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As mulheres não estão no mapa! Um estudo sobre a presença das mulheres no cenário esportivo de Porto Alegre (1863-1941)

¡Las mujeres no figuran en el mapa! Un estudio sobre la presencia de

 las mujeres en el escenario deportivo de Porto Alegre (1863-1941)

 

*Bacharel em Educação Física pela Escola de Educação Física da UFRGS

Membro do Núcleo de Estudos em História e Memória do Esporte e da

Educação Física (NEHME) do Centro de Estudos Olímpicos (CEO) da ESEF/UFRGS.

**Aluno do curso de Licenciatura em Educação Física da

Escola de Educação Física da UFRGS

Bolsista do Programa de Educação Tutorial (CAPES-MEC)

Membro do NEHME – CEO/UFRGS.

***Doutora em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto

Professora Programa de Pós-Graduação em

Ciências do Movimento Humano da ESEF/UFRGS

Tutora do Programa de Educação Tutorial da Educação Física da UFRGS

Coordenadora do NEHME – CEO/UFRGS

Tiago Oviedo Frosi*

Ronaldo Dreissig de Moraes**

Janice Zarpellon Mazo***

sensei_frosi@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Registros e documentos sobre a presença das mulheres no cenário esportivo são raros e dificilmente encontrados em acervos de clubes, federações esportivas, Conselho Regional de Desportos, museus, e outros lugares de preservação da memória. Este fato pode levar a pensar que as mulheres não estiveram presentes nas associações, sociedades e clubes esportivos de Porto Alegre. No entanto, supõe-se que a participação das mulheres foi expressiva no cenário esportivo em Porto Alegre, tendo em vista que a cultura esportiva da cidade foi marcada pela forte presença dos imigrantes alemães e seus descendentes que não impunham obstáculos a participação feminina nas práticas esportivas. A pesquisa foi desenvolvida através da consulta a fontes impressas e orais. A análise da documentação e dos depoimentos orais foi feita com base na perspectiva da história cultural. As informações coletadas sugerem que as mulheres ficaram fora do mapa esportivo da cidade, não por que estavam ausentes dos espaços sociais e esportivos, mas também porque os registros e documentação, em sua maioria escrita pelos homens, as tornaram invisíveis.

          Unitermos: História do Esporte. Mulheres. Porto Alegre

 

Abstract

          Records and documentation about women sportive participation are rare and difficultly found in clubs, federations, local sports council, museums and other memory preservation sites. This fact can let us think that women aren’t present in associations, societies and sportive clubs in Porto Alegre. However, is supposed that the women’s participation was expressive on the sportive scenery of Porto Alegre, had in mind that the sportive culture of the city was strongly marked by the German immigrants presence, that don’t put obstacles to the female participation in sportive practices. The research was developed with a consult on press and oral sources. The deposition and documentl analysis was made under the perspective of Cultural History. The collected information suggests that women was out of the sportive and social spaces beacuse the records made by men make them invisible.

          Keywords: Sports History. Women. Porto Alegre

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 144 - Mayo de 2010

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Considerações iniciais

    Os registros e documentos sobre a presença das mulheres no cenário esportivo são raros e dificilmente encontrados em acervos de clubes, federações esportivas, Conselho Regional de Desportos, museus, e outros lugares de preservação da memória. Este fato pode levar a pensar que as mulheres não foram protagonistas ou não participaram das associações, sociedades e clubes esportivos de Porto Alegre. No entanto, supõe-se que a atuação das mulheres foi expressiva no cenário do associativismo esportivo da cidade, tendo em vista que a cultura esportiva da mesma foi marcada pela forte presença dos imigrantes alemães e seus descendentes que não impunham tantos obstáculos a participação feminina nas práticas esportivas. Porém, tais participações na maioria dos casos não ficaram registradas, causando a impressão de ausência das mulheres nos esportes.

    É possível que tenha ocorrido a participação das mulheres nos clubes desde meados do século XIX, quando evidencia-se a emergência de diversas práticas esportivas na cidade de Porto Alegre (MAZO, 2003). Estes clubes esportivos se desenvolveram pela iniciativa de imigrantes europeus – homens e mulheres – sem uma interferência do Estado brasileiro. Em 1941 foi promulgado o Decreto-Lei n° 3.199 caracterizando a primeira intervenção do Estado na organização dos esportes no país. Diante do aparato legal, a participação das mulheres é redimensionada no cenário do associativismo esportivo em Porto Alegre.

