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O contributo do desporto nas políticas sociais no Brasil

La contribución del deporte en las políticas sociales en Brasil

 

*Assistente Social. Mestranda em Educação pela

Universidade Politécnica do Equador

Professora da Faculdade Dom Bosco

**Profissional de Educação Física

Mestre em Gestão Desportiva pela Universidade do Porto

Professor da Pós-Graduação da Uninorte

Arlete Anchieta*

arletefsdb@hotmail.com

Tharcísio Anchieta**

tharcisio@anchietaesportes.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O desporto enquanto maior manifestação da humanidade apresenta-se como um grande aliado no desenvolvimento das políticas públicas que visam a igualdade entre todos, seja nos aspectos de gênero, seja nos aspectos raciais, já que dentro do desporto a lógica é que as oportunidades são sempre iguais aos seus participantes.

          Unitermos: Desporto. Educação. Igualdade. Desenvolvimento social.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 145 - Junio de 2010

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“O desporto consegue unir as pessoas como mais nenhuma atividade.

O desporto pode fazer surgir a esperança onde havia o desespero.

O desporto elimina os obstáculos raciais.

O desporto ri da discriminação.

O desporto fala às pessoas numa linguagem que todos podem compreender.”

Nelson Mandela

    Para Pires (2007), o desporto deve ser tratado enquanto instrumento de desenvolvimento humano ao serviço da qualidade de vida das populações. Assim atrelar o mesmo com as políticas sociais que busquem a igualdade e desenvolvimento dos cidadãos apresentasse com uma boa estratégia no Brasil.

    No entanto, não há possibilidade de tentar abordar tal tema sem que antes reflitamos sobre a discriminação racial e os preconceitos que recaem sobre grande parte da população brasileira. Durante anos o Brasil alimentou o mito de país sem racismo, onde a igualdade e a democracia racial serviam de modelo ou até de exemplo a diversos países, que como ele tiveram em sua composição a contribuição de africanos.

    O tráfico de homens e mulheres da África para o Brasil ocorreu ao longo de séculos, foram escravizados em nome de um colonialismo histórico e eurocêntrico que mesmo após a abolição, manteve-os excluídos da mesma sociedade que se apropriou de suas forças, sem que lhes reservasse um espaço como cidadãos.

    O chamado racismo à brasileira é algo que persiste até hoje na nossa cultura e na nossa sociedade refletindo na invisibilidade do afro descendente nas camadas mais elevadas da população e fazendo com que estudos atestem a profunda desigualdade entre pessoas brancas e negras (lembrar que pela classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE pardos e pretos são classificados como negros).

    O Brasil possui uma das mais elevadas taxas de concentração de renda, riqueza e propriedade do mundo. Aqui a ostentação de riqueza de uma minoria contrasta com o cenário onde convive a maioria da população, geralmente de baixa renda, quase sempre negra a qual são negadas as mínimas condições para uma vida e trabalho descentes. Nesta realidade 10% dos mais pobres ficam com apenas 1,1% da renda do trabalho da nação, enquanto 10% dos mais ricos ficam com 44,7%. Não se concebe que nesse país de 184,3 milhões de pessoas, 13% da riqueza estejam nas mãos de 1,84 milhões. Infelizmente apenas 3,5% dos executivos das grandes empresas brasileiras são negros e pior ainda apenas 0,5% são mulheres negras, apesar de estas representarem 48% da população do país.

    Segundo informativo do Congresso Nacional Afro-Brasileiro, o salário médio dos negros comparado ao dos brancos, tem metade do seu valor, concentrando-se em serviços como construção civil, agricultura e serviços domésticos. Esta situação torna-se ainda mais perversa se destacarmos a posição da mulher negra, como no exemplo: as mulheres brancas recebem em média 63% do que ganham os homens brancos, as mulheres negras conseguem 66% do que ganham os homens do mesmo grupo racial e apenas 32% do rendimento médio dos homens brancos.

    Em geral dentro do âmbito desportivo as desigualdades raciais são amenizadas e sempre que o fator preconceito é exaltado os resultados desportivos por si só tratam de abafá-lo como nos célebres Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim, onde Hitler defendia uma suposta superioridade ariana e viu o atleta negro Jesse Owens dar um show. As desigualdades raciais tornam-se mais marcantes quando analisamos os índices da Educação. Na atualidade “no ensino fundamental, a taxa de escolarização líquida em 2006 - que mede a proporção da população matriculada no nível de ensino adequado a sua idade – para a população branca era de 95,7; entre os negros era de 94,2. Já no ensino médio ainda essas taxas eram respectivamente 58,4 e 37,4” (IPEA/UNIFEM/SPM, 207:5 in doc. básico da II CONAPPIR).

