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As relações entre mídia e a construção da imagem corporal de 

alunos nas aulas de Educação Física escolar: um relato de experiência

Las relaciones entre los medios de comunicación y la construcción de la imagen corporal

de los alumnos en las clases de Educación Física escolar: un relato de experiencia

 

*Docente de cursos de graduação UGF/UNESA/UCL

**Docente da rede municipal da cidade do Rio de Janeiro

(Brasil)

Profa. Dra. Yara Lacerda*

yaralacerda@superig.com.br

Profa. Andrea Apolônia**

andreapolonia@globo.com

 

 

 

 

Resumo

          Este texto aborda as relações existentes entre o corpo na mídia, as influências da valorização da beleza e o olhar de alunos do ensino fundamental sobre a expectativa do seu próprio corpo. Apresenta-se como um relato de experiência sobre atividade aplicada em turmas de 4º e 5º ano, com 19 alunos por grupo, com faixa etária entre 9 e 11anos de idade, na aula de Educação Física Escolar de escola pública do município do Rio de Janeiro. As associações feitas pelos jovens remeteram às imagens de corpos bonitos e aceitos como ideais e desejáveis, de acordo com a ideologia dominante nos dias atuais. O modelo atlético e com baixo percentual de gordura foi a tônica.

          Unitermos: Corpo. Mídia. Imagem corporal. Educação Física Escolar.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 145 - Junio de 2010

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Introduzindo o relato

    Este relato de experiência surgiu da prática na aula de educação física escolar com alunos da rede pública de ensino no município do Rio de Janeiro. Foram observados dois grupos constituídos de duas turmas de 4º ano, entre 9 e 10 anos de idade e 5º ano, com 11 anos de idade, frequentando o ensino fundamental. Cada grupo apresentou 19 indivíduos entre meninos e meninas.

    A atividade foi apresentada para levar os alunos a perceberem as exigências auto impostas oriundas de estímulos sociais, frente aos seus corpos em transformação. Inicialmente cada aluno deveria desenhar seu rosto em uma folha de papel e complementar a figura humana com colagem de recortes retirados de diversas publicações. Deveriam escolher como completar seu próprio corpo a partir do que lhes atraísse. A colagem deveria refletir o que desejavam para sua imagem. Foram oferecidas aos grupos revistas variadas, onde podiam encontrar inúmeras publicidades evidenciando corpos humanos em diferentes situações e vinculados a produtos anunciados para consumo.

Pensando o corpo na sociedade contemporânea

    As preocupações com a beleza e os ideais de belo acompanham o ser humano nas diferentes épocas e civilizações. A beleza e a generosidade podem ser consideradas valores universais. Apesar de nos dias atuais, diferentemente do ideal grego, o critério moral aparecer dissociado do estético, artístico e criativo, as duas características de beleza e generosidade continuam a serem valores significativos na nossa cultura (PERNIOLA,1998).

    Desde Vesalius desenvolvendo os primeiros conhecimentos anatômicos, até os pesquisadores mais recentes como Foucault (1991) até a Corbin, Courtine e Vigarello (2009) com “A história do corpo”, a corporeidade é discutida. Para Mauss (1934 apud Novaes, 2006), o corpo é o lugar de diferentes formas de sociabilidade e espelha a vida social de uma comunidade.

    Inúmeras pesquisas em relação ao corpo na sociedade contemporânea têm sido feitas, enfocando-o como um fenômeno cultural. Quais serão a força e a repercussão da mídia impressa sobre a construção da imagem corporal de grupos sociais? Para Serra e Santos (2003) a mídia atualmente tem o poder e a possibilidade de construir sentidos, lançá-los legitimando-os e destacando os fenômenos que atraem a atenção dos jornalistas.

    O corpo produz continuamente um sentido, inserindo-se no espaço social. Longe de ser apenas algo da ordem do biológico, ele terá sempre uma dimensão social e cultural. Mesmo que o homem se conceba como autônomo, seu próprio corpo não pode escapar da ordem de significados mais amplos. O corpo é então necessariamente da ordem do simbólico.

    É comum ouvir nas vozes de parte da população “você é o seu corpo, ou melhor, a sua forma”. A preocupação é constante envolvendo diferentes faixas etárias. Existe toda a sorte de recursos remodeladores dos corpos, desde os radicais até os mais brandos. As ofertas são permanentes. Os templos do corpo, no sentido laschiano, espalham-se pelas cidades. No campo da atividade física valem recursos desde treinos exagerados até as drogas. Não lutar pelo o corpo idealizado é considerado um comodismo inaceitável. Gera indignação em inúmeras pessoas. Como deixar isso acontecer, dizem os puristas.

