Humanização assistencial e atuação do profissional de Educação Física no atendimento à saúde hospitalar Humanización asistencial y actuación de los profesionales de Educación Física en la atención hospitalaria Assistential humanisation and the work of the Physical Education professional at hospital health care |
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*Acadêmica do curso de graduação em Educação Física da UFMG Membro do CELAR/UFMG Bolsista do Programa de Educação Tutorial, PET Educação Física e Lazer. SESU, MEC **Doutor em Educação Física pela Unicamp Docente do Mestrado em Lazer da UFMG Líder dos Grupo de Pesquisa Lazer, Cultura e Educação, LACE, UFMG e Grupo de Pesquisa em Lazer, GPL, Unimep |
Lívia Maria Guimarães Garcias* Hélder Ferreira Isayama** (Brasil) |
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Resumo O objetivo deste estudo foi diagnosticar o trabalho de profissionais de Educação Física com sujeitos hospitalizados, tendo como pano de fundo a discussão sobre a humanização hospitalar. Foram combinadas as pesquisa bibliográfica e de campo e entrevistados cinco profissionais, buscando identificar perfil profissional; conteúdos, objetivos e metodologias de trabalho; público atendido; dificuldades encontradas e conhecimento da Política Nacional de Humanização. Concluímos que há uma ampliação para atuação desses profissionais com pessoas hospitalizadas e a ação envolve diferentes possibilidades: planejamento, execução, prescrição, análise, pesquisa bem como avaliação e coordenação programas de atividades corporais. Unitermos: Educação Física. Área de atuação profissional. Humanização da assistência.
Resumen El objetivo de este estudio fue diagnosticar el trabajo de los profesionales especializados en Educación Física con personas hospitalizadas, teniendo en cuenta para la discusión el problema referente a la humanización hospitalaria. Fueran utilizados los métodos investigativos: revisión bibliográfica y trabajo de campo. En total fueron entrevistados cinco profesionales, buscando identificar el perfil profesional de estos; contenidos, objetivos y metodologías de trabajo; el público atendido; las dificultades encontradas y el conocimiento de la Política Nacional de Humanización. Concluimos que existe una amplia actuación de los profesionales de Educación Física con personas hospitalizadas y esta acción envuelve distintas posibilidades: planeamiento, ejecución, prescripción, análisis, investigación, bien como la evaluación y coordinación de programas de actividades corporales. Unitermos: Educación Física. Campo de intervención profesional. Humanización de la atención.
Abstract This paper aims at diagnosing the work of physical education professionals with hospitalized subjects according to the studies of hospital humanisation. There was combined bibliographic search and field search with the interview of five professionals looking for describing the professional profile; contents, objectives and work methodology; treated people: difficulties found and knowledge of the National Humanization Policy. We conclude that there is an enlarging field for these professionals’ work with hospitalised people and their action involves different possibilities: planning, execution, prescription, analysis, and research as well as the evaluation and coordination of physical activity programmes. Keywords: Physical Education. Professional practice location. Humanization of asistanse.
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 145 - Junio de 2010 |
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Introdução
As últimas décadas nos fornecem inúmeros elementos para refletir a respeito das práticas de assistência à saúde em ambientes hospitalares, tendo como eixo a ocorrência de discursos voltados para a idéia da humanização.
A Humanização da Assistência Hospitalar tornou-se pauta constante nas discussões governamentais desde meados de 1999, e em maio de 2000 vimos à regulamentação do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), iniciativa do Ministério da Saúde. Esse programa, implantado em diversos hospitais da Rede Pública de Saúde, foi elaborado com o objetivo de aprimorar as relações entre usuários e profissionais, entre os diferentes profissionais que intervêm no espaço e entre a comunidade e o hospital. Visa à melhoria dos serviços prestados pelas instituições, bem como o possível estabelecimento de uma nova cultura de atendimento (DESLANDES, 2004). A autora aponta que o eixo comunicação representa o momento mais importante do discurso oficial, já que a humanização é proposta enquanto melhoria de expressão e que sem comunicação não há como humanizar.
