efdeportes.com

Brincadeiras e jogos: as diferenças de gênero entre as crianças

Recreación y juegos: las diferencias de género entre los niños

 

Acadêmico do curso de Educação Física do Centro de Ciências

da Saúde e do Esporte – CEFID – UDESC

(Brasil)

Jonas Godtsfriedt

jog1000@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Pontos importantes devem ser levados em consideração quando da aplicação dos jogos e brincadeiras para meninos e meninas. Meninos e meninas apresentam comportamentos distintos, pela suposição de alguns estudiosos de que estes comportamentos podem estar associados a questões puramente genéticas, onde cada gênero se comporta diferentemente desde o nascimento e por questões sociais, em que as diferenças existem naquilo que é ensinado a meninos e meninas, e em como eles são tratados em casa, na escola e sociedade. O objetivo deste artigo é mostrar brevemente a relação entre a cultura lúdica e as diferenças de gênero entre as crianças. Além disto, os jogos tradicionais são diferentes entre meninos e meninas, pois suas interações e vivências são completamente distintas. Meninas e meninos ganham brinquedos diferentes, e em cima destes, é que cada gênero constrói e realiza os seus jogos. Assim sendo estes jogos são de fundamental importância para uma formação integral dos futuros adultos dessa nação, ou seja, das crianças.

          Unitermos: Diferenças de gênero. Lúdico. Crianças

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 144 - Mayo de 2010

1 / 1

Introdução

    Brincadeiras e jogos tradicionais, como por exemplo, a de bolinhas de gude, que têm ajudado a educar gerações e gerações de crianças, estão sendo esquecidas por muitas escolas (FREIRE, s.d).

    Isto se deve em parte pelo avanço da tecnologia e meios de comunicações, que têm afetado o universo de brincadeiras e jogos das crianças contemporâneas de uma forma nunca vista antes, e em parte pela falta de interesse dos professores da própria escola em trabalhar e realizar os jogos tradicionais com seus alunos.

    Pontos importantes devem ser levados em consideração quando da aplicação dos jogos e brincadeiras para meninos e meninas. Meninos e meninas apresentam comportamentos distintos, pela suposição de alguns estudiosos de que estes comportamentos podem estar associados a questões puramente genéticas, onde cada gênero se comporta diferentemente desde o nascimento e por questões sociais, em que as diferenças existem naquilo que é ensinado a meninos e meninas, e em como eles são tratados em casa, na escola e sociedade.

    O objetivo deste artigo é mostrar brevemente a relação entre a cultura lúdica (jogos e brincadeiras) e as diferenças de gênero entre as crianças.

Cultura lúdica e diferenças de gênero

    O jogo lúdico não tem qualquer propósito fora dele, se é uma atividade cujo compromisso não é objetivo, isto é, não é exterior ao jogador, não há sentido em dizer que uma criança que joga o faz como preparação para o futuro. Há jogo quando a criança dispõe de significações, de esquemas em estruturas que ela constrói no contexto de interações sociais que lhe dão acesso a eles. Assim ela co-produz sua cultura lúdica, diversificada conforme os indivíduos, o sexo, a idade, o meio social.

    A maior dificuldade presente não só no sistema escolar, mas na sociedade como um todo, é conviver com as diferenças. No entanto, idéias e comportamentos distintos, desde que intermediados pela ética, aumentam as possibilidades de troca. E quanto mais diferentes de nós forem as pessoas, maiores as chances de terem aquilo que nos falta (FREIRE, s.d). Diante disto, a cultura lúdica respeita as diferenças de gênero das crianças, sendo mediada pelas individualidades e necessidades de cada uma. As atividades propostas aos alunos devem ser inclusivas e não levar em conta o seu gênero ou qualquer outra característica. As sugestões devem permitir a participação de qualquer criança, não importa se mais ou menos forte, mais ou menos habilidosa, com deficiência ou não, ou muito menos o seu sexo (FREIRE, s.d).