    Este estudo busca construir um mapa histórico-cultural da participação das mulheres no associativismo esportivo em Porto Alegre desde 1863, quando foi fundado o primeiro clube da cidade, até o ano de 1941 quando os clubes são forçados, sob força de Lei, a reorganizar-se no plano administrativo e social.

    Em um primeiro momento, se destaca nesta pesquisa a participação da mulher nos esportes e nas práticas corporais em meados do século XIX até meados do século XX na cidade de Porto Alegre. Procura-se compreender como a organização do associativismo esportivo em Porto Alegre no período abordado ocasionou diferenças de gênero em suas manifestações. Na segunda parte se busca entender porque “as mulheres estão fora do mapa” do esporte na cidade de 1863 a 1941. Abordando os aspectos culturais que impediram a visibilidade das mulheres na história do esporte em Porto Alegre no período do estudo, discutindo este tema com os estudos de outros autores.

    O objetivo geral desse estudo é construir um mapa histórico-cultural da participação das mulheres no associativismo esportivo em Porto Alegre desde 1863 – ano de fundação do primeiro clube da cidade – até o ano de 1941 quando os clubes são forçados, sob força de Lei, a reorganizar-se no plano administrativo e social. Como objetivos específicos pretendemos:

  1. Descrever como ocorreu a participação das mulheres nos clubes esportivos;

  2. Identificar as práticas esportivas realizadas pelas mulheres nos clubes, bem como quais as competições que participavam;

  3. Conhecer em que contexto começou a se tornar mais visível a participação das mulheres no associativismo esportivo em Porto Alegre.

    Justifica-se a realização deste estudo pelo fato de que em obras recentes, como o Atlas do Esporte no Brasil (DACOSTA, 2005) e o Atlas do Esporte no Rio Grande do Sul (MAZO & REPPOLD, 2005), as mulheres não aparecem no mapeamento de muitas práticas esportivas e clubes, sendo ainda mais tocante o caso de não configurarem entre os atletas gaúchos participantes de Jogos Olímpicos. Não há registros históricos sobre a presença das mulheres como lideranças no associativismo esportivo em Porto Alegre, bem como não há grandes destaques das mesmas em competições ou mesmo em número de associadas em clubes e outras agremiações quando comparadas com os homens.

    A pesquisa foi desenvolvida através da consulta a fontes impressas e orais. Foram utilizados almanaques, Atlas do Esporte no Brasil e no Rio Grande do Sul, dissertações e teses, revistas, jornais e livros comemorativos dos clubes. As fontes orais foram obtidas através da gravação de entrevistas com mulheres que participaram de práticas corporais e esportivas nos clubes de Porto Alegre, encontrando-se atualmente na faixa etária acima de 70 anos. Os depoimentos orais foram autorizados para uso do pesquisador através de assinatura do termo de consentimento. Para preservar a identidade desses colaboradores serão identificados no texto apenas pelas iniciais. A análise da documentação e dos depoimentos orais foi feita com base na perspectiva da História Cultural. As informações obtidas foram submetidas à análise documental de acordo com Bardin (2000). 

As mulheres no cenário esportivo de Porto Alegre

    Na segunda metade do século XIX, em Porto Alegre se solidificou um quadro de diversas transformações pós ‘Guerra dos Farrapos’ e a cidade preparava-se para grandes mudanças em suas estruturas. Segundo Weimer (apud Costa, 1997, p.83), “as casas coloniais são reformadas segundo o novo estilo, pois essa é a maneira de sentir integrado à tendência internacional”.

    A arquitetura colonial aos poucos vai perdendo espaço para o neo-clássico. O Theatro São Pedro abre suas portas, surgem os primeiros bairros, chega o telégrafo, inaugura-se o primeiro banco. Também começam os aterros que roubam espaço ao rio, mas em compensação a população do centro bebe água encanada pela primeira vez. (COSTA, 1997, p. 81)

    Nesta época, mais precisamente em 1863, surge a primeira associação esportiva da cidade, a Sociedade Leopoldina Juvenil (Gesellschaft). Dá-se assim a largada para o início da história cultural do associativismo esportivo em Porto Alegre. Mais tarde seria criada a Turnerbund, atual SOGIPA1, iniciando uma época de expansão do associativismo na cidade.