Alguns objetivos do PNHAH são: difundir uma nova cultura de humanização na rede hospitalar pública brasileira; melhorar a qualidade e a eficácia da atenção dispensada aos usuários dos hospitais públicos no Brasil; capacitar os profissionais dos hospitais para um novo conceito de assistência à saúde que valorize a vida humana e a cidadania; estimular a realização de parcerias e intercâmbio de conhecimentos e experiências nesta área; desenvolver um conjunto de indicadores de resultados e sistema de incentivos ao tratamento humanizado; modernizar as relações de trabalho no âmbito dos hospitais públicos, tornando as instituições mais harmônicas e solidárias; de modo a recuperar a imagem pública dessas instituições junto à comunidade (Ministério da Saúde, 2001).
A implantação do Programa levou a uma discussão que repercutiu em grande escala, e gerou a formação de Grupos de Trabalho de Humanização Hospitalar que atuam em todo o país. Atualmente encontram-se hospitais participantes do PNHAH em todas as regiões do Brasil, que se destinam a empreender uma política institucional de resgate dos valores humanitários na assistência, em benefício dos usuários e dos profissionais de saúde.
Percebemos um avanço significativo das iniciativas do ministério quando em meados de 2004 a Secretaria Executiva do Ministério da Saúde insere, apesar de resistências, as reflexões referentes à humanização nos debates sobre políticas públicas de saúde, resultando na criação de uma política exclusiva (Benevides; Passos, 2005)1. Assim, o PNHAH foi substituído por uma perspectiva transversal, caracterizando-se enquanto uma política de assistência e não somente um programa específico, intitulado “Humaniza SUS’’ (Deslandes, 2004).
A humanização é vista não como um programa, mas como uma política que propõe as busca alcançar as seguintes metas: adaptar os princípios do SUS em novas maneiras de operar, em relação aos diferentes equipamentos e sujeitos da rede de saúde; construir trocas solidárias e comprometidas com a dupla tarefa de produção de saúde; oferecer um eixo articulador das práticas em saúde, destacando o aspecto subjetivo nelas presente; contagiar por atitudes e ações humanizadoras a rede do SUS, incluindo gestores, trabalhadores da saúde e usuários (Ministério da Saúde, 2006).
A política identifica também seus mecanismos de operacionalização das propostas, e dentre as diretrizes apresenta o trabalho em rede com a atuação de equipes multiprofissionais. A organização pautada no trabalho desenvolvido em rede é justificada pelo fato de agilidade no desenvolvimento da ação, troca de metodologias já desenvolvidas em outros projetos, além do estabelecimento de parcerias com a comunidade, oferecendo melhora da visibilidade e confiabilidade da instituição (RIBAS, 2002).
Esse tipo de trabalho exige uma ética de atuação, que deve ser discutida desde a formação profissional. Deslandes (2004), quando trata da mudança de cultura de atendimento na instituição hospitalar, em vistas de uma humanização efetiva, afirma a importância do investimento na formação. É na formação que devem ser tomadas iniciativas de investimento em trabalho com equipes transdisciplinares, que incluam o maior número possível de trocas entre os diferentes profissionais. Nesse contexto, acreditamos na possibilidade de participação do profissional de educação física, no esforço de encontrar na sua atuação, possibilidades de construção de propostas de humanização da hospitalização.
Por isso, consideramos fundamental investigar as seguintes questões nesse estudo: Como é realizada essa intervenção de profissionais de Educação Física no contexto hospitalar? Qual o público alvo da ação? Esses profissionais trabalham inseridos na política de humanização? De que maneira?
Carvalho (2006) acredita ser de fundamental importância que os profissionais de Educação Física se reconheçam na área da saúde, entendendo saúde a partir de um conceito ampliado. Além disso, esses profissionais, enquanto educadores da saúde devem avaliar o que se pensa nesse campo, que pode ser por diferentes perspectivas: coletiva, pública e social. A autora adota o campo da saúde coletiva enquanto provedor de possibilidades de entendimentos da educação física permeada pela relação entre homem e natureza e suas complexidades culturais, sociais, políticas, religiosas, dentre outras.
Consideramos essa afirmação relevante e concordamos com Carvalho (2006) também quando afirma que a educação física pouco penetra os espaços de discussões sobre saúde e que a ação desse profissional ainda não foi legitimada na saúde pública e nos serviços de saúde. A Educação Física pode representar um espaço de conhecimentos e vivências das mais diversas possibilidades no âmbito da cultura corporal do movimento, se materializando para além das quadras, clubes e escolas e alcançando outros espaços como hospitais, foco desse estudo.
