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Em busca de novos caminhos para o viver no tempo livre:

lazer em uma perspectiva transdisciplinar e integral

En busca de nuevas formas de vivir en el tiempo libre: el ocio desde una perspectiva transdisciplinar e integral

Seeking new ways to live the free time: leisure in a transdisciplinar and integral perspective

 

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Escola de Educação Física, Porto Alegre

(Brasil)

Tiago Oviedo Frosi

sensei_frosi@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Através deste estudo, pretende-se fazer relações entre as experiências em um Estágio em Atividades Recreativas e de Lazer na Escola de Educação Física da UFRGS e as teorias que embasam a nova área de estudos sobre a Consciência. As atividades foram realizadas no Projeto CELARI da ESEF UFRGS. Procurou-se propor atividades de lazer em uma perspectiva ampliada, onde os conceitos de Dumazedier e de Marcellino foram casos particulares dessa proposta. Foi realizada uma meta análise das obras pertinentes e análise de fontes impressas e declarações dos participantes do programa. Esta abordagem se torna importante pela necessidade de preparar os novos profissionais da área da saúde e, em especial os Educadores Físicos, ao contexto social que gradativamente se instaura em nosso cotidiano.

          Unitermos: Lazer. Transdisciplinaridade. Estados Ampliados de Consciência. Qi Gong. Reiki. Karate

 

Resumen

          A través de este estudio, tenemos la intención de establecer conexiones entre las experiencias en las prácticas de ocio y tiempo libre en la Escuela de Educación Física de la UFRGS y las teorías que apoyan el nuevo campo de estudios de la conciencia. Las actividades se llevaron a cabo en el marco del Proyecto CELARI de ESEF UFRGS. Hemos tratado de ofrecer actividades recreativas en una perspectiva más amplia, donde los conceptos de Dumazedier y Marcelino son referencias relevantes de nuestra propuesta. Se realizó un meta-análisis de las obras pertinentes y el análisis de fuentes impresas y las declaraciones de los participantes del programa. En este enfoque se hace importante la necesidad de preparar nuevos profesionales de la salud y, en particular a los educadores físicos, al contexto social que poco a poco se va introduciendo en nuestra vida cotidiana.

          Palabras clave: Recreación. Transdisciplinariedad. Estados Ampliados de Conciencia. Qi Gong. Reiki. Karate

 

Abstract

          This study pretend to do relations between the experiences on Leisure and Recreation Activities Traineeship of UFRGS’ Physical Education School and the theories that found the new Consciousness Research area. The activities occurred on ESEF UFRGS’ CELARI Project. Leisure Activities were proposed on an amplified perspective, where Dumazedier’s and Marcellino’s concepts were particular cases of it. A metanalysis were realized on pertinent texts and after the documents and participant’s declarations were analyzed. This new approach turned important on preparing new health area professionals necessity. The case of Physical Educators was threatened in special, attending to the new social context that gradual establishes in our quotidian.

          Keywords: Leisure. Transdisciplinarity. Amplified Consciousness State. Qi Gong. Reiki. Karate

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 144 - Mayo de 2010

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1.     Considerações iniciais

    Através deste estudo, pretende-se fazer relações entre as experiências em um Estágio em Atividades Recreativas e de Lazer na Escola de Educação Física da UFRGS e as teorias que embasam a nova área de estudos sobre a Consciência. As atividades foram realizadas no Projeto CELARI (Centro de Lazer e Recreação do Idoso), na ESEF UFRGS. As aulas forma ministradas nas terças e quintas-feiras, pela manhã.

    O objetivo geral das aulas foi trabalhar com os participantes práticas corporais de Educação para a Ampliação da Consciência, primando por aspectos que despertassem a atenção dos participantes para a importância das atividades de lazer para (re)equilibração dos mesmos consigo e com o meio (Terra). Dentro desta perspectiva ampliada, a concepção dos três “D” (descanso, divertimento e desenvolvimento) de Dumazedier e a concepção das seis áreas de interesse (artísticos, intelectuais, físicos, manuais, turísticos e sociais) de Marcellino foram casos particulares dentro dessa proposta. No que tange à natureza do programa de atividades proposto, os princípios foram aplicados nas atividades de lazer dos participantes, mostrando a importância da ligação saudável destes com o meio (Terra), com o outro e consigo mesmo.