    Tendo como referência a Turnerbund (SOGIPA), outras sociedades de ginástica foram criadas nas cidades de co­lonização alemã do Estado. No Rio Grande do Sul, registrou-se aproximadamente 14 sociedades ginásticas criadas até o fim do século XIX, incluindo-se a Turnerbund. Este cenário refletia a influência da cultura alemã, pois em 1890 havia na Alemanha aproximadamente 4.400 sociedades.

    Em 1900, Porto Alegre passava por inúmeras mudanças e transformações com a intendência municipal nas mãos de José Montaury (apoiado pelo então Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros). Segundo Costa (1997, p.114), “Porto Alegre permaneceu provinciana nos primeiros anos do século. Seu crescimento não foi acompanhado de um plano urbanístico de infra-estrutura”. Nesse período havia 73 mil habitantes na cidade, como afirma Borges:

    É um período efervescente, [ ... ] em que o advento do capitalismo é acompanhado de mudanças como o fim da escravidão, a chegada de europeus, o surgimento do trabalho assalariado, a industrialização, a urbanização e a emergência de novas classes – a burguesia incipiente e o nascente proletariado. (BORGES apud Costa, 1997, p. 114)

    Com diversas associações bem estruturadas na cidade, Porto Alegre entrou no século XX com algumas mudanças na participação da mulher no cenário esportivo. Várias modalidades passaram a estar acessíveis para as praticantes, mesmo com restrições de locais ou intensidade da prática. Muitas modalidades acabavam com alterações nas suas características por serem consideradas demasiadamente vigorosas para a prática feminina. Outras, consideradas muito pesadas, acabavam com a participação das mulheres totalmente barrada. Como conta-nos Pacheco, “[ ...] em estudo sobre a ENEFD2, afirma que desde o início havia uma preocupação com a prática de exercícios físicos adequados as características femininas” (PACHECO, 1998, p. 129). No período a comunidade médica defendia que as atividades físicas causavam males ao aparelho reprodutor feminino, e conseqüentemente à capacidade de gerar filhos. Assim, havia as atividades especialmente recomendadas como a ginástica feminina, o voleibol, a natação, a dança, entre outras.

    Dentre estas atividades, ainda na primeira década do século XX, estavam principalmente o bolão e o tiro. Certamente representavam atividades masculinas, pelas características das atividades em si, práticas vigorosas e ligadas a habilidade de tiro vinculada a toda uma questão de ‘habilidade guerreira’ do homem. Era impensável ter mulheres nestas práticas, tanto pelo contexto social da época quanto pela identidade que se atribuía a mulher neste período.

    Além da ginástica e do tiro ao alvo, a SOGIPA iniciou a prática do bolão, em 1896. O bolão - que era um jogo similar ao boliche – juntamente com o tiro eram espaços de lazer e sociabilidades para os homens conversar e descansar após o trabalho. Nas sociedades de ginástica, no princípio, algumas atividades eram predominantemente masculinas. O primeiro instrutor de ginástica da sociedade foi E. Gottfriedsen auxiliado pelos assistentes E. Martens Junior e Weiss, para atender aos primeiros 25 sócios.

    Dentro das sociedades que tinham identidade teuto-brasileira a mulher tinha oportunidade de praticar modalidades que não eram abertas àquelas pertencentes a outros grupos étnicos. Dentro da Turnerbund, foi destacada a participação feminina, já como instrutoras de ginástica. A participação das mulheres nessa sociedade começou no início do século XX. A partir de 1904, as mulheres adquiriram o direito de fazer o curso e obter a mesma distinção que os homens. As primeiras a receberem o título de mestre de ginástica foram: Ella Kaufmann, Frieda Naschold, Emma Scheibenzuber, Hermine Grage.

    Neste mesmo ano foi criado o departamento feminino de ginástica para a prática das mulheres. O departamento contava com 37 mulheres (casadas e solteiras) funcionando de forma autônoma, com diretoria própria sendo sua primeira presidente a professora Elli Kaufmann da escola Hilfsverein (atual Colégio Farroupilha). (MAZO, 2003)

    O curso para mestres de Ginástica, antes aberto apenas aos homens, passou a aceitar mulheres, que num primeiro momento recebiam a titulação de assistentes. Puderam assim entrar num campo antes exclusivamente masculino, mesmo com a limitação de poderem ministrar apenas aulas para outras mulheres.

