Ansiedade pré-competitiva em atletas de futebol amputados Ansiedad pre-competitiva en jugadores de fútbol amputados Pre-competitive anxiety in amputees soccer players |
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*Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional Universidade Federal de Minas Gerais **Faculdade de Ciências da Saúda – Universidade Fumec (Brasil) |
Luiz
Carlos Moraes* Ingrid Ludimila Bastos Lôbo** Renato Melo Ferreira* |
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Resumo O objetivo do estudo foi avaliar a ansiedade pré-competitiva em atletas de futebol amputados. 51 atletas de futebol amputados, com idade média de 33,76 ± 9,08 anos, compuseram a amostra. O instrumento empregado foi o Inventário de Competição de Estado (ICE). Os procedimentos estatísticos basearam-se em análise descritiva e inferencial (Teste T pareado). A dimensão autoconfiança (3,24 ± 0,56) apresentou valores mais elevados de percepção da ansiedade. Verificaram-se também diferenças estatísticas entre as dimensões cognitiva e autoconfiança (p=0,00) e somática e autoconfiança (p=0,00). Conclui-se que a ansiedade desses atletas encontra-se em um patamar aceitável, uma vez que, a cognição dos atletas está correlacionada inversamente com os índices de autoconfiança. Unitermos: Ansiedade. Futebol. Amputados
Abstract The aim of this study was to evaluate the pre-competitive anxiety in amputees soccer players. This survey was composed of 51 amputees soccer players with an average age of 33.76 ± 9.08 years. The instrument used was the State Competition Inventory (ICE). The statistical procedures were based on descriptive and inferential analysis (t-student). The self-confidence dimension (3.24 ± 0.56) showed higher perception of anxiety. There were also statistical differences between the self-confidence and cognitive dimensions (p = 0.00) and somatic and self-confidence (p = 0.00). The anxiety of the players was found to be at an acceptable level, since the cognition of the players is inversely correlated with indices of self-confidence. Keywords: Anxiety. Soccer. Amputees
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 144 - Mayo de 2010 |
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Introdução
A prática de atividades físicas para pessoas com deficiência apresenta relatos desde a antiguidade, contudo as atividades competitivas para esta população são muito recentes (HEATH; FENTEM, 1997). Atualmente as pessoas com deficiência têm sido inseridas em programas de esportes, tanto com caráter recreativo quanto de alto rendimento.
Existem diversos esportes adaptados para esse público. Especificamente, no âmbito dos esportes coletivos, destaca-se o futebol amputados, que segundo Yazicioglu et al. (2007), faz parte de vários programas de reabilitação e treinamento esportivo. Essa modalidade é uma variação do futebol convencional, na qual pode participar apenas atletas que apresentam alguma amputação (membro inferior ou superior). Para competir, além das condições físicas, técnicas e táticas, destaca-se também o controle de variáveis psicológicas para alcançarem o sucesso (SAMUSLKI et al. 2004, p.150).
Assim, o estudo dessas variáveis torna-se importante para o entendimento do comportamento de atletas do futebol amputados. De acordo com Craft et al. (2003) é inerente nas competições a presença de situações de pressão, nesse sentido, a ansiedade tem sido um constructo dos mais pesquisados na literatura da Psicologia do Esporte, uma vez que, segundo Brandt et al. (2007) representa uma relação direta com o rendimento do atleta.
Segundo Weinberg e Gould (2003, p. 82) ansiedade pode ser conceituada como um estado emocional negativo caracterizado por nervosismo, preocupação e apreensão, associada à agitação do corpo. Martens et al. (1990, p. 56) classificam o termo ansiedade em dois momentos: ansiedade-traço e ansiedade-estado. A ansiedade-traço está relacionada com a personalidade do atleta, que induz o indivíduo a perceber certas situações como ameaçadoras. Já ansiedade-estado se refere a um estado transitório, que pode variar sua intensidade conforme o contexto e pode se manifestar uma semana antes da competição ou até mesmo no momento que a antecede (MORAES, 1990; MORAES et al. 2002, p.25). Woodmann e Hardy (2003) e Cox et al. (2003) ainda acrescentam que a ansiedade-estado é um constructo multidimensional composto de três fatores inter-independentes: Cognitivo, Somático e Autoconfiança.