    Justifica-se este estudo pela necessidade de preparar os novos profissionais da área da saúde e, em especial os Educadores Físicos, ao contexto social que gradativamente se instaura em nosso cotidiano. O preparo teórico-prático dos educadores e terapeutas contemporâneos necessita de complementos que abordem, por exemplo, as práticas regulamentadas pelo SUS, através da portaria 154 de jan. 2008 que prevê a utilização de técnicas de saúde integrativas no contexto da saúde pública no Brasil.

    Para relacionar adequadamente as temáticas do lazer, das práticas corporais integrativas e da nova área de estudos sobre a Consciência, foi feita uma meta análise buscando nos principais autores destas áreas o aporte teórico necessário. Com este aporte as relações e aproximações foram feitas buscando-se apresentar uma nova visão sobre a prática do lazer e da atividade física. Tanto os dados coletados nas fontes impressas quanto as declarações voluntárias dos alunos e as observações anotadas em diário de campo foram submetidos à análise documental, que segundo Bardin (2000) consiste em realizar operações de desmembramento do texto em unidades de significado, buscando desvendar seus diferentes sentidos e, posteriormente, a partir da análise dos dados reagrupá-los e construir os eixos norteadores da pesquisa.

    Nos próximos capítulos apresento uma revisão sobre as técnicas e aspectos teóricos do Programa, para servir de referência à leitura das atividades descritas ao final desta pesquisa.

2.     Um novo programa de lazer com antigas tradições

    Em seu livro A Ciência e o Campo Akáshico, o cosmólogo Ervin Laszlo nos alerta que estas mesmas ligações estão sendo comprovadas pelos biólogos neo-darwinistas e pelos físicos que introduzem os princípios da mecânica quântica e recursos matemáticos avançados em seus experimentos. Estes cientistas vêm nos oferecendo evidências de que os organismos vivos são super aglomerados de células coerentes, ou seja, com interligações praticamente instantâneas entre todas as partes do organismo (LASZLO, 2008, p. 49-53). Essa ligação não local é caracterizada pelo físico quântico Amit Goswami (2009; 2008a; 2008b; 2006) como a evidência de existência de corpos sutis ou campos morfogenéticos, também postulados pelo biólogo Rupert Sheldrake (1988; 1987b) e pelas pesquisadoras da espiritualidade na área médica Shafika Karagula e Dora van Goellner Kunz (1999). Não apenas isso, Laszlo (ibid., 2008) ainda afirma que há indícios de que essa coerência existe não apenas entre as estruturas do corpo individualmente, mas também do ser vivo com todo o ambiente que o rodeia, sendo possível extrapolar essa ligação para o Universo como um todo, mas primariamente para o organismo vivo que é o Planeta Terra, Gaia (GOSWAMI, 2008b; LIPTON, 2007).

    Justifico novamente o uso desta abordagem devido à necessidade de compreendermos melhor os princípios que fundamentam as práticas corporais ligadas ao conceito de Saúde Integral, baseado nas pesquisas desta nova área de estudos sobre a Consciência. Ao estudar os fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa (sistema ao qual várias das atividades analisadas neste estudo pertencem) percebemos que elas têm o potencial de reequilibrar os movimentos dos aspectos complementares da energia sutil (GOSWAMI, 2006; MACIOCIA, 2007).

    Na atualidade, onde podemos optar por uma ampliada, olhando para a realidade através da ótica de áreas que vem cada vez mais abalando as estruturas do antigo paradigma científico, é possível compreender nossa atuação profissional através da Física Quântica (GOSWAMI, 2009; 2008a; 2008b; 2008c; 2006; SATINOVER, 2007), Campos Morfogenéticos (SHELDRAKE, 1988; 1987b), Hologramas (LASZLO, 2008; POZATTI, 2003) e integração com as Tradições Sapienciais (CHIA, 2005; RAMOS, 2001; STEVENS, 2001; LEONARD, 1999; KUSHNER, 1988). Assim, trabalharemos em uma visão paradigmática renovada, que dê respostas às limitações da ciência determinista e que traga à luz os efeitos benéficos de práticas corporais de origem oriental, como as citadas na Portaria 154 do SUS, dentro de uma perspectiva ampliada do que é o lazer.