Portanto, este estudo objetiva diagnosticar o trabalho do profissional de Educação Física em hospitais, tendo como pano de fundo a Política Nacional de Humanização.
Metodologia
A metodologia foi constituída pela combinação de pesquisa bibliográfica com pesquisa de campo (GOMES, AMARAL 2005). A pesquisa bibliográfica foi elaborada a partir de análises de publicações sobre os seguintes temas: humanização hospitalar, Educação Física e atuação profissional. Utilizamos textos encontrados no Sistema de Bibliotecas da UFMG, e especificamente para estudo do tema referente à humanização hospitalar foram selecionados, também, alguns documentos correspondentes ao Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) e à Política de Humanização do SUS2.
A primeira ação realizada para a pesquisa de campo foi à identificação dos telefones dos hospitais de Belo Horizonte via catálogo telefônico, e em seguida um levantamento nos hospitais de Belo Horizonte para sabermos se neles havia a presença de profissionais de educação física. Entramos em contato com 41 instituições, averiguando junto ao setor de recursos humanos, se havia a presença desse profissional na equipe de trabalho. Foram identificados cinco hospitais que contratavam profissionais de Educação Física para desenvolver ações no hospital.
Em seguida foi enviada, às instituições identificadas, uma carta com esclarecimento sobre a pesquisa e solicitação para a participação através da realização de uma entrevista semi-estruturada com profissionais de Educação Física. Quatro hospitais consentiram na participação de seus profissionais, mas em função das dificuldades apresentadas pelo quinto hospital não foi possível realizar a entrevista no tempo delimitado para a pesquisa. Portanto, foram entrevistados cinco profissionais de Educação Física das quatro instituições pesquisadas, que antes de sua realização assinaram o termo de compromisso livre e esclarecido e a autorização para a gravação das mesmas.
Os dados das entrevistas foram analisados a partir da técnica de análise do conteúdo, que segundo Triviños (1987) consiste de três fases: pré-análise, descrição analítica e interpretação referencial. Para essa análise foram identificadas oito pontos a serem discutidos: 1) perfil dos profissionais; 2) que ações desenvolvem; 3) conteúdos trabalhados; 4) objetivos do projeto; 5) público atendido; 6) metodologia das ações desenvolvidas; 7) dificuldades encontradas e 8) conhecimento da Política Nacional de Humanização.
Análise de dados
Os profissionais entrevistados possuem idades que variam de 26 a 58 anos, o tempo de formação varia de um a trinta anos. Todos os entrevistados fizeram o curso de graduação em Educação Física e a maioria cursou as duas modalidades: licenciatura e bacharelado. Encontramos também entrevistados que continuaram sua formação em cursos de pós-graduação lato sensu, como: musculação e treinamento esportivo. Outros cursos de curta duração foram citados: ginástica laboral e terapias alternativas (reflexologia, shiatsu, florais, fitoterapia).
A trajetória de atuação e formação desses profissionais é composta também pelo envolvimento com: esportes na função de atletas; investimento no estudo em Educação Física para portadores de necessidades especiais, que implica o trabalho com esportes de reabilitação; ensino de Educação Física em escolas, além do trabalho em academias de ginástica.
A falta de preparação profissional para o trabalho com pessoas hospitalizadas pode ser observada no perfil dos entrevistados quando eles não verbalizam experiências nesse campo de atuação. Podemos perceber que alguns profissionais não tiveram a oportunidade de conhecer esse tipo de ação na formação inicial, e mesmo aqueles que tiveram relatam pequena preparação, como podemos ver na fala de um dos entrevistados:
As dificuldades são muitas, a começar pela falta de capacitação dos profissionais da área, falta de orientação psicológica, falta de capacitação dos estagiários, falta de disciplinas... (profissional da instituição 1).
Deslandes (2004), ao tratar da mudança de cultura de atendimento na instituição hospitalar, em vistas de uma humanização efetiva, afirma a importância da capacitação de profissionais, bem como o investimento na formação, desde a graduação. Backes, Lunardi Filho e Lunardi (2005) destacam que os profissionais da saúde necessitam reconhecer as condições materiais e organizacionais do acolhimento ao paciente, bem como de sua permanência no hospital, atentando para as condições morais, espirituais, técnicas e relacionais. O que percebemos na trajetória dos entrevistados é justamente o investimento reduzido na formação de profissionais que atuam com pessoas hospitalizadas.
