O percurso profissional de professores de Educação Física escolar de Santa Maria, RS: a fase de desinvestimento na carreira docente El recorrido profesional de los profesores de Educación Física escolar de Santa María, RS: la etapa del desinterés en la carrera docente |
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*Acadêmico da Licenciatura em Educação Física (CEFD/UFSM) Bolsista de Iniciação Cientifica (BIC/FAPERGS) Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física (GEPEF/UFSM) **Acadêmico da Licenciatura em Educação Física (CEFD/UFSM) Bolsista de Iniciação Cientifica (FIPE Sênior/UFSM) Integrante do GEPEF/UFSM ***Mestre em Educação. Integrante do GEPEF/UFSM ****Mestre em Educação. Vice-Líder do GEPEF/UFSM *****Doutor em Educação. Doutor em Ciência do Movimento Humano Professor Associado do Departamento de Metodologia do Ensino (CE/UFSM) Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/CE/UFSM) Líder do Grupo do GEPEF/UFSM |
Patric Paludett Flores* Clairton Balbueno Contreira** Franciele Roos da Silva Ilha*** Ana Paula da Rosa Cristino**** Leonardo Germano Krüger**** Hugo Norberto Krug***** (Brasil) |
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Resumo Este estudo objetivou analisar a fase de desinvestimento do percurso profissional de professores de Educação Física Escolar de Santa Maria (RS). A investigação caracterizou-se pelo enfoque fenomenológico sob a forma de estudo de caso com abordagem qualitativa. Participaram dez professores de Educação Física Escolar da cidade de Santa Maria (RS). O instrumento utilizado para a coleta de informações foi uma entrevista semi-estruturada. A interpretação das informações foi através da análise de conteúdo. Nesta investigação confirmou-se que no fim da carreira existem professores que manifestam o desejo e o entusiasmo de continuar na docência e outros que manifestam impaciência, cansaço e desejo de aposentadoria. Unitermos: Educação Física. Educação Física Escolar. Percurso profissional docente. Fase de desinvestimento.
Artigo derivado da pesquisa “O percurso profissional de professores de Educação Física Escolar de Santa Maria (RS)” com fomento Bolsa de Iniciação Cientifica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (BIC-FAPERGS) e da FIPE Sênior (UFSM)
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 145 - Junio de 2010 |
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Introduzindo a temática da investigação
De acordo com Fontoura (1992) existem várias maneiras possíveis de considerar a vida profissional dos professores e a perspectiva clássica da ‘carreira’ é uma delas.
Tardif (2003) compreende ‘carreira’ docente como uma prática e rotina institucionalizada no campo do trabalho, identificada com o processo de socialização profissional.
Já Hüberman (1992) destaca que o conceito ‘carreira’ apresenta vantagens diversas. Em primeiro lugar, permite comparar pessoas no exercício de diferentes profissões. Depois, é mais localizado, mais restrito que ao estudo da vida de uma série de indivíduos. Por outro lado, comporta uma abordagem psicológica e sociológica. Trata-se de estudar o percurso de uma pessoa numa organização e de compreender como as características dessa pessoa exercem influência sobre a organização e são, ao mesmo tempo, influenciada por ela.
Neste direcionamento, Gonçalves (1992) aponta que os estudos sobre a ‘carreira’ docente inserem-se no quadro mais vasto das teorizações sobre os ciclos de vida humana, em geral, e do adulto em particular. O autor salienta que estes estudos tem procurado desvendar o universo profissional dos professores, por referência a um contexto social, em que se entrelaçam as vertentes pessoal e interpessoal.
Ainda Gonçalves (1992) destaca que a ‘carreira’ dos professores desenvolvem-se por referência a duas dimensões complementares: 1) A individual – centrada na natureza do seu eu, construído à nível consciente e inconsciente; e, 2) A grupal ou coletiva – construída sobre as representações do campo escolar, influenciando e determinando aquelas.