    Em 1905, a direção do grupo foi entregue ao professor de ginástica da sociedade Turnerbund, que ministrava “Educação física das moças”. Dentre as alunas que seguiram o curso estavam: Ida Karls (1905), Helene Wanner (1907) e Elsa Heimberg (1908). Na década de 20, mais cinco mulheres formaram-se mestres de ginástica. O número de mulheres foi ampliado na década de 30, quando se formaram 19 mestres ginastas, entre elas: N. Dreher, G. Nietsche, E. Werner, D. Schröter, H. Mitzscherlich, F. Schönwald, A Pfitzer, E. Muller, A Rotermund.

    Mesmo com a mulher ‘aprisionada’ numa realidade de uma identidade onde sua figura submissa a tirava todas as oportunidades de uma vida social equiparada a do homem, substancialmente construída por influência do modelo de mulher importada da cultura portuguesa, e dentro de certos parâmetros também por traços culturais italianos já presentes em Porto Alegre na época, essa não era a realidade da mulher de origem germânica. O sucesso dos descendentes de alemães nos negócios, apontado por De Rose (1996) se deveu em grande parte pela ativa participação da mulher nestes, auxiliando o marido e muitas vezes comandando a família na sua ausência. Para a mulher teuto-brasileira da capital gaúcha outra lógica se apresentava daquelas co-irmãs de origem européia emudecidas por um sistema sócio-cultural que as oprimia. Essas características são bem definidas por Soares (2001) ao comentar o posicionamento da Revista do Globo quanto ao perfil feminino nas décadas de 30 e 40 do século XX:

    A revista reforçava a qualidade de “mulher-natureza” e “homem-cultura” adotada pela sociedade, pois a mulher era sempre vinculada as lidas domésticas e educação dos filhos. Quando se tratava de mulheres solteiras, os apelos eram feitos à beleza e à fragilidade feminina, relacionando a situação civil com a falta desses atributos. Muitas matérias falam sobre o modo de como a mulher deveria se portar diante do marido e de outras pessoas, conservando a beleza e a sedução e sendo ao mesmo tempo modesta e simples. (SOARES, 2001, p. 11)

    A participação das mulheres nas atividades físicas e sociais era um traço distintivo da Turnerbund. A oferta de atividades físicas para as mulheres visava a sua preparação para o trabalho, assim como o homem. Segundo o relato de H. L., “Em nossos departamentos todos, centenas e centenas de crianças, moços e senhores idosos, exercitam-se sempre e cada vez mais, sem distinção de sexo, pois ambos aqui se encontram, para serem fortes, serem úteis para o trabalho árduo da vida de hoje” (MAZO, 2003). As mulheres participaram pela primeira vez das competições de atletismo na comemoração do Centenário da Imigração Alemã, realizada em 1924.

    Outra modalidade que se desenvolveu a partir de associações esportivas de origem teuto-brasileira foi o ciclismo. O ciclismo teve a virtude de atrair as mulheres ao esporte. Nas grandes corridas que então se organizaram desde os primeiros anos do século XX em Porto Alegre houve competições femininas específicas, apesar das dificuldades das mangas largas e das saias-balão que a moda e o recato faziam obrigatórias. Esta modalidade e conseqüente opção de prática desportiva feminina veio a findar-se rapidamente, pois com o advento do futebol e o processo de urbanização houve a redução de espaços para a prática, vindo a desaparecer da cidade no modelo competitivo já no início da década de 1920 (PEREIRA, 2008; LICHT, 2003; OLIVEIRA,1912).

    Nesta época, iniciava-se todo um processo transformador da cidade “inspirado pelas idéias político-filosóficas do Positivismo de Auguste Conte. O ideal de ordem e progresso aliado ao advento do capitalismo, [ ... ] fizeram com que a cidade se remodelasse para abrigar a burguesia nascente” (SOARES, 2001).

    Outra das atividades onde as mulheres conseguiram seu espaço foi o jogo de Bolão. A princípio, esta foi outra prática muito comum nas sociedades teuto-brasileiras, identificada como uma atividade masculina, mesmo com estudos apontando a mesma fortemente ligada à comunidade luso-brasileira de Porto Alegre. O bolão, popularmente conhecido como o esporte da bola de madeira, também foi uma prática desportiva trazida pelos imigrantes alemães. Palha (1944, p.32 In MAZO, 2004) confirma a contribuição, quando declara que “trouxeram os alemães para o Rio Grande do Sul um jogo que não havia nestas calmas e lusitanas margens do Guaíba”, contudo, procura expressar a identidade “lusitana” da cidade de Porto Alegre.