Historicamente o curso de Educação Física, com base nos projetos higienistas, militaristas e esportivistas, se preocupou com a gestação de uma disciplina reprodutora de movimentos, que moldasse o corpo disciplinado e apto fisicamente com vistas aos modelos hegemônicos. As práticas corporais realizadas fora do meio escolar foram recebendo maior atenção nos cursos de Educação Física no final do século XX, devido à proliferação de possibilidades nos espaços fora da escola. Desde tal período a formação nesses cursos tem sofrido reordenamento, se adaptando aos ditames do mundo do trabalho, como pode ser verificado com o surgimento do bacharelado (HAJIME, 2003). É recente nos cursos de Educação Física o olhar para campos de trabalho que vem se abrindo na atualidade, e sabemos que dentre essas possibilidades, aquela que diz respeito ao hospital começa a despontar como possibilidade. Por isso, destacamos a necessidade de investimento na ampliação desses conhecimentos no que se refere principalmente a formação inicial.
Nossa segunda categoria de análise, diz respeito às ações desenvolvidas pelos entrevistados nos espaços onde atuam. A intervenção do profissional de Educação Física se desenvolve em torno do planejar, executar e avaliar programas das mais diversas atividades corporais, em diferentes organizações e que compreendem diferentes objetivos (BETTI; BETTI, 1996). Verificamos que os entrevistados desenvolvem suas ações em torno do que foi apontado pelos autores, envolvendo diferentes conteúdos na elaboração dessas ações diagnosticadas.
Bracht (1992) afirma que elementos da cultura humana como as brincadeiras populares, os jogos, dentre outros, se fazem minoria num dado contexto histórico da Educação Física no Brasil e que podemos nos referir como sendo a ginástica e posteriormente o esporte como as atividades, em seus respectivos momentos da história, hegemônicas no campo. Assim, abordagens e entendimentos de Educação Física, ao longo de sua história, tratam desses conteúdos de maneira diferente. Nas entrevistas observamos quais conteúdos são utilizados pelos profissionais, no entanto não os questionamos sobre suas concepções de educação física, que implicaria na maneira como eles utilizam os conteúdos. Entretanto, na análise dos objetivos dos projetos foi possível perceber elementos que mostram as intencionalidades de suas práticas.
Os conteúdos trabalhados pelos entrevistados são: o esporte, o esporte adaptado, a musculação, jogos, brincadeiras, ginástica, caminhada, dança, conteúdos relacionados a terapias alternativas de influência da cultura oriental como a reflexologia, o shiatsu, dentre outros. Demonstrando a diversidade de práticas presentes na ação desses profissionais com pessoas hospitalizadas.
Vários objetivos foram destacados pelos profissionais, tais como: reabilitação emocional, social e motora; inserção da Educação Física no tratamento de determinada doenças; construção de saúde através da educação corporal; oferta de qualidade de vida a quem participa das atividades desenvolvidas; inclusão dos funcionários do hospital num projeto maior de humanização implantado na instituição, ou seja, “humanizar” as condições de trabalho para os funcionários do hospital e prevenir doenças.
O trecho abaixo ilustra a questão dos objetivos desse tipo de ação:
...nós temos objetivos emocionais sociais e motores; pensando saúde como bem estar físico mental e social, entendendo qualidade de vida como a percepção do sujeito na vida em que está inserido, em algum local...Nós queremos mostrar pra essa pessoa que ela pode ter condição de ser alguém na vida, que ela pode ter um emprego, pode ser feliz, em todos os âmbitos...(profissional da instituição 1).
Na instituição 1 e 2 os entrevistados apontam uma participação na construção dos objetivos, já nas instituições 3 e 4 os objetivos dos profissionais são adequados a objetivos pré-estabelecidos pela instituição. O trecho abaixo ilustra esses aspectos:
O objetivo primordial do projeto é dar melhor qualidade de vida para o funcionário, e o funcionário estando bem vai dar qualidade ao cliente, que é o paciente, porque a missão nossa aqui é cuidar. Então, um cuida do outro, eu cuido do funcionário, o funcionário cuida do paciente; e cada um no seu setor, por exemplo, desde os homens da obra, que cuidam de uma construção, de um bem estar para o doente e para o funcionário também. Assim, o médico cuida do paciente, nós cuidamos do médico... (profissional da instituição 3).