    Ao adotar a visão integrada da Nova Ciência, podemos unir conceitos das ciências exatas (como a física e a química) aos da psicologia, biologia e também das tradições sapienciais e da filosofia, permitindo que se enxerguem os benefícios de práticas para a saúde não apenas do corpo material como também do que chamamos de corpos sutis. Assim, as práticas corporais de origem oriental, recentemente reconhecidas em sua dimensão terapêutica pelo Sistema Único de Saúde (SUS), através da Portaria 154 de 24/01/08, podem ser compreendidas e temos a possibilidade de realizar atividades estruturadas em uma idéia de desenvolvimento dos aspectos adjacentes, ou sutis, do Ser (KUSHNER, 1988).

    No que diz respeito ao modo como se entende um indivíduo humano, sob o olhar da nova ciência, há diversas definições e conceitos que precisaremos discutir. Entre tais conceitos estão aqueles que dizem respeito à consciência e aos cinco corpos que constituem o Ser Integral (corpo material, existente no plano mais grosseiro; corpo vital, ou corpo de energia, de Ki; corpo mental, a mente; corpo de intelecto supramental, arquetípico, de temas; e corpo de beatitude, ou alma), buscando num desenvolvimento através da Inteireza nas diversas fases da vida, uma nova forma de vivenciar o próprio Eu (POZATTI, 2003). Podemos relacionar assim, os campos, os elementos, as funções da Consciência e os arquétipos na seguinte estrutura:

Figura 1. O quadro representativo com os corpos quânticos, os quatro elementos, os arquétipos e as funções da Consciência. Fonte: Arquivo pessoal do autor

    O Doutor Mauro Pozatti (2007; 2003), médico psiquiatra que empenhou sua carreira na busca de um método para criar um modelo de educação para a saúde e inteireza do ser, parece concordar comigo:

    Torna-se possível reconhecer, integrando os diferentes caminhos do conhecimento, a existência de semelhanças de concepções sobre a totalidade, e também, seus constitutivos: uma tríade aqui denominada de denso, sutil e movimento; as particularizações destes constitutivos, manifestando uma determinada realidade, em número de quatro, aqui denominadas de elementos (terra, fogo, ar e água), arquétipos (visionário/a, guerreiro/a, mestre/a e curador/a) e, funções da consciência (pensamento, intuição, sentimento e sensações) e suas interações, que, quando harmonizadas no quinto, podem permitir a transcendência harmônica da consciência para outras realidades. (POZATTI, 2003, p. 50)

    Cabe ainda esclarecer que as tentativas de unir os diversos sistemas de medicina alternativos com o sistema convencional, vêm sofrendo diversos fracassos, principalmente pelo fato de não haver um paradigma abrangente para abarcar essas diferentes teorias. Isso atrapalha igualmente a conexão entre as atividades ginásticas e esportivas ocidentais e as formas de exercitação e meditação orientais. Outra questão é a tentativa de estudiosos defensores do realismo materialista, e por conseqüência da física clássica, de explicarem a mente e o Ki (energia do corpo vital, para os japoneses, termo que será adotado ao longo deste trabalho) como elementos ou manifestações emergentes da matéria, como se a matéria fosse a única realidade possível, ou ainda atribuindo estes conceitos a visões dicotômicas do tipo mente-corpo, relegando os aspectos adjacentes ao campo religioso ou místico. Esse equívoco hoje pode ser sanado pelas teorias que, oriundas da nova ciência, norteiam uma nova construção de Saúde e Desenvolvimento Integral do Ser.