    Surgiu numa sociedade alemã, o Gesellschaft, o primeiro grupo de mulheres a praticar o jogo. Este fato foi importante por marcar um momento de organização e afirmação das mulheres na associação. O primeiro grupo de bolão de Porto Alegre, denominado Grupo de Bolão 14 de abril, organizado pelos associados da Gesellschaft (Sociedade Leopoldina), em 1896, é considerado o segundo grupo de bolão mais antigo da América do Sul. Em 1918, um grupo de mulheres teuto-brasileiras, que freqüentavam a Sociedade Leopoldina, organizou o Grupo de Bolão Violeta Arco-Íris.

    Vencendo a resistência masculina, grupos de mulheres passaram a organizar-se na cidade em diversas associações para praticar o Bolão. Mesmo com toda organização e ‘abertura’ para a prática, a presença da mulher no esporte ainda era muito diminuta, sem uma representatividade ideal nas associações e conseqüentemente nos eventos realizados na época. Na década de 1940 existiam sete associações esportivas voltadas para a prática do bolão, na sua maioria fundadas pelos teuto-brasileiros. Os campeonatos porto-alegrenses oficiais de bolão eram divididos em primeira e segunda divisão reunindo os grupos das seguintes associações: Esporte Clube Navegantes, Sociedade de Amparo Mútuo, Associação Leopoldina Juvenil, Clube de Regatas Vasco da Gama, Sociedade Gondoleiros, SOGIPA, Sociedade de Ginástica Navegantes São João, Sociedade Florida, Sociedade Juventude, Clube Recreativo São João, Sociedade Bürger-Clube. No ano de 1941 participaram 13 grupos, sendo cada turma composta de 10 homens, totalizando 130 competidores (MAZO, 2004).

    Em sua entrevista, I.D., campeã brasileira de atletismo em 1940, aponta o fato de que mulheres e homens inclusive treinavam juntos em modalidades como o voleibol praticado na SOGIPA. Retrata também que não havia recursos dos clubes ou federações para apoiar atletas na época, bem como não havia auxílio do governo às associações. Na época, a atleta treinava, viajava e competia sempre na companhia de um parente, geralmente o pai. Essa super-proteção, vivida também pela irmã da entrevistada, era característica da sociedade da época.

    Após as turbulências da Primeira Guerra Mundial, a vida na cidade de Porto Alegre superou o medo que o conflito trazia agregado. A capital gaúcha sempre foi uma cidade marcada pela cultura de grupos de imigrantes europeus, o que contribuía para tensões em períodos de conflito com tais países. O esporte do início do século em Porto Alegre sempre teve como destaques, atletas oriundos de grupos étnicos de origem européia (em especial descendentes de alemães e italianos). Esta característica fez com que décadas depois a Liga de Defesa Nacional (LDN) voltasse fortemente suas atenções para a cidade. A influência cultural destes euro-brasileiros, pertencentes a etnias inimigas, membros do Eixo, era a ameaça que a campanha de nacionalização não queria.

    Em sua entrevista, L. B, também, campeã brasileira de atletismo em 1940, conta que na época da nacionalização houve diversas invasões, inclusive à sua casa, onde se apreendiam objetos alemães. L.B. foi atleta do Grêmio Náutico União, clube que sempre fora rival da SOGIPA. Na época, havendo somente pistas de atletismo na SOGIPA e no Sport Club Internacional, ali se realizavam os torneios. Conta esta entrevistada, concordando com I.D., que findou sua carreira atlética devido ao casamento, tendo seus noivos/maridos e a figura da mulher na sociedade da época, influência direta neste fato.