    Meninas e meninos não farão as mesmas experiências e as interações não serão as mesmas. Então, portadores de uma experiência lúdica acumulada, o uso que farão dos mesmos brinquedos será diferente. Observamos meninas e meninos brincando com bonecos fantásticos idênticos. Os meninos inventavam jogos de guerra bastante semelhantes a outros jogos com outros objetos, já as meninas, em numerosos casos, utilizavam os bonecos para reproduzir os atos essenciais da vida, reproduzindo os esquemas de ação usados com as bonecas. Descobre-se assim uma combinação, uma negociação entre as significações veiculadas pelos objetos lúdicos e as de que as crianças dispõem graças à experiência lúdica anterior (BROUGERE, 1998).

    As diferenças relacionadas aos gêneros estão presentes em praticamente todas as sociedades, nas quais sempre é possível perceber exemplos de como os sexos/gêneros diferem nas características físicas, nas formas de comportar-se, nos aspectos relacionados a poder e a status dentro dos grupos, nos papéis e ideologia de papéis, na divisão de tarefas e expectativas de comportamento. Diversos estudos parecem relacionar essas diferenças e as práticas de socialização em cada sociedade (Afonso, 1995; Archer, 1992; Harris, 1999; Maccoby, 1988; Segall, Dasen, Berry, & Poortinga, 1990).

    Falar de sexo, como característica fisiológica e anatômica significa sempre falar de dois grupos de indivíduos determinados pela Biologia: macho ou fêmea. Entretanto, a estes dois subgrupos são determinadas progressivamente características, comportamentos e significados culturais a respeito do que é ser feminino ou masculino, o que se denomina gênero.

    Pode-se dizer que a base das diferenciações de gênero é biológica, mas as construções que se processam são simbólicas, são sociais. Isto justifica, portanto, a necessidade de situar a discussão dentro de uma perspectiva mais aberta e integrada, permitindo uma visão mais ampliada do fenômeno da diferenciação de gênero e autocategorização, percebendo-se como fatores biológicos e culturais interagem.

Os companheiros de grupo como elementos socializadores

    Algumas mudanças em termos de papéis de ideologia de gênero podem ser testemunhadas no contexto atual. Com os homens se dedicando às tarefas de casa e cuidando das crianças e as mulheres ocupando, cada vez mais, cargos e funções antes “reservados” aos homens. Entretanto, as pesquisas na área ainda revelam o desenvolvimento e manutenção pelas crianças de características e posturas sexualmente estereotipadas (Alexander & Hines 1994; Harris 1999; Johnson, Christie, & Yawkey, 1999; Maccoby, 1988; Martin & Fabes 2001; entre outros). O que estes estudos parecem indicar é que as meninas e meninos nascem diferentes e tornam-se mais diferentes no decorrer dos anos pré-escolares. Se a cultura adulta está mais igualitária, por que a segregação sexual continua sendo uma marca forte da infância?

    A cultura no decorrer dos tempos se modificou (ou se modifica) mais rapidamente que a das crianças. “Os adultos reviram suas idéias, mas as crianças não” (Harris, 1999 p.278).

    Idéia semelhante é defendida por Carvalho e Pedrosa (2002) ao referirem-se ao grupo de crianças brincando como microssociedade, tendo a criança como agente de criação, partilha e transmissão de cultura. O grupo de brincadeiras pode ser pensado então como um contexto de desenvolvimento, um micro meio ambiente, um espaço de confronto e negociação, mediador do processo de abstração das regras sociais e cognitivas, incluindo, ai, as noções de diferenciação e papéis de gênero. A segregação e a tipificação sexual não são, portanto, um reflexo das preferências individuais, mas um fenômeno de grupo (Maccoby, 1988).

