O gênero nas aulas de Educação Física: questões e conflitos | |||
*Acadêmicas do curso de Especialização em Atividade Física, Desempenho Motor e Saúde do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria, RS Integrantes do Núcleo de Estudos em Medidas e Avaliação da Educação Física, NEMAEF **Doutora em Ciência do Movimento Humano e Professora Adjunta do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria, RS. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Medidas e Avaliação da Educação Física – NEMAEF (Brasil) |
Juliane Berria* Lidiane Amanda Bevilacqua* Tatiele Marques Rodrigues de Castro* Luciane Sanchotene Etchepare Daronco** |
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Resumo A Educação Física escolar hoje não é desenvolvida da forma significativa com grande abordagem de conteúdos como propõem os PCN’s, oportunizando meninos e meninas observarem-se, descobrirem-se e aprenderem a ser mais tolerantes, compreendendo as diferenças, não reproduzindo estereótipos das relações sociais entre os sexos. Os conteúdos estão quase sempre resumidos à prática desportiva, principalmente aos esportes coletivos como voleibol, basquetebol, handebol e futebol, limitando a produção de conhecimento corporal e cultural do aluno, assim como as diferenças de desempenho e expectativas entre os gêneros. Unitermos: Educação Física. Gênero. Escola |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 143 - Abril de 2010 |
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Introdução
Gênero refere-se às diferenças entre homens e mulheres. Gênero é entendido como a construção social que uma dada cultura estabelece ou elege em relação a homens e mulheres (SOUSA; ALTMANN 1999).
Considerando as relações de gênero como socialmente construídas, pode-se perceber as características correspondentes à relação de poder masculino e feminino. Essas relações ganham feição “naturalmente” por serem praticadas, repetidas, recontadas. Tais características são na verdade construídas ao longo dos anos, segundo o modo como as relações entre o feminino e o masculino foram se agregando socialmente (AUAD, 2006).
Como a idéia de gênero está fundada nas diferenças biológicas entre os sexos, ela aponta para o caráter implicitamente relacional do feminino e do masculino. Assim, gênero é uma categoria relacional porque leva em conta o outro sexo, em presença ou ausência. Além disso, relaciona-se com outras categorias, pois não somos vistos(as) de acordo apenas com nosso sexo ou com o que a cultura fez dele, mas de uma maneira muito mais ampla: somos classificados(as) de acordo com nossa idade, raça, etnia, classe social, altura e peso corporal, habilidades motoras, dentre muitas outras. Isso ocorre nos diversos espaços sociais, incluindo a escola e as aulas de educação física, sejam ministradas para turmas do mesmo sexo ou não (SOUSA; ALTMANN, 1999).
As reflexões sobre o corpo e sua cultura podem explicar as posturas corporais e as evoluções desde o homem primitivo até o atual. Desde a descoberta do primeiro instrumento de trabalho do homem, considerado a mão, desde a postura bípede, das linguagens corporais, tudo pode se explicar através da diversidade dos movimentos e das necessidades do homem. Esta reflexão evolutiva pode ser trabalhada na Educação Física escolar através de expressões corporais como: "dança, jogos, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímicas, e outros que podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem historicamente criados e culturalmente desenvolvidos" (COLETIVOS DE AUTORES, 1992).
Sendo gênero uma categoria relacional, há de se pensar sua articulação com outras categorias durante aulas de educação física, porque gênero, idade, força e habilidade formam um "emaranhado de exclusões" vivido por meninas e meninos na escola (ALTMANN, 1998). Não se pode concluir que as meninas são excluídas de jogos apenas por questões de gênero, pois o critério de exclusão não é exatamente o fato de elas serem mulheres, mas por serem consideradas mais fracas e menos habilidosas que seus colegas ou mesmo que outras colegas. Ademais, meninas não são as únicas excluídas, pois os meninos mais novos e os considerados fracos ou maus jogadores freqüentam bancos de reserva durante aulas e recreios, e em quadra recebem a bola com menor freqüência até mesmo do que algumas meninas (SOUSA; ALTMANN, 1999).
Apesar dos corpos masculinos e femininos se constituírem nas mais variadas instâncias escolares, parece que é na educação física que essa distinção é salientada repetidamente. Pois ainda hoje, a partir de uma hierarquia das aptidões físicas aceitas socialmente, considera-se as meninas "naturalmente" mais frágeis do que os meninos, justificando, assim, a necessidade de uma estrutura especial que proteja as meninas da "brutalidade" inerente aos meninos (FRAGA, 2000).
Assim, principalmente quando nos referimos à educação física escolar no ensino médio, nos deparamos com um sistema na forma de clubes, onde o que menos importa é o desenvolvimento motor e integral de todas as capacidades físicas e maior abrangência de conteúdos. Nesta forma o aluno pode freqüentar os três anos (ou mais, se no ensino fundamental – anos anteriores, também dispunha do sistema de clubes na educação física) praticando um único esporte.
