalho com as demais esferas da vida humana. Trabalhadores e operários de diferentes ramos industriais uniram-se para se fortalecerem e exigir o cumprimento das reivindicações que faziam. Entre elas, e talvez a principal, a redução da jornada de trabalho que até então chegava a 14 e 16 horas diárias (LAFARGUE, 1980).
Nessa época, final do século XIX, na Europa, surgem estudiosos, entre eles o médico Paul Lafargue e o economista e filósofo Thorstein Veblen, questionadores da ordem capitalista que se afirmava e se legitimava sobre a sociedade, preocupados com a alienação observada no trabalho e reproduzida no tempo livre que começava a aumentar. Tais teóricos problematizaram as relações de trabalho, que na maioria das vezes humilhavam o trabalhador, como também as relações que esses operários tinham no tempo de não trabalho, pautadas cada vez mais no consumo. Segundo Gomes e Melo (2003) é a partir daí que o lazer passa a ser visto como tempo/espaço propício para a vivência de uma multiplicidade de experiências tidas como não pertencentes ao mundo do trabalho.
Assim, a partir da necessidade de conhecer e controlar socialmente o tempo livre dos trabalhadores nos países industrializados, emerge nos Estados Unidos e França nas décadas de 1920 e 1930, a Sociologia do Lazer (Sant’Anna, 1994).
Desse modo, no início do século XX, os estudos sobre o tempo livre ganham notabilidade rapidamente e então surgem diversos autores que discutiam as relações de trabalho, lazer e consumo em diferentes países. Por exemplo, Georges Friedmann e David Riesman, que abordavam em seus trabalhos, entre outros aspectos, a influência e estímulo dos sistemas de comunicação, que se desenvolviam rapidamente, na busca da felicidade e da satisfação pessoal através de hábitos de consumo no tempo livre; em 1932, Bertrand Russel publica O elogio ao Ócio, e assim como Veblen, critica a supervalorização do trabalho, defendendo também uma redução considerável da jornada de trabalho.
Concomitantemente, temos as colaborações marcantes do historiador holandês Johan Huizinga com sua obra Homo Ludens, onde ele aborda aspectos históricos e culturais do jogo, da fantasia e da ludicidade, características muitas vezes presentes e almejadas nas vivências de lazer.
Outros estudiosos como o psicólogo social espanhol Frederic Munné e o cientista político americano Sebastian De Grazia, em meados desse século, fazem um apanhado histórico do surgimento do lazer e começam a dialogar em seus escritos com outros autores a cerca das concepções de lazer, nos aspectos tempo e atitude.
É importante destacarmos também, nesse período, a participação marcante e as ricas contribuições dos intelectuais da Escola de Frankfurt, dentre os quais Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, pais da expressão indústria cultural, bastante ocorrente nos dias atuais em estudos sobre cultura de massa e consumo.
No Brasil, os pioneiros da produção teórica no âmbito do lazer também fazem parte da primeira metade do século XX. Entre eles estão o professor de Educação Física Frederico Guilherme Gaelzer, o intelectual Inezil Penna Marinho, o filósofo e sociólogo Nicanor Miranda, o ex. ministro do trabalho e previdência social Arnaldo Sussekind e o sociólogo Acácio Ferreira. Pode-se observar em alguns detalhes das obras de nossos pioneiros alguns aspectos do contexto sócio político da época. Um exemplo é o caráter assistencialista presente. Em determinados trechos, alguns autores consideram as atividades de lazer, na época tidas como recreação, como fonte de educação social e saúde do povo. Ligado a esse aspecto está o senso de desenvolvimento nacional e da civilidade do cidadão, como o progresso da nação, tão disseminados naqueles dias.
Porém, é na década de 1970, segundo Gomes e Melo (2003), que o lazer passa a ser visto em nosso país como uma área capaz de aglutinar e impulsionar pesquisas, projetos e ações multidisciplinares, coletivos e institucionais. Passa a ser considerado como um campo de estudos sistematizado e de intervenções. Nesse período ocorrem vários eventos científicos, encontros, seminários e congressos, nacionais e internacionais, como o Seminário Nacional do Lazer em 1974, o Encontro Nacional de Lazer em 1975 e o Congresso para uma carta de lazer em 1976 com a participação de representantes de 42 países. Tais eventos contaram com o Serviço Social do Comércio (SESC), criado em 1946, e que em 1969 coloca o lazer como campo prioritário na sua atuação junto aos comerciários, e com a Fundação Van Clé, que inicialmente promoveu o intercâmbio entre Brasil e França nos estudos do lazer. Nessa época, os estudiosos brasileiros receberam grande influência dos estudos do sociólogo francês Joffre Dumazedier1, que viera ao país várias vezes para proferir palestras e ministrar cursos. Entre esses, destacamos a educadora Ethel Bauzer Medeiros, o sociólogo Renato Requixa e a professora de Educação Física Lênea Gaelzer.
Entre 1969 e 1979, verifica-se um aumento significativo do número de pesquisas, debates e análises dos usos do tempo livre. O lazer passou a ocupar, cada vez mais, espaços em jornais e revistas, na televisão, em encontros de cunho político, médico, cultural, nos projetos arquitetônicos, nas entidades sindicais e de assistência ao trabalhador. Na década de 1970, novos métodos de investigação, novas pesquisas e teorias fazem do lazer um campo de conhecimento. A produção irrompe por meio de livros e teses, avolumam-se relatórios de observações das técnicas empregadas e dos resultados obtidos na aplicação dos programas de lazer que se espalhavam nos âmbitos públicos e privados (Sant’Anna, 1994).
