A capoeira como esporte social La capoeira como deporte social Capoeira as social sport |
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Professor Assistente Substituto de Capoeira do Departamento de Lutas da EEFD da UFRJ (Brasil) |
MSc. Ricardo Martins Porto Lussac |
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Resumo Uma das formas mais eficazes de intervenção político-social são os esportes e o lazer, e a Capoeira é uma das opções mais viáveis por suas características, história e peculiaridades que facilitam a sua contextualização sócio-cultural para tal finalidade. De forma isolada ou inserida em projetos sociais, a Capoeira é uma atividade-meio que tem sido utilizada de forma eficaz como ferramenta social-pedagógica. O objetivo deste artigo foi analisar e discutir a utilização da Capoeira como Esporte Social na intervenção em comunidades carentes do Rio de Janeiro. Foi contatado que a Capoeira, por ter uma práxis única e peculiar, mesclada com a herança histórica e sócio-cultural, proporciona ricas oportunidades de pesquisa e de emprego, dentre estas, como uma proposta cultural de prática esportiva social, tornando-a uma forte candidata a integrar a proposta de qualquer projeto de Esporte Social. Unitermos: Capoeira. Educação Física. Esporte social
Resumen
Abstract One of the most effective forms of political-social are the sports and leisure, and Capoeira is one of the most viable options for its features, history and peculiarities that make its socio-cultural context for this purpose. Alone or embedded in social projects, Capoeira is a secondary activity that has been used effectively as a social-pedagogical tool. The aim of this paper was to analyze and discuss the use of Capoeira as Sport Social intervention in poor communities of Rio de Janeiro. It contacted the Capoeira, a practice to have one of a kind, mixed with historical heritage and socio-cultural, provides rich research opportunities and employment, among them, as a cultural proposal for the practice of social, making it a strong candidate for entry into the proposal for any project of social sports. Keywords: Capoeira. Physical Education. Sports social
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 144 - Mayo de 2010 |
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Introdução
Na História do Brasil facilmente é possível encontrar várias passagens onde é verificada a desigualdade social. Sem cometer anacronismos, estas desigualdades ainda são encontradas em todo o país, com suas diferenças regionais e locais. No caso da cidade do Rio de Janeiro, uma das conseqüências diretas da desigualdade social está na área habitacional, cuja ocupação urbana desordenada sempre foi vista como um problema para as autoridades desde o final do século XIX, após a Proclamação da República (AGCRJ, 2002; KESSEL, 2001). Mas, do mesmo modo que este era um problema das autoridades, esta era, e ainda é, a solução de uma parcela da sociedade que vivia e, em vários casos, ainda vive às margens das políticas públicas.
Mesmo em pleno século XXI, as políticas públicas não conseguem abarcar toda a população e nem consolidar certos direitos fundamentais previstos na Carta Magna brasileira (BRASIL, 1988). Em sua maioria, a parcela da população que vive ao largo destas são justamente as que vivem em favelas ou outros tipos de comunidades pobres. Essas regiões e localidades têm os problemas sociais agravados por diversos fatores, e neste contexto, alguns segmentos da sociedade são mobilizados e organizados para uma intervenção em setores carentes, como é o caso das ONGs, que intervém através de projetos sociais.
Uma das formas mais eficazes de intervenção político-social são os esportes e o lazer, e a Capoeira é uma das opções mais viáveis por suas características, história e peculiaridades que facilitam a sua contextualização sócio-cultural para tal finalidade. De forma isolada ou inserida em projetos sociais, a Capoeira é uma atividade-meio que tem sido utilizada de forma eficaz como ferramenta social-pedagógica. O objetivo deste artigo foi analisar e discutir a utilização da Capoeira como Esporte Social na intervenção em comunidades carentes do Rio de Janeiro.
A Capoeira como esporte social
Em 2008 a Capoeira foi inserida no rol dos Patrimônios Culturais do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional através do registro da Roda de Capoeira e do Ofício dos Mestres de Capoeira, incluídos respectivamente no Livro das Formas de Expressão e no Livro dos Saberes (IPHAN, 2009). Considerada uma das manifestações populares mais ricas da humanidade, esta expressão genuinamente brasileira (LUSSAC, 2009) oferece uma vasta diversidade de opções de utilização e um enorme potencial de intervenção em inúmeros setores da sociedade.
Já são mais que constatados os benefícios proporcionados pela prática da Capoeira: desenvolvimento psicomotor, cognitivo e afetivo-social, desenvolvimento das qualidades físicas e da performance, melhoria da saúde, da qualidade de vida e do estado de Bem-Estar (LUSSAC, 1996 e 2004; REIS, 2001 e 2006; SANTOS, 1990; SILVA & HEINE, 2008). Mas não só o aspecto da saúde é contemplado com a prática da Capoeira. As dimensões culturais, sociais e educacionais que um trabalho com a Capoeira pode abarcar são potencializadas pela contextualização histórica da Capoeira, especialmente no Rio de Janeiro, onde a Capoeira deixou marca indelével na História do Brasil. O jogo-luta pode ser ocorrer em todas as três dimensões sociais do esporte propostas por Tubino (2001).