3.     Práticas corporais e ampliação da consciência

    É sabido que em diversas terapias da atualidade algumas práticas corporais têm seu lugar, por terem a capacidade de estimular o movimento das energias de outros campos da Consciência além do material. Por exemplo, quando um médico tradicional chinês utiliza da acupuntura, ele estimula pontos do corpo físico (os Tenketsu) que, por correspondência na hierarquia quântica entrelaçada, ocasionam mudanças no movimento das energias do corpo vital, reequilibrando este campo e oportunizando a saúde e a cura de males que se originam a partir desse nível da Consciência. De forma parecida, uma prática corporal muito semelhante, da tradição japonesa, ocasiona mudanças nos movimentos da energia vital, a esta prática chamamos de shiatsu (ou acupressura).

    As mudanças dos estados de consciência, denominadas vigília, sono profundo, REM, estados meditativos e holotrópicos são as facetas por onde se pode montar algumas interessantes vivências (GROF & GROF, 1998). Os estados alfa-meditativos e holotrópicos costumam ser apropriados para possibilitar entradas da Consciência individual em outros estados e possibilitar a percepção das in-formações em campos hierarquicamente superiores da totalidade.

    Como colocado anteriormente, foram realizadas vivências que possibilitaram aos participantes acessar in-formações ou energias em campos como o vital o mental e o supramental, geralmente inacessíveis devido ao nosso condicionamento cultural (que nos prende num autoconceito realista materialista). Para tanto, exercícios de meditação e de formulação de construtos forma-pensamento foram realizados. A partir de agora, passamos a descrever brevemente as características dessas práticas vivenciais.

    O Qi Gong da Camisa de Ferro é uma antiga arte marcial chinesa, que vem aos poucos sendo difundida no Ocidente como técnica de fortalecimento dos órgãos internos do corpo e enraizamento nas forças terrestres, aprimorando a saúde nos planos físico, vital, mental e supramental. A partir desta prática, nascida do desenvolvimento do taoísmo em solo chinês desde o início do milênio passado, é possível obter consciência das capacidades do uso das energias ou in-formações existentes no segundo nível da consciência, o domínio das emoções (ou corpo vital).

    O Hassetsu é a técnica cerimonial do disparo da flecha pelo arqueiro Zen, ou Kyudō-ka. Ao adaptar a prática para as atividades desenvolvidas no programa do estágio vivenciado na ESEF UFRGS, o arco foi substituído por um objeto de forma-pensamento (um objeto construído mentalmente no plano sutil com in-formações do corpo mental) e as flechas por projeteis de energia do corpo vital, carregadas com in-formações emocionais.

    O Reiki é uma técnica de cura por imposição das mãos, descoberta e sistematizada pelo monge budista Mikao Usui e pelo médico japonês Chujiro Hayashi (ROWLAND, 2006; CARDOSO 2001). A palavra Reiki explica-nos a que a técnica em si se propõe: Rei significa energia cósmica, a energia da fonte universal; Ki significa energia vital, a energia circulante no segundo nível de nossa consciência (equivalente ao qi chinês e ao prana indiano). Reiki significa, portanto, união entre o Universo (Tao, Cosmos, Deus) e o eu individual, a mônada quântica (GOSWAMI 2008a; 2008b) através da energia emocional, do segundo nível da Consciência.

    O Karate-Dō, enquanto Caminho híbrido das tradições chinesa e japonesa, apresenta benefícios de técnicas e métodos de treinamento oriundos dessas duas grandes matrizes culturais. Em especial, podemos citar a prática dos exercícios formais (Kata) que promovem, em uma ótica terapêutica, a melhoria das capacidades físicas gerais (VIANNA, 2008; MOLARI, 2004) através de exercícios respiratórios (ibuki) que criam movimentos de energia do corpo vital e promovem fenômenos como a defesa absoluta citada por Stevens (2001, p.126-127) e diversas transformações corporais muito semelhantes às proporcionadas pelo Qi Gong (CLARK, 2004; STEVENS, 2001). Os benefícios da prática do Karate-Dō, conhecido como a arte com expoentes de maior longevidade entre os mestres japoneses, foram estudados enquanto processos da Consciência por Alexandre José Carvalho Ramos (2001).