    Observa-se que estar bem com o corpo reflete seu lugar no mundo, representa um passaporte social (LOVISOLO, 1997). Apesar do lugar ocupado pela saúde, beleza é fundamental. Persegui-la, é meta de vida. A severidade dessa mentalidade, leva a muitas reflexões sobre o tema.

    A partir de 1980 iniciaram-se manifestações envolvendo o corpo e o comportamento diante dele, com expressões de fisiculturismo compulsivo, bulimia, obesidade mórbida, anorexia e uma “extrema obsessão com a aparência física, a se tornar evidente, forçando o corpo a se exprimir de um outro modo” (COSTA, 2009, p. 41).

    Goldenberg (2002, p.8), acredita que o século XX foi berço de transformações muito significativas diante das mentalidades e maneiras de entender culturalmente o corpo. Para a autora o culto ao corpo adentrou numa dimensão social nunca antes estabelecida. Os processos de industrialização, de mercantilização e a facilidade de difundirem-se as imagens pelos meios de comunicação abriram espaço para uma cultura das massas, com claras influências sobre o ideal estético, criando possibilidades de novas carreiras que atendessem às novas demandas e o aparecimento de um novo momento na história da beleza do ser humano.

    Além do corpo por si só constituir-se como um elemento de destaque frente aos diversos campos profissionais como nutrição, educação física, medicina, ciências sociais, entre outras áreas, a mídia, representando o setor de comunicação, tem veiculado intensivamente numerosas informações relacionadas a este assunto.

    Estudos têm evidenciado matérias de revistas como Boa Forma (ANDRADE, 2003), Capricho (SERRA; SANTOS, 2003; FIGUEIRA, 2003), Veja (LACERDA; CASTRO, 2004) sendo analisadas, na tentativa de identificar como o corpo está sendo representado tanto em relação à preocupação exagerada frente a algumas estações do ano, no caso do verão, como diante da visão dos sujeitos sobre seus corpos. Esses são apenas alguns exemplos de estudos publicados do interesse despertado pelo assunto no meio acadêmico.

    Também o número de publicações comerciais, especializadas e dedicadas aos cuidados do corpo tem aumentado significativamente. Revistas como Saúde, Pense Leve, Estilo de vida, Nova, Corpo a corpo, entre outras, de diferentes editoras, têm invadido as bancas de jornal.

    Registra-se uma intensidade ainda maior dessa preocupação no meio da sociedade carioca. A cidade do Rio de Janeiro é um palco ideal para observar-se o culto ao corpo, pelas suas características histórico-naturais. Desde a década de setenta, com a cultura carioca sob os impacto e influência da atriz Leila Diniz, exibindo publicamente a barriga de grávida, que o espírito da cidade evidencia mais fortemente o corpo seminu, praia, sol, carnaval, juventude, liberdade, sexualidade, alegria, descontração hedonismo, entre outras marcas (GOLDENBERG; RAMOS, 2002).

    Também para Castro (2004) essa preocupação com o corpo é um traço característico da época em que vivemos e das sociedades contemporâneas, estabelecendo-se como elemento constitutivo do moderno. Figueira (2003, p. 124), afirma que

    Vivemos um momento em que o culto ao corpo se tornou quase uma obrigação. Esta primeira afirmação nos remete a pensar que, ao longo da história da humanidade, nunca se tenha falado e vivido tão plenamente o desnudar dos corpos como hoje. Os corpos não só se tornaram mais visíveis como foram também, objetos de investigação. Sobre eles se criam imagens, discursos, formas de admirá-los, de negá-los, de representá-los.

    O desenvolvimento e a divulgação das técnicas corporais geram a necessidade de um aprendizado cada vez mais rigoroso e muitas vezes contraditório. Essa obrigação do conhecimento do próprio corpo provoca um excessivo controle sobre ele. Cria uma sensação de inquietude, inadequação e impotência. O homem de hoje é dominado pelo seu corpo. Percebe-se que diante desses fatos torna-se compreensível os inúmeros efeitos e conseqüências sobre as condutas das pessoas e de diferentes segmentos da sociedade, no que tange ao corpo (NOVAES, 2006).