    A superação desta realidade depende da igualdade de oportunidades, por isso o desporto apresenta-se como um forte elemento transformador da sociedade, onde além de desconsiderar o fator racial em suas ações, acaba por oferecer oportunidade de acesso ao maior bem para o ser humano que é a educação. Inúmeras universidades privadas em todo Brasil atuam com programa de bolsa de estudos a atletas e por vezes esse é o único caminho para um jovem negro chegar a faculdade. Os dados do ensino superior tornam-se ainda mais gritantes, se vimos anteriormente como as taxas no nível de ensino médio demonstram uma restrição ao jovem negro, que por se encontrar nas camadas menos privilegiadas da população, provavelmente tem suas possibilidades reduzidas no que se refere à freqüência escolar; na universidade enquanto 33% dos jovens brancos que terminam o ensino médio aos 17 anos ingressam no ensino superior, o percentual é de 16% para pardos e 17% para pretos (IPEA/15, 2008:216 in doc. CONAPPIR). Apesar de a população negra representar quase metade dos brasileiros apenas 14,38% conseguiu completar o nível superior.

    Cabe ressaltar que historicamente, os negros sofreram um processo de interdição aos bancos escolares. As diversas legislações brasileiras estabeleceram desde a proibição ao ensino das letras aos escravizados, até o impedimento camuflado que deixava aos agentes de ensino a possibilidade de aceitar ou não negros, ainda que libertos, nos estabelecimentos de ensino sob sua responsabilidade.

    Para maior informação e análise sobre este processo institucional de interdição a educação devemos consultar: a Constituição de 1824; a Reforma Couto Ferraz de 1854; a Reforma Benjamim Constant, decreto de 1890, que tinha como foco normalizar a moral dos libertos impedindo assim seu acesso aos estabelecimentos de ensino; a Reforma Epitácio Pessoa de 1901, que normatizava o ensino superior; a Reforma Rivadávia Correa de 1911, que ao incentivar a autonomia dos diretores afastava ainda mais tanto o negro ex-escravizado, quanto seus descendentes dos bancos escolares; a Reforma Carlos Maximiliano de 1915 que ao implantar o controle federal isolou ainda mais tal população; a Lei Rocha 1925 que controlou as vagas do ensino médio e superior. Ao fazermos estas revisões ou releitura da História nacional teremos oportunidade de entender que intencionalmente um povo foi impedido de ter acesso a um “serviço-beneficio” a educação, que seria substancial para que conseguisse fazer frente a uma sociedade colonialista e eurocêntrica como a brasileira.

    É evidente que devemos conhecer e estudar a realidade com a qual nos confrontamos, principalmente para fazer o resgate do papel que os movimentos sociais tiveram e ainda tem na busca da transformação deste cotidiano, visando um equilíbrio de oportunidades e a formação de uma sociedade mais justa. Antes mesmo da Abolição (momento oficial do final da escravidão) grupos abolicionistas, propuseram ações que pudessem ajudar o negro escravizado a garantir um espaço na estrutura social da época. Contudo ao ser liberto o ex-escravo foi entregue a própria sorte, lhe foi negada sistematicamente a estrutura para que viesse enfrentar o mundo livre, nascia assim o vadio, vagabundo o trabalhador não qualificado, substituído pelo migrante. Outros aspectos desta problemática serão melhor entendidos quando buscarmos conhecer a teoria do branqueamento, que ao tentar dar nova face a população brasileira fragilizou ainda mais os negros e seus descendentes (sobre o assunto ler Nina Rodrigues, Oliveira Viana, Silva Romero e outros). Tal teoria não será abordada neste estudo, mas vale a pena ser conhecida na medida em que reforçou o racismo e a discriminação já existente na sociedade.

    Na atualidade, seguindo um posicionamento mundial de multiculturalismo e respeito à diversidade, principalmente após a Conferencia de Durban, o governo brasileiro tem levado à efeito ações que buscam resgatar a identidade de grupos que foram explorados, corrigindo distorções históricas e colaborando na construção da identidade negra. A Conferencia Mundial contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância em Durban (África do Sul), em setembro de 2001 foi um marco no qual a rejeição ao racismo ganhou força normativa (Lopes, 2006). A partir dela sociedade civil e governo empenharam-se em colocar em prática recomendações que há décadas vinham sendo reivindicadas pelo Movimento Negro.