    Através do treinamento dos exercícios formais da vertente interna, todas as capacidades desenvolvidas antes através do Qi Gong, do Hassetsu e do Reiki foram postas em prática com um elemento de dificuldade a mais que é o uso de movimentos corporais mais dinâmicos, ou seja, de estímulos relativamente grandes no nível mais grosseiro da Consciência, o nível material. Assim, manter as capacidades dos níveis vital e mental, antes trabalhadas, tornou-se mais difícil, mas ao mesmo tempo ajudou a desenvolver essa capacidade, possibilitando que fosse usada de forma mais efetiva na vida diária.

4.     Lazer em uma perspectiva transdisciplinar

    Quando falamos de lazer, e o entendemos como atividades livres e descompromissadas, que nos levam ao prazer, ao bem-estar e à felicidade, podemos (e devemos dentro da lógica deste trabalho) ainda extrapolar essa conceituação para uma visão Idealista, colocando-nos em consonância com as obras do novo campo de pesquisas sobre a Consciência. Nesta perspectiva, tanto a lógica dos três “D” de Dumazedier (PIRES, 2008; GOMES, 2008; KISHIMOTO, 2007; PINHEIRO, 2007) quanto à lógica dos seis campos ou áreas do lazer de Marcellino (2006; 2000) são casos particulares de uma nova proposta. Assim, o lazer em uma perspectiva Transdisciplinar (D’AMBROSIO, 1997) seria não apenas a busca pela felicidade na prática livre e prazerosa, mas um reencontro com o outro (nosso irmão, pai, mãe, filho, companheiro, amigo, com todo indivíduo humano), com o Planeta (e toda a Natureza que o forma), e com o Universo (o self quântico universal, fundamento de todo Ser). A transdisciplinaridade, esse atravessar de diferentes olhares por um mesmo foco ou objeto, nos permite criar um programa de lazer onde aspectos do jogo, da ciência, da filosofia e das tradições ancestrais estejam integrados para obtermos descanso, divertimento e desenvolvimento, vivenciando-os através da arte, do intelecto, das práticas corporais, da bricolagem, do turismo e da integração social, ampliando os estados de consciência.

    Em uma ciência idealista, os estudos da Educação Física (e também a atuação do professor) devem compreender a busca pela harmonia com a Totalidade, como já propôs Luckesi (2009, p.6). A cultura indiana, através da Yoga nos coloca os três passos, ou fases para o despertar da Consciência e o atingir dessa felicidade que podem ser norteadores desse programa: Jnana Yoga (o caminho de união através do conhecimento de si), Karma Yoga (o caminho da ação, servindo e divulgando a felicidade na comunidade) e o Bhakti Yoga (o caminho do amor, onde a ligação com o self transparece do indivíduo). Na tradição japonesa, o Aikidō traz a mesma lição através dos três princípios: Masakatsu (vencer a si mesmo), Agatsu (vencer com justiça e servir) e Katsuhaiari (vencer e encontrar a verdade, a unidade universal). Transformar a vida em felicidade tem de ser a proposta central de um programa de atividades de lazer consciente, pois é para o despertar da consciência até atingir a ligação com o self universal, abandonando o ego e a sensação ilusória de separatividade com o meio que o programa deve servir.

5.     Sensibilidades de um grupo acerca da proposta renovada de atividades de lazer

    Neste capítulo propõe-se analisar alguns aspectos das declarações voluntárias dos participantes (cujas identidades serão mantidas em sigilo e os nomes trocados por participante 1-8), cruzando-as com as observações anotadas no diário de campo produzido a partir das vivências no estágio. A partir destas declarações escritas e das anotações procura-se apontar alguns aspectos das sensibilidades que afloraram dos participantes enquanto vivenciavam as práticas corporais.