Carregada com a memória motora adquirida através de duzentos anos de experiências culturais do povo brasileiro, o jogo-luta da Capoeira comporta aspectos musicais, corporais, entre outros que, por estarem imbricados com os valores comuns da população carente aproxima esta arte da população-alvo de intervenção social tornando-a uma ferramenta pedagógica altamente eficaz.
No entanto, toda ferramenta pedagógica necessita de um operador, no caso da Capoeira, de um experiente capoeirista, muitas vezes um mestre do jogo-luta. Mas este tópico envolve a formação profissional e, conseqüentemente, levanta a discussão sobre as implicações da regulamentação da Educação Física sobre o campo da Capoeira. Neste artigo não será abordado este assunto, mas certamente, a formação e o preparo profissional são fatores determinantes na intervenção profissional eficaz e positiva em trabalhos com esporte social.
Propostas de Esporte Social devem sempre estar coadunadas com os princípios e finalidades da educação brasileira. Mesmo tendo sido elaborada para disciplinar a educação escolar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, também conhecida como LDB, dita no artigo primeiro: “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996). Portanto, entende-se que os espaços e ambientes onde ocorrem atividades conceituadas como Esporte Social são grandes responsáveis e promovedoras da educação. A LDB em seu artigo segundo também define que a educação deve ser inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade humana, e que tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Deste modo, qualquer proposta de Esporte Social deve pautar seus trabalhos nestes princípios e finalidades.
É interessante que as propostas de Esporte Social também estejam alinhadas com os quatros pilares da Educação do Paradigma de Desenvolvimento Humano da UNESCO e as suas respectivas competências: Aprender a Ser; Aprender a Conviver; Aprender a Fazer; Aprender a Conhecer, respectivamente identificadas como competências Pessoal, Social, Produtiva e Cognitiva. Estas são eixos condutores de ação que devem ser realizadas em projetos, e para cada uma dessas competências devem ser atribuídos significados.
Storoli (2007), em sua dissertação de mestrado em Psicologia Social, pesquisou trabalhos comunitários de Capoeira atuantes em públicos adolescentes carentes. O objetivo de sua pesquisa consistiu em verificar os significados e os sentidos que os adolescentes entrevistados atribuem à Capoeira como atividade esportiva voltada para a sua inclusão social. Os resultados obtidos por Storoli revelaram que os aspectos de inclusão social não estavam muito claros para os adolescentes entrevistados em sua pesquisa. Os sentidos atribuídos por eles à Capoeira direcionavam-se mais para busca de alternativas às suas condições de vida como, por exemplo, as necessidades de afastamento da rua, do ócio e dos problemas da família /casa. Portando, os trabalhos de Capoeira como Esporte Social devem considerar os sentidos-significados de seu público alvo e os fatores determinantes de sua compreensão, assimilação e transformação.
Em minha monografia de graduação em Educação Física (LUSSAC, 2000) desenvolvi pesquisa de campo sobre os fatores determinantes para a escolha da Capoeira como atividade. Nesta pesquisa entrevistei mestres, professores, instrutores e alunos de Capoeira do Grupo Kapoart, um dos mais antigos grupos de Capoeira da cidade do Rio de Janeiro. As entrevistas foram realizadas em comunidades carentes de Bangu, do Morro do Borel na Tijuca, mas de modo mais exponencial, do Complexo da Maré, especificamente da Vila do João e da Nova Holanda.
Perguntados sobre como conheceram a Capoeira, 59% dos alunos responderam que a conheceu através de alguém que falou, demonstrou ou falou para o entrevistado, e 30% responderam que viram a Capoeira em algum lugar. Estes resultados apontam para o poder multiplicador e sedutor da Capoeira através dos seus próprios praticantes, evidenciando o caráter de infiltração social da Capoeira. Somente 11% dos entrevistados responderam que conheceram a Capoeira através de mídias diversas. Dado interessante foi que nenhum entrevistado respondeu ter conhecido através de propaganda específica, como cartaz, folder, faixa, entre outros, fortalecendo o caráter comunitário de divulgação da prática.