    O empenho tem se traduzido em ações que se configuram em um conjunto de Políticas Afirmativas que tem por função não só dar respostas de caráter compensatório no tocante as perdas infringidas ao povo negro e aos seus descendentes, mas também e principalmente valer-se de afirmação positiva para fazer frente ao racismo e ao preconceito institucionalizado ou não. O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas-IBASE define Políticas Afirmativas como “um conjunto de ações privadas e ou políticas públicas que tem como objetivo reparar os aspectos discriminatórios que impedem o acesso de pessoas pertencentes a diversos grupos sociais às mais diferentes oportunidades”.

    Nesta linha destacam-se:

  • o Estatuto da Igualdade Racial, ainda em fase de aprovação;

  • a criação e incentivo à Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial – SEPPIR- coordenadora e articuladora, a nível nacional da implantação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas que objetivem garantir um tratamento universal por parte do Estado a todos os seus cidadãos e cidadãs, considerando suas desigualdades e processo de exclusão;

  • a aprovação e implementação da Lei 10639/03 que trata do estudo da história da África e que traz em seu bojo a formação de professores, a reformulação de currículos e o estabelecimento de Núcleos de diversidade étnica a nível estadual e municipal;

  • o Programa Universidade para todos-PROUNI, que estabelece nas instituições de ensino superior privadas, cotas para alunos que cursaram o ensino médio em escola pública, afro-descendentes e indígenas. No Amazonas várias instituições de ensino já vêm adotando tal sistema, contudo os resultados ainda não foram analisados em pesquisas acadêmicas ou não.

  • as cotas no ensino superior público, para alunos afro descendentes e indígenas. A Universidade do Amazonas abriu conversações com os Movimentos Sociais esperando que se estruture a demanda vinda da sociedade civil, para que se estabeleçam as regras para implantação das cotas para o conjunto de cursos, oferecidos tanto na capital quanto no interior do estado.

  • as oportunidades de acesso a educação geradas pelo desporto, através do oferecimento de bolsas de estudo aqueles que se destacam dentro das modalidades desportivas.

    Estas ações representam um conjunto de Políticas Afirmativas que visam valorizar e fortalecer o povo negro na construção da identidade étnica da sociedade brasileira. O papel da Educação é substancial pelo seu potencial transformador e pela difusão do conhecimento que propicia, servindo como base para valorização do respeito e do convívio com a diversidade sócio cultural que envolve a sociedade. Na medida em que a sociedade como um todo se disponibilizar a conhecer e refletir sobre esta problemática, estarão sendo estabelecidos parâmetros para uma sociedade mais justa que dê a todos oportunidade de crescimento e inclusão.

    Segundo Viana (1994) o desporto constitui um eficiente caminho à consolidação do sentimento comunitário e de solidariedade, pois no habitat desportivo, se integram e se identificam pessoas de condições culturais, sociais e econômicas das mais diferenciadas. Neste sentido o desporto, o maior fenômeno em nível planetário da atualidade, tem muito a contribuir com o pleno desenvolvimento da sociedade, com igualdade de condições entre brancos, negros, homens e mulheres, fazendo com que os abraços entre povos de incompatibilidades históricas sirvam de exemplo para um mundo melhor e propagação de uma cultura de paz e igualdades (Tubino e Silva, 2006).

Referencias bibliográficas

  • Lopes, N. Enciclopédia da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.

  • Lopes, C. (org.). Cotas raciais: Por que sim? 2ªed.- Rio de Janeiro: IBASE: Observatório da Cidadania, 2006.

  • Melo, V. A. Lazer e minorias sociais. São Paulo: IBRASA, 2003.

  • Pires, G. Agôn, gestão do desporto, o jogo de Zeus. Porto: Porto Editora, 2007.

  • Schwarcz, L. M. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001.

  • Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).

  • Soler, R. Educação Física Inclusiva na Escola, em busca de uma escola plural. Rio de janeiro: Sprint, 2005.

  • Tubino, M; Silva, K. Esporte e Cultura de Paz. Rio de Janeiro: Shape, 2006.

  • Texto base da 1ª CONAPPIR. Fev.2005.

  • Viana, E. O poder no esporte. Rio de Janeiro: Sprint, 1994.

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