    Inicialmente, podemos olhar para as primeiras impressões de alguns dos participantes ao fim do primeiro mês de prática:

    “Através do Qi Gong da Camisa de Ferro conheci potencialidades do ser humano que podem ser desenvolvidas através da consciência corporal, concentração e da respiração. Dessa maneira podemos nos apropriar do nosso ser integral.” (Participante 1, set. 2009)

    “Fiz o exercício com naturalidade, sem me dar conta da força que eu tinha para neutralizar a pressão que o professor exercia sobre minha coluna, minhas laterais e meus braços. Não senti nenhuma força partindo dos meus dedos, conforme mencionaram alguns colegas, talvez porque minha concentração não tivesse sido suficiente. Minha energia está muito baixa, preciso melhorar.” (Participante 7, set. 2009)

    “Ao chegar na sala de aula, não sabia o que encontrar ou esperar, mas estou adorando as atividades apresentadas. Gosto muito de ouvir sobre estes assuntos, ou seja, meditação, energia vital, energia mental, etc... Espero muito das próximas etapas. Sou muito positiva e tive experiências reais sobre energias (mãos, olhos, mente) é um fenômeno indiscutível e sobrenatural e ao mesmo tempo inacreditável para muitos. Fiquei surpresa com minha força energética, quando fui testada, principalmente nos braços, foi incrível. Viver é ficar atenta aos sinais.” (Participante 2, set. 2009)

    Percebemos, pelas falas, que apesar das palestras sobre a teoria quântica e a transpessoalidade (estudada por algumas linhas da psicologia), os alunos ainda mantiveram um discurso ligado ao senso comum, às crenças populares acerca da espiritualidade. Certamente, até aqui, com menos de dois meses de intervenção e vivências, não foi possível descrever de forma amadurecida o que estava sendo vivenciado.

    Um avanço significativo, porém, foi a consciência acerca da existência dos campos hierarquicamente entrelaçados (material, vital, mental etc.) que aparece nas falas. A satisfação dos participantes em estar no programa e sentir-se mais inteiro também pode ser percebida e tida como ponto positivo naquela etapa.

    Após a prática do Qi Gong, alguns alunos pareceram enfrentar com dificuldades o segundo módulo do programa. Há na literatura diversas proposições sobre a ligação dos diversos campos morfogenéticos sutis a funções corporais específicas. No caso do campo mental, há diversas colocações acerca de sua real função intelectual, ou seja, os pensamentos ocorreriam em um campo transcendente e não no cérebro físico, fato evidenciado principalmente pelas novas descobertas da neurociência que mostram que grandes aglomerados moleculares do nosso cérebro fazem tunelamento (SATINOVER, 2007). Talvez a dificuldade de alguns alunos em vivenciar a segunda atividade, o Hassetsu, esteja, portanto correlacionada a características pessoais. A participante 2, que nos primeiros dias de aula se descrevia como uma pessoa com extrema dificuldade de concentração relata:

    “Nas primeiras aulas de Hassetsu eu não senti nada. Não estava preparada e concentrada ao ponto de sentir alguma coisa. Mas na última sessão houve um momento em que me concentrei tanto, que as minhas energias foram sugadas ao ponto que me senti cansada, ao ponto de ficar esgotada e com dores musculares, mas aconteceu na interação com apenas um dos colegas. No momento em que conversamos, em roda, esta pessoa relatou que foi o dia em que sentiu mais relaxada, tranqüila e calma, em compensação esta energia foi tirada de mim ao ponto de me deixar cansada totalmente, mas em alguns minutos após minhas energias voltaram ao normal.” (Participante 2, out. 2009)

    De um modo geral, os participantes se mostraram muito satisfeitos com o programa de atividades e motivados a prosseguir no mesmo. Nas últimas declarações dadas, após o uso das habilidades adquiridas para auxiliar em sessões de intervenção terapêutica e em estados ampliados de consciência, cada um deixou relatos marcantes sobre a experiência:

    “As aulas de Karate são uma maneira muito importante, para mim, de trabalhar a concentração e a paciência. Nas etapas que passamos: no Qi Gong consegui ficar na posição firme quando o professor empurrou, fiquei firme e senti a energia; no Hassetsu cheguei a sentir o barulho da corda do arco, e quando eu recebia as flechas me sentia muito bem; no Reiki, quando interagia com os colegas senti calor e formigamento nas mãos, tanto perto quanto longe; Nos Kata de Karate não participei muito, aprendi só um pouco. Quando fizemos a visualização criativa senti muita paz. Atravessei o túnel e a clareira era de um verde claro lindo, num caminho margeado por flores pequenas e coloridas. Encontrei um coelho branco feliz que passava paz. Após, um veadinho, parecido com o bambi, deixou a mensagem que meu filho que morreu estava bem. Ao sair sem medo fiquei deitada em paz. No exercício de passar para outra dimensão, fixei o olhar na testa do colega e vi dois triângulos que depois se tornaram um coração.” (Participante 6, nov. 2009)