Entretanto, Hüberman (1992) afirma que o desenvolvimento de uma ‘carreira’ é um processo e não uma série de acontecimentos. Ressalta que para alguns, este processo pode ser linear, mas, para outros, há patamares, regressões, becos sem saída, momentos de arranque e descontinuidades.
Assim, nesta perspectiva de ‘carreira’ como um processo complexo em que fases da vida e da profissão se entrelaçam ao longo da vida, podemos afirmar que a ‘carreira’ assume um formato de ‘percurso’ docente. Segundo Isaia (2005) este ‘percurso’, ou trajetória dos professores estabelece marcos como a entrada na vida adulta, a consolidação no mundo adulto e a preparação para deixar os comandos do mundo. No decorrer destas etapas podem ocorrer transformações na ‘carreira’ docente que estão relacionadas com vivências amplas da dimensão pessoal e grupal.
Segundo Hüberman (1992) a investigação na ‘carreira’ de professores é ainda recente e há necessidade de continuar a estudá-la, pois existe carência de estudos.
De acordo com Krug (2005a) na literatura especializada encontramos algumas investigações realizadas sobre o desenvolvimento da ‘carreira’ do professor (HÜBERMAN, 1992; GONÇALVES, 1992; BARONE et al., 1996; STROOT, 1996; NASCIMENTO; GRAÇA, 1998).
A investigação considerada pioneira nesta área e geradora dos demais estudos foi a desenvolvida por Hüberman (1992). Este autor preocupou-se em estudar a ‘carreira’ do professor e classificar os ciclos de vida profissional de docentes, denominando-os como fases, onde cada fase apresenta características próprias e procura enquadrar o professor durante o seu ‘percurso’ profissional.
Segundo Krug (2005a) após analisar as cinco classificações de percurso e/ou ciclos de desenvolvimento profissional do docente propostos pelas investigações de Hüberman (1992), Gonçalves (1992), Barone et al. (1996), Stroot (1996) e Nascimento & Graça (1998) concluiu que a classificação de Hüberman é a mais completa e detalhada em relação aos demais autores estudados. Também concluiu que as cinco classificações estudadas não são adequadas à realidade brasileira, pois em nosso país, geralmente a carreira docente, em termos de anos de docência, apresenta-se diferenciada dos demais países, porque aqui no Brasil tem a duração de 25 a 30 anos, enquanto que nos outros a duração é de 35 ou mais anos (isto antes da nova reforma trabalhista).
Assim, considerando que a vida do professor é uma área de investigação com cada vez mais espaço na comunidade acadêmica, existe uma curiosidade enorme de saber como acontece o ‘percurso’ profissional do docente, em particular, em nossa investigação, do professor de Educação Física Escolar, pois este referido percurso docente é concebido como um processo complexo, envolvendo momentos de crises, recuos, avanços, mudanças, descontinuidades e relativa estabilidade, representativas das mudanças ocorridas.
Todo este contexto levou-nos à construção da seguinte questão problemática norteadora desta investigação: Como é o percurso profissional de professores de Educação Física Escolar da cidade de Santa Maria (RS)? Assim, a partir desta questão problemática o objetivo geral da investigação foi analisar o percurso profissional de professores de Educação Física Escolar da cidade de Santa Maria (RS).
Entretanto, como nesta parte da investigação focamos mais particularmente o interesse em uma fase específica da ‘carreira’ docente, o objetivo geral passou a ser o seguinte: analisar a fase de desinvestimento do percurso profissional de professores de Educação Física Escolar de Santa Maria (RS).
Ainda convém destacar que, para esta investigação, considerando que aqui no Brasil, particularmente no estado do Rio Grande do Sul e na cidade de Santa Maria, o tempo para aposentadoria dos docentes do sistema público de ensino, ainda vale o tempo de serviço de 25 anos para as professoras e 30 anos para os professores, elaboramos uma adaptação da classificação de Hüberman (1992) tendo como critério a distribuição dos anos de docência nas diversas fases previstas pelo autor, como também preservando as características das mesmas, mas fundamentalmente adaptando-as para o referido tempo de serviço previsto para os docentes do Brasil.