    Na década de 20, o Atletismo experimentou uma grande fase de desenvolvimento, mesmo sem a participação feminina. A primeira participação viria só vinte anos depois, mesmo que em menor número como acontecia em todas as modalidades esportivas. Assim, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) organizou o primeiro Campeonato Nacional de Atletismo, realizado em São Paulo em 1925, que contou com a participação de atletas do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Já o Primeiro Campeonato Nacional de Atletismo Feminino foi realizado em Porto Alegre, no estádio Ramiro Souto, em 1940. Duas atletas porto alegrenses obtiveram os primeiros lugares nas suas respectivas provas. Após as competições deste ano os recordes gaúchos femininos de atletismo pertenciam, na sua maioria, as atletas da SOGIPA. Eram elas Érika Mueller (100 metros rasos e 80 metros com barreira), Dora Hochwart (200 metros rasos), Renate Roemler (arremesso de peso e lançamento de dardo), Helga Becker (salto em distância), Lonra Nabinger (salto em altura), Dora Maelmann (lançamento de disco). Em 1941, a mais destacada atleta gaúcha, Ilse Sueffert, representante da SOGIPA, foi campeã brasileira de salto em altura (Amaro Jr., 1942, p.103). A realização do Primeiro Campeonato Nacional de Atletismo Feminino em Porto Alegre trouxe uma novidade para a cobertura das provas. A presença da primeira mulher jornalista no âmbito esportivo. A paulista Lidia Federici, que era colaboradora da Tribuna de Santos (DIENSTMANN, 1987).

    A mulher passou todo o período da década de sessenta do século XIX até meados do século XX uma situação de pouco acesso ao esporte. Uma sociedade, mergulhada em valores advindos principalmente da Europa, ocasionou situações de repressão às praticantes. A cidade era, então, limitadíssima ao acesso ao esporte pelo público feminino.

Mapa do esporte: onde estão as mulheres?

    Ao analisarmos os dados do Atlas do Esporte no Rio Grande do Sul percebemos que as mulheres não estão presentes entre os gaúchos participantes de Jogos Olímpicos. Entre os atletas apontados por Silva (2005), não havia nenhuma mulher representando o Brasil no período de 1863 a 1941. Este reflexo, não apenas advém da ausência de mulheres no treinamento de rendimento, considerado vigoroso demais para ‘futuras genitoras’, mas da própria falta de oportunidades que a mulher enfrentava para praticar inclusive o esporte pelo esporte, com caráter de participação.

    Modalidades como remo, tiro, futebol e lutas sempre foram redutos masculinos, onde as mulheres não tiveram oportunidade de prática. Mesmo assim, naqueles esportes onde tiveram participação, ao compararmos com o número de homens praticando as mesmas modalidades, ou até mesmo de associações que oportunizaram a prática feminina, percebemos que há um verdadeiro abismo entre os gêneros. Como observa Pimentel (1945, p. 182), em 1938 e 1939 o número de homens associados a clubes e outras agremiações esportivas chegavam perto dos quarenta mil, já as mulheres não conseguiam chegar ao número de mil associadas. Isso não se restringia aos praticantes, comparando os números da assistência em competições esportivas, os homens formavam públicos de aproximadamente vinte e três mil expectadores, enquanto que as mulheres não ultrapassavam a marca de mil e cem assentos.

    Como coloca este autor, ao compararmos o número entre praticantes e/ou atletas entre os gêneros, a diferença é gritante. Em algumas modalidades a discrepância era na ordem de 200% ou mais. Possivelmente este contraste nas competições e eventos se devam a própria realidade das associações esportivas, local onde essas diversidades também ocorriam, às vezes em proporções ainda maiores.

Quadro 2. Diferença entre atletas homens e mulheres

 

1937

1938

1939

Número total de Associações

156

254

295

Número de sócios (sexo masculino)

22.311

39.938

38.047

Número de sócios (sexo feminino)

901

943

998

Total de sócios

23.212

40.881

39.045

Competições (Torneios)

3.609

5.023

7.268

Espectadores masculinos dos jogos (total de homens atletas)

19.429

23.092

22.233

Atletas na ginástica geral

-

3.634

-

Atletas no atletismo

-

3.120

-

Atletas na natação

-

1.798

-

Atletas no basquete

-

1.146

-

Atletas no vôlei

-

1.190

-

Atletas no tênis

-

653

-

Atletas no bolão

-

653

-

Espectadores femininos dos jogos (total de mulheres atletas)

817

1.134

1.188

Mulheres na ginástica

-

371

-

Mulheres na natação

-

325

-

Mulheres no tênis

-

148

-

Mulheres no atletismo

-

90

-

Mulheres no bolão

-

55

-

Mulheres no vôlei

-

52

-

Total de espectadores (masculino e feminino)