O projeto foi implantado com um objetivo... O diretor do hospital teve a idéia de criar o projeto para atender aos profissionais, que reclamavam que a humanização acontecia apenas para os usuários. Assim, o projeto foi criado para a integração deles, e ao meu ver como prevenção de pressão alta, estresse, sedentarismo, etc. (profissional da instituição 4).
Apesar das imposições feitas pelas instituições, os entrevistados acreditam nos objetivos colocados e formulam suas ações incorporando essas culturas das instituições, e fazem isso, até como se fosse um “lema de trabalho” elaborado no interior daquele espaço com aquelas pessoas.
E que sujeitos são esses? Qual é o público atendido? Na pesquisa foi possível identificar uma diversidade: crianças, jovens, adultos, pessoas com deficiência física, grupos especiais (diabéticos, pessoas com transtorno mental, deficientes visuais) enfim, pacientes, funcionários, e seus familiares.
Assim como o público alvo, as metodologias de trabalho também são variadas. Verificamos a ocorrência de aulas de atividade física de 15 minutos com público e local diferenciado; o recebimento de pacientes para avaliação e estabelecimento de pré-requisitos para elaboração de um programa de atividades física, no qual são elaboradas metas adequadas para aquele paciente segundo princípios científicos. Além disso, destacamos o atendimento a grupos especiais, no qual são elaborados projetos específicos para os grupos específicos. Os profissionais também elaboram atividades para esclarecimento das doenças que os grupos têm, para que os pacientes entendam os mecanismos da doença e compreendam também como a atividade física participa do tratamento daquela doença, isso é realizado, na maioria das vezes, com palestras e dinâmicas.
No caso das ações para os profissionais que atuam nas instituições, verificamos também a ida de alguns trabalhadores até a academia de ginástica que existe dentro do hospital, com permanência proporcional à carga horária de trabalho. O profissional de Educação Física vai até setores levando atividades de ginástica, como alongamentos. O trabalho com alguns filhos dos profissionais ocorre em projetos de iniciação ao esporte, que também acontece dentro do hospital.
Segundo os entrevistados, toda estrutura física, onde o profissional de Educação Física atua no hospital, foi conquista dos funcionários, bem como a própria demanda pelas atividades, como ilustrado pela fala:
O pessoal daqui reclamava que o hospital, a idéia dele, o principal foco dele, que é a humanização, o amor ao próximo; isso tudo estava sendo destinado principalmente para os pacientes. Então os funcionários daqui reclamavam, porque não tinham nada, tudo daqui era para o usuário. Então foi criado esse projeto pensando nisso também, já que dentre a maioria, muitos não tinham condição de pagar uma academia... (profissional da instituição 4).
O entrevistado desse local esclareceu que a excessiva preocupação com a humanização no atendimento ao usuário despertou nos funcionários a vontade de reivindicar por seus direitos de humanização, por seus direitos de melhoria de condições de trabalho. E a partir disso o profissional de educação física foi contratado.
Destacamos o caráter reivindicatório presente na ação de funcionários lutando para garantir alguns direitos frente à instituição. Isso pode demonstrar que eles não estavam à margem do discurso de humanização dos serviços nos hospitais, até porque esse discurso poderia ser apenas “propaganda da empresa”. E desse modo, o profissional de educação física surge como a “figura” que pode contribuir no processo de humanização das condições de trabalho dos funcionários.
Percebemos outras características de metodologias que acontecem devido à necessidade da instituição, conforme o trecho abaixo:
As ações são desenvolvidas através de aulas de 15 minutos diariamente. Alguns setores locomovem se juntando aos demais, outros setores fazem no próprio local de trabalho, como na UTI, informática, lavanderia, compra. Existe o horário das sete às onze horas e agente olha o horário que eles podem, então já tem o horário certo que eu vou e eles sabem... (profissional da instituição 3).
Percebemos nessa fala que a organização de trabalho do profissional acontece segundo a necessidade do hospital, que precisa “daquelas pessoas trabalhando naqueles lugares”, então o profissional de Educação Física atende essa demanda. Fungueto; Pedro (2004) nos alerta para a pouca consideração às normas de funcionamento e organização das instituições hospitalares. Percebemos essa tentativa de enfrentamento de dificuldades impostas na organização e normas de funcionamento da instituição na metodologia de trabalho do profissional da instituição 3 quando o mesmo se desloca por todo o hospital tentando atender os funcionários em seus locais de trabalho.