Desta forma, a classificação de Hüberman (1992) foi adaptada da seguinte maneira: 1ª fase) Entrada na carreira (1 a 3 anos de docência); 2ª fase) Estabilização (4 a 6 anos de docência); 3ª fase) Diversificação (7 a 15 anos de docência); 4ª fase) Serenidade e/ou Conservantismo (15 a 20-25* anos de docência); e, 5ª fase) Desinvestimento (21-26* a 25-30* anos de docência). O asterisco significa a variação de tempo de serviço para aposentadoria entre mulheres (25 anos) e homens (30 anos). Também esclarecemos que a fase denominada por Hüberman (1992) de conservantismo, o próprio autor em seu modelo esquemático agrupa esta fase na fase de serenidade (p.47) e desta forma, tomamos este modelo como orientador de nossa investigação.
Justificou-se a importância da realização desta investigação pela complexidade do ‘percurso’ profissional do professor, onde as diferentes fases da vida e da profissão vão impulsionando diversos momentos de ‘ser’ e ‘estar’ na profissão que, sem dúvida nenhuma, interferem na prática pedagógica em aula. Particularmente nesta investigação consideramos muito importante analisar os acontecimentos vivenciados pelos professores na fase de desinvestimento na ‘carreira’ docente.
Já Folle et al. (2009) destacam que a realização de estudos mais aprofundados sobre os professores torna-se relevante no momento atual, “principalmente para desvendar as crenças, os valores, as competências, a identidade profissional e a relação estabelecida pelo docente com a sua profissão, bem como para auxiliar na sistematização dos anos de docência nas fases de desenvolvimento profissional de professores de Educação Física no Brasil” (p.45).
Destacando o caminho da investigação
A investigação caracterizou-se pelo enfoque fenomenológico sob a forma de estudo de caso com abordagem qualitativa.
Os enfoques fenomenológicos na pesquisa começaram, em geral, nos últimos anos da década de 70. Esta corrente de pensamento contemporâneo tem suas raízes em vários pensadores que nos dizem que fazer fenomenologia não é utilizar um método previamente considerado, mas limitar-se às regras formais dirigidas, especialmente, a partir do fenômeno (fenômeno aqui entendido como aquilo que está presente como é ou está em si mesmo). Para Koogan & Larousse (1990, p.37) “a fenomenologia é o estudo descritivo de um conjunto de fenômenos”.
Conforme Triviños (1987, p.125): “a pesquisa qualitativa de natureza fenomenológica surge como forte reação contrária ao enfoque positivista, privilegiando a consciência do sujeito e entendendo a realidade social como uma construção humana”. O autor explica que, para a realização de uma pesquisa qualitativa do tipo fenomenológico não é necessário, por exemplo, a elaboração de hipóteses empiricamente testadas, de testes estatísticos, tampouco de esquemas rígidos de trabalho, determinados aprioristicamente. Antes, sim, é importante que o pesquisador desenvolva uma certa dose de flexibilidade, no sentido de reelaborar, substituir, ou mesmo suprimir formulações, de acordo com as evidências e resultados que vai obtendo ao longo da pesquisa.
Na concepção fenomenológica da pesquisa qualitativa, a preocupação fundamental é com a caracterização do fenômeno, com as formas que apresenta e com as variações, já que o seu principal objetivo é a descrição.
Para Joel Martins (apud FAZENDA, 1989, p.58) “a descrição não se fundamenta em idealizações, imaginações, desejos e nem num trabalho que se realiza na subestrutura dos objetos descritos; é, sim, um trabalho descritivo de situações, pessoas ou acontecimentos em que todos os aspectos da realidade são considerados importantes”.
Interessa à descrição fornecer informações suficientes e relevantes, ser completa e precisa tanto quanto possível.