O que acentua os estereótipos de gênero nas aulas de educação física na escola é a determinação das atividades por sexo, por exemplo, a menina dança e o menino joga futebol. Se o objetivo das aulas é desenvolver as qualidades físicas, e as habilidades motoras, que são igualitárias aos dois sexos, se são trabalhados a expressão corporal e o ritmo, são para os dois sexos, se for à força também se destina aos dois. O que não pode ocorrer é um sexo ser mais privilegiado em relação às oportunidades que o outro devido às características físicas serem mais determinantes em um sexo do que no outro. Com isso nas aulas de educação física acabam ocorrendo desentendimentos entre os alunos.
O relacionamento entre meninos e meninas é comum vermos a presença de conflitos, resistências e até mesmo exclusão entre eles. Para isto, um dos objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino é levar os alunos a serem capazes de: “participar de atividades corporais, estabelecendo relações equilibradas e construtivas com os outros, reconhecendo e respeitando características físicas e de desempenho de si e dos outros, sem discriminar por características pessoais, físicas, sexuais ou sociais” (PCN’s, 1997).
As aulas de Educação Física sempre tiveram o esquadrinhamento do corpo e a exposição das habilidades como centro de sua prática. Os alunos e alunas precisam expor-se frente aos demais, realizar as atividades perante os olhares avaliativos de colegas, professoras e professores. A exposição das fraquezas ou das qualidades faz com que a aula de Educação Física sirva como forma de vigilância, uma vez que a aluna e o aluno estão sendo observados o tempo todo, avaliados e julgados. Na Educação Física - mais do que em qualquer outra matéria curricular, pois tem o corpo como objeto de intervenção direta - o indivíduo se vê exposto, controlado em seus gestos e avaliado de acordo com suas capacidades físicas. O corpo é o alvo primeiro da intervenção disciplinar e através dele buscam-se outros aspectos do sujeito: a alma pura, o espírito nobre, a moral elevada, o trabalho honesto (LIMA; DINIS, 2007).
Nesta fase da adolescência, o(a) aluno(a) se vê influenciado pela mídia e avanço tecnológico. A escola é uma porta aberta para que os adolescentes descubram e se conheçam no universo das suas idéias
“As diferenças entre meninas e meninos certamente não são naturais. As meninas que aparentam meiguice ou meninos que falam aos gritos são resultantes do modo como as relações de gênero foram construídas na nossa sociedade ao longo do tempo” (AUAD, 2006, p.39).
Lima e Dinis (2007), afirmam que a persistência de uma Educação Física que não reflete sobre suas práticas e seu papel na formação de seus alunos e alunas acaba, através de seu silêncio, colaborando para a formação dos estereótipos de homem e mulher, mantendo assim uma postura supostamente neutra, ajudando na formação de uma consciência coletiva de que ser homem e ser mulher atende a determinados padrões e regras normatizadas de conduta. Desta forma fecha-se a porta para as diversas manifestações de masculinidade e feminilidade existentes, limitando as experiências a práticas generificadas e estabelecidas como “adequadas” aos meninos ou às meninas. Além de limitar o conteúdo da Educação Física aos esportes, este tipo de conduta fortalece a formação de sujeitos adequados a uma sociedade competitiva e preconceituosa. Mesmo com a consciência de que a formação dos sujeitos ocorre em diversas instâncias sociais, entre elas a escola. Não podemos ignorar o papel da Educação Física, uma vez que este campo de saber trata diretamente das questões ligadas ao corpo. Cabe então repensar o papel desse conteúdo escolar, buscando novas formas de ensino e novas relações sociais.
Considerações finais
Baseando-se no princípio da educação integral, a Educação Física deve proporcionar vivências aos seus alunos que não estejam nem explicita, nem implicitamente fundadas em estereótipos de gênero, contribuindo para o desfazer de preconceitos. As razões apontadas para justificar esse tratamento diferenciado tendem a basear-se nas diferenças biológicas entre os sexos, não se considerando as influências sociais e culturais a que todos estão sujeitos durante o seu desenvolvimento.
Contudo, a relação de gênero que se estabelece socialmente no âmbito da educação física escolar e todas as suas significâncias, são postas em confronto permanente. Objetivando-se assim que os modelos que culturalmente idealizamos ou tentamos repassar como o ser absoluto, é muito mais que apenas uma visão de mundo. As diferenças entre homens e mulheres são bem presentes nesta fase da adolescência, identificando uma construção social que permeia esses laços e continua interligado na relação entendida de gênero.
Referencial teórico
ALTMANN, H. Rompendo fronteiras de gênero: Marias (e) homens na educação física. Dissertação de mestrado em educação. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
AUAD, D. Educar meninas e meninos: Relações de gênero na escola. São Paulo: Contexto, 2006.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez, 1992.
FRAGA, A. B. Corpo, Identidade e Bom - Mocismo. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
LIMA, F. M.; DINIS, N. F. Corpo e gênero nas práticas escolares de Educação Física. Currículo sem Fronteiras, v.7, n.1, p.243 - 252, Jan/Jun, 2007.
SOUSA, E. S.; ALTMANN, H. Meninos e meninas: Expectativas corporais e implicações na educação física escolar. Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto, 1999.
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