A ansiedade cognitiva refere-se aos processos mentais do atleta e está associada a experiências negativas de si mesmo, da competição e das conseqüências advindas desta (MORAES et al. 2002, p. 25). Para Raudsepp e Kais (2008), a ansiedade somática está relacionada a manifestações corporais, por exemplo, aumento da freqüência cardíaca, dificuldade de respiração, aumento da sudorese e dores no estômago e na musculatura. A autoconfiança é um componente da ansiedade que afeta a performance, sendo que Cox et al. (2003) verificaram que a baixa autoconfiança relaciona-se a uma diminuição do desempenho em situações competitivas. Moraes et al. (2002, p. 28), destacam que ocorre uma relação inversa entre os componentes da ansiedade, ou seja, quando a ansiedade cognitiva e somática aumentam, há uma diminuição da autoconfiança.
Cox et al. (2003) realizaram um estudo sobre a mensuração da ansiedade em atletas intercolegiais. A dimensão autoconfiança apresentou valores superiores (25.4±5.2) em relação aos valores encontrados nas dimensões cognitiva (19.1±5.5) e somática (16.5±5.2). Raudsepp e Kais (2008) realizaram um estudo com 503 atletas de diferentes esportes da Estônia. Os atletas foram divididos em dois grupos aleatórios e foi verificado que em ambos a dimensão cognitiva apresentou escores mais elevados (14.46±4.58 e 14.39±4.44) do que as outras duas dimensões.
Apesar da escassez de estudos da ansiedade nos esportes para deficientes, Perreault e Marisi (1997) realizaram um estudo com atletas de basquetebol em cadeira de rodas que procurou elaborar, a partir do CSAI-2, critérios de classificação dos níveis de ansiedade em cada uma das três dimensões. Dessa maneira, valores superiores a 21.35 (±4.26) e 18.78 (±5.38) para a dimensão cognitiva e somática respectivamente, e inferiores a 24.35 (±5.09) para a dimensão autoconfiança seriam indicadores de ansiedade elevada. Já o estudo de Ferreira et al. (2007) analisou os níveis de ansiedade pré-competitiva em 42 atletas deficientes que participaram da seletiva para os Jogos de Paraolímpicos de 2008. O estudo identificou que os atletas deficientes apresentaram respostas similares aos não-deficientes nas dimensões cognitiva e somática. Entretanto, algumas diferenças foram encontradas na dimensão de autoconfiança, indicando uma redução nos níveis dessa dimensão momentos antes da competição.
Portanto, fundamentado no presente relato e na importância de investigar estas relações no esporte para pessoas com deficiência, o objetivo do presente estudo foi avaliar o nível de ansiedade pré-competitiva em atletas de futebol amputados.
Materiais e métodos
Amostra
Participaram do estudo 51 atletas de futebol amputados, do gênero masculino, pertencentes a cinco equipes distintas, selecionados por amostragem não probalística intencional. Os indivíduos apresentaram idade média de 33,76 (±9,08) anos e tempo de experiência de 7,75 (±6,13) anos. Todos os atletas assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, assegurando o direito de anonimato e de abandonar o estudo a qualquer momento. O presente estudo respeitou todas as normas internacionais para realização de pesquisa com humanos, conforme Declaração de Helsinki de 1975.
Instrumento
O instrumento utilizado foi o Inventário de Competição de Estado - ICE (MORAES, 1987), que é composto por 27 questões, distribuídas aleatoriamente e divididas em três dimensões, sendo essas, cognitiva, somática e autoconfiança. O instrumento é pontuado através de uma escala de Likert de 1 (pouco) a 4 (sempre).
Procedimento
A coleta ocorreu um dia antes do início do Campeonato Brasileiro de Futebol para Amputados de 2008, realizado em Belo Horizonte. Os questionários foram respondidos pelos atletas, após os esclarecimentos do pesquisador, nos hotéis nos quais as equipes estavam hospedadas. Todos os voluntários do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após a coleta dos dados, os mesmos foram tabulados para posterior análise. A coleta foi realizada nos local.
Análise dos dados
Foi utilizada a estatística descritiva (média e desvio padrão) e inferencial (teste T pareado), por meio do software SPSS for Windows versão 16.0.