No que se refere ao estudo de caso Lüdke e André (1986, p.18) destacam que este enfatiza a “interpretação em contexto”. Segundo as autoras, “um princípio básico deste tipo de estudo é que, para uma apreensão mais completa do objeto, é preciso levar em conta o contexto em que se situa”. Já segundo Goode & Hatt (1968, p.17): “o caso se destaca por se constituir numa unidade dentro de um sistema mais amplo”. O interesse incide naquilo que ele tem de único, de particular, mesmo que posteriormente fiquem evidentes certas semelhanças com outros casos ou situações.
O instrumento para a coleta de informações foi uma entrevista semi-estruturada. Segundo Triviños (1987, p.146) a entrevista semi-estruturada:
... parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam á pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo, à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa.
Na interpretação das informações foi utilizada a análise de conteúdo. De acordo com Bardin (1977, p.42), a análise de conteúdo pode ser definida como um:
conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
O mesmo autor ainda ressalta que este tipo de análise pode ser aplicado a discursos extremamente diversificados. Conforme Bardin (1977, p.9): “enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre dois pólos: do rigor da objetividade à fecundidade da subjetividade”.
Nesse sentido, Godoy (1995, p.23) afirma que o pesquisador que opta pela análise de conteúdo tem como meta “entender o sentido da comunicação, como se fosse um receptor normal e, principalmente, desviar olhar, buscando outra significação, outra mensagem, passível de se enxergar por meio ou ao lado da primeira”.
Para Bardin (1977) a utilização da análise de conteúdo prevê três etapas principais: 1ª) Pré-análise – etapa que trata do esquema de trabalho, envolvendo os primeiros contatos com os documentos de análise, a formulação de objetivos, definição dos procedimentos a serem seguidos e a preparação formal do material; 2ª) Exploração do material – etapa que corresponde ao cumprimento das decisões anteriormente tomadas, isto é, leitura de documentos, categorização, entre outros; e, 3ª) Tratamento dos resultados – etapa onde os dados são lapidados, tornando-os significativos, sendo que a interpretação deve ir além dos conteúdos manifestos nos documentos, buscando descobrir o que está por trás do imediatamente apreendido.
Os participantes do estudo se caracterizam por serem professores de Educação Física Escolar das redes de ensino municipal, estadual e particular da cidade de Santa Maria (RS). O número de professores participantes foi de dez (10) professores que se encontravam na fase de desinvestimento na carreira, isto é, tinham entre 20-25 as professoras e 25-30 anos de docência os professores. A investigação não se preocupou com o sexo dos participantes ou a rede de ensino de sua atuação. A escolha dos participantes se deu de forma espontânea onde a disponibilidade dos professores foi o fator determinante. Para preservar as identidades dos professores, estes receberam denominações numéricas (de 41 a 50).
Analisando as informações da investigação
A análise de conteúdo das informações obtidas pelas entrevistas levou-nos à identificação e tratamento de alguns “traços caracterizadores” da “fase de desinvestimento” do “percurso profissional dos professores de Educação Física nas escolas”.
Os últimos anos da vida profissional: entre o desinvestimento ou o reinvestimento
Para Hüberman (1992) a fase de desinvestimento do percurso profissional dos professores é o momento em que os professores passam a investir mais em seus interesses pessoais do que investir na sua carreira. Os professores reservam um tempo maior para si mesmos, ocorrendo um recuo e interiorização neste final da carreira. Já Gonçalves (1992) destaca que em final de carreira enquanto alguns docentes manifestam o desejo e o entusiasmo de continuar a aprender e a ensinar, outros manifestam impaciência, cansaço e desejo de aposentadoria.
Desta forma, o estudo individual e coletivo dos percursos profissionais dos professores estudados, reconstruídos pelas entrevistas, levou-nos à identificação de dois tipos diferentes de trajetórias: 1a) A grande maioria dos professores demonstraram a ocorrência de um certo desinvestimento na profissão; e, 2a) Alguns poucos professores demonstraram a ocorrência de uma certo reinvestimento na profissão.
Em conseqüência disto passaremos a abordar estes dois tipos de trajetórias.