    O papel do corpo na concepção que temos de nós mesmos é enorme. As dimensões de esquema e imagem corporal nos acompanham por toda a vida. O esquema corporal é inconsciente e desde tenra infância a criança já inicia a localização das partes do corpo. A imagem corporal envolve o outro, que com seu olhar os ajuda a construir a nossa própria imagem (COSTA, 2009).

    A imagem corporal deve ser compreendida como uma resultante da influência que o ambiente exerce sobre o sujeito, em um processo em que as representações corporais estão em constante transformação. Cada um representa seu corpo com a imagem que crê que o outro tem deste corpo. Para Schilder (1999, p. 7) “entende-se por imagem do corpo humano a figuração de nosso corpo formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós”.

    As noções de consciência, expressão e imagem estão atualmente muito ligadas aos conceitos de desenvolvimento, principalmente em crianças em idade escolar. Alguns segmentos educacionais preocupam-se com estes trabalhos, principalmente os relacionados à Educação Física Escolar e à Educação Psicomotora.

    Vários autores são significativos nessa temática, como Le Boulch (1998) e Shilder (1999) que entre outros enfocam a discussão no viés da subjetividade e da construção do sujeito, pelo fato de pertencerem ao campo da psicomotricidade e psicanálise.

    Para Marcel Mauss (apud GOLDENBERG, 2002, p. 33) “o homem não é um produto de seu corpo, mas a todo instante e em todo lugar é ele quem faz do seu corpo um produto de suas técnicas e de suas representações”.

    Em tempos de enfraquecimentos das instituições a aposta maior passa a ser no Eu. O corpo passa a ser o território sobre o qual os indivíduos tem possibilidade de controle, escolha, sensação de poder decisório e de superação. É o território do surgimento de diferentes linguagens de representação corporal. O corpo é uma espécie de refúgio com a ilusão de ser controlado pelos sujeitos.

    A concepção de corpo gera uma linguagem, do mesmo jeito que as camisetas com estampas e motivos temáticos, denunciam os valores e as simpatias de quem as usam. O corpo do body builder, de quem faz body art e body modification indica a forma de se ver a vida e estar no mundo.

    Para Kofes (apud BRUHNS, 1989, p. 60)

    na nossa sociedade o corpo tem uma linguagem de afirmação ou de transgressão. A linguagem do corpo é importante porque reformula, explicita, coloca questões que às vezes unicamente a fala é incapaz de expressa.

    A preocupação com o culto da boa forma privilegia os que podem pagar por ela ou os que naturalmente já nascem apresentando as marcas diferenciadas da beleza (BRUNHS, 1989). Esta preocupação atinge homens, mulheres, adolescentes e até idosos. Ortega (2008) preconiza que a sociedade se biossocializou, criando bioidentidades a partir da valorização acentuada do corpo. Lovisolo (2009) em linha de raciocínio similar faz referência a uma fórmula ideológica dominante que busca felicidade por meio da juventude, beleza e saúde (jubesa).

    A valorização da linguagem corporal fixada apenas em modelos estéticos estereotipados pode ser perversa e escravizante, apenas premiando os que são perfeitos. O culto à forma física é transmitido como um evangelho criando um sistema de crenças tão poderoso quanto o de qualquer religião e tomando conta dos hábitos principalmente de uma parcela representativa da população; as camadas médias urbanas. A beleza e a saúde tornaram-se um fim nelas mesmo, o fim último. Não se trata de ficar bonito ou saudável para sentir-se bem, aproveitar a vida e realizar projetos pessoais. Trata-se de ficar bem para ser visto.

Efeitos deletérios do culto exagerado ao corpo

    Os efeitos deletérios do culto ao corpo ficam relacionados: à obsessão pelas formas perfeitas; à permanente insatisfação com os atributos físicos, sintomas de dismorfias corporais; ao compromisso com a magreza ou com a hipertrofia; à multiplicação dos regimes e compulsão pelas atividades corporais; à disseminação das lipoaspirações, plásticas, silicones, botox e os anabolizantes para efeitos mais imediatos.

    Todas estas situações testemunham os exageros e as angústias que geram os chamados efeitos deletérios ou perversos, do que poderia ser uma vantagem na vida do ser humano, a busca da beleza e da saúde. Os exemplos dos distúrbios alimentares de anorexia e bulimia, enquadrados na categoria de patologias e com possibilidades de controle, dependendo do grau, também são exemplos do exagero do compromisso com a dita boa forma.