De acordo com Werneck (2003), é com a entrada dos estudos de Dumazedier no Brasil a partir da década de 1970 que surge a ambivalência dos termos recreação e lazer, que perdura atualmente resultando em problemas conceituais crônicos em inúmeros trabalhos. Até então o termo lazer era considerado sob o aspecto tempo, enquanto a recreação sob o aspecto da atividade. Ou seja, a recreação eram as atividades desenvolvidas no tempo livre, no tempo de lazer. Quando passamos a adotar em nosso país a concepção de lazer proposta por Dumazedier, que considera o lazer como um conjunto de ocupações, mescla-se os conceitos desses dois termos, causando uma mistura de significados que perdura ainda hoje.
Contemporâneos de Dumazedier, mas com influência significativamente menor, destacam-se o sociólogo britânico Stanley Parker e os franceses Roger Sue e Marie-Françoise Lanfant, entre outros, além do já citado Friedmann, com quem estabelece um grupo de pesquisa em Sociologia do Lazer. Muitos já apontavam em seus estudos a multidisciplinaridade do lazer. E segundo Parker (1978), o lazer não poderia ser quantificado e reduzido a números de horas, criticando os muitos trabalhos realizados até então que se propunham a medir o lazer das pessoas tendo em vista o tempo livre delas. Fez ainda críticas à algumas concepções de lazer existentes na época dialogando com seus contemporâneos Dumazedier e o americano Max Kaplan, outro importante autor.
Já na década de 1980, aparecem produções significativas no campo do lazer no Brasil através de Luiz Octávio de Lima Camargo, que foi orientando de Dumazedier no seu doutoramento, e Nelson Carvalho Marcellino. Segundo Gomes e Melo (2003), Camargo (1986) contribuiu com sua primeira obra para uma compreensão mais abrangente de lazer em nosso país. Já Marcellino, por sua vez, é ainda hoje um dos principais teóricos do lazer no Brasil, sobretudo se observarmos a repercussão e o volume das publicações organizadas pelo autor.
É a partir dos anos 1970-1980 que a produção de conhecimentos sobre o lazer no Brasil adquire visibilidade e parte para um processo de legitimação desse objeto como campo de estudos no país.
Logo em seguida, a partir da última década do século XX, surgem publicações de autores como Antônio Carlos Bramante, Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto, Heloisa Turini Brhuns e Christianne Luce Gomes Werneck, com destaque para as duas últimas com intensa produção atualmente. Somando a elas, pode-se destacar também autores contemporâneos em intensa produção atualmente, como Victor Andrade de Melo e Hélder Ferreira Isayama.
Além dos poucos autores citados, poder-se-ia fazer menção a inúmeros outros que contribuíram e ainda contribuem com a produção de conhecimento no campo do lazer, tanto internacionalmente como no cenário nacional. Através dos estudos do lazer cada vez mais diversificados, sendo examinadas as relações com as diferentes formas de manifestações culturais, com a educação, com o trabalho, o meio ambiente, com políticas públicas, com a formação e atuação profissional, com grupos sociais, além de inúmeras outras temáticas que estabelecem liames com este campo de estudo e intervenção.
Considerações finais
Desse modo, concordando com Gomes e Melo (2003), observamos nas últimas décadas o lazer ocupar espaço significativo nos jornais, periódicos de informação geral e no mundo acadêmico como um todo, com destaque para a organização de grupos de pesquisa advindos das mais diversas áreas de conhecimento. Alguns dos motivos dessa crescente visibilidade do assunto são: a compreensão de que o âmbito da cultura é ponto central de interesse para o campo do lazer; o desenvolvimento de uma forte e crescente indústria do lazer e do entretenimento, apontada como uma promissora fonte de negócios; aumento das iniciativas governamentais relacionadas ao lazer; e os questionamentos acerca da assepsia da sociedade moderna, construída a partir da centralidade e valorização extrema do trabalho.
Embora percebamos tais ganhos quantitativos relacionados ao aumento do interesse no campo do lazer e uma produção teórica cada vez maior, nota-se algumas dificuldades relativas à essa produção. Conforme Gomes e Melo (2003) e Pinheiro (2006; 2007; 2009), grande parte das análises e pesquisas sobre lazer, tratam de relatos de experiência. Estes por sua vez, não partem de uma discussão aprofundada sobre o tema e encerram numa superficialidade teórica. Enquanto outros trabalhos não apontam caminhos em suas considerações, não representando avanços na discussão sobre o tema.
Ainda, de acordo com Werneck (2000), as publicações no campo do lazer não explicitam embates teóricos, necessários para os almejados ganhos e avanços qualitativos da produção. Muitas vezes, as críticas e questionamentos às concepções de determinados autores não são realizadas devido relações de poder presentes nesse campo científico e compartilhada pelos agentes que nele atuam. Assim, cada autor estabelece relações diplomáticas no trato com outros agentes expressivos no campo do lazer.
Nesse sentido destacamos a importância da pesquisa no processo de construção do conhecimento. Não apenas da elaboração, mas também, segundo Werneck (2000), da socialização e do registro de conhecimentos. Daí a importância de eventos científicos, congressos, seminários e demais encontros acadêmicos, e das publicações de livros, periódicos, teses, dissertações, monografias e relatórios de pesquisas. Como também de ações coletivas e multidisciplinares que poderão contribuir com o aprofundamento dos estudos sobre o lazer e com os saltos qualitativos no campo, paralelamente ao crescimento da produção de conhecimento.
Nota
1. Destaque para as obras como Sociologia empírica do lazer e Lazer e cultura popular, com grande influência no Brasil.
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