Quanto às dificuldades encontradas pelos profissionais em sua atuação, percebemos que a principal delas se refere à falta de reconhecimento da área pelos outros profissionais da saúde hospitalar, conforme a fala abaixo:
...penso que a principal dificuldade é: tudo que é novo demora um tempo pra ser aceito, pra ser comprovado, pra ser entendido. Penso que estamos vivendo isso, é novo; estamos aqui há dez anos, temos uma história aqui, mas é novo. Dentro do Brasil, aqui em Belo Horizonte... E tudo que é novo tem certa resistência, existem aqueles profissionais mais antigos que são conservadores... (profissional da instituição 2).
Podemos perceber que as hierarquias profissionais existem, e que esses profissionais sentem isso em sua prática cotidiana. O PNHAH se refere a essa hierarquização e a essa problemática existente no interior das instituições, quando propõe a existência de um trabalho em redes.
O entendimento de rede traz a idéia de trabalho em equipe e no que se refere aos fazeres profissionais, o trabalho em equipes multidisciplinares (Baremblitt, 2002). Tal autor propõe utilizar o termo “equipes transdisciplinares”, por considerar esse termo, significado de cumprimento de tarefas de forma horizontal, sem hierarquização de identidades profissionais, dificuldade existente na atuação dos profissionais entrevistados.
Vimos que alguns dos entrevistados podem criar possibilidades de construção de tal rede proposta nos trâmites referentes às propostas de humanização da hospitalização, tendo em vista a tentativa de trabalhar em conjunto com outros profissionais.
E nesse caso, a atuação conjunta do profissional de Educação Física com outros profissionais da saúde, demonstra a possibilidade do seu fazer profissional se constituir como um serviço em rede, contribuindo num espaço ainda pouco conhecido no campo. Essa articulação pode contribuir para o que demanda a política de humanização, ou seja na produção de saúde a partir de ações compartilhadas entre os diferentes profissionais.
Todos os entrevistados demonstraram ter uma visão limitada do PNHAH, apesar de afirmarem que a humanização faz parte de seu trabalho. Apenas um dos profissionais entrevistados disse serem suas atividades inseridas na Política de Humanização, porém sem aprofundar no assunto. Observamos que o entendimento sobre humanização não é muito claro, e que o entendimento de humanização passa pelo atendimento com condições dignas ou oferecimento de melhoria de qualidade de vida. No entanto, é possível perceber vários aspectos relativos da sua ação que coadunam a perspectiva de humanização apresentada pelo Ministério da Saúde.
Uma das preocupações da política é a humanização na assistência, que foi observada em algumas instituições pesquisadas a partir da compreensão do paciente como alvo do atendimento. Foi possível perceber uma preocupação acentuada em relação à humanização do atendimento ao paciente nesses locais, onde o trato com os enfermos é discutido, ou seja, nos objetivos e metodologias dos projetos há uma preocupação com o sujeito, de forma que o mesmo não é visto apenas como uma doença.
Diferente do que Pessini (1996) afirma, ou seja, que a pessoa deixou de ser o centro das atenções e passou a ser instrumentalizada em função da doença, parece que nos locais pesquisados os profissionais atuam a partir de outra ótica. Eles demonstram compreender que o cuidar, a fase de tratamento e o trato com os sujeitos são fundamentais no processo.
Não foi possível perceber nas falas desses profissionais a preocupação com o produto final, que seria a cura. Até porque muitos dos pacientes que esses locais recebem são sujeitos diagnosticados com doenças que não tem cura, o que possibilitou aos profissionais buscarem compreender a vida daqueles indivíduos. Dessa forma a educação física surge como possibilidade de mudança de cotidiano, para além de um resultado final. Portanto o processo passa a ser visto com maior cuidado e isso de alguma forma acrescenta elementos para que a sinalização da perspectiva de humanização.
Outra característica da Política é o caráter transversal, que visa atingir todos os níveis de atenção à saúde, inclusive dos funcionários que trabalham nas instituições. Vimos que o trabalho dos profissionais de instituições pesquisadas, em relação a seus objetivos, é voltado para a melhoria da qualidade de vida dos seus funcionários.