20.246

24.226

23.421

(Pimentel, 1945, p. 182)

    Os dados trazidos por Pimentel (1939; 1945) e Amaro Jr. (1944; 1949), apontam a diferença gritante entre homens e mulheres que praticavam ou competiam nos eventos realizados na cidade. Mesmo não sendo um caso isolado de Porto Alegre, como podemos observar na obra de Rubio (2004) onde não temos nenhuma atleta brasileira destacada nos Jogos Olímpicos até 1996, e mesmo com a abertura que a comunidade alemã proporcionava a suas mulheres da capital gaúcha, no âmbito do esporte e da atividade física, todas as evidências apontam para a invisibilização da mulher porto alegrense do período aqui estudado.

    O esporte no Brasil já barrava a participação feminina em conseqüência da herança cultural desde o período colonial, e não foi fácil iniciar a reversão deste quadro. Ainda mais devido ao período do Estado Novo, onde inicia-se a construção da Identidade Brasileira, onde todo um novo contexto criado pelas Guerras Mundiais, acaba por acentuar as diferenças de gênero e muitas outras. Como conta Franzini (2005, p.325), “Hoje, passado meio século da perseguição promovida pela ditadura estadonovista, a identidade masculina criada e constantemente reafirmada ao longo da história da bola no Brasil faz com que boa parte das mulheres sequer se reconheça no jogo – coisa de homem”, E lembra ainda que “para todas elas o país do futebol assume forma bem diversa daquela consagrada no senso comum [ ... ] (ibid, 2005, p.325).

    Mesmo Soares (2001), ao analisar a identidade criada para a mulher nas revistas da época estudada - mais especificamente a Revista do Globo - percebe a diferença de gêneros presente na sociedade porto alegrense. Esta desigualdade, muitas vezes influenciada por tendências do exterior, principalmente oriunda do boom do cinema norte-americano que inundava as salas de exibição da capital gaúcha, foi uma marca profunda do mapa cultural da cidade de meados do século XIX a meados do século XX, afetando todos os setores da sociedade, inclusive a forma que a própria mulher se enxergava e assim construía sua identidade, até sua relação com o mundo esportivo.

Considerações finais

    A mulher porto-alegrense que viveu a emergência do associativismo esportivo teve sua participação obscurecida nos registros históricos. As desigualdades de gênero estiveram fortemente presentes no período que compreendeu o início da década de sessenta do século XIX e a primeira metade do século XX.

    Mesmo com a forma de organização das associações, que em geral restringiam a participação feminina, e a inexistência de grupos de mulheres praticantes de determinadas modalidades, a mulher teve contribuição inestimável ao associativismo esportivo em Porto Alegre. Seus grupos de bolão e ginástica foram em muitos momentos exemplos de organização que influenciaram diretamente a forma como os homens passariam a organizar-se em seus próprios conjuntos. Não obstante, as mulheres marcaram presença em modalidades como o atletismo e o ciclismo, que também fizeram parte da história esportiva da cidade. A memória de diversas associações está diretamente ligada a ações da mulher, que muitas vezes, por questões culturais, tornou-se a sombra do marido ou parente, homem este que acabou eternizado nos registros e livros dos clubes e grêmios da cidade.

    Pouco a pouco a mulher foi alterando sua participação no esporte, coisa que hoje vemos nitidamente. As informações coletadas sugerem que as mulheres ficaram fora do mapa esportivo da cidade, não por que estavam ausentes dos espaços sociais e esportivos, mas também porque os registros e documentação, em sua maioria escrita pelos homens, as tornaram invisíveis. Cabe aos futuros estudos no âmbito da história cultural do esporte reconstruir os mapas histórico-culturais evidenciando a presença das mulheres no processo de construção do campo esportivo porto alegrense e brasileiro.

Notas

  1. Sociedade Ginástica Porto Alegre, associação fundada e freqüentada por teuto-brasileiros.

  2. Escola Nacional de Educação Física e Desportos.

Referências

  • AMARO JR., Almanaque Esportivo do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia Esperança, 1942.

  • AMARO JR., Almanaque Esportivo do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia Esperança, 1944.

  • AMARO JR., Almanaque Esportivo do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia Esperança, 1949.

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revista digital · Año 15 · N° 144 | Buenos Aires, Mayo de 2010  
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