    “Os exercícios são excelentes, pois estimulam a concentração, o equilíbrio, o pensamento atraindo energias positivas e nos possibilitando o auxílio a outras pessoas. Considero estas aulas muito importantes, devendo haver uma continuidade, pois estas nos possibilitam uma qualidade de vida confortável, fazendo um elo com a felicidade.” (Participante 4, nov. 2009)

    “As aulas de Práticas Orientais fizeram com que eu, através dos exercícios praticados aprendesse, corrigindo vários detalhes que nem percebemos, como a postura, a respiração e a concentração da nossa mente, para que pudéssemos relaxar, descontrair e tirar a tensão do nosso corpo. Durante os exercícios praticados consegui uma coisa muito importante que me incomodava muito, que era manter os braços levantados por muito tempo sem sentir dor. Com a prática aplicada nas aulas, essa dor desapareceu, mesmo ficando um bom tempo com os braços erguidos em alguns dos exercícios determinados. Outra experiência desta atividade foi o Reiki, que através desta, tanto a minha mão quanto a dos colegas produziu calor, pequenos choques e até suor, tudo isso com nossa mente concentrada. Para finalizar, a aula de dança circular sagrada exigiu grande concentração nos nossos movimentos, para que pudéssemos conduzir o exercício até o fim.” (Participante 3, nov. 2009)

    O programa descrito acima, que teve duração de cerca de quatro meses, onde ocorreram trinta encontros, fundamentou-se dentro da proposta de Pozatti (2003), onde um programa de atividades de educação para a saúde e inteireza do ser pode acontecer. Como as atividades tinham caráter de lazer, e encontravam-se organizadas dentro de uma proposta ampliada que utilizava os fundamentos de Dumazedier e de Marcellino como casos particulares, foi possível realizar um projeto diferenciado. Após as vivências, onde o facilitador (a pessoa que coordenou as atividades) não atuou como um professor ou mestre, e sim manteve uma relação horizontal com os participantes, todas as impressões de sucesso dos objetivos iniciais do programa foram atingidos plenamente.

6.     Considerações finais

    Incentivado por colegas do Karate que também buscam algo mais acabei construindo um programa de atividades voltadas à ampliação e domínio da Consciência através das Práticas Corporais. Após ter escrito um artigo sobre saúde integral nas práticas corporais e após a leitura e reflexão sobre os métodos de Funakoshi, Miyagi, Kanō, Ueshiba e Chia pude desenvolver uma vivência aplicável ao desenvolvimento do que chamo aqui de Lazer Consciente.

    Ainda há muita coisa a ser construída nesse caminho e com certeza o modelo aqui proposto pode e deve ser ampliado. A opção por relatar atividades de estágio junto às proposições teóricas do início do artigo foi adotada por entender que provavelmente a descrição da prática leve um pequeno facho de luz ao entendimento sobre as descobertas da nova ciência que parecem muito estranhas em muitos casos (especialmente estas que afirmam que há processos quânticos ocorrendo em estruturas biológicas macroscópicas).

    Se poderemos levar as idéias aqui colocadas para além das práticas de lazer, e alcançaremos benefícios também na área do desenvolvimento motor infantil, na área do treinamento esportivo e em tantas outras, ainda é cedo para dizer, pois há uma longa caminhada pela frente. Esta jornada exige adequação teórica, prática e modificação da visão de mundo dos profissionais. Se empreendermos a mudança, é provável que poderemos renovar e dar mais respeitabilidade e fundamento à Educação Física, pois estaremos contribuindo efetivamente para o desenvolvimento integral do ser humano, em uma ótica científica moderna e mais abrangente.

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revista digital · Año 15 · N° 144 | Buenos Aires, Mayo de 2010  
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