A trajetória da grande maioria dos professores (oito)
O desinvestimento na profissão
Esta trajetória apresenta duas facetas:
1ª Faceta – O desinvestimento amargo: a maioria dos professores (seis)
Não quero nunca mais ser professor
Para a maioria (seis) dos professores estudados (41; 42; 43; 44; 45 e 46) a aproximação da aposentadoria trouxe consigo uma série de manifestações negativas que indicaram um desinvestimento amargo da profissão.
A primeira delas foi de ‘sentirem exaustão no trabalho docente’. Segundo Ferreira (1985) a palavra exaustão tem por significado o esgotamento. Já Codo (1999) destaca que a exaustão é a expressão do sofrimento que os professores sentem quando não conseguem dar mais de si mesmos; toda a energia e recursos emocionais próprios parecem estar exauridos. Na fala do Professor 41, podemos constatar esta afirmação: “Me sinto exausto, porque dou aula todos os dias pela manhã e a tarde (...)”.
A segunda manifestação negativa foi a de ‘estarem cansados com o trabalho docente’. A fala do Professor 44 representa muito bem esta afirmativa: “(...) estou cansado com tanto trabalho (...)”. Conforme Ferreira (1985) a palavra cansaço significa uma depressão das forças físicas, uma fadiga. Já Noal (2003) salienta que os professores demonstram-se cansados de vivenciar um contexto escolar repletos de problemas que se acumulam sem soluções e que fazem perder o encanto, o prazer e o desejo. Assim, o trabalho docente torna-se um grande fardo.
A terceira manifestação negativa dos professores estudados foi de ‘sentirem uma desmotivação pela docência’. E isto pode ser constatado na fala do Professor 43: “No sistema escolar, hoje, muito pouco há de motivador. Tenho motivos de sobra para estar desmotivado”.
A quarta manifestação negativa foi de ‘sentirem uma amargura por ainda estarem exercendo a docência’. E, este fato pode ser comprovado pela fala do Professor 42: “Me sinto angustiado, aflito por ainda estar dando aula. Quero me aposentar”! De acordo com Ferreira (1985) a palavra amargura significa angústia. Angústia é uma aflição, uma ansiedade, uma agonia. Segundo Marques; Ilha e Krug (2009) angústia é um sentimento expressado pelos professores que estão na fase de desinvestimento amargo da docência, mas que ainda estão um pouco distante da aposentadoria, isto é, de três a quatro anos.
A quinta manifestação negativa destes professores foi a de ‘estarem frustrados com a Educação Física na escola’. E, isto pode ser observado nas seguintes falas: “Estou decepcionado com a Educação Física Escolar (...)” (Professor 41); e, “Sinto uma desilusão com a Educação Física na escola (...)” (Professor 46). De acordo com Ferreira (1985) a palavra frustração significa desiludir-se, decepcionar-se. Já Schmidt (apud NOAL, 2003) destaca que as frustrações ocupacionais são causas importantes no declínio da motivação, ocasionando conseqüências negativas para o desempenho da função do profissional. Hüberman (1992) destaca que alguns professores em fim de carreira deixam transparecer uma certa desilusão em relação ao magistério.
Estes professores acrescentaram que o principal fator desta frustração com a docência foram os ‘alunos indisciplinados’. Segundo Krug e Krug (2008) os alunos indisciplinados foram a principal essência do sentimento de frustração dos futuros professores de Educação Física em situação de estágio. Também Silva e Krug (2004) destacam que os alunos indisciplinados foram uma das essências do sentimento de insatisfação dos professores de Educação Física com a docência na escola. Também apareceram nas manifestações destes professores como outros fatores desta frustração, a ‘desvalorização profissional’, as ‘péssimas condições de trabalho’ e os ‘baixos salários’.
Ao vivenciarem esta situação estes professores passaram a destacar um sentimento de ‘depreciação da profissão’, pois manifestaram que a Educação Física enquanto uma disciplina do currículo escolar não consegue resultados que sejam valorizados pela comunidade escolar e por isso o professor desta disciplina é desconsiderado como um profissional útil à escola.