Perguntados sobre o que os levaram a praticar a Capoeira, as respostas se mostraram mais aproximadas estatisticamente: 17% por lazer ou recreação, 16% pela luta ou como arte marcial, 14% pela influência de algum praticante, 13% pela musicalidade da Capoeira, 10% pela curiosidade, outros 10% pela saúde e qualidade de vida, 9% responderam pelo jogo da Capoeira, outros 9% pelo seu aspecto folclórico e o mesmo quantitativo respondeu pelo aspecto cultural. 7% responderam pelas amizades e convívio social, 6% pela influência de alguma propaganda ou pela influência da mídia, 4% pela história e raízes africanas da Capoeira, 3% pela plasticidade e beleza plástica da Capoeira e 1% somente porque gostou. Estes resultados comprovam que a busca por lazer e recreação é um dos motivos de maior aliciamento da juventude nos projetos de Esporte Social, fator importante no combate ao ócio e ao sedentarismo. Os outros dados fortalecem os méritos da Capoeira enquanto modalidade atraente para as crianças e os jovens no Rio de Janeiro, sendo vários os fatores determinantes que contribuem para a escolha da Capoeira.
A juventude, por sua falta de maturidade e por sua característica de dependência que a torna mais frágil, é a população que sofre maior risco em áreas carentes e de conflitos. Desde a Declaração dos Direitos da Criança, de Genebra, em 1924, organismos internacionais têm voltado suas atenções para este segmento da humanidade. As Nações Unidas já emitiu importantes documentos onde constavam sempre o interesse pelas crianças e jovens, como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1959. No Brasil, os direitos da juventude foram consolidados plenamente em texto de lei após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. No entanto, esta consolidação falta muito para se concretizar na prática, e os projetos sociais que têm o Esporte Social como ferramenta pedagógica são verdadeiros instrumentos para efetivação dos direitos e das práticas sociais e de cidadania.
Considerações finais
Como prática corporal e atividade de lazer hodierna, inserida no cenário e no contexto da modernidade, a Capoeira oferece uma práxis única e peculiar que, mesclada com a herança histórica e sócio-cultural que traz consigo, proporciona ricas oportunidades de pesquisa e de emprego, dentre estas, como uma proposta cultural de prática esportiva social, tendo uma grande vantagem dentro da realidade brasileira, pois sua prática requer baixíssimos recursos financeiros e materiais. Outras características suas são os aspectos multifacetado e polivalente (LUSSAC, 2010), pois a Capoeira é compreendida como arte, dança, cultura, luta, arte marcial, jogo, esporte, música, folclore e filosofia. Sua polivalência faz com que seja possível trabalhar amplos aspectos como jogo, esporte, artesanato, música, história, entre outros, amplificando o leque de intervenção como Esporte Social. Destarte, a Capoeira, como uma das atividades humanas mais ímpares, tem a seu favor o exótico, a ginga brasileira, a alta capacidade de adaptação e de utilização, o que a torna uma forte candidata a integrar a proposta de qualquer projeto de Esporte Social.
Referências
AGCRJ. Memória da Destruição: Rio – Uma História que se perdeu (1889-1965). Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Culturas, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2002.
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_________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, v. 134, n. 248, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27834-27841.
CUNHA, A. Capoeira em comunidades carentes: perspectivas sócio-educativas. Rio e Janeiro: Editora Abada-Capoeira, 2007.
IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaInicial.do;jsessionid=B55A120F4DD8285D77856E25787D5E97. Acesso em: 28 mar. 2009.
KESSEL, C. A Vitrine e o Espelho: o Rio de Janeiro de Carlos Sampaio. Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Culturas, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, divisão de Pesquisa, Coleção Memória Carioca v. 02, 2001.
LUSSAC, R. M. P. Estudo da metodologia do ensino da capoeira. Sprint magazine, Rio de Janeiro, ano 15, n. 84, p. 36-38, 1996.
_________. Determinantes da Escolha pela prática da Capoeira. Universidade Estácio de Sá, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Rio de Janeiro: Jun. 2000.
_________. Desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira e baseado na experiência e vivência de um mestre da capoeiragem graduado em educação física. Universidade Cândido Mendes, Pós-Graduação “Lato Sensu”, Projeto A vez do Mestre. Rio de Janeiro: 2004.
_________. “Da cabeça aos pés” – a origem da Capoeira: a gênese de um Patrimônio Cultural do Brasil. 2009. 298 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Motricidade Humana) – PROCIMH, Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro. 2009.
_________. A polivalência da multifacetada Capoeira. Lecturas: Educación Física y Deportes, Buenos Aires, v. 14, n. 142, mar. 2010.
REIS, A. L. T. Educação Física & Capoeira: saúde e qualidade de vida. Brasília: Thesaurus, 2001.
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SANTOS, L. S. Educação: Educação Física: Capoeira. 1. ed. Maringá: Fundação Universidade Estadual de Maringá, 1990.
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STOROLI, F. Q. Inclusão Social e Esporte: os significados-sentidos da Capoeira para adolescentes em situação de pobreza. 2007. 157 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social), Pontifícia Universidade Católica e São Paulo, São Paulo, 2007.
TUBINO, M. J. G. Dimensões sociais do esporte. 2ª ed. Revista. São Paulo, Cortez, 2001.
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