    As crianças se socializam umas às outras e esta socialização, entendida como aprendizagem ou incorporação de valores, regras e comportamentos adequados dentro da sociedade, tem como base o processo de construção de identidade, ou de autocategorização (Harris, 1999). Uma vez que as formas de comportar-se não são homogêneas, mas categorizadas, e, na maioria das vezes, de forma oposta (homens e mulheres; adultos e crianças, meninos e meninas, etc.), as crianças precisam então descobrir ou decidir quem são, onde se encaixam, a que grupo pertencem, para a partir daí trabalhar a inserção. A criança se compara aos pares, e assim as meninas se tornam mais parecidas com as outras meninas e os meninos com os outros meninos.

    Em linha semelhante de argumentação, diversos outros estudos também têm enfatizado a importância e o significado da interação entre crianças no seu processo de desenvolvimento (Eibl-Eibesfeldt, 1989; Lordelo, 1995; Martin & Fabes, 2001; Pedrosa & Carvalho, 2002).

    Se pensarmos na importância dos pares na socialização das crianças e em um espaço de grandes e significativas possibilidades de interação, certamente chegaremos ao processo de interação em situação de brincadeira na rua como um contexto disponibilizador de informações sobre o desenvolvimento das noções de diferenciação na criança.

    Nos grupos de rua, as crianças se organizam a partir de seus critérios, sem restrições impostas pelos adultos, sendo a rua, por isso, um espaço mais propicio ao estabelecimento de relações mais simétricas, menos hierárquicas, caracterizadas por reciprocidade e harmonia (Eibl-Eibesfeldt, 1989).

    Considera-se que dentro do grupo a criança aprende tanto as regras da brincadeira quanto as de comportamentos, os papéis, os limites e as sanções para os comportamentos não apropriados.

Os gêneros nas brincadeiras infantis

    O gênero é a categoria que responde pelas informações necessárias para a compreensão sobre padrões e estilos, formas de inserção na brincadeira e preferências, sendo determinante das expectativas de comportamentos num grupo de brincadeiras e o principal critério para a formação de grupos de brincadeiras já a partir dos três anos de idade (Johnson et. al., 1999; Maccoby, 1988).

    Estudos apontam diferenças de estilos e preferências de brincadeiras, atitudes, comportamentos, percepções, escolhas de parceiros, tamanhos de grupos, construção de estereótipos (Archer, 1992; Maccoby, 1988). É praticamente consensual entre os pesquisadores a percepção de que as preferências para parceiros/as de brincadeira são para as crianças do mesmo sexo e que esta começa a ser demonstrada bem cedo, se mantendo (com tendência a aumentar) durante a infância.

    Os padrões de interação também são distintos. Os meninos brincam em grupos maiores e são mais preocupados com status e reputação dentro dos grupos, são mais rígidos com seus papéis de gênero e mais preocupados em rejeitar a feminilidade, enquanto as meninas são mais intimistas nas interações, mais cooperativas, fazem mais trocas de confidencias e são mais flexíveis. As diferenças também se apresentam em relação ao uso do espaço com os meninos ocupando espaços maiores e públicos (Archer 1992; Maccoby, 1988). Mesmo em grupos mistos o comportamento de cada sexo é bastante diferente.

    Um aspecto adicional sobre a questão da diferenciação sexual é levantado por Martin e Fabes (2001), que discutem as conseqüências das preferências por parceiros de brincadeira para o desenvolvimento e analisam essas conseqüências a partir da consideração das qualidades das brincadeiras em meninos e meninas.

    Grupos segregados representam fortes elementos socializadores, influenciando tanto interações tipificadas e estilos de brincar quanto o próprio fenômeno da segregação, uma vez que teriam um papel reforçador ou monitorador de comportamentos.

    São examinados dois tipos de padrão de diferenciação sexual: o primeiro denominado polarização dual, no qual os comportamentos dos dois grupos de sexo se distanciariam a partir de um ponto inicial em direções opostas, e o padrão de polarização singular, de acordo com o qual o comportamento de apenas um dos sexos mudaria através do tempo, enquanto o outro permaneceria relativamente estável. Ambos os padrões têm como conseqüência o aumento da diferenciação entre os sexos, embora em proporções diferentes.