Conseqüentemente, esta série de manifestações negativas sobre a docência vem a determinar que estes professores atravessem, atualmente, os ‘piores momentos’ de suas carreiras profissionais. Para Füller & Brown (apud GONÇALVES, 1992) os piores anos da carreira ocorrem quando o fim desta começa a se perspectivar.
Assim frente a este quadro, estes professores declaram que somente ‘continuam a ministrar aulas somente pela remuneração’, isto é, porque está próximo da aposentadoria. Segundo Marques; Ilha e Krug (2009) a aposentadoria representa para os professores de Educação Física Escolar um momento esperado a atingir por longos anos de trabalho profissional. Motta (1998) diz que o aposentado é aquela pessoa que, depois de determinado tempo de serviço, adquiri o direito a uma remuneração mensal, sem a contrapartida do trabalho. A aposentadoria é, portanto, um direito adquirido.
Desta forma, mediante a esta situação descrita, estes professores manifestaram o desejo de ‘não continuar na docência após a aposentadoria’, pois não sentem mais prazer com o exercício do magistério. Este fato pode ser comprovado pela fala do Professor 45: “No momento atual, (...) não quero mais dar aula depois da aposentadoria. Estou desiludido com a profissão”. De acordo com Hüberman (1992) quando os professores deixam transparecer uma certa desilusão em relação ao magistério é um sintoma de desinvestimento amargo da profissão. E isto é que nos parece que realmente está acontecendo com estes professores.
Assim, desmotivados por este quadro negativo de exaustão, cansaço, desmotivação, amargura e frustração estes professores declararam que ‘desejam aposentar-se para descansar e que precisam de mais tempo para si, para viver’. Trevisan e Andrade (2000) colocam que o tempo livre após a aposentadoria revela-se um período da vida pela qual a pessoa tem a oportunidade de se realizar, conquistar planos e objetivos, um tempo de conhecer novas pessoas e fazer amizades, além de concretizar antigos sonhos. De acordo com Krug (2005b) ‘descansar’ é um dos significados da aposentadoria para os profissionais da Educação Física. Já Garcia (1999) destaca que a grande maioria dos trabalhadores quando se aposentam realmente não trabalham mais, por opção própria ou porque não conseguem outro emprego. Mas, como podemos notar o desejo destes professores, de não mais trabalhar é realmente por opção própria.
2ª Faceta – O desinvestimento sereno: poucos professores (dois)
Já cumpri a minha missão como professor
Para poucos (dois) professores estudados (47 e 48) a aproximação da aposentadoria trouxe consigo poucas manifestações que indicaram um desinvestimento sereno na profissão.
A primeira delas foi de que houve um ‘desgaste natural do gosto pela profissão’ com o passar do tempo de magistério. A fala do Professor 47 demonstra muito bem esta situação: “(...) ainda gosto da profissão, mas já não é o mesmo gosto de antes (...)”. Este fato é corroborado por Jesus (2000) que diz que com o passar dos anos, os professores diminuem seu empenho e envolvimento nas atividades profissionais, causando efeitos negativos no seu ambiente de trabalho, o que leva o professor a gostar menos da profissão docente do que quando iniciou na profissão.
A segunda manifestação dos professores foi de que querem se aposentar porque ‘faltam incentivos que os mantenham motivados para o exercício da docência’. Na fala do Professor 48, podemos constatar esta afirmação: “(...) não tenho mais motivação suficiente para continuar dando aula (...)”. Este fato também é corroborado por Jesus (2000) que salienta que o desinvestimento profissional dos professores resulta da falta de incentivos que permita mantê-los motivados.
Segundo estes professores esta falta de motivação origina-se, principalmente, em quatro fatores: ‘as péssimas condições de trabalho’, ‘os baixos salários’, ‘os conflitos com os colegas de trabalho’ e ‘a desvalorização profissional’. Segundo Gatti (2000) as péssimas condições de trabalho, os salários aviltantes, as relações interpessoais ruins e a desvalorização profissional são fatores, entre outros, de desmotivação dos docentes, bem como do comprometimento da qualidade do ensino.