Percebemos intenções diversas nos objetivos durante a atuação dos profissionais de educação física, mas todas são adequadas a objetivos presentes no discurso governamental sobre a Humanização: melhorar a qualidade e a eficácia da atenção dispensada aos usuários dos hospitais; capacitar os profissionais dos hospitais para um novo conceito de assistência à saúde que valorize a vida humana e a cidadania; conceber e implantar novas iniciativas de humanização dos hospitais que venham a beneficiar os usuários e os profissionais de saúde; estimular a realização de parcerias e intercâmbio de conhecimentos e experiências nesta área; modernizar as relações de trabalho tornando as instituições mais harmônicas e solidárias.
Nossa análise sobre o profissional de Educação Física atuante em Belo Horizonte, apresenta possibilidades de construção de propostas nos trâmites referentes às tentativas de humanização da hospitalização. Esses profissionais podem se atuar junto com outros da área da saúde, com possibilidades de fazer do seu fazer cotidiano um serviço humanizado contribuindo num espaço ainda pouco conhecido nessa área. É possível, dessa forma, contribuir com a produção de saúde a partir de ações humanizadoras.
Considerações finais
O diagnóstico realizado pode nos fornecer elementos para afirmarmos a presença e a intervenção de profissionais de Educação Física em espaços hospitalares, bem como com pessoas hospitalizadas. Esses profissionais têm sua inserção nesse contexto ao atuar com ações em torno do: planejar, executar, prescrever, analisar, pesquisar, avaliar e coordenar programas de atividades corporais. Encontramos uma diversidade de objetivos e metodologias de trabalho, bem como de público atendido, demonstrando as diferentes possibilidades de intervenção que o campo encerra.
Com relação ao discurso sobre a humanização hospitalar a pesquisa demonstra um cuidado no que diz respeito a uma ética presente nos espaços de atenção a saúde hospitalar. Pensar em como dialogar com o outro, nas conseqüências de sua conduta perante o outro, no outro propriamente dito, são os principais movimentos propostos. Tal sensibilidade tem possibilidade de ser desenvolvida na formação desses indivíduos que vão trabalhar com pessoas hospitalizadas.
Percebemos com esse estudo que a formação de profissionais de Educação Física para atuar com pessoas hospitalizadas ainda é restrita, apesar das demandas serem crescentes na atualidade. Por isso, sugerimos um investimento nessa formação tendo em vista qualificar as ações desenvolvidas, seja com a criação de disciplinas no curso, com a ampliação de grupos de estudos e pesquisa, com o investimento em pesquisas científicas ou ainda de projetos de extensão que possam qualificar o envolvimento dos futuros profissionais.
Seria fundamental ainda a soma de esforços vindos de diferentes áreas de atuação para efetivação de uma humanização e mudança de cultura em hospitais, buscando o trabalho em rede conforme sugere os conhecimentos no campo da humanização hospitalar.
Esse estudo é apenas uma possibilidade de compreensão dessa temática que ainda requer a ampliação de olhares, no intuito de fomentar a pesquisa, a extensão e conseqüentemente o ensino no que se refere à formação e atuação profissional no campo da Educação Física para intervir com pessoas hospitalizadas.
Notas
Essa resistência acontece pelo fato da humanização ser menosprezada por um número considerável de gestores, que a identifica associada a movimentos religiosos, paternalistas e filantrópicos.
A política de Humanização do SUS foi elaborada pelo Ministério da Saúde em 2004 e implementada em 2006, pode-se encontrar seu documento base no endereço: http://portal.saude.gov.
Referências
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BRACHT, V. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
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DESLANDES, S. F. Análise do Discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar. Ciência e Saúde Coletiva, v.9, n.1, p.7 -14, 2004.
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Funghetto, S. S.; PEDRO, E. N. R.. O cuidado à criança hospitalizada com câncer: concepções dos cuidadores. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004. (Dissertação, Mestrado).
GOMES, C. L.; AMARAL, M. T. M. Metodologia da pesquisa aplicada ao Lazer. Brasília: SESI/DN, 2005.
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Ministério da Saúde. Formação de Apoiadores para a Política Nacional de Humanização da Gestão e da Atenção à Saúde. Organizado por Eduardo Passos e Regina Benevides. — Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006. 2v. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/saude. Acesso em: 02. 2007.
PESSINI, L. Problemas Atuais de Bioética. São Paulo: Ed. Loyola, 1996.
RIBAS, E. O trabalho em rede e o processo de humanização da assistência hospitalar. Disponível em: Portal da Humanização, Acesso em set. 2002.
TRIVINOS, Augusto N. Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
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