    A despeito da importância da diferenciação de gênero na interação social de crianças, o número de pesquisas que detalhem ou descrevam estas relações no ambiente da rua ainda é limitado. Esta pode ser talvez uma questão decorrente da pouca evidência do fenômeno nas sociedades industrializadas.

    De qualquer forma, em algumas cidades a brincadeira e a estreita convivência das crianças/adolescentes na rua são uma realidade o que torna esse contexto um importante disponibilizador de evidências descritivas sobre a diferenciação de gênero, rua natureza e inter-relações.

Conclusão

    Os jogos tradicionais refletem a cultura e o conhecimento de um povo. Integram os saberes e virtudes de seus antepassados e estimulam as crianças a (re)inventarem e re(adaptarem) as formas de jogos de acordo com a sua realidade, faixa etária, gênero e idade. Porém, com o surgimento dos jogos eletrônicos, os jogos tradicionais foram esquecidos e/ou colocados em segundo plano. Estudiosos da área discutem que os jogos eletrônicos, podem trazer o benefício de desenvolver uma extensa gama de capacidades cognitivas, e o malefício, quando da adoção de um comportamento solitário e anti-social por parte da criança.

    Além disto, os jogos tradicionais são diferentes entre meninos e meninas, pois suas interações e vivências são completamente distintas. Meninas e meninos ganham brinquedos diferentes, e em cima destes, é que cada gênero constrói e realiza os seus jogos.

    Assim sendo estes jogos são de fundamental importância para uma formação integral dos futuros adultos dessa nação, ou seja, das crianças.

Referências bibliográficas

  • AFONSO, L. Gênero e processo de socialização em creches comunitárias. Cadernos de Pesquisa, 93, 12-21 – 1995.

  • ALEXANDER, G. & HINES, M. Gender labels and play styles: Their relative contribution to children’s selection of playmates, Child Development. 65, 869–879. – 1994.

  • ARCHER, J. Childhood gender roles: Social context and organization. In M. Mc Gurk (Ed.), Childhood social development. Contemporary perspectives (pp.31-61). Hillsdale. USA. Lawrence Erlbaum. – 1992.

  • BROUGERE, Gilles. A criança e a cultura lúdica. Rev. Fac. Educ.,  São Paulo,  v. 24,  n. 2, July, 1998.

  • CARVALHO, A.M.A. & PEDROSA, M.I. Cultura no grupo de brinquedo. Estudos de Psicologia (Natal), 7(1), 181-188. – 2002.

  • EIBL-EIBESFELDT, I. Human Ethology. New York: Aldine de Gruyter. – 1989.

  • FREIRE, J. B. Desenvolvimento da criança e do adolescente; s.d.

  • HARRIS, J. Diga-me com quem anda... Rio de Janeiro: Objetiva. 1999.

  • JOHNSON, J., CHRISTIE, J. & YAWKEY, T. Play and early childhood development (2nd. ed.). New York: Longmam. 1999.

  • LORDELO, E. Ambiente de desenvolvimento humano: uma análise a partir do contexto creche. Tese de Doutorado não-publicada, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. São Paulo, SP. – 1995.

  • MACCOBY, E. Gender as a social category. Developmental Psychology, 24, 755-765. – 1988.

  • MARTIN, C & FABES, R. The stability and consequences of young children’s same-sex peer interactions. Developmental Psychology, 37(3), 431-446. – 2001.

  • SEGALL, M., DASEN, P., BERRY, J & POORTINGA, Y. Human behavior in global perspective: An introdution to croos-cultural psychology. New York: Pergamon Press. – 1990.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

revista digital · Año 15 · N° 144 | Buenos Aires, Mayo de 2010  
© 1997-2010 Derechos reservados