A terceira manifestação dos professores foi de que ‘já cumpriram a sua missão’ enquanto docente, pois já dedicaram um bom tempo de suas vidas para a Educação Física Escolar. Segundo Farias e Nascimento (2009) o desinvestimento é a fase em que o professor investe mais em seus interesses pessoais do que nos pedagógicos. Nela ocorre um recuo na carreira e os professores, nesse momento, já estão próximos da aposentadoria.
Assim, mediante a esta situação descrita, os professores declaram que, após a aposentadoria, farão ‘investimento em outra atividade fora da escola’. De acordo com Krug (2005b) ‘continuar a trabalhar’ é um dos significados da aposentadoria para os profissionais da Educação Física. Entretanto, estes professores não desejam mais trabalhar como professores de Educação Física.
A trajetória de poucos professores (dois)
O reinvestimento na profissão: ainda sou professor, sempre serei professor
Para poucos (dois) professores estudados (49 e 50) a aproximação da aposentadoria trouxe consigo algumas manifestações positivas que indicaram um reinvestimento na profissão.
A primeira delas foi de que ‘sentem satisfação com a docência’. Na fala do Professor 49 podemos constatar esta afirmativa: “(...) estou muito satisfeito com minhas aulas”. Para Ferreira (1985) a palavra satisfação significa a ação ou efeito de satisfazer-se, um contentamento, uma alegria. Já Mattos (1994, p.87) referindo-se a satisfação no trabalho, afirma que ela é “um resultado ou conseqüência do indivíduo que trabalha, na relação com seus próprios valores, isto é, o que ele quer e o que ele espera de seu trabalho”.
Estes professores ainda acrescentaram que o principal fator desta satisfação com a docência é o ‘gosto pela profissão’. Sobre este assunto o Professor 50 destacou o seguinte: “Gosto muito de ser professor de Educação Física (...)”. Para Feil (1995) gostar do que se faz é um fator determinante para a existência de eficiência no trabalho. Já Luckesi (1994) diz que o professor precisa gostar do que faz, pois antes de tudo é preciso desejar ensinar, é preciso querer ensinar. Este gostar de ensinar nada mais é do que um desejo permanente de trabalhar para a elevação cultural dos educandos. Outro fator desta satisfação com a docência salientado pelos professores é a ‘boa afetividade com os alunos’. O Professor 49 declarou que: “(...) me dou muito bem com meus alunos e isto me deixa feliz”. Segundo Silva e Krug (2004) a boa afetividade com os alunos é a principal essência do sentimento de satisfação dos professores de Educação Física com a docência na escola.
Em conseqüência desta satisfação com a docência os Professores 49 e 50 manifestaram que ‘sentem a renovação do entusiasmo’ de serem professores de Educação Física. E, as falas dos professores demonstram isto: “(...) me sinto sempre motivado para dar aula e os alunos são a razão disto” (Professor 50); e, “Estou sempre disposto e alegre para dar aula para os meus alunos” (Professor 49). De acordo com Gonçalves (1992) mesmo em fim de carreira alguns professores renovam o seu interesse pela escola e pelos alunos, mostrando-se entusiasmados.
Neste quadro de entusiasmo profissional os Professores 49 e 50 manifestaram que desejam e são ‘eternos professores’, porque gostam muito de dar aulas de Educação Física na escola. Também destacaram que desejam se dedicar ainda à ‘formação continuada’, pois querem sempre aprender mais sobre a profissão. As falas dos professores foram: “Ainda penso em estudar” (Professor 49); e, “Quero estudar mais para não ficar ultrapassado (...)” (Professor 50). Segundo Gonçalves (1992) alguns professores em final de carreira renovam o seu interesse pela escola e desejam continuar a aprender coisas novas.