    Observa-se a pluralidade de ofertas para as manifestações da corporeidade e da busca pela perfeição, não se identifica um único modelo a ser seguido. As tendências para o esguio, como no caso dos modelos, para os atléticos com musculatura definida ou para os hipertrofiados no modelo fisiculturista existem. O que é comum em todos é a perseguição ao baixo percentual de gordura (FRAGA, 2001).

    A preocupação maior é que se siga o fluxo dos modismos e das exigências impostas pelos grupos, a qualquer custo ou a custo de muita angústia e mal-estar. Esse fenômeno atravessa a sociedade contemporânea e invade o espaço da escola.

Algumas considerações

    A ideologia dominante em relação ao corpo se reflete nos alunos participantes da atividade de desenho, recorte e colagem por meio da eleição dos corpos que gostariam de ter ou de ser.

    As observações feitas em relação aos trabalhos realizados pelos alunos, como resultado da atividade proposta evidenciaram que os modelos escolhidos apontavam para corpos bonitos, magros, erotizados. Corpos parcialmente desnudos, no caso dos homens sem camisa e mostrando dorsos atléticos e com baixo percentual de gordura e no das mulheres formas magras, esguias e em poses insinuantes foram escolhidos por sete alunos. Modelos claramente relacionados aos esportes apareceram em cinco crianças. As outras escolhas envolveram modelos portando roupas casuais utilizadas no dia a dia, mas sempre relacionados às imagens de elegância e descontração.

    Os relatos escritos sobre as razões das escolhas indicavam ou o desejo de serem dessa forma quando crescessem ou de já se sentirem associados à imagem eleita. Não foi percebida diferença nos grupos pelas diferenças de idade.

Referências

  • ANDRADE, S. dos S. Mídia impressa e educação de corpos femininos. In: LOURO, G. L.; NECKEL, J. F.; GOELLNER, S. V. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 108-123.

  • BRUHNS, H. T. et al. 3 ed. Conversando sobre o corpo. Campinas, Papirus, 1989.

  • CASTRO, A. L. Culto ao corpo, modernidade e mídia. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Nº 9, 1998. http://www.efdeportes.com/efd9/anap.htm

  • CORBIN, A.; COURTINE, J; VIGARELLO, G. 3 ed. História do corpo. v. 3, Petrópolis: Vozes, 2009

  • COATA, J. F. O corpo é maestro. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 4, n. 40, janeiro , 2009, p. 38-43.

  • FIGUEIRA, M. L. M. A revista Capricho e a produção de corpos adolescentes femininos. In: LOURO, G. L.; NECKEL, J. F.; GOELLNER, S. V. (org.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 125-135.

  • FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

  • FRAGA, A. B. Anatomias emergentes e o bug muscular: pedagogias do corpo no limiar do século XXI. In: SOARES, C. L. (org.). Corpo e história. Campinas: Autores associados, 2001.

  • GOLDENBERG, M. (org.). Nu e vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record, 2002.

  • GOLDENBERG, M.; RAMOS, M. S. A civilização das formas: o corpo como valor. In: GOLDENBERG, M. (org). Nu e vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 19-40.

  • LACERDA, Y. Estética, desporto e atividade corporal suave In Motus Corporis, vol.5, n.1, Maio, 1998, Rio de Janeiro, UGF, p. 71-82.

  • LACERDA, Y; CASTRO, K. F. Revista Veja: a sedução do corpo na mídia impressa. Rio de Janeiro, Motus Corporis, v.11, n.1, maio de 2004, p.45-64.

  • LE BOULCH, J. O corpo na escola no século XXI. São Paulo: Phorte, 1998.

  • LOVISOLO, H. Estética, esporte e Educação Física. Rio de Janeiro: Sprint, 1997.

  • LOVISOLO, H. A evolução faz sentido. Inclusive na atividade física? In: Sinais Sociais, SESC, ano 3, jan./abr. 2009

  • NOVAES, J. de V. O intolerável peso da feiúra. Sobre as mulheres e seus corpos. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

  • ORTEGA, F. Corpo incerto.Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

  • PERNIOLA, M. A estética do século XX. Lisboa: Estampa, 1998.

  • SHILDER, P. A imagem corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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