Resultados
O tempo médio de prática dos participantes foi de 7,76 anos (desvio padrão de 6,17 anos). A Tabela 1 apresenta a média geral dos escores de ansiedade em cada uma das três dimensões do instrumento.
Tabela 1. Valores mínimo e máximo e média geral das dimensões cognitiva, somática e autoconfiança da ansiedade-estado
Dimensões |
N |
Mínimo |
Máximo |
MD |
DP |
Cognitiva |
51 |
7,00 |
30,00 |
14,29 |
4,65 |
Somática |
51 |
9,00 |
28,00 |
15,29 |
4,16 |
Autoconfiança |
51 |
14,00 |
36,00 |
28,43 |
5,50 |
Verificou-se que a dimensão cognitiva apresentou valor médio de 14,29 (± 4,65), a dimensão somática apresentou valor médio de 15,29 (± 4,16) e a autoconfiança de 28,43 (± 5,50). Na comparação entre as dimensões é apresentada na Tabela 2.
Tabela 2. Comparação entre as médias das dimensões cognitiva, somática e autoconfiança da ansiedade-estado
Comparação entre dimensões |
t |
df |
Sig. (2-tailed) |
Cognitiva x Somática |
-1.335 |
50 |
.188 |
Cognitiva x Autoconfiança |
-12.914 |
50 |
.000* |
Somática x Autoconfiança |
-12.060 |
50 |
.000* |
*p< 0,01
Foram encontradas diferenças significativas (p<0,01) nas comparações entre as dimensões cognitiva x autoconfiança e somática x autoconfiança. Sendo que a dimensão autoconfiança foi considerada como significativamente mais alta que as dimensões cognitiva e somática.
Discussão
Em relação ao nível de ansiedade pré-competitiva dos atletas de futebol amputados, o resultado corrobora com o estudo de Cox et al. (2003); Moraes et al. (2002, p. 27) e Moraes (1987), no qual encontraram-se escores superiores para a dimensão autoconfiança. Craft et al. (2003) afirmam que a autoconfiança influencia o desempenho esportivo Entretanto, no estudo de Raudsepp e Kais (2008) os resultados indicaram valores de 14.46 (±4.58), 11.83 (±3.71) e 12.88 (±3.91) para as dimensões cognitiva, somática e autoconfiança respectivamente.
É importante destacar que para Moraes et al. (2002, p. 28) os índices superiores de ansiedade cognitiva, que refere-se a “muita preocupação” podem prejudicar o desempenho do atleta, uma vez que essa dimensão apresenta direta relação com os processos mentais do atleta. Considerando que os resultados deste estudo indicaram um baixo escore de ansiedade cognitiva pode-se concluir que os atletas apresentam baixas expectativas negativas de si próprios, propiciando assim um contexto favorável para o melhor desempenho nessa competição (MARTENS et al. 1990, p. 58).
Em relação à dimensão somática não se verificaram escores elevados neste estudo, o que possibilita inferências sobre influências acerca dos níveis de ansiedade neste estudo. É importante destacar que os valores, tanto da ansiedade cognitiva quanto da ansiedade somática não podem ser interpretados de maneira separada, pois essas dimensões apresentam grande inter-relação (EDWARDS; HARDY, 1996).
Outra variável a ser destacada é o tipo de modalidade dos praticantes da amostra. Como o futebol é uma modalidade coletiva, os atletas tendem a apresentar menores valores de ansiedade cognitiva e somática, e maiores valores de autoconfiança, quando comparados a atletas de modalidades individuais (ZENG, 2003).
Sobre a experiência dos atletas, Ntoumanis e Jones (1998) encontraram que os atletas mais experientes apresentam uma percepção positiva dos seus sintomas de ansiedade, podendo assim controlá-los melhor.
Conclusão
Assim, conclui-se que os níveis de ansiedade encontrados nos atletas de futebol amputados estão em um patamar aceitável, uma vez que esses não foram superiores aos da autoconfiança. A limitação do estudo foi não considerar o tempo de experiência dos atletas, que pode ter influenciado os baixos níveis de ansiedade cognitiva e somática e os altos níveis de autoconfiança. Sugere-se que novos estudos, transversais e longitudinais, sejam realizados considerando o tempo de experiência e o desempenho dos atletas.
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