Desta forma, mediante a esta situação descrita, estes professores manifestaram o desejo de ‘continuar na docência após a aposentadoria’ e por isso almejam arrumar um outro emprego de professor. Este fato pode ser comprovado pela fala dos professores: “A fase atual é aquela de querer continuar a trabalhar como professor, mesmo depois da aposentadoria (...)” (Professor 49); e, “vou me aposentar, mas nunca vou parar de trabalhar. Vou continuar em outra escola” (Professor 50). De acordo com Krug (2005b) ‘continuar a trabalhar’ é um dos significados da aposentadoria para os profissionais da Educação Física. Já Garcia (1999) salienta que são poucos os aposentados que continuam com suas ocupações anteriores. Mas, como podemos notar é o desejo destes professores.
Concluindo a investigação
Pela análise das informações obtidas nas entrevistas dos professores de Educação Física Escolar estudados confirmou-se o que destaca Gonçalves (1992) de que em FIM DE CARREIRA existem professores que manifestam o desejo e o entusiasmo de continuar a aprender, de trabalhar, e outros que manifestam impaciência, cansaço e desejo de aposentadoria. E, realmente isto aconteceu neste estudo, pois dois professores desejam continuar na docência e outros oito não desejam continuar na docência, após a aposentadoria.
O que nos chamou à atenção nesta situação de desejo de continuar ou não na docência após a aposentadoria foi o fato de que este desejo está relacionado à história de vida pessoal e profissional dos envolvidos, porque, segundo Gonçalves (1992), os acontecimentos e as ações são balizadoras do percurso da vida, pois os mesmos não ocorrem no vazio social. Acontecem ou realizam-se com os outros; a família, os formadores, os amigos, os colegas, enfim, os outros que existem em relação ao indivíduo num espaço e num tempo determinado. Os outros são omnipresentes mesmo quando estão ausentes e num tempo determinado. Já conforme Hopf e Canfield (2001) a história de vida das pessoas é um fator muito importante na sua aposentadoria.
Entretanto, a singularidade dos percursos de vida pessoal e profissional não impediu-nos de reconhecer em seus depoimentos, sobre o desejo de continuar ou não na docência após a aposentadoria, o aparecimento de duas tendências aparentemente influenciadoras deste desejo. A primeira tendência foi que os professores que possuíam um sentimento positivo (gosto e satisfação) sobre a sua docência e obtêm sucesso pedagógico em suas aulas serão aqueles que terão mais possibilidades de continuar na docência após a aposentadoria. Este parece ser o caso dos Professores 49 e 50. A segunda tendência foi que os professores que possuíam um sentimento negativo (frustração, cansaço ou desmotivação) sobre a sua docência e geralmente obtêm fracasso pedagógico em suas aulas serão aqueles que terão mais possibilidades de não continuar na docência após a aposentadoria. Este parece ser o caso dos Professores 41; 42; 43; 44; 45; 46; 47 e 48. Estas duas tendências podem ser fundamentadas em Gonçalves (1992) que destaca que os professores em fim de carreira, quando se encaminham para a aposentadoria podem apresentar tanto uma maior serenidade, confiança, entusiasmo quanto maior rigidez e dogmatismo, com queixas freqüentes em relação aos alunos, aos colegas e as políticas educacionais; além de almejarem mais tempo para si e aos interesses externos à escola. Assim, consideramos que esta fase da carreira comporta momentos de tomada de decisões que terão implicações para o restante da vida pessoal e/ou profissional do professor. Segundo Santos (1990) a aposentadoria representa um momento onde o sujeito deve repensar e redefinir a sua vida e, ela também pode suscitar uma crise de identidade. De acordo com Hopf (2002, p.91) “[...] os últimos anos do exercício da docência surgem como um desafio em que uma etapa está sendo concluída, surgindo isto como uma prova para avaliar a capacidade de desvinculação das responsabilidades e do ambiente onde as atividades eram desenvolvidas”. Já Garcia (1999) afirma que em geral, a aposentadoria promove uma certa ambigüidade que o sujeito tem de enfrentar, a de considerá-la como um tempo de libertação ou, ao contrário, um tempo de marginalização.
Referências
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digital · Año 15 · N° 145 | Buenos Aires,
Junio de 2010 |